JESUS CRISTO E A VIDA CONSAGRADA

13/09/2012 13:02

 

COMUNIDADE CATÓLICA SHALOM
NÚCLEO DE FORMAÇÃO – RECICLAGEM DE 1997
QUINTA FORMAÇÃO DA TARDE : JESUS CRISTO E A VIDA CONSAGRADA

 

 

O QUE É A CONSAGRAÇÃO?



É um ato mediante o qual uma coisa ou pessoa ou um povo inteiro são escolhidos, separados de todo o restante e destinados, de forma especial, ao culto e ao serviço de Deus, entrando assim em relação particular com Ele, no tocante a outros povos, ou pessoas. É o ato mediante o qual “ se tornam sagrados” e que dá lugar, em seguida, a um “estado”, o estado de consagrados. A nossa consagração vem da consagração de Cristo. Todas as consagrações partem da consagração de Cristo.
 

A CONSAGRAÇÃO DE CRISTO

1. O CONSAGRADO:



Mas que significa dizer que os cristãos foram consagrados? Que tipo de unção receberam? Para descobri-lo, temos que partir de Jesus, que é o primeiro consagrado, aquele ao qual tendiam todas as consagrações conferidas na antiga aliança. O próprio nome Messias, em grego Christós e para nós Cristo, significa Ungido, Consagrado. Nele ocorreu a passagem da letra ao Espírito, das figuras à realidade, do externo e do temporal ao interno e ao eterno. Jesus faz Suas as palavras de Isaías e declara : “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu” ( Lc 4, 18 a).

O momento o qual Jesus se refere, com essas palavras, é o do batismo no Jordão, quando “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder” ( At 10, 38 a). O Pai consagra, Jesus é consagrado e o Espírito Santo é a consagração. É Ele aquele óleo de júbilo com o qual foi ungido “o mais belo entre os filhos do homem” (SL 44,8)

Mas que significa isso e porque somente no Jordão, aos trinta anos de idade, Jesus foi consagrado? Jesus estava certamente cheio do Espírito Santo desde seu nascimento de Maria! Verdade, sim, mas essa era a Sua graça pessoal, incomunicável, porque ligada à união hipostática entre o Verbo e a carne do Salvador. No batismo Jesus é ungido ou consagrado também como cabeça do Corpo Místico, tendo em vista a missão que deve cumprir; recebe a unção que deve transmitir ao Seu Corpo, que é a Igreja. É ungido como Messias, recebe uma espécie de investidura oficial.

‘O Senhor, escreve santo Inácio de Antioquia, recebeu sobre sua cabeça uma unção perfumada, para exalar sobre a Igreja a incorruptibilidade” (Carta aos Efésios, 17). Santo Irineu esclarece: “O espírito de Deus desceu sobre Jesus e O ungiu, para que pudéssemos alcançar a plenitude da Sua unção e sermos assim salvos” (Contra os hereges, III, 9, 3). Outro grande doutor, Santo Atanásio, exprime a mesma convicção dizendo: “Era a nós que se destinava a descida do Espírito santo sobre Jesus no jordão. Ela é para a nossa santificação, para que fôssemos partícipes da sua unção e de nós se pudesse dizer: “Não sabeis que sois templo de Deus e o Espírito Santo habita em vós?” (Contra os arianos, I, 47). Jesus ao mergulhar na água do Jordão para ser batizado, não foi a água que ungiu, que o consagrou, mas foi ele que ao tocar a água a ungiu para que todos pudessem ser ungidos a partir daí, para que todos pudessem ser consagrados. Entre nós e o Espírito havia três muros de separação: a natureza, o pecado e a morte. Jesus abateu o primeiro muro, unindo em Si, na encarnação, a natureza divina e a natureza humana, o Espírito e a carne; abateu o segundo muro, o pecado, morrendo na cruz em expiação dos pecados do mundo; e abateu o terceiro muro, a morte, ressurgindo dos mortos. Agora nada mais impede ao óleo verter-se. O óleo perfumado, da cabeça de Aarão, isto é, do novo Sumo Sacerdote que é Cristo, derrama-se corpo abaixo, até a orla do Seu manto (SI 132,2).

