Catecismo da igreja catolica
ARTIGO 7
O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1601 “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma
comunhão da vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e
educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento por Cristo
Senhor.”
I. O MATRIMÔNIO NO DESÍGNIO DE DEUS
1602 A sagrada Escritura abre-se com a criação do homem e da mulher à imagem e
semelhança de Deus se fecha-se com a visão das “núpcias do Cordeiro” (cf. Ap 19,7). De um
extremo a outro, a Escritura fala do casamento e de seu “mistério”, de sua instituição e do
sentido que lhe foi dado por Deus, de sua origem e de seu fim, de suas diversas realizações ao
longo de história da salvação, de suas dificuldades provenientes do pecado e de sua renovação
“no Senhor” (1Cor 7,39), na Nova Aliança de Cristo e da Igreja.
O MATRIMÔNIO NA ORDEM DA CRIAÇÃO
1603 “A íntima comunhão de vida e de amor conjugal que o Criador fundou e dotou
com suas leis [...] O próprio [...] Deus é o autor do matrimônio. “A vocação para o Matrimônio
está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram da mão do Criador. O
casamento não é uma instituição simplesmente humana, apesar das inúmeras variações que
sofreu no curso dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais. Essas
diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns e permanentes. Ainda que a
dignidade desta instituição não transpareça em toda parte com a mesma clareza, existe,
contudo, em todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial. “A salvação
da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao bem-estar da comunidade
conjugal e familiar.”
1604 Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação
fundamental e inata de todo ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, que é Amor. Tendo-os Deus criado homem e mulher, seu amor mútuo se torna uma imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é bom, muito bom,
aos olhos do Criador, que “é amor” (1Jo 4,8.16). E esse amor abençoado por Deus é destinado a
ser fecundo e a realizar-se na obra comum de preservação da criação: “Deus os abençoou e
lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28).
1605 Que o homem e a mulher tenham sido criados um para o outro, a sagrada Escritura
o afirma: “Não é bom que O homem esteja só” (Gn 2,18). A mulher, “carne de sua carne”, é,
igual a ele, bem próxima dele, lhe foi dada por Deus como um “auxilio”, representando, assim,
“Deus, em quem está o nosso socorro”. “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à
sua mulher, e eles se tornam uma só carne” (Gn 2,24). Que isto significa uma unidade indefectível
de suas duas vidas, o próprio Senhor no-lo mostra lembrando qual foi, 'na origem”, o desígnio do
Criador (Cf Mt 19,4): “De modo que já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19,6).
O CASAMENTO SOB O REGIME DO PECADO
1606 Todo homem sofre a experiência do mal, à sua volta e em si mesmo. Esta
experiência também se faz sentir nas relações entre o homem e a mulher. Sua união sempre foi
ameaçada pela discórdia, pelo espírito de dominação, pela infidelidade, pelo ciúme e por
conflitos que podem chegar ao ódio e à ruptura. Essa desordem pode manifestar-se de maneira
mais ou menos grave, e pode ser mais ou menos superada, segundo as culturas, as épocas, os
indivíduos. Tais dificuldades, no entanto parecem ter um caráter universal.
1607 Segundo a fé, essa desordem que dolorosamente constatamos não vem da
natureza do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. Tendo
sido uma ruptura com Deus, o primeiro pecado tem, como primeira conseqüência a ruptura da
comunhão original do homem e da mulher. Sua relações começaram a ser deformadas por
acusações recíprocas sua atração mútua, dom do próprio Criador transforma-se relações de
dominação e de cobiça[ag19] ; a bela vocação do homem e da mulher para ser fecundos,
multiplicar-se e sujeitar a terra é onerada pelas dores de parto e pelo suor do ganha-pão.
1608 Não obstante, a ordem da criação subsiste, apesar de gravemente perturbada. Para
curar as feridas do pecado, o homem e a mulher precisam da ajuda da graça que Deus, em sua
misericórdia infinita, jamais lhes recusou. Sem esta ajuda, homem e a mulher não podem chegar
a realizar a união de suas vidas para a qual foram criados “no princípio”.
O CASAMENTO SOB A PEDAGOGIA DA LEI
1609 Em sua misericórdia, Deus não abandonou o homem pecador. As penas que
acompanham o pecado, “as dores da gravidade de dar à luz (Cf Gn 3,16), o trabalho “com o
suor de teu rosto” (Gn 3,19) constituem também remédios que atenuam os prejuízos do pecado.
Após a queda, o casamento ajuda a vencer a centralização em si mesmo, o egoísmo, a busca
do próprio prazer, e a abrir-se ao outro, à ajuda mútua, ao dom de si.
1610 A consciência moral concernente à unidade e à indissolubilidade do Matrimônio
desenvolveu-se sob a pedagogia da lei antiga. A poligamia dos patriarcas e dos reis ainda não
fora explicitamente rejeitada. Entretanto, a lei dada a Moisés visava proteger a mulher contra o
arbítrio é a dominação pelo homem, apesar de também trazer, segundo a palavra do Senhor, os
traços da “dureza do coração” do homem, em razão da qual Moisés permitiu o repúdio da
mulher.
1611 Examinando a aliança de Deus com Israel sob a imagem de um amor conjugal
exclusivo e fiel, os profetas prepararam a consciência do povo eleito para uma compreensão
mais profunda da unicidade e indissolubilidade do Matrimônio. Os livros de Rute e de Tobias dão
testemunhos comoventes do elevado sentido do casamento, da fidelidade e da ternura dos
esposos. A Tradição sempre viu no Cântico dos Cânticos uma expressão única do amor humano,
visto que é reflexo do amor de Deus, amor “forte como a morte”, que “as águas da torrente
jamais poderão apagar” (Ct 8,6-7).O CASAMENTO NO SENHOR
1612 A aliança nupcial entre Deus e seu povo Israel havia preparado a nova e eterna
aliança na qual o Filho de Deus, encarnando-se e entregando sua vida, uniu-se de certa maneira
com toda a humanidade salva por ele, preparando, assim, “as núpcias do Cordeiro (Cf Ap 19,7
e 9).
1613 No limiar de sua vida pública, Jesus opera seu primeiro sinal a pedido de sua Mãe por
ocasião de uma festa de casamento. A Igreja atribui grande importância à presença de Jesus
nas núpcias de Caná. Vê nela a confirmação de que o casamento é uma realidade boa e o
anúncio de que, daí em diante, ser ele um sinal eficaz da presença de Cristo.
1614 A Celebração do Mistério Cristão Os Sete Sacramentos da igreja. Em sua pregação,
Jesus ensinou sem equívoco o sentido o original da união do homem e da mulher, conforme quis
o Criador desde o começo. A permissão de repudiar a própria mulher, concedida por Moisés, era
uma concessão devida à dureza do coração; a união matrimonial do homem e da mulher é
indissolúvel, pois Deus mesmo a ratificou: “O que Deus uniu, o homem não deve separar” (Mt
19,6).
1615 É provável que esta insistência sem equívoco na indissolubilidade do vínculo
matrimonial deixasse as pessoas perplexas e aparecesse como uma exigência irrealizável.
Todavia, isso não quer dizer que Jesus tenha imposto um fardo impossível de carregar e pesado
demais para os ombros dos esposos, mais pesado que a Lei de Moisés. Como Jesus veio para
restabelecer ordem inicial da criação perturbada pelo pecado, ele mesmo dá a força e a graça
para viver o casamento na nova dimensão do Reino de Deus. E seguindo a Cristo, renunciando a
si mesmos e tomando cada um sua cruz que os esposos poderão “compreender” o sentido
original do casamento e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça do Matrimônio cristão é um
fruto da Cruz de Cristo, fonte de toda vida cristã.
1616 É justamente isso que o apóstolo Paulo quer fazer entender quando diz: “E vós,
maridos, amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de
purificá-la” (Ef 5,25-26), acrescentando imediatamente: “Por isso de deixar o homem seu pai e
sua mãe e se ligar à sua mulher, e serão ambos uma só carne. E grande este mistério: refiro-me à
relação entre Cristo e sua Igreja” (Ef 5,31-32).
1617 Toda [§40] a vida cristã traz a marca do amor esponsal de Cristo e da Igreja. Já o
Batismo, entrada no Povo de Deus, é um mistério nupcial: é, por assim dizer, o banho das núpcias
que precede o banquete de núpcias, a Eucaristia. O Matrimônio cristão se torna, por sua vez,
sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo e da Igreja. O Matrimônio entre batizados é um
verdadeiro sacramento da nova aliança, pois significa e comunica a graça.
A VIRGINDADE POR CAUSA DO REINO
1618 Cristo é o centro de toda a vida cristã. O vínculo com Ele está em primeiro lugar, na
frente de todos os outros vínculos, familiares ou sociais. Desde o começo da Igreja, houve
homens e mulheres que renunciaram ao grande bem do Matrimônio para seguir o Cordeiro onde
quer que fosse, para ocupar-se com as coisas do Senhor, para procurar agradar-lhe, para ir ao
encontro do Esposo que vem. O próprio Cristo convidou alguns para segui-lo neste modo de
vida, cujo modelo continua sendo ele mesmo:
Há eunucos que nasceram assim do ventre materno. E há eunucos que foram feitos
eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus.
Quem tiver capacidade para compreender compreenda! (Mt 19,12).
1619 A virgindade pelo Reino dos Céus é um desdobramento da graça batismal, um
poderoso sinal da preeminência do vínculo com Cristo, da ardente expectativa de seu regresso, um sinal que também lembra que o Matrimônio é uma realidade da figura deste mundo que
passa.
1620 Ambos, o sacramento do Matrimônio e a virgindade pelo Reino de Deus, provêm
do próprio Senhor. É Ele que lhes dá sentido e concede a graça indispensável para vivê-los em
conformidade com sua vontade. A estima da virgindade por causa do Reino e o sentido cristão
do casamento são inseparáveis e se ajudam mutuamente:
Denegrir o Matrimônio é ao mesmo tempo minorar a glória da virgindade; elogiá-lo é
realçar a admiração que se deve à virgindade... Porque, afinal, o que não parece um bem
senão em comparação com um mal não pode ser verdadeiramente um bem, mas o que é
ainda melhor que bens incontestáveis é o bem por excelência.
II. A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO
1621 No rito latino, a celebração do Matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente
ocorre dentro da santa missa, em vista de vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal
de Cristo. Na Eucaristia se realiza o memorial da nova aliança, na qual Cristo se uniu para sempre
à Igreja, sua esposa bem-amada, pela qual se entregou. Portanto, é conveniente que os esposos
selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas,
unindo-o à oferenda de Cristo por sua Igreja que se toma presente no Sacrifício Eucarístico, e
recebendo Eucaristia, a fim de que, comungando no mesmo Corpo e no mesmo Sangue de
Cristo, eles “formem um só corpo” nele.
1622 “Como gesto sacramental de santificação, a celebração litúrgica do Matrimônio ...
deve ser válida por si mesma, digna e frutuosa.” Convém, pois, que os futuros esposos se
disponham à celebração de seu casamento recebendo o sacramento da Penitência.
1623 Segundo a tradição latina, são os esposos que, como ministros da graça de Cristo, se
conferem mutuamente o sacramento do Matrimônio, expressando diante da Igreja seu
consentimento. Nas tradições das Igrejas Orientais, os sacerdotes, Bispos ou presbíteros, são
testemunhas do consentimento recíproco dos esposos, mas também é necessária a bênção
deles para a validade do sacramento.
1624 As diversas liturgias são ricas em orações de bênção e de epiclese para pedir a Deus
a graça e a bênção sobre o novo casal, especialmente sobre a esposa. Na epiclese deste
sacramento, os esposos recebem o Espírito Santo como comunhão de amor de Cristo e da Igreja
(Cf Ef 5,32). É Ele o selo de sua aliança, a fonte que incessantemente oferece seu amor, a força
em que se renovar a fidelidade dos esposos.
III. O CONSENTIMENTO MATRIMONIAL
1625 Os protagonistas da aliança matrimonial são um homem e uma mulher batizados,
livres para contrair o Matrimônio e que expressam livremente seu consentimento. “Ser livre” quer
dizer:
ü não sofrer constrangimento;
ü não ser impedido por uma lei natural ou eclesiástica.
1626 A Igreja considera a troca de consentimento entre os esposos como elemento
indispensável “que produz o matrimônio”. e faltar o consentimento, não há casamento.
