JESUS ORANTE E MESTRE DE ORAÇÃO

13/09/2012 13:04

 

 

Se quisermos compreender e valorizar a oração, é imprescindível aproximarmo-nos da oração de Jesus, ou melhor, é necessário aproximarmo-nos do próprio Jesus orante. “No Evangelho, existem por assim dizer dois Jesus: um Jesus público, que prega o Reino com Palavras e sinais, e um Jesus íntimo, quase oculto nas entrelinhas do evangelho. Este último é o Jesus orante”. Desde que Jesus entra no mundo até que retorna ao Pai, toda a sua vida transcorre na oração e intimidade permanente com o Pai. Ele é a pedra angular sobre a qual se ergue o edifício da oração.

O pedido dos discípulos a Jesus: "Ensina-nos a orar"(Lc 11,1) nos ilumina a respeito da aprendizagem de uma experiência de oração. Mas o que seria esta experiência, se orar antes de mais nada é também uma Graça? Não é o Espirito Santo que ora em nós? Isto é verdade, mas é preciso por-se em uma conduta oracional que nos leve além da simples "reza". Não porque a reza seja em si algo reprovável, mas porque ela ainda não é oração. Ela está ainda encerrada no círculo do "eu'e das próprias necessidades. É preciso que ela chegue a uma comunicação interpessoal, onde o protagonista e o Grande Outro. (Ensina-nos a orar, e não a acalmar com palavras a angústia, o medo, a raiva, ou as dúvidas).

Ao pedido dos Apóstolos, Mateus e Lucas atestam que Jesus respondeu ensinando-os a oração do Pai-Nosso, que reflete claramente o pensamento de Jesus sobre a oração. O Pai-Nosso encontra-se nos Evangelhos em dupla redação: a de Mateus (6,9-13) e a de Lucas (11,2-4), mas em ambas, ela se insere no conjunto de ensinamentos que Jesus transmite a seus discípulos sobre o modo de orar.

Mateus, coloca a oração do Pai-Nosso depois de haver apresentado Jesus promulgando as bem-Aventuranças (Mt 5,1-12), que exigem uma série de atitudes, um novo estilo de ser. Todo o preâmbulo da narração do Pai-Nosso fala de uma nova forma de ser e de agir. E no meio deste pequeno evangelho se insere um novo modo de se relacionar com Deus. O Pai-Nosso brota de um coração novo, cuja justiça excede a dos escribas e dos fariseus. Lucas, por sua vez situa o trecho deste ensinamento como a resposta de Jesus à súplica de um des eus discípulos, que lhe pede um modelo de oração.

Apesar de nas duas redações existirem diferenças, os dois textos se completam mutuamente, introduzindo-nos no mistério original da oração de Jesus. Por isso nós, embora estruturemos esta reflexão com base no texto de Mateus(cuja versão prevaleceu na liturgia da Igreja), levaremos em conta também as perspectivas de Lucas.

Na oração do Pai-Nosso, Jesus transmite seu próprio modo de orar, ou melhor, sua oração, e diz ao discípulo que ele pode fazer o mesmo. O cristão poderá orar com os mesmos sentimentos e palavras de Jesus. Ao longo dos séculos, os cristãos descobriram o seu imenso valor como ensinamento de oração e de vida, já que não existe oração sem que esta se prolongue na vida, e não existe autêntica vida cristã, sem que esta seja levada para a oração. Conforme diz de Sto Agostinho “A oração do Senhor é perfeitíssima, porque se oramos de modo reto e congruente, não podemos dizer absolutamente nada que não esteja contido nesta oração. Porque, como a oração é uma espécie de intérprete de nossos desejos diante de Deus, só podemos pedir com retidão o que retamente podemos desejar (...) Assim, esta oração não só nos ensina a pedir, mas ainda enforma e retifica todos os nossos afetos e desejos”. E Sta Teresa escreve admirada: " encontro em tão poucas palavras toda a contemplação e perfeição aí inseridas, a tal ponto que parece que não precisamos de outro livro de oração, a não ser estudar este"(Caminho de Perfeição).