“Jesus mesmo é Aquele que o Pai consagrou e enviou no mais alto dos modos” (Jo 10,36). Nele se resumem todas as consagrações da lei antiga, que simbolizam a sua consagração. Cristo, é por definição, o Consagrado, o Ungido, o Messias: “Aquele a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo” (Jo 10,36). Do mesmo modo que Cristo é a Verdade, a Ressurreição, a Filiação e a Paz, é também a Consagração. Nele se cumpre com todo o rigor o conceito mais estritamente teológico de consagração. Porque Cristo é Deus feito Homem, isto é, o sagrado absoluto (Deus) que assume o secular e profano (a natureza humana) para introduzi-lo no próprio âmbito divino.

Por esta razão, toda consagração deve entender-se em referência explícita e imediata a Jesus cristo, como configuração real com ele em uma dimensão de seu mistério. É essa a definição mais essencial da consagração em sentido teológico. Consequentemente, ali onde houver verdadeira conformação com Cristo, haverá verdadeira consagração.

COMO SE DÁ A CONSAGRAÇÃO?

A ENCARNAÇÃO, CONSAGRAÇÃO SUBSTANCIAL: 
O que aconteceu com a natureza humana de Cristo e que foi toda penetrada de divindade “O Verbo se fez carne e pôs sua morada entre os homens”(Jo 1,14). Preexistente e eterno, enquanto Deus, quis assumir no tempo a natureza humana, fazendo-se verdadeiramente homem com os homens e para os homens. A encarnação é consagração substancial. A Pessoa divina do Verbo é uma natureza humana concreta e o é ativamente (Deus é verdadeiramente homem). A natureza humana de Cristo é toda penetrada intrínsicamente pelo ser pessoal do Verbo “para ser elevada à personalização divina, para subsistir na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade”.

A encarnação supõe, por um lado, verdadeiramente secularização de Deus. O Verbo assume a natureza humana concreta e se faz homem, vale dizer, se faz profano e secular. Mais ainda, a encarnação historicamente supôs assumir uma “carne de pecado” (Rm 8,3) e fazer-se “pecado por nós” (2 Cor 5,21).Ele não pecou, mas assumiu a natureza humana pecadora. Ele fez-se pecado. Simultaneamente, porém, supõe consagração intrínsica dessa realidade humana assumida pelo Verbo. Desde esse momento, a natureza humana de Cristo, sem se confundir jamais com sua natureza divina e sem perder sua índole própria de criatura, ficou transida de divindade, ungida e consagrada pela união hipostática. O Filho de Deus não se encarna propriamente para secularizar-se ou seja, com a decidida e primária intenção de afirmar em sua relativa autonomia os valores mundanos, ainda que a encarnação suponha inserção real no secular. Encarna-se para, consagrar toda essa realidade humana – e por ela, todo o mundo do homem – assumindo-a, elevando-a, transcendendo-a e sacrificando-a.

 

PROCESSO DINÂMICO DE CONSAGRAÇÃO:

SUBMISSÃO A DEUS

OFERTA A DEUS

ENTREGA A DEUS



No momento mesmo da encarnação Cristo iniciou um processo dinâmico de consagração, processo de aniquilamento, mistério pascal, que dura toda a sua vida e que culmina na sua morte e ressurreição gloriosa. Cristo vive e desvive a si mesmo em sacrifício, em auto-doação aos irmãos. E isto não se efetua de uma vez para sempre. Por isso Cristo vive em si mesmo todo um processo de consagração que dura toda a sua vida, até que, na morte e ressurreição, sua natureza humana adquire a transparência que sua condição de Filho de Deus exigia desde o princípio. Ele é humano mas não vive de forma humana, vai sacrificando e consagrando sua natureza humana.