1627 O consentimento consiste num “ato humano pelo qual os cônjuges se doam e se
recebem mutuamente”: “Eu te recebo por minha mulher” - “Eu te recebo por meu marido. Este
consentimento que liga os esposos entre si encontra seu cumprimento no fato de “os dois se
tomarem uma só carne”. 1628 O consentimento deve ser um ato da vontade de cada um dos contraentes, livre
de violência ou de medo grave externo. Nenhum poder humano pode suprir esse
consentimento. Se faltar esta liberdade, o casamento será inválido.
1629 Por esta razão (ou por outras razões que tornam nulo e inexistente o Matrimônio),
a Igreja pode, após exame da situação pelo tribunal eclesiástico competente, declarar “a
nulidade do casamento”, isto é, que o casamento jamais existiu. Neste caso, os contraentes
ficam livres para casar-se, respeitando as obrigações naturais provenientes de uma união
anterior.
1630 O sacerdote (ou o diácono) que assiste à celebração do Matrimônio acolhe o
consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro
da Igreja (e também das testemunhas) exprime visivelmente que o casamento é uma realidade
eclesial.
1631 É por esta razão que a Igreja normalmente exige de seus fiéis a forma eclesiástica
da celebração do casamento. Diversas razões concorrem para explicar esta determinação:
ü casamento-sacramento é um ato litúrgico. Por isso, convém que seja celebrado na
liturgia pública da Igreja.
ü Matrimônio foi introduzido num ordo eclesial, cria direitos e deveres na Igreja, entre os
esposos e relativos à prole.
ü Sendo o Matrimônio um estado de vida na Igreja, é necessário que haja certeza a seu
respeito (daí a obrigação de haver testemunhas).
ü caráter público do consentimento protege o mútuo “Sim” que um dia foi dado e
ajuda a permanecer-lhe fiel.
1632 Para que o “sim” dos esposos seja um ato livre e responsável e para que a aliança
matrimonial tenha bases humanas e cristãs sólidas e duráveis, a preparação para o casamento é
de primeira importância:
O exemplo e o ensinamento dos pais e da família continuam sendo o caminho
privilegiado desta preparação.
O papel dos pastores e da comunidade cristã como “família de Deus” é indispensável
para a transmissão dos valores humanos e cristãos do Matrimônio e da família, e mais ainda
porque em nossa época muitos jovens conhecem a experiência dos lares desfeitos que não
garantem mais suficientemente esta iniciação (feita dentro da família):
Os jovens devem ser instruídos convenientemente e a tempo sobre a dignidade, a função
e o exercício do amor conjugal, a fim de que, preparados no cultivo da castidade, possam
passar, na idade própria, do noivado honesto para as núpcias.
OS CASAMENTOS MISTOS E A DISPARIDADE DE CULTO
1633 Em muitos países, a situação do casamento misto (entre católico e batizado nãocatólico) se apresenta com muita freqüência. Isso exige uma atenção particular dos cônjuges e
dos pastores. O caso dos casamentos com disparidade de culto (entre católico e não-batizado)
exige uma circunspecção maior ainda.
1634 A diferença de confissão entre os cônjuges não constitui obstáculos insuperável para
o casamento, desde que consigam pôr em comum o que cada um deles recebeu em sua
comunidade e aprender um do outro o modo de viver sua fidelidade a Cristo. Mas nem por isso
devem ser subestimadas as dificuldades dos casamentos mistos. Elas se devem ao fato de que a
separação dos cristãos é uma questão ainda não resolvida. Os esposos correm o risco de sentir o
drama da desunião dos cristãos no seio do próprio lar. A disparidade de culto pode agravar
ainda mais essas dificuldades. As divergências concernentes à fé, à própria concepção do
casamento, como também mentalidades religiosas diferentes, podem constituir uma fonte de tensões no casamento, principalmente no que tange à educação dos filhos. Uma tentação
pode então apresentar-se: a indiferença religiosa.
1635 Conforme o direito em vigor na Igreja Latina, um casamento misto exige, para sua
liceidade, a permissão expressa da autoridade eclesiástica[ag79] . Em caso de disparidade de
culto, requer-se uma dispensa expressa do impedimento para a validade do casamento. Esta
permissão ou esta dispensa supõem que as duas partes conheçam e não excluam os fins e as
propriedades essenciais do casamento, e também que a parte católica confirme o empenho,
com o conhecimento também da parte não-católica, de conservar a própria fé e assegurar o
batismo e a educação dos filhos na Igreja católica.
1636 Em muitas regiões, graças ao diálogo ecumênico, as comunidades cristãs envolvidas
conseguiram criar uma pastoral comum para os casamentos mistos. Sua tarefa é ajudar esses
casais a viver sua situação particular à luz da fé. Deve também ajudá-los a superar as tensões
entre as obrigações que um tem para com o outro e suas obrigações para com suas
comunidades eclesiais, além de incentivar o desabrochar daquilo que lhes é comum na fé e o
respeito por tudo que os separa.
1637 Nos casamentos com disparidade de culto, o cônjuge católico tem uma missão
particular: “Pois o marido não-cristão é santificado pela esposa, e a esposa não-cristã é
santificada pelo marido cristão” (1Cor 7,14). Ser uma grande alegria para o cônjuge cristão e
para a Igreja se esta “santificação” levar o cônjuge à livre conversão à fé cristã. O amor conjugal
sincero, a humilde e paciente prática das Virtudes familiares e a oração perseverante podem
preparar o cônjuge não-cristão a acolher a graça da conversão.
IV. OS EFEITOS DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1638 “Do Matrimônio válido origina-se entre os cônjuges um vínculo que, por sua natureza,
é perpétuo e exclusivo; além disso, no Matrimônio cristão, os cônjuges são robustecidos e como
que consagrados por um sacramento especial aos deveres e à dignidade de seu estado.”
O VÍNCULO MATRIMONIAL
1639 O consentimento pelo qual os esposos se entregam e se acolhem mutuamente é
selado pelo próprio Deus. De sua aliança “se origina também diante da sociedade uma
instituição firmada por uma ordenação divina”. A aliança dos esposos é integrada na aliança de
Deus com os homens: “O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino”.
1640 O vínculo matrimonial é, pois, estabelecido pelo próprio, Deus, de modo que o
casamento realizado e consumado entre batizados jamais pode ser dissolvido. Este vínculo que
resultado ato humano livre dos esposos e da consumação do casamento é uma realidade
irrevogável e dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus. Não cabe ao poder
da Igreja pronunciar-se contra esta disposição da sabedoria divina.
A GRAÇA DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1641 “Em seu estado de vida e função, (os esposos cristãos) têm um dom especial dentro
do povo de Deus.” Esta graça própria do sacramento do Matrimônio se destina a aperfeiçoar o
amor dos cônjuges, a fortificar sua unidade indissolúvel. Por esta graça “eles se ajudam
mutuamente a santificar-se na vida conjugal, como também na aceitação e educação dos
filhos”.
1642 Cristo é a fonte desta graça. “Como outrora Deus tomou a iniciativa do pacto de
amor e fidelidade com seu povo, assim agora o Salvador dos homens, Esposo da Igreja, vem ao
encontro dos cônjuges cristãos pelo sacramento do Matrimônio[ag93] .” Permanece com eles,
concede-lhes a força de segui-lo levando sua cruz e de levantar-se depois da queda, perdoar-se
mutuamente, carregar o fardo uns dos outros, “submeter-se uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5,21) e amar-se com um amor sobrenatural, delicado e fecundo. Nas alegrias de seu amor e de
sua vida familiar, Ele lhes dá, aqui na terra, um antegozo do festim de núpcias do Cordeiro.
Onde poderei haurir a força para descrever satisfatoriamente a felicidade do Matrimônio
administrado pela Igreja, confirmado pela doação mútua, selado pela bênção? Os anjos o
proclamam, o Pai celeste o ratifica... O casal ideal não é o de dois cristãos unidos por uma única
esperança, um único desejo, uma única disciplina, o mesmo serviço? Ambos filhos de um mesmo
Pai, servos de um mesmo Senhor. Nada pode separá-los, nem no espírito nem na carne; ao
contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Onde a carne é uma só, um também é
o espírito.
V. OS BENS E AS EXIGÊNCIAS DO AMOR CONJUGAL
1643 “O amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os
componentes da pessoa apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade,
aspiração do espírito e da vontade; O amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente
pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e
a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e
abre-se à fecundidade. Numa palavra, trata-se das características normais de todo amor
conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas elevaas, a ponto de torná-las a expressão dos valores propriamente cristãos.”
A UNIDADE E A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÔNIO
1644 O amor dos esposos exige, por sua própria natureza, a unidade e a indissolubilidade
da comunidade de pessoas que engloba toda a sua vida: “De modo que já não são dois, mas
uma só carne” (Mt 19,6). “Eles são chamados a crescer continuamente nesta comunhão por
meio da fidelidade cotidiana à promessa matrimonial do dom total recíproco.” Esta comunhão
humana é confirmada, purificada e aperfeiçoada pela comunhão em Jesus Cristo, concedida
pelo sacramento do Matrimônio . E aprofundada pela vida da fé comum e pela Eucaristia
recebida pelos dois.
1645 “A unidade do Matrimônio é também claramente confirmada pelo Senhor mediante
a igual dignidade do homem e da mulher como pessoas, a qual deve ser reconhecida no amor
mútuo e perfeito.” A poligamia é contrária a essa igual dignidade e ao amor conjugal, que é
único e exclusivo.
A FIDELIDADE DO AMOR CONJUGAL
1646 O amor conjugal exige dos esposos, por sua própria natureza, uma fidelidade
inviolável. Isso é a conseqüência do dom de si mesmos que os esposos fazem um ao outro. O
amor quer ser definitivo. Não pode ser “até nova ordem”. “Esta união íntima, doação recíproca
de duas pessoas e o bem dos filhos exigem perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolúvel
unidade.”
1647 O motivo mais profundo se encontra na fidelidade de Deus à sua aliança, de Cristo à
sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimônio, os esposos se habilitam a representar esta fidelidade
e a testemunhá-la. Pelo sacramento, a indissolubilidade de casamento recebe um novo e mais
profundo sentido.
1648 Pode parecer difícil e até impossível ligar-se por toda a vida a um ser humano. Por isso
é de suma importância anunciar a Boa Nova de que Deus nos ama com um amor definitivo e
irrevogável, que os esposos participam deste amor, que Ele os apóia e mantém e que, por meio
de sua fidelidade, podem ser testemunhas do amor fiel de Deus. Os esposos que, com a graça
de Deus, dão esse testemunho, não raro em condições bem difíceis, merecem a gratidão e o
apoio da comunidade eclesial.1649 Mas existem situações em que a coabitação matrimonial se torna praticamente
impossível pelas mais diversas razões. Nestes casos, a Igreja admite a separação física dos
esposos e o fim da coabitação. Os esposos não deixam de ser marido e mulher diante de Deus;
não são livres para contrair uma nova união. Nesta difícil situação, a melhor solução seria, se
possível, a reconciliação. A comunidade cristã é chamada a ajudar essas pessoas a viverem
cristãmente sua situação, na fidelidade ao vínculo de seu casamento, que continua indissolúvel.
1650 São numerosos hoje, em muitos países, os católicos que recorrem ao divórcio
segundo as leis civis e que contraem civicamente uma nova união. A Igreja, por fidelidade à
palavra de Jesus Cristo (“Todo aquele que repudiar sua mulher e desposar outra comete
adultério contra a primeira; e se essa repudiar seu marido e desposar outro comete adultério”:
Mc 10,11-12), afirma que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro
casamento foi válido. Se os divorciados tornam a casar-se no civil, ficam numa situação que
contraria objetivamente a lei de Deus. Portanto, não podem ter acesso à comunhão eucarística
enquanto perdurar esta situação. Pela mesma razão não podem exercer certas
responsabilidades eclesiais. A reconciliação pelo sacramento da Penitência só pode ser
concedida aos que se mostram arrependidos por haver violado o sinal da aliança e da
fidelidade a Cristo e se comprometem a viver numa continência completa.
1651 A respeito dos cristãos que vivem nesta situação e geralmente conservam a fé e
desejam educar cristãmente seus filhos, os sacerdotes e toda a comunidade devem dar prova
de uma solicitude atenta, a fim de não se considerarem separados da Igreja, pois, como
batizados, podem e devem participar da vida da Igreja:
Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o sacrifício da missa, a perseverar
na oração, a dar sua contribuição às obras de caridade e às iniciativas da comunidade em
favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para
assim implorar, dia a dia, a graça de Deus.