O Pai Nosso não é uma simples fórmula de oração entre outras, mas exprime anova relação que Jesus veio instaurar entre Deus e os homens. Ela é o ponto culminante da doutrina de Jesus e de sua mensagem, que aparece diante de nós como um convite a partilhar de Sua vida filial: Ele nos introduz no cerne de sua relação com o Pai. Tomemos então, por partes, esta preciosa oração que nos deu o Senhor e, nela encontremos, com o auxílio do Espírito Santo, o segredo da Sua e da nossa oração:

1. ABBA: PAI

Segundo narração de Lucas, aos doze anos Jesus acompanhou Maria e José em sua peregrinação anual a Jerusalém. Mas na volta, Jesus não estava com eles, e depois de três dias de procura aflita, ao ser encontrado, Jesus explica sua ausência com uma indagação: “Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai?”. Mais tarde, ao receber o batismo de João no Jordão, manifestar-se-ia publicamente que o impulso filial que o envolve e atrai para o Pai é precedido, de maneira radical e absoluta, pelo movimento do Pai em direção a Ele. O Pai é a fonte desta relação de amor e de intimidade. “Naquele dia, às margens do Jordão, um homem viu o céu abrir-se no fundo de sua alma e viu seu nome escrito no coração do próprio Deus”. Ao mesmo tempo porém Jesus vê-se escolhido para comunicar aos homens esta revelação única que também lhes dix respeito. Porque a Palavra que ouviu o designa pessoalmente como o Filho Bem Amado, mas ela não se detém nele: É uma feliz mensagem messiânica que se dirige a todos nós. Em Jesus, Deus se aproxima de cada um de nós de uma maneira nunca antes conhecida. A partir de Jesus, nada mais poderá nos separar do amor do Pai. Ele será o mensageiro e a testemunha da incomparável proximidade de Deus. Nele, cada um de nós é chamado a ouvir do Pai: “Tu és o meu filho bem-amado”. Todos, sem exceção, a começar pêlos publicanos e pecadores com quem se solidariza descendo com eles para ser batizado no Rio Jordão.

“Pai” (Abba) é uma palavra simples, para muitos até banal, mas na boca de Jesus ressoava de modo novo: por meio desta preciosa palavra Jesus abria uma brecha no mistério de Deus. Os ouvintes de Jesus escutavam estas palavras capazes de fazer desaparecer subitamente todo temos e toda angústia: “Vosso Pai que está nos céus vê no mais secreto...”. A experiência do mestre passou para os cristãos, que não a podiam sentir sem infinita emoção. Paulo o atesta cheio de admiração: "Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: Abba Pai!"(Gl 4,6).

2. PAI NOSSO

O possessivo “Nosso”, de Mateus, nos introduz no mistério da filiação. “Ele dá à consciência filial uma dimensão comunitária. Falando com deus como “Pai Nosso”, os discípulos de Jesus exprimem, ao mesmo tempo que sua relação filial com Deus, sua relação fraterna mútua, que decorre daquela. não se pode dizer “Pai Nosso a não ser na atmosfera de um nós fraterno, com um coração reconciliado e decidido a viver fraternalmente com os outros homens.

A nova proximidade de Deus devia renovar todas as relações humanas, marcando-as com a sua gratuidade. devia nascer uma nova sociedade, livre e fraterna: “orai pêlos que vos perseguem , a fim de serdes verdadeiramente, filhos do vosso Pai, que está nos céus, pois Ele faz nascer seu sol sobre os bons e os maus, e cair chuva sobre os justos e os injustos”(Mt 5,45). Uma nova comunidade humana é chamada a nascer, totalmente inspirada pela nova proximidade de Deus aos homens, pelo ímpeto de ternura, gratuidade e misericórdia que vem do Pai. Assim como o Pai se aproximou de nós de maneira gratuita, devemos nós também aproximar-nos de nossos semelhantes, deixando-nos levar por esse impulso de misericórdia.

3.PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU

O Deus de Jesus é o Pai transcendente, que agora se manifestou em perspectivas de proximidade, embora tenha se aproximado tanto do homem, continua sendo o Outro, o Transcendente, o Mistério. Também lhe recordará que, porque Ele está na terra e o Pai no Céu, os juízos de ambos nem sempre serão coincidentes, pois Deus segue caminhos de eternidade e nós de tempo. A ternura do Pai não desloca seu mistéiro nem o vulgariza diante da simples compreensão humana. A espiritualidade cristã sempre soube conjugar admiravelmente a piedade filial com o santo temor de Deus.