Ao vir a este mundo, Cristo se despojou de si mesmo, tomando a condição de servo, fazendo-se semelhante aos homens e aparecendo em seu porte como homem, e se esvaziou de si mesmo obedecendo até a morte e morte de cruz. Parte essencial desse aniquilamento, pelo qual sacrifica e consagra sua natureza humana, é a obediência, pobreza e castidade. Cristo na encanação, e desde a encarnação, renuncia ao brilho, ao poder, à glória e à majestade, não faz valer seus direitos e se apresenta em estado de fraqueza. Deste modo, desanda o caminho percorrido por Adão, o qual fez alarde de uma categoria que lhe correspondia e fez valer direitos que não possuía. Como toda a vida de Jesus foi um estado de virgindade, de pobreza e de obediência, na realidade toda a sua vida foi aniquilamento contínuo e esvaziamento de si mesmo – Kénosis – vale dizer, sacrifício perene e processo ininterrupto de consagração. Deste modo, sua natureza humana foi superando sua condição carnal, vencendo sua índole terrena e alcançando a transparência da divindade. Sem deixar de ser carne, em virtude da morte e ressurreição, Cristo se torna “Espírito Vivificante” (1 Cor 15,49), e sua carne é pneumática ou espiritual, isto é, totalmente invadida pelo Espírito e, por isso mesmo, fonte de vida espiritual para os homens. Maria Virgem, consagrada já desde o início de sua existência pela conceição imaculada, que supõe não só a ausência total de pecado, mas a plenitude inicial de graça é consagrada de novo pela graça da maternidade divina na encarnação, sendo toda ela introduzida vitalmente no âmbito da Trindade, invadida pelo Espírito, associada a Paternidade do Pai e relacionada intrinsecamente com o Filho, a quem gera, por ação geradora própria, segundo a natureza humana. E, nesse momento mesmo, inicia também ela, todo um processo de aniquilamento – de consagração – que dura toda a sua vida e que culmina na morte física e na assunção gloriosa aos céus. Maria Virgem, como Jesus Cristo, não faz alarde de sua categoria; apresenta-se como mulher qualquer; proclama-se a si mesma serva, quando é verdadeiramente e quando outros a chamam Senhora e Rainha, não faz valer seus direitos. Deste modo, com Seu Filho, desanda o caminho percorrido por Eva e desfaz o nó da desobediência e da incredulidade que Eva atara. Maria, vivendo na virgindade – pobreza – obediência, viveu o sacrifício de si mesma em autodoação a Deus e aos homens. Por isso, justamente, é chamada “modelo e amparo de toda vida consagrada”.

“Cristo, desde o primeiro instante de sua vida temporal vive a si mesmo totalmente em sacrifício, em oblação, em autodoação ao Pai. Toda a sua vida humana é para Deus e faz com que toda a vida humana seja para Deus. Seu sacrifício é constituído, antes de tudo, por esta autodoação pessoal. É isto que caracteriza e confere valor único a um sacrifício. O sacrifício de Cristo é doação total de si mesmo. O sacrifício de Cristo culmina em sua morte – ressurreição; as quais devem ser consideradas primordialmente desde o processo transformador da graça, que aniquila sua condição o seu ser homem carnal.; e, ao superar sua índole temporal humana, fá-lo transpor todos os limites de homem viador e o constitui para sempre na presença consumada.

Cristo, historicamente, assumiu condição pecadora, ou seja, desconsagrada; não só profana, mas também profanada. Cristo não foi nem pode sentir-se jamais culpável de nosso pecado; porém se fez verdadeiramente responsável pelo nosso pecado por vontade do Pai e por vontade própria. Por isso pode responder e de fato respondeu por nós. Assim tornou possível e realizou a consagração de todos em sua consagração pessoal. “Por eles me consagro a mim mesmo – dissera -, para que eles também sejam consagrados na verdade” (Jo 17,19). Cristo, que não pode cometer pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós chegássemos a ser justiça de Deus (2 Cor 5,21).
 