A ABERTURA · FECUNDIDADE
1652 O instituto do Matrimônio e o amor dos esposos estão, por sua índole natural,
ordenados à procriação e à educação dos filhos, e por causa dessas coisas (a procriação e a
educação dos filhos), (o instituto do Matrimônio e o amor dos esposos) são como que coroados
de maior glória.
Os filhos são o dom mais excelente do Matrimônio e contribuem grandemente para o bem
dos próprios pais. Deus mesmo disse: “Não convém ao homem ficar sozinho” (Gn 2,18), e “criou
de início o homem como varão e mulher” (Mt 19,4); querendo conferir ao homem participação
especial em sua obra criadora, abençoou o varão e a mulher dizendo: “Crescei e multiplicai-vos”
(Gn 1,28). Donde se segue que o cultivo do verdadeiro amor conjugal e toda a estrutura da vida
familiar que daí promana, sem desprezar os outros fins do Matrimônio, tendem a dispor os
cônjuges a cooperar corajosamente como amor do Criador e do Salvador que, por intermédio
dos esposos, quer incessantemente aumentar e enriquecer sua família.
1653 A fecundidade do amor conjugal se estende aos frutos vida moral, espiritual e
sobrenatural que os pais transmitem seus filhos pela educação. Os pais são os principais e
primeiros educadores de seus filhos. Neste sentido, a tarefa fundamental do Matrimônio e da
família é estar a serviço da vida.
1654 Os esposos a quem Deus não concedeu ter filhos podem, no entanto, ter uma vida
conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente. Seu Matrimônio pode irradiar uma
fecundidade de caridade, acolhimento e sacrifício.VI. A IGREJA DOMÉSTICA
1655 Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família José e Maria. A Igreja não
é outra coisa senão a “família de Deus”. Desde suas origens, o núcleo da Igreja era em geral
constituído por aqueles que, “com toda a sua casa”, se tomavam cristãos. Quando eles se
convertiam, desejavam também que “toda a sua casa” fosse salva. Essas famílias que se
tomavam cristãs eram redutos de vida cristã num mundo incrédulo.
1656 Em nossos dias, num mundo que se tornou estranho e até hóstia à fé, as famílias
cristãs são de importância primordial, como lares de fé viva e irradiante. Por isso, o Concílio
Vaticano II chama a família, usando uma antiga expressão, de “Ecclesia domestica”. E no seio
da família que os pais são “para os filhos, pela palavra e pelo exemplo... os primeiros mestres da
fé. E favoreçam a vocação própria a cada qual, especialmente a vocação sagrada”.
1657 E na família que se exerce de modo privilegiado o sacerdócio batismal do pai de
família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, “na recepção dos sacramentos, na
oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade
ativa”. O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e “uma escola de enriquecimento
humano”. E aí que se aprende a resistência à fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o
perdão generoso e mesmo reiterado e, sobretudo, o culto divino pela oração e oferenda de sua
vida.
1658 Não podemos esquecer também certas pessoas que, por causa das condições
concretas em que precisam viver – muitas vezes contra a sua vontade -, estão particularmente
próximas do coração de Jesus e merecem uma atenciosa afeição e solicitude da Igreja e
principalmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas dessas pessoas
ficam sem família humana, muitas vezes por causa das condições de pobreza. Há entre elas
algumas que vivem essa situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao
próximo de modo exemplar. A todas elas é preciso abrir as portas dos lares, “Igrejas domésticas”,
e da grande família que é a Igreja. “Ninguém está privado da família neste mundo: a Igreja é
casa e família para todos, especialmente para quantos 'estão cansados e oprimidos.”
RESUMINDO
1659 São Paulo diz: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a igreja... E
grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja” (Ef 5,25.32).
1660 O pacto matrimonial, pelo qual um homem e uma mulher constituem entre si uma
íntima comunidade de vida e de amor, foi fundado e dotado de suas leis próprias pelo Criador. -
uma natureza, é ordenado ao bem dos cônjuges, como também à geração e educação dos
filhos. Entre os batizados, foi elevado, por Cristo Senhor, à dignidade de sacramento.
1661 O sacramento do Matrimônio significa a união de Cristo com igreja. Concede aos
esposos a graça de amarem-se com o mesmo amor com que Cristo amou sua Igreja; a graça do
sacramento leva à perfeição o amor humano dos esposos, consolida unidade indissolúvel e os
santifica no caminho da vida eterna.
1662 O Matrimônio se baseia no consentimento dos contraentes, isto é, na vontade de
doar-se mútua e definitivamente para viver uma aliança de amor fiel e fecundo.
1663 Como o Matrimônio estabelece os cônjuges num estado público de vida na Igreja,
convém que sua celebração seja pública no quadro de uma celebração litúrgica diante do
sacerdote (ou de testemunha qualificada da Igreja), das testemunhas e da assembléia dos fiéis.
1664 A unidade, a indissolubilidade e a abertura à fecundidade essenciais ao Matrimônio.
A poligamia é incompatível com unidade do matrimônio; o divórcio separa o que Deus uniu; a
recusa da fecundidade desvia a vida conjugal de seu mais excelente”: a prole.1665 O novo casamento dos divorciados ainda em vida do legítimo cônjuge contraria o
desígnio e a lei de Deus que Cristo ensinou. Eles não estão separados da Igreja, mas não têm
acesso à comunhão eucarística. Levarão vida cristã principalmente educando seus filhos na fé.
1666 O lar cristão é o lugar em que os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. Por isso, o
lar é chamado, com toda razão, de “Igreja doméstica”, comunidade de graça e de oração,
escola das virtudes humanas e da caridade cristã.
CAPÍTULO IV
AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
ARTIGO I - OS SACRAMENTAIS
1667 “A santa mãe Igreja instituiu os sacramentais, que são sinais sagrados pelos quais, à
imitação dos sacramentos, são significados efeitos principalmente espirituais, obtidos pela
impetração da Igreja. Pelos sacramentais os homens se dispõem a receber o efeito principal dos
sacramentos e são santificadas as diversas circunstâncias da vida.”
OS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS SACRAMENTAIS
1668 São instituídos pela Igreja em vista da santificação de certos ministérios seus, de
certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso das
coisas úteis ao homem. Segundo as decisões pastorais dos bispos, podem também responder às
necessidades, à cultura e à história próprias do povo cristão de uma região ou época.
Compreendem sempre uma oração, acompanhada de determinado sinal, como a imposição
da mão, o sinal-da-cruz ou a aspersão com água benta (que lembra o Batismo).
1669 Dependem do sacerdócio batismal: todo batizado é chamado a ser uma “bênção
” e a abençoar. Eis por que os leigos podem presidir certas bênçãos; quanto mais uma bênção
se referir à vida eclesial e sacramental, tanto mais sua presidência ser reservada ao ministério
ordenado (bispo presbíteros - “padres” - ou diáconos
1670 Os sacramentais não conferem a graça do Espírito Santo à maneira dos
sacramentos, mas, pela oração da Igreja preparam para receber a graça e dispõem à
cooperação com ela. “Para os fiéis bem-dispostos, quase todo acontecimento vida é santificado
pela graça divina que flui do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Cristo, do qual
todos os sacramentos e sacramentais adquirem sua eficácia. E quase não há uso honesto de
coisas materiais que não possa ser dirigido à finalidade de santificar o homem e louvar a Deus.
AS DIVERSAS FORMAS DE SACRAMENTAIS
1671 Entre os sacramentais, figuram em primeiro lugar as bênção (de pessoas, da mesa,
de objetos e lugares). Toda bênção é louvor Deus e pedido para obter seus dons. Em Cristo, os
cristãos abençoados por Deus, o Pai “de toda a sorte de bênçãos espirituais” (Ef 1,3). E por isso
que a Igreja dá a bênção invocando o nome de Jesus e fazendo habitualmente o sinal sagrado
da cruz de Cristo.
1672 Certas bênçãos têm um alcance duradouro: têm por efeito consagrar pessoas a
Deus e reservar para o uso litúrgico objetos e lugares. Entre as destinadas a pessoas não
confundi-las com a ordenação sacramental - figuram a bênção do abade ou da abadessa de
um mosteiro, a consagração das virgens e das viúvas, o rito da profissão religiosa e as bênçãos
para certos ministérios da Igreja (leitores, acólitos, catequistas etc.). Como exemplos daquelas
que se referem a objetos podemos citar a dedicação ou a bênção de uma igreja ou altar, a
bênção dos santos óleos, de vasos e vestes sacras, de sinos etc.1673 Quando a Igreja exige publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo,
que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a influência do maligno e subtraído a seu
domínio, fala-se de exorcismo. Jesus o praticou, é dele que a Igreja recebeu o poder e o
encargo de exorcizar. Sob uma forma simples, o exorcismo é praticado durante a celebração do
Batismo. O exorcismo solene, chamado “grande exorcismo”, só pode ser praticado por um
sacerdote, com a permissão do bispo. Nele é necessário proceder com prudência, observando
estritamente as regras estabelecidas pela Igreja. O exorcismo visa expulsar os demônios ou livrar
da influência demoníaca, e isto pela autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Bem
diferente é o caso de doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da ciência
médica. É importante, pois, verificar antes de celebrar o exorcismo se se trata de uma presença
do maligno ou de uma doença.
A RELIGIOSIDADE POPULAR
1674 Além da liturgia sacramental e dos sacramentais, a catequese tem de levar em
conta as formas da piedade dos fiéis e da religiosidade popular. O senso religioso do povo cristão
encontrou, em todas as épocas, sua expressão em formas div ersas de piedade que circundam a
vida sacramental da Igreja, como a veneração de relíquias, visitas a santuários, peregrinações,
procissões, via-sacra, danças religiosas, o rosário, as medalhas etc.
1675 Estas expressões prolongam a vida litúrgica da Igreja, mas não a substituem:
“Considerando os tempos litúrgicos, estes exercícios devem ser organizados de tal maneira que
condigam com a sagrada liturgia, dela de alguma forma derivem, para ela encaminhem o
povo, pois que ela, por sua natureza, em muito os supera”.
1676 Há necessidade de um discernimento pastoral para sustentar e apoiar a religiosidade
popular e, se for o caso, para purificar e retificar o sentido religioso que embasa essas devoções
e para fazê-las progredir no conhecimento do mistério de Cristo (cf. CT 54). Sua prática está
sujeita ao cuidado e julgamento dos bispos e às normas gerais da Igreja.
A religiosidade do povo, em seu núcleo, é um acervo de valores que responde com
sabedoria cristã às grandes incógnitas da existência. A sabedoria popular católica tem uma
capacidade de síntese vital; engloba criativamente o divino e o humano, Cristo é Maria, espírito
e corpo, comunhão e instituição, pessoa e comunidade, fé e pátria, inteligência e afeto. Esta
sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente a dignidade de toda pessoa como
filho de Deus, estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza e a
compreender o trabalho e proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo em meio a
uma vida muito dura. Essa sabedoria é também para o povo um princípio de discernimento, um
instinto evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja ao Evangelho
e quando ele é esvaziado e asfixiado com outros interesses.
RESUMINDO
1677 Chamamos de sacramentais os sinais sagrados instituídos pela Igreja, cujo objetivo é
preparar os homens para receber o fruto dos sacramentos e santificar as diferentes
circunstâncias da vida.
1678 Entre os sacramentais, ocupam lugar destacado as bênçãos. Compreendem ao
mesmo tempo o louvor a Deus por suas obras e seus dons e a intercessão da Igreja, a fim de que
os homens possam fazer uso dos dons de Deus segundo o espírito do Evangelho.
1679 Além da liturgia, a vida cristã se nutre de formas variadas da piedade popular,
enraizadas em suas diferentes culturas. Velando para esclarecê-las à luz da fé, a Igreja favorece
as formas de religiosidade popular que exprimem um instinto evangélico uma sabedoria humana
e que enriquecem a vida cristã.ARTIGO 2
OS FUNERAIS CRISTÃOS
1680 Todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm por finalidade a
última Páscoa do Filho de Deus, aquela que, pela morte, o fez entrar na vida do Reino. Agora se
realiza o que o cristão confessa na fé e na esperança: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida
do mundo que há de vir.
I. A ÚLTIMA PÁSCOA DO CRISTÃO
1681 O sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério pascal da Morte e
Ressurreição de Cristo, em que repousa nossa única esperança. O cristão que morre em Cristo
Jesus “deixa este corpo para ir morar junto do Senhor”.
1682 O dia da morte inaugura para o cristão, ao final de sua vida sacramental, a
consumação de seu novo nascimento iniciado no Batismo, a “semelhança” definitiva à “imagem
do Filho”, conferida pela unção do Espírito Santo, e a participação na festa do Reino,
antecipada na Eucaristia, mesmo necessitando de últimas purificações para vestir a roupa
nupcial.