Somente a palavra ABBA conseguia transmitir o que acontecia dentro dele quando olhava para Deus. Mas esta exclamação não é fruto apenas da experiência intensa de intimidade com Ele, mas significa sua unidade com o Pai. No jardim das Oliveiras, quando Jesus mergulhou na solidão da noite para orar, prostrando-se em terra dizia: “Abba” (Pai)! Tudo te é possível, afasta de mim este cálice...” Esta invocação era um grito de angústia, mas sobretudo um apelo de confiança e de ternura em meio à morte que o espera. Desde o seu batismo no Jordão, Jesus não deixara de anunciar ao povo a nova proximidade de Deus, e o fizera à luz de sua experiência, de sua relação íntima com o Pai. Porém, nesta hora, o enviado do Pai para torná-lo mais próximo dos homens teria que experimentar o afastamento para cumprir sua missão. Na ausência do Pai, então, é que estava a agonia do Filho. Mas é na hora do seu silêncio que Deus deixa o homem decidir por si mesmo, com toda a liberdade. Mas é também nesta hora que o homem deve deixar Deus ser Deus, na adoração do seu mistério: “não como eu quero, diz ao Pai, mas como tu queres”. Sua oração termina com uma entrega total de si à vontade do Pai. Costuma-se dizer que o fim da oração vale mais que o começo, certamente porque no fim da oração o coração do homem já não é mais o mesmo. Mudou e se aliviou. Encontrou a paz numa confiança absoluta.

4. SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME

Na linguagem Bíblica o nome expressa a realidade íntima da pessoa. Conhecer o nome é entrar no mistério de quem o possui. Aqui Jesus pede ao Pai que seu nome seja santificado. No sentido Bíblico, santificar o nome de deus equivale a reconhecê-lo como tal, prestando a Ele o devido culto. O homem presta o devido culto a Deus quando submete-se inteiramente a Ele. Quando isto acontecer, então se tornará manifesto o Seu Reino, que já está presente em Jesus, mas que muitos ainda rejeitam. Por esta razão, a petição seguinte “venha a nós o Vosso reino, nada mais é que uma explicitação desta. O novo nome de Deus é “Abba”(Pai) e santifica-o quem o compreende assim e vive em relação a Deus com base nesta filiação.

5. VENHA A NÓS O VOSSO REINO

Que o Pai prossiga com o Seu plano na nossa vida até alcançar o mundo inteiro, e até a consumeção final. Pede-se que se consume em nós o que já se verificou em Jesus. O reinado de Deus consiste em sua soberania sobre cada um dos homens, quando estes lhe prestam culto com a sua própria vida. O reinado de Deus se antecipa quando o discípulo percebe que os sentimentos de Jesus o invadem (Fl 2,5), que está vivendo as bem-aventuranças, que está em franca conversão. “Venha a nós o Vosso reino é a súplica de quem pede que o reino de Deus, que começou a se manifestar em Jesus se consume, que o Pai prossiga com o Seu Plano, para que a vida de Jesus se torne vida nele. “Dito de modo completamente realista, o Reino de Deus significaria que nós lhe pertenceríamos, que seríamos em corpo e alma propriedade sua”(R, Guardini).

Mas é necessário que o reino de Deus chegue para todos os homens. Ele está em tensão, pois se acha presente, mas ainda não se manifestou em todo o seu esplendor. E uma vez que o Reino de Deus ainda não veio para todos os homens, embora esteja a caminho, são necessários homens e mulheres que de coração pleno se dediquem a apressar sua vinda. Por isto, este pedido tem dimensões individuais e sociais, pois a transformação do cristão que suplica que a verdade de Jesus se transforme em vida nele (Jo 16,13), conduziria a sociedade inteira para a sua consumação, pois o reino de Deus toca primeiramente o coração do homem, que convida à conversão, e a partir daí, alcança o cosmos.

6. SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

Esta petição dá o sentido da petição anterior: o Pai reina sobre quem faz a Sua vontade, em quem realiza Sua vontade na terra assim como os anjos a cumprem no Céu ,onde as Bem-Aventuranças são a única realidade vivida. Nós aqui ora vivemos as Bem-aventuranças, ora não temos coragem para isso. Vivemos no claro-escuro da fé. Lá elas são a realidade onde não há mais dúvida. Aqui há dias em que somos tentados a dizer: Sou mesmo feliz? porque ainda estamos confusos com as falsas luzes deste mundo. O cristão reconhece que o Reino de Deus veio até Ele quando faz a vontade de Deus, quando vive aderindo ao seu projeto. Quando o homem se submete ao plano de Deus, o Reino desce sobre os homens, e ele pode viver já na terra em dimensão de eternidade.

Mas qual é a vontade de Deus para cada um de nós? Que vivamos a vida de Cristo. Que não estejamos unidos a Cristo só por um laço afetivo ou psicológico, mas vivencial. Cristo, pois, é a vontade de Deus e sua expressão vivente para cada um de nós. Configurarmo-nos a Cristo, como veremos adiante nestes ensinos.