SACERDÓCIO E SACRIFÍCIO DE CRISTO (A consagração de Cristo se consumou em seu sacrifício)



Jesus já está agora em sua situação última – escatológica – e alcançou sua condição definitivamente. Em virtude da ressurreição gloriosa chegou a ser de verdade e totalmente Cristo e Senhor, porque foi totalmente consagrado e entrou no estado de senhorio. Sua natureza humana se tornou imortal e impassível e agora reflete toda a glória do Filho de Deus, à qual havia renunciado ao encarnar-se e ao viver como servo neste mundo. Toda a vida terrena de Jesus foi processo e caminho para esta consumação definitiva. Jesus foi-se consagrando a si mesmo e se foi deixando consagrar – urgir – pelo Espírito, à medida que ia realizando seu Sacrifício.

O mais característico dessa consagração total, o que faz que seu sacrifício seja inteiramente único, é que Jesus não .oferece ao Pai coisas ou animais , vítimas e holocaustos, mas se oferece a si mesmo.

A nossa vida como a de Cristo deve ser sempre um processo e caminho para a consumação definita de entrega a Deus. Até que aconteça a sacrifício total de nossa vida através da morte e ressurreição, então seremos verdadeiramente o que somos: Hoje vemos confusamente, mas veremos claramente (S. Paulo). 

Diante do sacerdócio – Sacrifício das outras religiões, o sacerdócio – sacrifício de Cristo reveste absoluta novidade e originalidade. Não se parece a nenhum deles e se distingue essencialmente de todos os outros.

Cristo é verdadeiramente Sacerdote e oferece culto verdadeiro, porque abraça toda sua pessoa, todo o seu ser e toda a sua existência nele todas os homens são oferecidos, consagrados do pai.
O Sacerdócio de Cristo não é ritual, mas verdadeiro e existencial. Nele todos os homens são oferecidos, consagrados ao Pai. Porque o que Cristo oferece não é rito ou cerimônia, mas sua própria vida humana, sua fraqueza humana, seu medo da morte e do malogro, sua tristeza, suas lágrimas, sua obediência numa palavra, toda a sua própria existência, “não com sangue de cabritos e de touros, mas com seu próprio sangue” (Hb 9,12).

“Cristo se ofereceu a si mesmo” (Hb-9,14). O que Cristo ofereceu foi sua assimilação total a seus irmãos, os homens, exceto no pecado, mas até na tentação (Hb 5,7-8), no peregrinar no meio das provas e contradições (Hb 12,1-3).

Cristo assumiu verdadeira e inteiramente a condição humana, com todas as conseqüências, com todas as situações dolorosas, para vivê-las ele mesmo e dar-lhes novo sentido.
Aquilo que era externo, cultual, lei passou a ser existencial, vida, interioridade verdadeira. (Passou da lei para a graça).

Suprimiu-se para sempre a distinção e distância que havia entre sacerdote e vítima, entre vida e culto, não é algo exterior, mas do fundo do coração. Tudo o que realizava era fruto da sua total doação a Deus livre e consciente.

Nós também devemos viver a si mesmos em total auto doação ao Pai e aos irmãos, prolongando, revivendo e representando a auto doação sacrifical de Cristo. Assumindo com a nova natureza humana elevada por Ele.
 

Cristo – entrou no profano 
Homem – entrou no Sagrado

 

A CONSAGRAÇÃO BATISMAL



Por desígnio eterno amoroso do Pai, Cristo veio ao mundo para consagrar-nos, introduzindo-nos no âmbito mais íntimo do Sagrado, que é ele mesmo: Comunicando-nos sua própria filiação divina. Desde sempre Deus nos pensou e nos elegeu na Pessoa de Cristo, por pura iniciativa sua, para que fôssemos verdadeiramente filhos seus, santos e consagrados em sua presença pelo amor.

No mesmo momento da encarnação, o verbo feito homem foi constituído Cabeça e Salvador de todos os homens. Mediante a humanidade concreta assumida pessoal e substancialmente, nos comunica sua própria vida, que é sua FILIAÇÃO DIVINA. Desse modo nos faz realmente filhos de Deus, e ele se converte no verdadeiro “Eu” sobrenatural de todos nós (Já não sou eu quem vive é Cristo que vive em mim).

O Verbo, na encarnação, ao elevar a si toda a natureza humana concreta, ao expandir sua Filiação divina a todos os homens, nos alongou sua Pessoa, nos apessoou sobre naturalmente, fez-se, deste ponto de vista, nosso próprio Eu”.