1683 A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente em seu seio o cristão durante
sua peregrinação terrena, acompanha-o, ao final de sua caminhada, para entregá-lo “ás mãos
do Pai”. Ela oferece ao Pai, em Cristo, o filho de sua graça e deposita na terra, na esperança, o
germe do corpo que ressuscitar na glória. Esta oferenda é plenamente celebrada pelo Sacrifício
Eucarístico. As bênçãos que a precedem e a seguem são sacramentais.
II. A CELEBRAÇÃO DOS FUNERAIS
1684 Os funerais cristãos são uma celebração litúrgica da Igreja. O ministério da Igreja tem
em vista aqui tanto exprimir a comunhão eficaz com o defunto como fazer a comunidade
reunida participar das exéquias e lhe anunciar a vida eterna.
1685 Os diferentes ritos dos funerais exprimem O caráter pascal da morte cristã e
respondem às situações e tradições de cada região, mesmo com relação à cor litúrgica.
1686 O Ordo exsequiarum (rito das exéquias) (OEx) da liturgia romana propõe três tipos
de celebração dos funerais, correspondendo aos três lugares onde acontece (a casa, a igreja, o
cemitério) e segundo a importância que a ele atribuem a família, os costumes locais, a cultura e
a piedade popular. Este esquema é, aliás, comum a todas as tradições litúrgicas e compreende
quatro momentos principais:
1687 O acolhimento da comunidade. Uma saudação de fé abre a celebração. Os
familiares do defunto são acolhidos com uma palavra de consolação” (no sentido do Novo
Testamento: a força do Espírito Santo na esperança). A comunidade orante que se reúne escuta
também “as palavras de vida eterna”. A morte de um membro da comunidade (ou o dia de
aniversário, o sétimo ou o trigésimo dia) é um acontecimento que deve fazer ultrapassar as
perspectivas “deste mundo” e levar os fiéis às verdadeiras perspectivas da fé em Cristo
ressuscitado.
1688 A Liturgia da Palavra, por ocasião dos funerais, exige um preparação bem
atenciosa, pois a assembléia presente ao ato podem englobar fiéis pouco assíduos à liturgia e
também amigos do falecido que não sejam cristãos. A homilia em especial deve “evitar gênero
literário de elogio fúnebre” e iluminar o mistério da morte cristã com a luz de Cristo Ressuscitado.
1689 O Sacrifício Eucarístico. Se a celebração se realizar na igreja, Eucaristia é o coração
da realidade pascal da morte cristã. É então que a Igreja exprime sua comunhão eficaz com o
defunto: oferecendo ao Pai, no Espírito Santo, o sacrifício da morte e ressurreição de Cristo, ela
lhe pede que seu filho seja purificado de seus pecados e de suas c seqüências e que sejaadmitido à plenitude pascal da mesa do Reino. É pela Eucaristia assim celebrada que a
comunidade dos fiéis, especialmente a família do defunto, aprende a viver em comunhão com
aquele que dormiu no Senhor”, comungando do Corpo de Cristo, do qual é membro vivo, e
rezando a seguir por ele e com ele.
1690 O adeus (“a Deus”) ao defunto é sua “encomendação a Deus” pela Igreja. Este é
o “último adeus pelo qual a comunidade cristã saúda um de seus membros antes que o corpo
dele seja levado à sepultura”; tradição bizantina o exprime pelo beijo de adeus ao falecido:
Com esta saudação final “canta-se por causa de sua partida desta vida e por causa de
sua separação, mas também porque há uma comunhão e uma reunião. Com efeito, ainda que
mortos, não estamos separados uns dos outros, pois todos percorremos o mesmo caminho e nos
reencontraremos no mesmo lugar. Jamais estaremos separados, pois vivemos por Cristo, e agora
estamos unidos a Cristo, indo em sua direção... estaremos todos reunidos em Cristo”.
TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
INTRODUÇÃO
1691 "Cristão, reconhece a tua dignidade. Por participares agora da natureza divina, não
te degeneres, retornando à decadência de tua vida passada. Lembra-te da Cabeça a que
pertences e do Corpo de que és membro. Lembra-te de que foste arrancado do poder das
trevas e transferido para a luz e o Reino de Deus."'
1692 O Símbolo da fé professou a grandeza dos dons de Deus ao homem na obra de sua
criação e, mais ainda, pela redenção e santificação. O que a fé confessa os sacramentos
comunicam: pelos "sacramentos que os fizeram renascer", os cristãos se tornaram “filhos de Deus”
(1Jo 3,1), "participantes da natureza divina" (Pd 1,4). Reconhecendo na fé sua nova dignidade,
os cristãos são chamados a levar a partir de então uma "vida digna do Evangelho de Cristo".
Pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de Cristo e os dons de seu Espírito, que os
tomam capazes disso.
1693 Jesus Cristo sempre fez o que era do agrado do Pai. Sempre viveu em perfeita
comunhão com Ele. Também os discípulos são convidados a viver sob o olhar do Pai, "que vê o
que esta oculto" (Mt 6,6), para se tomarem "perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito" Mt
5,48).
1694 Incorporados a Cristo pelo Batismo, os cristãos estão "mortos para o pecado e
vivos para Deus em Cristo Jesus", participando assim da vida do Ressuscitado. Seguindo a Cris-to
e em união com ele, podem procurar "tornar-se imitadores de Deus como filhos amados e andar
no amor", conformando seus pensamentos, palavras e ações aos "sentimentos de Cristo to Jesus
e seguindo seus exemplos".
1695 "Justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus" (1Cor
5,11), “santificados... chamados a ser santos”, os cristãos se tornaram "templo do Espírito Santo"
(1Cor 6,19). Esse "Espírito do Filho" os ensina a orar ao Pai e, tendo-se tornado vida deles, os faz
agir para carregarem em si "os frutos do Espírito" pela caridade operante. Curando as feridas do
pecado, o Espírito Santo nos "renova pela transformação espiritual de nossa mente", ele nos
ilumina e fortifica para vivermos como "filhos da luz" (Ef 5,8), na "bondade, justiça e verdade" em
todas as coisas (Ef 5,9).
1696 O caminho de Cristo "conduz à vida", um caminho contrário “leva à perdição”. A
parábola evangélica dos dois caminhos está sempre presente na catequese da Igreja. Significa
a importância das decisões morais para nossa salvação. "Há dois caminhos, um da vida e outro
da morte; mas entre os dois há grande diferença.
1697 Importa, na catequese, revelar com toda clareza a alegria e as exigências do
caminho de Cristo. A catequese da “vida nova” (Rm 6,4) em Cristo será:ü uma catequese do Espírito Santo, Mestre interior da vida segundo Cristo, doce
hóspede e amigo que inspira, conduz, retifica e fortifica esta vida;
ü uma catequese da graça, pois é pela graça que somos salvos, e é pela graça que
nossas obras podem produzir frutos para a vida eterna;
ü uma catequese das bem-aventuranças, pois o caminho de Cristo se resume às bemaventuranças, único caminho para a felicidade eterna, à qual o coração do homem aspira;
ü uma catequese do pecado e do perdão, pois, sem reconhecer-se pecador, o homem
não pode conhecer a verdade sobre si mesmo, condição do reto agir, e sem a oferta do perdão
não poderia suportar essa verdade;
ü uma catequese das virtudes humanas, que faz abraçar beleza e a atração das retas
disposições em vista do bem;
ü uma catequese das virtudes cristãs da fé, esperança e caridade, que se inspira com
prodigalidade no exemplo dos santos;
ü uma catequese do duplo mandamento da caridade desenvolvido no Decálogo;
ü uma catequese eclesial, pois é nos múltiplos intercâmbios dos "bens espirituais" na
"comunhão dos santos" que a vida cristã pode crescer, desenvolver-se e comunicar-se.
1698 A referência primeira e última dessa catequese será sempre Jesus Cristo, que é "o
caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). Contemplando-o na fé, os fiéis podem esperar que Cristo
realize neles suas promessas e, amando-o com o amor com que Ele os amou, façam as obras
que correspondem à sua dignidade:
Peço que considereis que Jesus Cristo nosso Senhor é vossa verdadeira Cabeça e que vós
sois um de seus membros. Ele é para vós o que a Cabeça é para os membros; tudo o que é dele
é vosso, seu espírito, coração, corpo, alma e todas as suas faculdades, e deveis fazer uso disso
como coisa vossa para servir, louvar, amar e glorificar a Deus. Vós sois em relação a Ele o que os
membros são em relação à cabeça. Assim, Ele deseja ardentemente fazer uso de tudo o que
está em vós para o ser-viço e a glória de seu Pai, como coisa sua.
Para mim , viver é Cristo (Fl 1,21)
PRIMEIRA SEÇÃO
A VOCAÇÃO DO HOMEM:
A VIDA NO ESPÍRITO
1699 A vida no Espírito realiza a vocação do homem (capítulo I) Constitui-se de caridade
divina e de solidariedade humana (capítulo II). É concedida de graça como uma Salvação
(capítulo III)
CAPÍTULO I
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
1700 A dignidade da pessoa humana se fundamenta em sua criação à imagem e
semelhança de Deus (artigo 1); realiza-se em sua vocação à bem-aventurança divina (artigo 2).
Cabe ao ser humano a livre iniciativa de sua realização (artigo 3). Por seus atos deliberados
(artigo 4), a pessoa humana se conforma ou não ao bem prometido por Deus e atestado por sua
consciência moral (artigo 5). As pessoas humanas se edificam e crescem interiormente: fazem de
toda sua vida sensível e espiritual matéria de crescimento (artigo 6). Com a ajuda da graça,
crescem na virtude (artigo 7), evitam o pecado e, se o tiverem cometido, voltam como o filho
pródigo, para a misericórdia de nosso Pai do Céus (artigo 8). Chegam, assim, à perfeição da
caridade.ARTIGO 1
O HOMEM IMAGEM DE DEUS
1701 "Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo
manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação.” Em
Cristo, "imagem do ( Deus invisível" (Cl 1,15), foi o homem criado à "imagem e semelhança" do
Criador. Em Cristo, redentor e salvador, a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro
pecado, foi restaurada em sua beleza original e enobrecida pela graça de Deus.
1702 A imagem divina está presente em cada pessoa. Resplandece na comunhão das
pessoas, à semelhança da unidade das pessoas divinas entre si (cf. capítulo II).
1703 Dotada de alma "espiritual e imortal", a pessoa humana é "a única criatura na terra
que Deus quis por si mesma". Desde sua concepção, é destinada à bem-aventurança eterna.
1704 A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz
de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Por sua vontade, ela é capaz
de ir, por si, ao encontro de seu verdadeiro bem. Encontra sua perfeição na "busca e no amor da
verdade e do bem".
1705 Em virtude de sua alma e de seus poderes espirituais de inteligência e vontade, o
homem é dotado de liberdade, "sinal eminente da imagem de Deus"
1706 Por sua razão, o homem conhece a voz de Deus, que o insta a "fazer o bem e a
evitar o mal". Cada qual é obrigado a seguir esta lei que ressoa na consciência e se cumpre no
amor a Deus e ao próximo. O exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.
1707 "Instigado pelo Maligno, desde o inicio da história o homem abusou da própria
liberdade." Sucumbiu à tentação e praticou o mal. Conserva o desejo do bem, mas sua natureza
traz a ferida do pecado original. Tornou-se inclinado ao mal e sujeito ao erro:
O homem está dividido em si mesmo. Por esta razão, toda a vida humana, individual e
coletiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas.
1708 Por sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida
nova no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós.
1709 Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta adoção filial o transforma,
propiciando-lhe seguir o exemplo de Cristo. Ela torna-o capaz de agir corretamente e de praticar
o Em união com seu Salvador, o discípulo alcança a perfeição da caridade, a santidade.
Amadurecida na graça, a vida moral desabrocha em vida eterna na glória do céu.
RESUMINDO
1710 "Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem lhe descobre sua
altíssima vocação."
1711 Dotada de alma espiritual, inteligência e vontade, a pessoa humana, desde sua
concepção, é ordenada para Deus e destinada à bem-aventurança eterna. Busca sua
perfeição na "procura e no amor da verdade e do bem"
1712 A verdadeira liberdade é no homem "sinal eminente da imagem de Deus"
1713 O homem é obrigado a seguir a lei moral que o chama a fazer o bem e evitar o
mal". Esta lei ressoa em sua consciência.
