O gafanhoto e a cura

24/01/2013 14:04

Fonte: Portal da Comunidade Shalom

 

 

Há algumas semanas orava agradecendo ao Senhor uma grande graça de salvação e libertação. Pedi-lhe uma passagem que a confirmasse e Ele me deu o texto em que Joel descreve uma invasão de gafanhotos sobre o povo infiel, que se converte e ouve do Senhor uma inusitada promessa:

 “Eu vos devolverei os anos que o gafanhoto devorou, o yeleq, o hasil e o gazam, meu grande exército [de gafanhotos] que enviei contra vós”. Comereis até fartar-vos, louvareis o nome de Iahweh vosso Deus, que vos tratou de modo maravilhoso, meu povo não se envergonhará nunca mais. (Joel 2, 25s)

Feliz, comecei logo a imaginar como o Senhor me restituiria tantos anos de enganos, cegueiras, pecados, como reconstruiria aqueles “anos de gafanhotos” em minha vida, o tempo que havia perdido, as pessoas que havia magoado, o mal que eu havia feito, o bem que havia deixado de praticar. Sabia que, como sempre, Nosso Senhor me surpreenderia, pois Ele não se deixa vencer em misericórdia e bondade. Não contava, contudo, com o que me diria a seguir.

Mostrou-me uma planta cuja folha maior havia sido destruída por gafanhotos. Em sua superfície havia buracos, mordeduras e raladuras. Perguntou-me, então, como remendaria aquela folha. “Senhor, não sei. Para mim isso seria impossível, mas para ti, tudo é possível, inclusive fazer voltar o passado.”

“Acontece que não sou um Deus de fazer voltar o passado. Veja, com minha ressurreição e o envio do Espírito Santo, aqueles que creram tornaram-se novas criaturas, não criaturas remendadas.”

Na mesma planta que me havia mostrado, começou a surgir outra folha: novinha em folha, verdinha, saudável, viçosa. Nosso Senhor, então, me explicou que era essa a Sua obra: fazer novas todas as coisas, não remendar as velhas. Em meu orgulho e presunção, na mania de querer mandar em minha vida, eu poderia até querer que o passado fosse reconstruído, remendado, mas não era essa a forma de Ele agir. A própria história da salvação comprova isso. Ele é o Senhor da vida ressuscitada, da vida nova. É o Senhor que descongela o rio do passadoe o faz correr, cálido e fecundo, para uma vida nova e para a feliz eternidade. É o Senhor das folhas vivas, novas, sadias.

Caí em mim. Percebi o quanto insistimos com o Senhor sobre refazer, reconstruir o nosso passado. Como desejamos que o tempo retroceda para que vivamos bem o que havíamos vivido mal. Como diz Eclesiastes, “vaidade das vaidades”! Na verdade, “orgulho dos orgulhos”. Grande presunção achar que faria tudo diferente!

Sabemos que do ponto de vista do tempo, o passado é o único tempo que me pertence, pois o presente acaba de passar e o futuro ainda não chegou. Entretanto, ele me pertence como passado e não como presente! Pertence-me para que o utilize como “matéria prima”, como aprendizado para o presente com vistas ao futuro. Para que ele voltasse, teria que ter a mesma idade, exatamente as mesmas circunstâncias, as mesmas pessoas, os mesmos sentimentos, pensamentos, mentalidade. Daí – triste realidade! – provavelmente o viveria do mesmo jeito. Seria, portanto, tolice, pedir a Deus que reconstrua nosso passado, que o modifique. No máximo, podemos – devemos! – pedir-lhe que o ordene para o amor, ou seja, que o faça funcionar segundo as leis do amor e gere em nós humildade, tolerância, paciência, fé, esperança, todas frutos da lei da caridade.

É então que se dá o milagre: segundo as leis do amor de Deus, o passado mal vivido não é remendado – correríamos o risco de colocar remendo novo em pano velho! – mas renovado, transformado em algo totalmente novo, totalmente melhor, totalmente diferente, elevado, divinizado. Antes sofrido e voltado para nós mesmos, passa a ser, agora, cheio de esperança e voltado para o amor, para o Evangelho, apontado para o outro, para a vida eterna, tendo por alvo o céu.

É a folha nova, a vida nova, a graça nova, a oportunidade nova que Nosso Senhor nos dá. Pelo arrependimento, confissão, graça de Deus, graça da salvação, somos novas criaturas, nascidos de novo e o gafanhoto, com a graça de Deus, “nunca mais nos envergonhará”.