Pela encarnação, Cristo nos incorporou a si mesmo, até transformar-nos em seu corpo mestiço, fazendo-nos participantes de seu Espírito (o que tem de mais profundo, de sua essência) e de sua filiação divina. Em seu sacrifício pessoal, consagra-nos e nos transforma em sacrifício agradável a Deus. Unge-nos com a sua unção sagrada, e somos santificados, consagrados, feitos Semelhantes a ele no que tem de mais próprio (o que é de mais dele) na propriedade divino-pessoal que o constitui – que é a sua Filiação, sendo verdadeiramente filhos de Deus no único Filho que Deus tem. Por isso, a encarnação é, para nós o grande mistério da irmanação, de identificação real com cristo, isto é, de nossa salvação. Porque a morte e a ressurreição de Cristo são salvadoras para nós, de modo ontológico real e não moral-jurídico, graças ao realismo de nossa incorporação a ele na encarnação e pela encarnação. Cristo nos faz ele, e somos feitos por graça aquilo que ele é por natureza: Filhos de Deus Pai e filhos da Virgem mãe. Desde este momento, tudo o que a ele acontece realmente a nós: morre ele, e morremos também nós. Nisso consiste essencialmente a consagração cristã fundamental, por meio do batismo.

“Os batizados, com efeito – diz o concílio – são consagrados pela regeneração e pela unção do Espírito Santo como casa espiritual e sacerdócio santo “(LG-10).

O batismo é inserção real em Cristo e em seu mistério de morte e ressurreição. É verdadeira configuração com Cristo em sua condição filial e fraterna, e, por isso mesmo, é verdadeira consagração.

O batismo é ato que gera um processo. Por ele morremos ao pecado e começamos a morrer às raízes de pecados que ficam em nós, até que a morte de Cristo tenha “ mortificado” todo o pecaminoso e tenha consagrado todo o profano. E por isso, começamos a viver verdadeiramente vida nova e eterna, até que esta chegue à sua plenitude no céu (ler Ungidos pelo Espírito, pág. 28(4.º parágrafo), 29(2.º parágrafo), 30(1.º parágrafo) e 31(3.º parágrafo).

A consagração batismal supõe presença ativa e permanente de Deus em nós, uma espécie de presença sacerdotal por ele, com ele e nele que nos transforma em oferenda e em sacrifício e que nos faz posse plena de Deus.
Deus por meio do batismo nos faz filhos seus no Filho e, nele, nos faz irmãos de todos os homens.

Quer dizer. Consagra-nos realmente, configurando-nos com o Consagrado em sua filiação divina e mariana e em sua fraternidade universal. Toda nossa vida cristã é e deve ser processo ininterrupto de crescimento nesta dupla condição filial e fraterna.

Já somos verdadeiramente filhos de Deus, como nos assegura São João, porém ainda não o somos em plenitude, nem se manifestou ainda o que seremos. O processo batismal de configuração com Cristo se concluirá em nossa ressurreição gloriosa, quando inclusive se manifestar a glória de nossa filiação divina.

Cristo, por meio de quem batiza, de forma real e antológica, faz passar o batizado ao Domínio e a pertença completa da Trindade, consagra-o definitivamente a ela. Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa eu te batizo consagrando-te ao Pai e ao Filho e ao Espírito santo, fazendo passar tua pessoa à posse total e exclusiva das divinas pessoas. O batizado é deste modo pessoa especial e antológicamente consagrada que entrou em nova relação interpessoal com Deus: relação que brota de uma regeneração de um novo nascer como filho do Pai Celestial, que em seu Filho unigênito lhe comunicou a filiação durma.

A consagração batismal realiza uma transformação no próprio ser do homem, introduzindo-o, por Cristo e em Cristo, no âmbito mesmo da Trindade. O batizado deixa de ser estranho e peregrino, para se converter em concidadão dos Santos e em doméstico e familiar de Deus (Ef 2,19). Vive desde agora ainda que só inicialmente – a própria vida das três Pessoas Divinas. E Filho do Pai no Filho pela ação do Espírito Santo. (não é do mundo, mas do céu). A fé, a esperança e a caridade animam de dentro todo o seu ser e todo o seu agir, sua atividade e sua existência inteira.