1714 O homem, ferido em sua natureza pelo pecado original, está sujeito ao erro e
inclinado ao mal no exercício de sua liberdade.
1715 Quem crê em Cristo tem a vida nova no Espírito Santo. A vida moral, desenvolvida e
amadurecida na graça, deve completar-se na glória do céu.ARTIGO 2
NOSSA VOCAÇÃO À BEM-AVENTURANÇA
I. AS BEM-AVENTURANÇAS
1716 As Bem-Aventuranças estão no cerne da pregação de Jesus. Seu anúncio retoma as
promessas feitas ao povo eleito desde Abraão. Jesus as completa, ordenando-as não mais
simples bem-estar gozoso na terra, mas ao Reino dos Céus:
Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os rnisericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos
Céus.
Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem
todo o mal contra vós por causa de mim.
Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,3-12a).
1717 As bem-aventuranças traçam a imagem de Cristo e descrevem sua caridade;
exprimem a vocação dos fiéis associados à glória de sua Paixão e Ressurreição; iluminam as
ações e atitudes características da vida cristã; são promessas paradoxais que sustentam a
esperança nas tribulações; anunciam as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas
pelos discípulos; são iniciadas na vida da Virgem Maria e de todos os santos.
II. O DESEJO DE FELICIDADE
1718 As Bem-Aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de
origem divina: Deus o colocou no coração do homem, a fim de atraí-lo a si, pois só ele pode
satisfazê-lo.
Todos certamente queremos viver felizes, e não existe no gênero humano pessoa que não
concorde com esta proposição, mesmo antes de ser formulada por inteiro.
Então, como vos hei de procurar, Senhor? Visto que, procurando a vós, meu Deus, eu
procuro a vida bem-aventurada, fazei que vos procure para que minha alma viva, pois meu
corpo vive de minha alma, e minha alma vive de vós.
SÓ DEUS SATISFAZ
1719 As Bem-Aventuranças desvendam o objetivo da existência humana, o fim último dos
atos humanos. Deus nos chama à sua própria bem-aventurança. Este chamado se dirige a cada
um pessoalmente, mas também a toda a Igreja, povo novo formado por aqueles que acolheram
a promessa e nela vivem na fé.III. A BEM-AVENTURANÇA CRISTÃ
1720 O Novo Testamento usa várias expressões para caracterizar a bem-aventurança à
qual Deus chama o homem: a vinda do (Reino de Deus; a visão de Deus[: "Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8); entrada na alegria do Senhor; entrada no
repouso de Deus:
Aí descansaremos e veremos, veremos e amaremos, amaremos e louvaremos. Eis a
essência do fim sem fim. E que outro fim mais nosso que chegarmos ao reino que não terá fim?
1721 Deus nos colocou no mundo para conhecê-lo, servi-lo e amá-lo e, assim, chegar
ao paraíso. A bem-aventurança nos faz participar da natureza divina (l Pd 1,4) e da vida eterna.
Com ela, o homem entra na glória de Cristo e no gozo da vida trinitária.
1722 Tal Bem-Aventurança ultrapassa a inteligência e as forças exclusivamente humanas.
Resulta de um dom gratuito de Deu. É por isso que se diz ser sobrenatural, como também a graça
que dispõe o homem a entrar no gozo divino.
"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus." Por certo, de acordo com
sua grandeza e glória indizível, "ninguém verá a Deus e viverá", pois o Pai é inacessível; mas,
devido a seu amor, sua bondade para com os homens e sua onipotência, chega até a
conceder àqueles que o amam o privilégio de ver a Deus... "pois o que é impossível aos homens
é possível a Deus."
1723 A prometida bem-aventurança nos coloca diante de escolhas morais decisivas.
Convida-nos a purificar nosso coração de seus maus instintos e a procurar o amor de Deus acima
de tudo. Ensina que a verdadeira felicidade não está nas riquezas ou no bem-estar, nem na
glória humana ou no poder, nem em qualquer obra humana, por mais útil que seja, como as
ciências, a técnica e as artes, nem em outra criatura qualquer, mas apenas em Deus, fonte de
todo bem e de todo amor.
A riqueza é o grande deus atual; a ela prestam homenagem instintiva a multidão e toda a
massa dos homens. Medem a felicidade pelo tamanho da fortuna e, segundo a. fortuna, medem
também a honradez... Tudo isto provém da convicção de que, tendo riqueza, tudo se consegue.
A riqueza é, pois, um dos ídolos atuais, da mesma forma que a fama... A fama, o fato de alguém
ser conhecido e fazer estardalhaço na sociedade (o que poderíamos chamar de notoriedade
da imprensa), chegou a ser considerada um bem em si mesma, um sumo bem, um objeto,
também ela, de verdadeira veneração.
1724 O Decálogo, o Sermão da Montanha e a catequese apostólica nos descrevem os
caminhos que levam ao Reino dos Céus. Neles nos engajamos, passo a passo, pelas ações de
todos os dias, sustentados pela graça do Espírito Santo. Fecundados pela Palavra de Cristo,
daremos, aos poucos, frutos na Igreja para a glória de Deus.
RESUMINDO
1725 As bem-aventuranças retomam e completam as promessas de Deus desde Abraão,
ordenando-as para o Reino dos Céus. Respondem ao desejo de felicidade que Deus colocou no
co-ração do homem.
1726 As bem-aventuranças nos ensinam o fim último ao qual Deus nos chama: o Reino, a
visão de Deus, a participação na natureza divina, a vida eterna, a filiação divina, o repouso em
Deus.
1727 A bem-aventurança da vida eterna é um dom gratuito de Deus; ela é sobrenatural
como a graça que a ela conduz.
1728 As bem-aventuranças nos deixam diante de escolhas decisivas com relação aos
bens terrenos; purificam nosso coração para que aprendamos a amar a Deus sobre todas as
coisas.1729 A bem-aventurança do Céu determina os critérios de discernimento no uso dos bens
terrestres, de acordo com a Lei de Deus.ARTIGO 3
A LIBERDADE DO HOMEM
1730 Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu dignidade de uma pessoa
agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. "Deus deixou o homem nas mãos de sua
própria decisão" (Eclo 15,14), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo
livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição.
O homem é dotado de razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de
seus atos.
I. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
1731. A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de
fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe
sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na
verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus,
nossa bem-aventurança.
1732 Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a
liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em
perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Toma-se fonte
de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito.
1733 Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se toma livre. Não há verdadeira
liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A escolha da desobediência e do mal é um
abuso de liberdade e conduz à "escravidão do pecado".
1734 A liberdade torna o homem responsável por seus atos, na medida em que forem
voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio
da vontade sobre seus atos.
1735 A imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas ou
suprimidas pela ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições imoderadas e
outros fatores psíquicos ou sociais.
1736 Todo ato diretamente querido é imputável a seu autor:
Assim, o Senhor pergunta a Adão, após o pecado no jardim: "O que fizeste?" (Gn 3,13). O
mesmo pergunta a Caim. A mesma pergunta faz o profeta Natã ao rei Davi, após o adultério
com a mulher de Urias e o assassinato deste.
Uma ação pode ser indiretamente voluntária quando resulta de uma negligência quanto
a alguma coisa que deveríamos saber ou fazer, por exemplo, um acidente ocorrido por
ignorância do código de trânsito.
1737 Um efeito pode ser tolerado sem ser querido pelo agente, por exemplo, o
esgotamento da mãe à cabeceira de seu filho doente. O efeito ruim não é imputável se não foi
querido nem como fim nem como meio de ação, como poderia ser o caso de morte sofrida por
alguém quando tentava socorrer uma pessoa em perigo. Para que o efeito ruim seja imputável,
é preciso que seja previsível e que o agente tenha a possibilidade de evitá-lo, como, por
exemplo, no caso de um homicídio cometido por motorista embriagado.
1738 A liberdade se exerce no relacionamento entre os seres humanos. Toda pessoa
humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e
responsável. Todos devem a cada um esta obrigação de respeito. O direito ao exercício da
liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, sobretudo em matéria moral e religiosa. Este direito deve ser reconhecido civilmente e protegido nos limites do bem
comum e da ordem pública.
II. A LIBERDADE HUMANA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
1739 Liberdade e pecado. A liberdade do homem é finita e falível. De fato, o homem
falhou. Pecou livremente. Recusando o projeto do amor de Deus, enganou-se a si mesmo,
tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou outras, em grande número. Desde
suas origens, a história comprova os infortúnios e opressões nascidos do coração do homem por
causa do mau uso da liberdade.
1740 Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de dizer e fazer
tudo. É falso pretender que “o homem, sujeito da liberdade, baste a si mesmo, tendo por fim a
satisfação de seu próprio interesse no gozo dos bens terrenos. Por sua vez, as condições de
ordem econômica e social, política e cultural requeridas para um justo exercício da liberdade
são muitas vezes desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e injustiça prejudicam a
vida moral e levam tanto os fortes como os fracos à tentação de pecar contra a caridade.
Fugindo da lei moral, o homem prejudica sua própria liberdade, acorrenta-se a si mesmo, rompe
a fraternidade com seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina.
1741 Liberdade e salvação. Por sua gloriosa cruz, Cristo obteve a salvação de todos os
homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão. "É para a liberdade que Cristo
nos libertou" (Gl 5,1). Nele comungamos da "verdade que nos torna livres". O Espírito Santo nos foi
dado e, como ensina o apóstolo, "onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2 Cor
3,17). Desde agora participamos da "liberdade da glória dos filhos de Deus".
1742 Liberdade e graça. A graça de Cristo não entra em concorrência com nossa
liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no
coração do homem. Ao contrário, como a experiência cristã o atesta, -sobretudo na oração,
quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem nossa liberdade intima e
nossa segurança nas provações e diante das pressões e coações do mundo externo. Pela obra
da graça, o Espírito Santo nos educa à liberdade espiritual, para fazer de nós livres colaboradores
de sua obra na Igreja e no mundo.
"Deus de poder e misericórdia, afastai de nós todo obstáculo, para que, inteiramente
disponíveis, nos dediquemos a vosso serviço."
RESUMINDO
1743 "Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão" (Eclo 15,14), para que
pudesse livremente aderir a seu Criador e chegar, assim, à feliz perfeição.
1744 A liberdade é o poder de agir ou não agir, praticando, então, a pessoa atos
deliberados. Ela alcança a perfeição de seu ato quando está ordenada para Deus, o sumo Bem.
1745 A liberdade caracteriza os atos propriamente humanos. Torna o ser humano
responsável pelos atos dos quais é voluntariamente autor. Seu agir deliberado é algo
propriamente seu.
1746 A imputabilidade ou responsabilidade de uma ação pode ser diminuída ou
suprimida pela ignorância, violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.
1747 O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do
homem, sobretudo em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da liberdade não implica o
suposto direito de tudo dizer e fazer.
1748 "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1).ARTIGO 4
A MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS
1749 A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de forma deliberada, o
homem é, per assim dizer, o pai de seus atos. Os atos humanos, isto é, livremente escolhidos após
um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente. São bons ou maus.
I. AS FONTES DA MORALIDADE
1750 A moralidade dos atos humanos depende:
ü do objeto escolhido;
ü do fim visado ou da intenção;
ü das circunstâncias da ação.
1751 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as "fontes" ou elementos
constitutivos da moralidade dos atos humanos. O objeto escolhido é um bem para o qual se
dirige deliberadamente a vontade. É a matéria de um ato humano. O objeto escolhido
especifica moralmente o ato de querer, conforme razão o reconheça e julgue estar de acordo
ou não com o bem verdadeiro. As regras objetivas da moralidade enunciam a ordem racional
do bem e do mal, atestada pela consciência.
1752 Perante o objeto, a intenção se coloca do lado do sujeito agente. Pelo fato de
ater-se à fonte voluntária da ação e determiná-la pelo objetivo, a intenção é um elemento
essencial na qualificação moral da ação. A finalidade é o primeiro termo da intenção e designa
a meta visada na ação. A intenção é um movimento da vontade em direção ao objetivo; ela diz
respeito ao fim visado pela ação. É a meta do bem que se espera da ação praticada. Não se
limita à direção de nossas ações singulares, mas pode orientar para um mesmo objetivo ações
múltiplas; pode orientar toda vida para o fim último. Por exemplo, um serviço prestado tem por
fim ajudar o próximo, mas pode também ser inspirado pelo amor a Deus, fim último de todas as
nossas ações. Uma mesma ação também pode ser inspirada por várias intenções, como, por
exemplo, prestar um serviço para obter um favor ou para vangloriar-se.