7. O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE

Na passagem de Mateus, além do pão material, ou melhor, junto com ele, ao mesmo tempo se pede o espiritual, o Reino que vem, a Palavra de Deus e o Corpo de Cristo. se só se pedisse o pão material, poder-se-ia contradizer o próprio Senhor, que nos diz que não é só dele que vive o homem; se se pedisse só o espiritual, haveria motivo para pensar que o Pai não se importa com a vida terrena de seus filhos. No material, sem dúvida se inclui o espiritual, pois é seu símbolo. Todas as refeições que Jesus celebrava com os seus, com os pecadores, a multiplicação dos pães, tudo isso trazia consigo o segredo do Reino. Assim, parafraseando a passagem de Mateus, podemos traduzí-la: "Dá-nos o pão necessário, vital: tua palavra, teu corpo e, por acréscimo, o alimento sem o qual não entendemos o evangelho da tua palavra, nem o gosto do teu corpo" (S. Castro).

Porém, não se pode negar a transitoriedade do alimento material diante do alimento espiritual. Depois de alimentada “na outra margem do mar da Galiléia (Jo 6,1) com o milagre da multiplicação dos pães, uma multidão foi à Cafarnaum para onde Jesus se dirigira. E quando o encontraram, ouviram de Jesus, segundo a narrativa de João, as seguintes palavras: “Em verdade, em verdade vos digo, não é porque vistes sinais que me procurais, mas porque comestes pães à saciedade. É necessário que vos empenheis, não para obter esse alimento perecível, mas o alimento que permanece para a vida eterna, o qual o Filho do homem vos dará, pois foi a Ele que o Pai, que é Deus mesmo, marcou com o seu selo”(Jo 6,26). Assim, quando pedimos que o Pai nos dê hoje o Pão nosso de cada dia, que esteja ímplícita nesta petição a confiança de que Ele nos dará a cada momento o que nos for necessário e útil à nossa Salvação.

8. PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO


Jesus sabe que o discípulo nem sempre corresponde à mentalidade do Reino, e portanto, necessita perdoar e ser perdoado. Primeiramente diante de Deus, de quem somos devedores, como ao irmão, unicamente no amor. Todo o nosso ser pertence a Deus, e quando o reservamos para nós mesmos, ficamos em dívida para com Ele. E em seguida para com o irmão. De todas as faltas de amor, tão conhecidas em 1 Cor 13,4-8, é que pedimos ao Pai que nos perdoe.

O perdão que pedimosa Deus, e que Ele está sempre disposto a nos dar, está atrelado à nossa abertura para também perdoar. O discípulo que pede ao Pai o perdão para si, há de mostrar para com seu irmão a mesma atitude que espera que o Pai tenha para com ele. Seria um contrasenso que alguém pedisse perdão ao Pai sem oferec6e-lo antes aos outros filhos do mesmo Pai. Por isto, “A Graça do Reino, que superabunda em Jesus, se espalha através dele por toda a humanidade. Jesus espera que seus discípulos se abram a esta plenitude e que por sua vez a transbordem sobre os outros, de tal forma que o impulso de misericórdia vindo do Pai possa atuar plenamente em sua vida e assim possam entrar também eles no jogo da gratuidade. Então viverão da graça do Reino e serão verdadeiramente os filhos do Altíssimo” (Eloi Leclerc)

9.NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO, MAS LIVRAI-NOS DO MAL

O cristão acha-se constantemente num autêntico combate espiritual, do qual nem sempre sai vitorioso. Porém, a tentação aqui tem uma conotação muito especial. Refere-se principalmente à prova definitiva: “Não permitas que caiamos na tentação de rejeitar teu Reino que vem”. Junto com esta tentação acham-se as outras, de cada dia, que podem dificultar em maior ou menor grau a abertura a este Reino que já se manifesta na vida de Jesus. O mal será assim tudo o que retarda a abertura do discípulo a que a sua vida seja configurada à vida de Cristo. Sabe o homem não ter em si forças suficientes para levar a termo esta tarefa de viver complenitude em Cristo Ressuscitado. Mas o próprio cristo, antes de deixar os seus, rogou ao Pai que os preservasse do Maligno (Jo 17,15). E lhes havia ensinado a pedir: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal “(Mt 6,13). Evidentemente não pretende Jesus que aos seus seja poupado todo o gênero de tentações e perigos, coisa impossível nesta vida, porque Deus até os permite, para provar a virtude humana, mas quer assegurar-lhe a força para resistir. Quando o cristão está decidido a não ceder às tentações e, com sincero coração invoca o auxílio divino, é certamente atendida sua oração, porque só faz pedir o que Deus deseja muito mais do que ele, tendo para isto entregado seu próprio Filho. Mas não esqueçamos: deve a oração ser acompanhada de mortificação e obras penitenciais, conforme a Palavra do Senhor: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação: “Mt 26,41).