“Pelo batismo, Jesus comparte sua vida com cada cristão; cada um é santificado no Filho; cada um é chamado à santidade; cada um é enviado a compartir a missão de Cristo, com capacidade de crescer no amor e no serviço do Senhor. Este Dom batismal é a consagração fundamental cristão e vem a ser a raiz de todas as outras” (EE 6).

O cristão pode ser definido como uma representação sacramental (visível, verdadeira e real) de Cristo em sua condição filial e fraterna. Ou dito de forma mais explícita: o cristão é pessoa humana – homem ou mulher – chamada por vocação divina especial, consagrada por Deus mediante o sacramento do batismo – e da confirmação -, ou seja, configurada realmente com Cristo em sua filiação divina e mariana e em sua fraternidade universal, para torná-lo de novo visivelmente presente no mundo nesta dupla dimensão de sua existência. Esta consagração constitui e define a identidade e a missão própria e irrenunciável do cristão no mundo. 
 

A CONSAGRAÇÃO E AÇÃO DIVINA



“Na vida consagrada é preciso por em primeiro lugar a iniciativa de Deus e a relação transformante com ele. A consagração é ação divina. Deus chama uma pessoa e a separa para dedicá-la a si mesmo de modo particular. Ao mesmo tempo dá a graça (carisma de e do discípulo) de responder, de tal modo que a consagração se expresse por parte do homem, em entrega de si profunda e livre. A inter-relação resultante é puro Dom: é aliança de amor mútuo e fidelidade, de comunhão e missão para a glória de Deus, quando da pessoa consagrada e salvação do mundo” (EE 5).

 

SENTIDO TEOLÓGICO E TEOLOGAL:


Graça da eleição, realiza uma obra de santidade pessoal e de mediação. A consagração em sentido teológico é configuração real com Cristo supõe verdadeira transformação interior. A pessoa humana é penetrada pela ação santificadora de Deus e invadida por sua Graça.

Renovada por dentro, relaciona-se com Deus – Trindade de maneira nova, de pessoa a pessoa, de tu a Tu, e lhe é verdadeiramente grata e agradável.

Assim entendida, a consagração é algo antológico, porque toca o próprio ser da pessoa, como a graça Santificante, que transforma o homem por dentro e o configura com Cristo.

João Paulo II definiu o consagrado com estas palavras: “é homem consagrado a Deus por Jesus Cristo no amor do Espírito Santo. Este é um dado antológico, que deve aflorar à consciência e orientar a vida” ( 24 de novembro de 1978)

A consagração é graça. É, por isso ação divina (EE5) transformadora do homem no seu ser e no seu agir ( o nosso ser vai se transformando radicalmente na essência do carisma). Os consagrados são pessoas agraciadas mais profundamente (sem mérito nenhum, só pelo seu estado de consagrado).

A graça da consagração toca e renova o mais íntimo da pessoa humana, porém não pode ficar no âmbito antológico, mas deve converter-se em realidade consciente, capaz de presidir e de orientar toda a vida.

A graça é, por si mesma, transformadora do ser íntimo da pessoa e realiza uma configuração real com Jesus Cristo. Não provoca só uma relação extrínseca e superficial com Deus.

A consagração é estritamente pessoal. A consagração, em sentido teológico – teologal, é estritamente pessoal, só aplicável à pessoa. O objeto imediato dos votos não pode ser algo, mas alguém, não simples coisa ou simples valor neutro ou impessoal, mas uma dimensão constitutiva da pessoa.

Só a pessoa, convém repeti-lo, é sujeito de consagração em sentido próprio e formal. Porque só ela pode ser introduzida realmente no âmbito do Sagrado e do Divino, ser verdadeiramente transformada em Deus e divinizada. Invadida pela graça de Deus e transformada em Cristo, sem perder a própria identidade e ser destruída em sua realidade criada. As coisas, propriamente, não são consagradas, porque não podem entrar formalmente em intimidade com Deus e ser penetradas por sua santidade e sua graça.