1753 Uma intenção boa (por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom nem justo um
comportamento desordenado em si mesmo (como a mentira e a maledicência). O fim não
justifica os meios. Assim, não se pode justificar a condenação de um inocente como meio
legítimo de salvar o povo. Por sua vez, acrescentada uma intenção má (como, por exemplo, a
vanglória), o ato em si bom (como a esmola) torna-se mau.
1754 As circunstâncias, incluídas as conseqüências, são os elementos secundários de um
ato moral. Contribuem para agra-var ou diminuir a bondade ou maldade moral dos atos
humanos (por exemplo, o montante de um furto). Podem também atenuar ou aumentar a
responsabilidade do agente (agir, por exemplo, por temor da morte). As circunstâncias não
podem por si modificar a qualidade moral dos próprios atos, não podem tomar boa ou justa uma
ação má em si.
II. ATOS BONS E ATOS MAUS
1755 O ato moralmente bom supõe a bondade do objeto, da finalidade e das
circunstâncias. Uma finalidade má corrompe a ação, mesmo que seu objeto seja bom em si
(como, por exemplo, rezar e jejuar "para ser visto pelos homens").O objeto da escolha por si só pode viciar o conjunto de determinado agir. Existem
comportamentos concretos - como a fornicação - cuja escolha é sempre errônea, pois
escolhê-los significa uma desordem da vontade, isto é, um mal moral.
1756 É errado, pois, julgar a moralidade dos atos humanos considerando só a intenção
que os inspira ou as circunstâncias (meio ambiente, pressão social, constrangimento ou
necessidade de agir etc.) que compõem o quadro. Existem atos que por si mesmos e em si
mesmos, independentemente das circunstâncias e intenções, são sempre gravemente ilícitos, em
virtude de seu objeto: a blasfêmia e o perjúrio, o homicídio e o adultério. Não é permitido praticar
um mal para que dele resulte um bem.
RESUMINDO
1757 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as três “fontes" da moralidade
dos atos humanos.
1758 O objeto escolhido especifica moralmente o ato do querer conforme a razão o
reconheça e julgue bom ou mau.
1759 “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção.” O fim não
justifica os meios.
1760 O ato moralmente bom supõe, ao mesmo tempo, a bondade do objeto, da
finalidade e das circunstâncias.
1761 Existem comportamentos concretos cuja escolha é sempre errônea, porque
escolhê-los significa uma desordem da vontade de, isto é, um mal moral. Não é permitido fazer o
mal para que daí resulte um bem.
ARTIGO 5
A MORALIDADE DAS PAIXÕES
1762 O ser humano se ordena para a bem-aventurança por meio de seus atos
deliberados: as paixões ou sentimentos que experimenta podem dispô-lo e contribuir para isso.
I. AS PAIXÕES
1763 O termo "paixões" pertence ao patrimônio cristão. Os sentimentos ou paixões
designam as emoções ou movimentos da sensibilidade que inclinam alguém a agir ou não agir
em vista do que é experimentado ou imaginado como bom ou mau.
1764 As paixões são componentes naturais do psiquismo humanos; constituem o lugar
de passagem e garantem a ligação entre a vida sensível e a vida do espírito. Nosso Senhor
indica o coração do homem como a fonte de onde brota o movimento das paixões.
1765 As paixões são numerosas. A paixão mais fundamental é o amor provocado pela
atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança de consegui-lo. Este
movimento se completa no prazer e na alegria do bem possuí-do. A percepção do mal provoca
ódio, aversão e medo do mal que está por chegar. Este movimento se completa na tristeza do
mal presente ou na cólera que a ele se opõe.
1766 "Amar é querer algo de bom para alguém." Todos os demais afetos têm sua fonte
no movimento original do coração do homem para o bem. Só existe o bem que é amado. "As
paixões são más se o amor é mau, boas se o amor é bom."II. PAIXÕES E VIDA MORAL
1767 Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. Só recebem qualificação moral
na medida em que dependem efetiva-mente da razão e da vontade. As paixões são chamadas
voluntárias "ou porque são comandadas pela vontade ou porque a vontade não lhes opõe
obstáculo". Faz parte da perfeição do bem moral ou humano que as paixões sejam reguladas
pela razão.
1768 Os grandes sentimentos não determinam a moralidade nem a santidade das
pessoas; são reservatório inesgotável das imagens e afeições em que se exprime a vida moral. As
paixões são moralmente boas quando contribuem para uma ação boa, e más quando se dá o
contrário. A vontade reta ordena para o bem e para a bem-aventurança os movimentos
sensíveis que ela assume; a vontade má sucumbe às paixões desordenadas e as exacerba. As
emoções e sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em vícios.
1769 Na vida cristã, o próprio Espírito Santo realiza sua obra mobilizando o ser inteiro,
inclusive suas dores, medos e tristezas, como aparece na Agonia e Paixão do Senhor. Em Cris-to,
os sentimentos humanos podem receber sua consumação na caridade e na bem-aventurança
divina.
1770 A perfeição moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente por sua vontade, mas também por seu apetite sensível, segundo a palavra do
Salmo: "Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo" (Sl 84,3).
RESUMINDO
1771 O termo "paixões" designa as afeições ou os sentimentos. Por meio de suas
emoções, o homem pressente o bem e suspeita da presença do mal.
1772 As principais paixões são o amor, o ódio, o desejo, o medo, a alegria, a tristeza e a
cólera.
1773 Nas paixões, como movimentos da sensibilidade, não há bem ou mal moral. Mas,
enquanto dependem da razão e da vontade, há nelas bem ou mal moral.
1774 As emoções e os sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em
vícios.
1775 A perfeição do bem moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente pela vontade, mas também pelo "coração".
ARTIGO 6
A CONSCIÊNCIA MORAL
1776 “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si
mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal,
no momento oportuno a voz desta lei ressoa no íntimo de seu coração... É uma lei inscrita por
Deus no coração do homem.. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem,
onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
I. O JUÍZO DA CONSCIÊNCIA
1777 Presente no coração da pessoa, a consciência moral lhe impõe, no momento
oportuno, fazer o bem e evitar o mal. Julga, portanto, as escolhas concretas, aprovando as boas
e denunciando as más. Atesta a autoridade da verdade referente ao Bem supremo, de quem a pessoa humana recebe a atração e acolhe os mandamentos. Quando escuta a consciência
moral, o homem prudente pode ouvir a Deus, que fala.
1778 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar, que está a ponto de
executar ou que já praticou. Em tudo o que diz e faz, o homem é obrigado a seguir fielmente o
que sabe ser justo e correto. E pelo julgamento de sua consciência que o homem percebe e
reconhece as prescrições da lei divina:
A consciência é uma lei de nosso espírito que ultrapassa nosso espírito, nos faz imposições,
significa responsabilidade e dever, temor e esperança... E a mensageira daquele que, no mundo
da natureza bem como no mundo da graça, nos fala através de um véu, nos instrui e nos
governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo.
1779 É importante que cada qual esteja bastante presente a si mesmo para ouvir e
seguir a voz de sua consciência. Esta exigência de interioridade é muito necessária, pelo fato de
a vida nos deixar freqüentemente em situações que nos afastam:
Volta à tua consciência, interroga-a... Voltai, irmãos, ao interior e em tudo o que fizerdes
atentai para a testemunha, Deus.
1780 A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da consciência moral. A
consciência moral compreende a percepção dos princípios da moralidade ("sindérese"), sua
aplicação a circunstâncias determinadas por um discernimento prático das razões e dos bens e,
finalmente, o juízo feito sobre atos concretos a praticar ou já praticados. A verdade sobre o bem
moral, declarada na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente pelo juízo prudente
da consciência. Chamamos de prudente o homem que faz suas opções de acordo com este
juízo.
1781 A consciência permite assumir a responsabilidade dos atos praticados. Se o homem
comete o mal, o julgamento justo da consciência pode continuar nele como testemunho da
verdade universal do bem e ao mesmo tempo da malícia de sua escolha singular. O veredicto
do juízo de consciência continua sendo um penhor de esperança e misericórdia. Atestando a
falta cometida lembra a necessidade de pedir perdão, de praticar novamente o bem e de
cultivar sem cessar a virtude com a graça de Deus.
Diante dele tranqüilizaremos nosso coração, se nosso coração nos acusa, porque Deus é
maior que nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3,19-20).
1782 O homem tem o direito de agir com consciência e liberdade, a fim de tomar
pessoalmente as decisões morais. "O homem não pode ser forçado a agir contra a própria
consciência. Mas também não há de ser impedido de proceder segundo a consciência,
sobretudo em matéria religiosa."
II. A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
1783 A consciência deve ser educada e o juízo moral, esclarecido. Uma consciência
bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos seguindo a razão, de acordo com o
bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. A educação da consciência e indispensável
aos seres humanos submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir seu
julgamento próprio e a recusar os ensinamentos autorizados.
1784 A educação da consciência é uma tarefa de toda a vida. Desde os primeiros
anos, alerta a criança para o conhecimento e a prática da lei interior reconhecida pela
consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude, preserva ou cura do medo, do
egoísmo e do orgulho, dos sentimentos de culpabilidade e dos movimentos de complacência,
nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A educação da consciência garante a liberdade e
gera a paz do coração.1785 Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz de nosso caminho; é
preciso que a assimilemos na fé e na oração e a ponhamos em prática. É preciso ainda que
examinemos nossa consciência, confrontando-nos com a Cruz do Senhor. Somos assistidos pelos
dons do Espírito Santo, ajudados pelo testemunho e conselhos dos outros e guiados pelo
ensinamento autorizado da Igreja.
III. ESCOLHER SEGUNDO A CONSCIÊNCIA
1786 Posta diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1787 Às vezes o homem depara com situações que tornam o juízo moral menos seguro e
a decisão difícil. Mas ele deverá sempre procurar o que é justo e bom e discernir a vontade de
Deus expressa na lei divina.
1788 Para tanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os
sinais dos tempos graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda
do Espírito Santo e de seus dons.
1789 Algumas regras se aplicam a todos os casos:
ü Nunca é permitido praticar um mal para que daí resulte um bem.
ü A "regra de ouro": "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles".
ü A caridade respeita sempre o próximo e sua consciência: "Pecando contra vossos
irmãos e ferindo sua consciência... pecais contra Cristo" (1 Cor 8,12). "E bom se abster... de tudo o
que seja causa de tropeço, de queda ou enfraquecimento para teu irmão" (Rm 14,21).
IV. O JUÍZO ERRÔNEO
1790 O ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo de sua consciência. Se agisse
deliberadamente contra este último, estaria condenando a si mesmo. Mas pode acontecer que
a consciência moral esteja na ignorância e faça juízos errôneos sobre atos a praticar ou já
praticados.
1791 Muitas vezes esta ignorância pode ser imputada à responsabilidade pessoal. É o que
acontece "quando o homem não se preocupa suficientemente com a procura da verdade e do
bem, e a consciência pouco a pouco, pelo hábito do pecado, se torna quase obcecada".
Neste caso, a pessoa é culpável pelo mal que comete.
1792 A ignorância de Cristo e de seu Evangelho, os maus exemplos de outros, o servilismo
às paixões, a pretensão de uma mal-entendida autonomia da consciência, a recusa da
autoridade da Igreja e de seus ensinamentos, a falta de conversão ou de caridade podem estar
na origem dos desvios do julgamento na conduta moral.
1793 Se - ao contrário - a ignorância for invencível ou o julgamento errôneo não for da
responsabilidade do sujeito moral, o mal cometido pela pessoa não lhe poderá ser imputado.
Mas nem por isso deixa de ser um mal, uma privação, uma desordem. É preciso trabalhar, pois,
para corrigir a consciência moral de seus erros.
1794 A consciência boa e pura é esclarecida pela fé verdadeira, pois a caridade
procede ao mesmo tempo "de um coração puro de uma boa consciência e de uma fé sem
hipocrisia" (l Tm 1,5).
"Quanto mais prevalece a consciência reta, tanto mais as pessoas e os grupos se afastam
de um arbítrio cego e se esforçam por conformar-se às normas objetivas da moralidade[a28] ."RESUMINDO
1795 "A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está
sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
1796 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto.
1797 Para o homem que cometeu o mal, o veredicto de sua cons-ciência permanece
um penhor de conversão e de esperança.
1798 Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos
seguindo a razão, de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. Cada
qual deve usar os meios adequados para formar sua consciência.
1799 Colocada diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto de acordo com a razão e a lei divina ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1800 O ser humano deve obedecer sempre ao julgamento certo de sua consciência.
1801 A consciência moral pode estar na ignorância ou fazer julga-mentos errôneos. Essa
ignorância e esses erros nem sempre são isentos de culpa.
1802 A Palavra de Deus é luz para nossos passos. É preciso que a assimilemos na fé e na
oração e a coloquemos em pratica. Assim se forma a consciência moral.
ARTIGO 7
AS VIRTUDES
1803 "Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, tudo o que
há de louvável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça louvor" (Fl 4,8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só
praticar atos bons, mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a
pessoa virtuosa tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática.
"O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus."
I AS VIRTUDES HUMANAS
1804 As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da
inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos
segundo a razão e a fé. Propiciam, assim, facilidade, domínio e alegria para levar uma vida
moralmente boa. Pessoa virtuosa é aquela que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são adquiridas humanamente. São os frutos e os germes de atos
moralmente bons; dispõem todas as forças do ser humano para entrar em comunhão com o
amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805 Quatro virtudes têm um papel de "dobradiça" (que, em latim, se diz "cardo,
cardinis"). Por esta razão são chamadas “cardeais": todas as outras se agrupam em torno delas.
São a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. "Ama-se a retidão? As virtudes são seus
frutos; ela ensina a temperança e a prudência a justiça e a fortaleza" (Sb 8,7). Estas virtudes são
louvadas em numerosas passagens da Escritura sob outros nomes. 1806 A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer
circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo. "O
homem sagaz discerne os seus passos" (Pr 14,15). "Sede prudentes e sóbrios para entregardes às
orações" (1 Pd 4,7). A prudência é a "regra certa da ação", escreve Sto. Tomás citando
Aristóteles. Não se confunde com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação.
E chamada "auriga virtutum" ("cocheiro", isto é "portadora das virtudes"), porque, conduz as
outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. E a prudência que guia imediatamente o
juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena sua conduta seguindo este juízo.
Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e superamos
as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar.
1807 A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a
Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se "virtude de religião".
Para com os homens, ela nos dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas
relações humanas a harmonia que pro-move a equidade em prol das pessoas e do bem
comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção
habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o próximo. "Não
favoreças o pobre, nem prestigies o poderoso. Julga o próximo conforme a justiça" (Lv 19,15).
"Senhores, dai aos vossos servos o justo e eqüitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu"
(Cl 4,1).
1808 A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e
constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os
obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive
da morte, de suportar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e
o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. "Minha força e meu canto é o Senhor" (Sl
118,14). "No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo" (Jo 16,33).
1809 A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o
equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os
desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus
apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e "não se deixa levar a seguir as paixões do
coração[a38] ". A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: "Não te deixes
levar por tuas paixões e re-freia os teus desejos" (Eclo 18,30). No Novo Testamento, é chamada de
"moderação" ou "sobriedade". Devemos "viver com moderação, justiça e piedade neste mundo"
(Tt 2,12).
Viver bem não é outra coisa senão amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e em
toda forma de agir. Dedicar-lhe um amor integral (pela temperança) que nenhum infortúnio
poderá abalar (o que depende da fortaleza), que obedece exclusivamente a Ele (e nisto
consiste a justiça), que vela para discernir todas as coisas com receio de deixar-se surpreender
pelo ardil e pela mentira (e isto é a prudência).
As VIRTUDES E A GRAÇA
1810 As virtudes humanas adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma
perseverança sempre retomada com esforço são purificadas e elevadas pela graça divina. Com
o auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz
em praticá-las.
1811 Não é fácil para o homem ferido pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da
salvação, trazida por Cristo, nos concede a graça necessária para perseverar na conquista das
virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça de luz e de fortaleza, recorrer aos sacramentos,
cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar o mal.
II . AS VIRTUDES TEOLOGAIS1812 As virtudes humanas se fundam nas virtudes teologais que adaptam as faculdades
do homem para que possa participar da natureza divina. Pois as virtudes teologais se referem
diretamente a Deus. Dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima Trindade e têm a
Deus Uno e Trino por origem, motivo e objeto.
1813 As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão.
Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para
torná-los capazes de agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São o penhor da presença e
da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a
esperança e a caridade.
A FÉ
1814 A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e
revelou, e que a Santa Igreja nos propõe para crer, porque Ele é a própria verdade. Pela fé, "o
homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso o fiel procura conhecer e fazer a vontade de
Deus. "O justo viverá da fé" (Rm 1,17). A fé viva "age pela caridade" (Gl 5,6).
1815 O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas "é morta a fé
sem obras" (Tg 2,26): privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo e
não faz dele um membro vivo de seu Corpo.
1816 O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela vi-ver, mas também
professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: "Todos devem estar prontos a confessar
Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à
Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: "Todo aquele que se declarar
por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos
céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu
Pai que está nos céus" (Mt 10,32-33).
A ESPERANÇA
1817 A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o
Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos
não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. "Continuemos a afirmar nossa
esperança, porque é fiel quem fez a promessa" (Hb 10,23). "Este Espírito que ele ricamente
derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados
por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna" (Tt 3,6-7).
1818 A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no
coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens;
purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo
esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da
esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.
1819 A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua
origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e
purificada pela prova do sacrifício. "Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de
tornar-se pai de muitos povos" (Rm 4,18).
1820 A esperança cristã se manifesta desde o inicio da pregação de Jesus no anúncio
das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a
nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provação reservadas aos discípulos de
Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na "esperança que
não decepciona" (Rm 5,5). A esperança é a "âncora da alma) segura e firme, "penetrando...
onde Jesus entrou por nós, como precursor" (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege
no combate da salvação: "Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação" (l Ts 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: "alegrando-vos na
esperança, perseverando na tribulação" (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração,
especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar.
1821 Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e
fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus,
"perseverar até o fim" e alcançar a alegria do céu comi recompensa eterna de Deus pelas boas
obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que "todos ó homens sejam
salvos" (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu.
Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa
com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo, e longo um tempo bem
curto. Considera que, quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te
alegrarás um dia com teu Bem-Amado numa felicidade e num êxtase que não poderão jamais
terminar.
A CARIDADE
1822 A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas,
por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823 Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus "até o fim" (Jo 13,1),
manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor
de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: "Assim como o Pai me amou, também eu
vos amei. Permanecei em meu amor" (Jo 15,9). E ainda: "Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei" (Jo 15,12).
1824 Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus
e de seu Cristo: "Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis
no meu amor" (Jo 15,9-10).
1825 Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda "inimigos" (Rm 5,10). O Senhor
exige que amemos, como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o próximo do mais
afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres.
O apóstolo S. Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: "A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta" (l Cor 13,4-7).
1826 Diz ainda o apóstolo: "Se não tivesse a caridade, nada seria...". E tudo o que é
privilégio, serviço e mesmo virtude... "se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria". A
caridade superior a todas as virtudes. E a primeira das virtudes teologais "Permanecem fé,
esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade" (1 Cor 13,13).
1827 O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o
"vinculo da perfeição" (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é
fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura purifica nossa capacidade humana de
amar, elevando-a à feição sobrenatural do amor divino.
1828 A prática da vida moral, animada pela caridade, dá ao cristão a liberdade
espiritual dos filhos de Deus. Já não está diante de Deus como escravo em temor servil, nem
como mercenário à espera do pagamento, mas como um filho que responde ao amor daquele
"que nos amou primeiro" (1 Jo 4,19): Ou nos afastamos do mal por medo do castigo, estando
assim na posição do escravo; ou buscamos o atrativo da recompensa, assemelhando-nos aos
mercenários; ou é pelo bem em si mo e por amor de quem manda que nós obedecemos... e
estaremos então na posição de filhos.1829 A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia exige a beneficência
e a correção fraterna; é benevolência; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é
amizade e comunhão: A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim, é para
alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que
repousaremos.
III. OS DONS E FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO
1830 A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são
disposições permanentes que tornam o homem dócil para seguir os impulsos do mesmo Espírito.
1831 Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza,
ciência, piedade e temor de Deus. Em plenitude, pertencem a Cristo, Filho de Davi . Completam
e levam ã perfeição as virtudes daqueles que os recebem. Tornam os fiéis dóceis para obedecer
prontamente às inspirações divinas.
Que o teu bom espírito me conduza por uma terra aplanada (Sl 143,10)
Todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus são filhos de Deus...
Filhos e, portanto, herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (Rm 8,14.17).
1832 Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós como
primícias da glória eterna. A Tradição da Igreja enumera doze: "caridade, alegria, paz,
paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência
e castidade" (Gl 5,22-23 vulg.).
RESUMINDO
1833 A virtude é uma disposição habitual e firme de fazer o bem.
1834 As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade que,
regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé. Podem
ser agrupadas em torno de quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a
temperança.
1835 A prudência dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso
verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo.
1836 A justiça consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que
lhes é devido.
1837 A fortaleza garante, nas dificuldades, a firmeza e a constância na busca do bem.
1838 A temperança modera a atração dos prazeres sensíveis e pro-cura o equilíbrio no
uso dos bens criados.
1839 As virtudes morais crescem pela educação, pelos atos deliberados e pela
perseverança no esforço. A graça divina purifica e as eleva.
1840 As virtudes teologais dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima
Trindade. Têm a Deus por origem, motivo e objeto, Deus conhecido pela fé, esperado e amado
por casa de si mesmo.
1841 Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade[a82] . Estas informam e
vivificam todas as virtudes morais.
1842 Pela fé, nós cremos em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e que a Santa Igreja
nos propõe para crer.
1843 Pela esperança, desejamos e aguardamos de Deus, com firme confiança, a vida
eterna e as graças para merecê-la.1844 Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e a nosso próximo como a
nós mesmos por amor a Deus. Ela é o "vínculo da perfeição" (Cl 3,14) e a forma de todas as
virtudes.
1845 Os sete dons do Espírito Santo concedidos ao cristão sabedoria, inteligência,
conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.
ARTIGO 8
O PECADO
I. A MISERICÓRDIA E O PECADO
1846 O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os
pecadores[a84] . O anjo anuncia a José: "Tu chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará
seu povo de seus pecados" (Mt 1,21). O mesmo se dá com a Eucaristia, sacramento da
redenção: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos, para
remissão dos pecados" (Mt 26,28).
1847 "Deus nos criou sem nós, mas não quis salvar-nos sem nós." Acolher sua misericórdia
exige de nossa parte a confissão de nossas faltas. "Se dissermos: 'Não temos pecado',
enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos nossos pecados,
Ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça" (1Jo 1,8-9).
1848 Como afirma S. Paulo: "Onde avultou o pecado, a graça superabundou" (Rm 5,20).
Mas, para realizar seu trabalho, deve a graça descobrir o pecado, a fim de converter nosso
coração e nos conferir "a justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rm
5,21). Como o médico que examina a ferida antes de curá-la, assim Deus, por sua palavra e por
seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado.
A conversão requer que se lance luz sobre o pecado; ela contém em si mesma o
julgamento interior da consciência. Pode-se ver nisso a prova da ação do Espírito de verdade no
mais íntimo do homem, e isso se torna ao mesmo tempo o início de um novo dom da graça e do
amor: "Recebei o Espírito Santo". Assim, nesta ação de "lançar luz sobre o pecado" descobrimos
um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito
de verdade é o Consolador.
II. A DEFINIÇÃO DO PECADO
1849 O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a cons-ciência reta; é uma falta
ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a
certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como
"uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna".
1850 O pecado é ofensa a Deus: "Pequei contra ti, contra ti somente; pratiquei o que é
mau aos teus olhos" (Sl 51,6). O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os
nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por
vontade de tornar-se "como deuses", conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O
pecado é, portanto, "amor de si mesmo até o desprezo de Deus". Por essa exaltação orgulhosa
de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação.
1851 É justamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo vai vencê-lo, que o
pecado manifesta o grau mais alto de sua violência e de sua multiplicidade: incredulidade, ódio
assassino, rejeição e zombarias da parte dos chefes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade
dos soldados, traição de Judas, tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono da parte
dos discípulos. Mas, na própria hora das trevas e do príncipe deste mundo, o sacrifício de Cristo
se toma secretamente a fonte de onde brotará inesgotavelmente o perdão de nossos pecados.III. A DIVERSIDADE DOS PECADOS
1852 A variedade dos pecados é grande. As Escrituras nos fornecem várias listas. A Carta
aos gálatas opõe as obras da carne ao fruto do Espírito: "As obras da carne são manifestas:
fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões,
discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais
eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus"
(Gl 5,19-21)".