A DIMENSÃO TEOLOGAL DA CONSAGRAÇÃO

A consagração é teologal porque tem caracter imediato em referência a Deus e na relação com ele. Mais do que ato de virtude moral da religião, é ato das virtudes teologais, porque é constitutivamente amor , fé e esperança; mais ainda, a expressão objetivamente máxima dessas três atitudes básicas do cristão. ( o consagrado tem maior amor, maior esperança e maior caridade, ele é testemunha autêntica de Jesus Cristo, do seu amor, do seu poder e das suas verdades) por isto ele tem uma maior intimidade com Deus e o conhece na verdade e não com imagens falsas.

A consagração da pessoa é entrega e consagração imediata a Deus; portanto tem valor e sentido teologal. Propriamente, a pessoa não se consagra ao culto, ao serviço, à gloria de Deus, e sim a Deus mesmo.

A VIDA CONSAGRADA É CONFIGURAÇÃO REAL COM CRISTO POBRE – OBEDIENTE E CASTO.

O consagrado é configurado realmente com o Consagrado nas suas dimensões constitutivas de sua existência, nas suas dimensões essenciais de seu projeto humano de vida, que são a castidade, pobreza e obediência. De fato os chamados conselhos evangélicos não foram simples exemplos edificantes ou virtudes de Jesus Cristo, mas suas atitudes vitais e totais.
Jesus viveu na virgindade – pobreza – obediência como expressão de amor total e de plena doação de si mesmo ao Pai e aos irmãos, a Deus e os homens.

A vida religiosa intenta re-viver, perpetuar e re-presentar sacralmente na igreja e para o mundo o gênero de vida de Jesus, sua preexistência, sendo para ele nova humanidade na qual possa renovar e atualizar seu mistério. João Paulo II disse a este respeito: “ Seguir a Cristo é algo existencial. É querer imitá-lo até ao extremo de deixar-se configurar com ele; assemelhar-se a ele até ao ponto de ser como outra humanidade sua, segundo as palavras da irmã Isabel da Trindade. E isso em seu mistério de castidade, pobreza e obediência.”

“Jesus viveu sua consagração precisamente como Filho de Deus: dependendo do Pai, amando-o sobre todas as coisas e entregue por inteiro à sua vontade. Esses traços de sua vida como Filho são compartidos por todos os cristãos. A alguns, entretanto, para o bem de todos, Deus dá o Dom de seguir mais estreitamente Jesus em sua pobreza, sua castidade e sua obediência por meio da profissão pública esses conselhos com a mediação da igreja. Essa profissão, à imitação de Jesus Cristo, põe de manifesto uma consagração particular que está enraizada na consagração do batismo e a expressa com maior plenitude. A expressão com maior plenitude nos faz pensar no domínio da pessoa divina do Verbo sobre a natureza humana que assumiu e nos convida a uma resposta como a de Jesus. Um Dom de si mesmo a Deus de maneira que somente ele pode tornar possível e que é testemunho de sua santidade e de seu absoluto. Tal consagração é Dom de Deus. Graça gratuitamente dada.

A vida religiosa, além da consagração batismal ou configuração com Cristo, própria da vida cristã, supõe e é constitutivamente nova configuração com a pessoa de Cristo em seu modo histórico de viver inteiramente para Deus e para os homens: em virgindade – pobreza – obediência vividas em comunidade. Implica e é a entrega total da pessoa humana a Deus com “doação absolutíssima e irrevogável, como a de Cristo”. E por parte de Deus é ação transformadora e a posse total da pessoa por título novo e especial.

A profissão dos votos pelo qual o consagrado se compromete a viver os três conselhos evangélicos “realiza uma consagração, com o qual se entrega totalmente a Deus, que é o único ao qual se pode oferecer o Dom tão absoluto da pessoa humana .

O consagrado em virtude de sua vocação específica, pobreza, obediência, castidade, oração ... deve perpetuar o viver imediatamente para o Pai que encarnou em sua vida Jesus Cristo.

É DEUS QUEM REALIZA A CONSAGRAÇÃO

Não é o homem que se consagra, mas é Deus quem o consagra o verbo consecratur (cf LG 44) deve ser entendido em sentido passivo, não em sentido reflexivo, como já advertiram na assembléia os próprios padres conciliares. E deve ser traduzido, consequentemente, não por se consagra, mas por é consagrado. “ O religioso não se consagra a si mesmo. É consagrado. Ainda que ele deva responder, cooperando, a esta consagração. Não é, portanto, opção que o religioso faça por sua conta. É Dom e chamado”. “Falando com a precisão rigorosa da teologia, o homem não se consagra a si mesmo a Deus. Pelo contrário, é Deus quem ... adquire domínio do homem ... o homem é consagrado, no sentido estrito da palavra ... Deus se apoderou dele ... Por isso, a palavra consagração, em contexto cristão, evoca primeiro e essencialmente o movimento de aproximação de Deus ao homem e não do homem a Deus.

O consagrado, mediante a profissão dos conselhos evangélicos, “ segue mais estreitamente o aniquilamento do salvador e do testemunho mais evidente dele” . Por esta razão, a consagração, religiosa, nesta linha de morte – renúncia, sacrifício – a valores positivos, e não enquanto ocasiões possíveis de pecado, supõe e é real aprofundamento, radicalização e complemento da consagração batismal. E uma configuração mais plena e acabada com Cristo aniquilado e sacrificado.

Todo cristão tem que viver para Deus. Deus tem que ser o fim último de seu ser e de seu agir. O consagrado, porém, tem viver imediatamente para Deus. Deus e seu fim primeiro, seu fim imediato, seu primeiro dado de consciência.

Sabendo, ademais, que a imediaticidade para com Deus é a única que possibilita e garante a imediaticidade para com todos os homens.

* A VIDA CONSAGRADA NASCE NA IGREJA E É PARA A IGREJA

Os chamados conselhos evangélicos e o estado de vida nele fundado são Dom divino que a Igreja recebeu Jesus Cristo e que com sua graça conservar sempre.

A vida consagrada redunda em favor da Igreja inteira, que é o âmbito próprio de nossa inserção em Cristo e da própria consagração. É a Igreja que autêntica o Dom e é mediadora da consagração (é ela quem consagra).

* A CONSAGRAÇÃO, POR MEIO DOS TRÊS VOTOS TEM CARÁTER DE TOTALIDADE.

Isto é, compreende toda a pessoa e toda a sua vida, ou seja, o que a pessoa é e não somente o que a pessoa tem ou faz.

A pessoa é: capaz de amar e de ser amada, ou seja, “ afetividade” , que é o âmbito da castidade; capaz de programar em liberdade a própria existência, que é o âmbito da obediência, capaz de possuir, que é o âmbito da pobreza.

 


* A VIDA CONSAGRADA É CONFIGURADA COM CRISTO NO SACRIFÍCIO TOTAL DE SI MESMO.

A vida consagrada é doação de si mesmo como um sacrifício oferecido a Deus.

O cristão comum realiza uma oblação de sua vida resta uma ultima raiz de profanidade, por assim dizer, que é o seu eu, oferecido a Deus, porém não inteiramente negado pelos votos.

O consagrado realiza um sacrifício da sua vida porque se doa em sacrifício e nega o seu eu por meio dos votos.

O sacrifício implica inteira sacralização da coisa sacrificada, a qual, entregue, votada ao sacro de modo irrevogável, não pode mais ser entregue para usos profanos.

O cristão comum deve está disposto a perder tudo por Deus, porém o consagrado, por meio dos votos, vive com radicalismo especial essa disponibilidade total, deixar tudo de fato por Jesus.

* A CONSAGRAÇÃO NOS LEVA A VIVER JÁ COMO RESSUSCITADOS.

Pois já vive a vida nova e celeste de Cristo e de Maria, que inaugura modo fundamental de viver o Reino de Deus consumado.