1853 Pode-se distinguir os pecados segundo seu objeto, como em todo ato humano, ou
segundo as virtudes a que se opõem, por excesso ou por defeito, ou segundo os mandamentos
que eles contrariam. Pode-se também classificá-los conforme dizem respeito a Deus, ao próximo
ou a si mesmo; pode-se dividi-los em pecados espirituais e carnais, ou ainda em pecados por
pensamento, palavra, ação ou omissão. A raiz do pecado está no coração do homem, em sua
livre vontade, segundo o ensinamento do Senhor: "Com efeito, é do coração que procedem más
inclinações, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações. São
estas as coisas que tomam o homem impuro" (Mt 15,19-20). No coração reside também a
caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado fere.
IV. A GRAVIDADE DO PECADO: PECADO MORTAL E VENIAL
1854 Convém avaliar os pecados segundo sua gravidade. Perceptível já na Escritura, a
distinção entre pecado mortal e pecado venial se impôs na tradição da Igreja. A experiência
humana a corrobora.
1855 O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração
grave da lei de Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança,
preferindo um bem inferior.
O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora a ofenda e fira.
1856 O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital, que é a caridade, exige uma
nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração, que se realiza
normalmente no sacramento da Reconciliação:
Quando a vontade se volta para uma coisa contrária â caridade pela qual estamos
ordenados ao fim último, há no pecado, por seu próprio objeto, matéria para ser mortal... quer
seja contra o amor a Deus, como a blasfêmia, o perjúrio etc., quer seja contra o amor ao
próximo, como o homicídio, o adultério etc. Por outro lado, quando a vontade do pecador se
dirige às vezes a um objeto que contém em si uma desordem, mas não é contrário ao amor a
Deus e ao próximo, como por exemplo palavra ociosa, riso supérfluo etc., tais pecados são
veniais'.
1857 Para que um pecado, seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: "E
pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com
plena consciência e deliberadamente".
1858 A matéria grave é precisada pelos Dez mandamentos, segundo a resposta de
Jesus ao jovem rico: "Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso
testemunho, não dó fraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe" (Mc 10,19). A gravidade dos
pecados é maior ou menor: um assassinato é mais grave que um roubo. A qualidade das
pessoas lesadas é levada também em consideração. A Violência exercida contra os pais é em
mais grave que contra um estranho.
1859 O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o
conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de Deus. Envolve também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma escolha pessoal. A ignorânciaafetada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário
do pecado.
1860 A ignorância involuntária pode diminuir ou até escusar a imputabilidade de uma
falta grave, mas supõe-se que ninguém ignora os princípios da lei moral inscritos na consciência
de todo ser humano. Os impulsos da sensibilidade, as paixões podem igualmente reduzir o
caráter voluntário e livre da falta, como também pressões exteriores e perturbações patológicas.
O pecado por malícia, por opção deliberada do mal, é o mais grave.
1861 O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o
próprio amor. Acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do
estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de
Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno, já que nossa liberdade
tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. No entanto, mesmo podendo julgar
que um ato é em si falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as pessoas à justiça e à
misericórdia de Deus.
1862 Comete-se um pecado venial quando não se observa, em matéria leve, a medida
prescrita pela lei moral, ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem
pleno conhecimento ou sem pleno consentimento.
1863 O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos
bens criados; impede o progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral;
merece penas temporais. O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõenos pouco a pouco a cometer o pecado mortal. Mas o pecado venial não quebra a aliança
com Deus. É humanamente reparável com a graça de Deus. "Não priva da graça santificante,
da amizade com Deus, da caridade nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna."
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os
pecados leves. Mas esses pecados que chama-mos leves, não os consideras insignificantes: se os
consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves
faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos
faz um montão. Qual é então nossa esperança? Antes de tudo, a confissão...
1864 "Todo pecado, toda blasfêmia será perdoada aos homens, mas a blasfêmia contra
o Espírito não será perdoada" (Mt 12,31. Pelo contrário, quem a profere é culpado de um pecado
eterno. A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente a acolher
a misericórdia de Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus pecados e a salvação
oferecida pelo Espírito Santo. Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à
perdição eterna.
V. A PROLIFERAÇÃO DO PECADO
1865 O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos
mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem
a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se,
mas não consegue destruir o senso moral até a raiz.
1866 Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes que contrariam, ou ainda
ligados aos pecados capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S. João Cassiano e S.
Gregório Magno. São chamados capitais porque geram outros pecados, outros vícios. São o
orgulho, a avareza, inveja, a ira, a impureza, a gula, a preguiça ou acídia.
1867 A tradição catequética lembra também que existem “pecados que bradam ao
céu". Bradam ao céu o sangue de Abel, o pecado dos sodomitas; o clamor do povo oprimido no
Egito[a121] ; a queixa do estrangeiro, da viúva e do órfão; a injustiça contra o assalariado.
1868 O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados
cometidos por outros, quando neles cooperamos:ü participando neles direta e voluntariamente;
ü mandando, aconselhando, louvando ou aprovando esses pecados;
ü não os revelando ou não os impedindo, quando a somos obrigados;
ü protegendo os que fazem o mal.
1869 Assim, o pecado toma os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a
concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições
contrárias à bondade divina. As "estruturas de pecado" são a expressão e o efeito dos pecados
pessoais. Induzem suas vítimas a cometer, por sua vez, o mal. Em sentido analógico, constituem
um "pecado social".
RESUMINDO
1870 "Deus encerrou todos na desobediência, para a todos fazer misericórdia" (Rm 11,32).
1871 O pecado é "uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna". É uma
ofensa a Deus. Insurge-se contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo.
1872 O pecado é um ato contrário à razão. Fere a natureza do homem e ofende a
solidariedade humana.
1873 A raiz de todos os pecados está no coração do homem. As espécies e a gravidade
dos mesmos medem-se principalmente segundo seu objeto.
1874 Escolher deliberadamente, isto é, sabendo e querendo, uma coisa gravemente
contrária à lei divina e ao fim último do homem é cometer pecado mortal. Este destrói em nós a
caridade, sem a qual é impossível a bem-aventurança eterna. Caso não haja arrependimento, o
pecado mortal acarreta a morte eterna.
1875 O pecado venial constitui uma desordem moral reparável pela caridade, que ele
deixa subsistir em nós.
1876 A repetição dos pecados, mesmo veniais, produz os vícios, entre os quais avultam
os pecados capitais.
A COMUNIDADE HUMANA
1877 A vocação da humanidade consiste em manifestar a imagem de Deus e ser
transformada à imagem do Filho único do Pai. Esta vocação implica uma dimensão pessoal, pois
cada um é chamado a entrar na Bem-Aventurança divina, mas concerne também ao conjunto
da comunidade humana.
ARTIGO I
A PESSOA E A SOCIEDADE
I. O CARÁTER COMUNITÁRIO DA VOCAÇÃO HUMANA
1878 Todos os homens são chamados ao mesmo fim, o próprio Deus. Existe certa
semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem
estabelecer entre si, na verdade e no amor. O amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.
1879 A pessoa humana tem necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo
acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias
virtualidades; responde, assim, à sua vocação.
1880 Uma sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um
princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembléia ao mesmo tempo visível e
espiritual, uma sociedade perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro. Por ela,
cada homem é constituído "herdeiro", recebe "talentos" que enriquecem sua identidade e com
os quais deve produzir frutos. Com justa razão, deve cada qual dedicar-se às comunidades de
que faz parte e respeitar as autoridades encarregadas do bem comum.
1881 Cada comunidade se define por seu fim e obedece, por conseguinte, a regras
específicas, mas "a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais".
1882 Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais
imediatamente à natureza do homem. São-lhe necessárias. A fim de favorecer a participação
do maior número na vida social, é preciso encorajar a criação de associações e instituições de
livre escolha, "com fins econômicos, culturais, sociais, esportivos, recreativos, profissionais,
políticos, tanto no âmbito interno das comunidades políticas como no plano mundial". Esta
“socialização" exprime, igualmente, a tendência natural que impele os seres humanos a se
associarem para atingir objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as
qualidades da pessoa, particularmente seu espírito de iniciativa e responsabilidade. Ajuda a
garantir seus direitos.
1883 A socialização apresenta também perigos. Uma intervenção muito acentuada do
Estado pode ameaçar a liberdade e iniciativa pessoais. A doutrina da Igreja elaborou o
chamado princípio de subsidiariedade. Segundo este princípio, "uma sociedade de ordem
superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade inferior, privando-a de suas
competências, mas deve, antes, apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua
ação com as dos outros elementos que compõem a sociedade, tendo em vista o bem comum".
1884 Deus não quis reter só para si o exercício de todos os poderes. Confia a cada
criatura as funções que esta é capaz de exercer, segundo as capacidades da própria natureza.
Este modo de governo deve ser imitado na vida social. O comportamento de Deus no governo
do mundo, que demonstra tão grande consideração pela liberdade humana, deveria inspirar a
sabedoria dos que governam as comunidades humanas. Estes de-vem comportar-se como
ministros da providência divina.
1885 O princípio de subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo; traça os
limites da intervenção do Estado; tem em vista harmonizar as relações entre os indivíduos e as
sociedades; tende a instaurar uma verdadeira ordem internacional.
II. A CONVERSÃO E A SOCIEDADE
1886 A sociedade é indispensável à realização da vocação humana. Para alcançar este
objetivo, é necessário que seja respeitada a justa hierarquia dos valores que "subordina as
necessidades materiais e instintivas às interiores e espirituais.
A convivência humana deve ser considerada como realidade eminentemente espiritual,
intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimentos de
deveres, incentivo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas
expressões, disponibilidade permanente para comunicar a outrem o melhor de si mesmo e
aspiração comum a um constante enriquecimento espiritual. Tais são os valores que devem
animar e orientar a atividade cultural, a vida econômica, a organização social, os movimentos e
os regimes políticos, a legislação e todas as outras expressões da vida social em contínua
evolução.
1887 A inversão dos meios e dos fins, que acaba por conferir valor de fim último àquilo que
não passa de meio para segui-lo, ou por considerar as pessoas como meros meios em vista de um fim, produz estruturas injustas, que "tornam árdua e praticamente impossível uma conduta
cristã conforme mandamentos do Divino Legislador"
1888 É preciso, então, apelar às capacidades espirituais e morais da pessoa e à exigência
permanente de sua conversão interior, a fim de obter mudanças sociais que estejam realmente a
seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente,
antes impõe, a obrigação de trazer instituições e às condições de vida, quando estas provocam
o pecado, o saneamento conveniente, para que sejam conformes às normas da justiça e
favoreçam o bem, em vez de pôr-lhe obstáculos.
1889 Sem o auxílio da graça, os homens seriam incapazes de "discernir a senda
freqüentemente estreita entre a covardia que cede ao mal e a violência que, na ilusão de o
estar combatendo, ainda o agrava mais". É o caminho da caridade, quer dizer, do amor a Deus
e ao próximo. A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus
direitos. Exige a prática da justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la. Inspira uma vida de
autodoação: "Quem procurar ganhar sua vida vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la" (Lc
17,33).
RESUMINDO
1890 Existe certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que
os homens devem estabelecer entre si.
1891 Para desenvolver-se em conformidade com sua natureza, em a pessoa humana
necessidade da vida social. Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais
imediata-mente à natureza do homem.
1892 "A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais. É preciso fomentar uma ampla participação em associações e instituições de livre
escolha.
1894 Segundo o princípio de subsidiariedade, nem o Estado nem qualquer outra
sociedade mais ampla devem substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos
órgãos intermediários.
1895 A sociedade deve favorecer o exercício das virtudes, não pôr-lhe obstáculos.
Deve inspirá-la uma justa hierarquia de valores.
1896 Onde o pecado perverte o clima social, é preciso apelar à conversão dos
corações e à graça de Deus. A caridade impele a justas reformas. Não existe solução da
questão social fora do Evangelho.
ARTIGO 2
A PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL
I. A AUTORIDADE
1897 "A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda a não ser
que lhe presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário
trabalho e esforço ao bem comum."
Chama-se "autoridade" a qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições fazem leis e
dão ordens a homens, e esperam obediência da parte deles.
1898 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a dirija[a30]
. Tal autoridade encontra seu fundamento na natureza humana. É necessária à unidade da
cidade. Seu papel consiste em assegurar enquanto possível o bem comum da sociedade.1899 A autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus: "Todo homem se submeta
às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem
foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se
à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação" (Rm l3,l-2).
1900 O dever da obediência impõe a todos prestar à autoridade as honras a ela
devidas e cercar de respeito e, conforme seu mérito de gratidão e benevolência as pessoas
investidas de autoridade.
Deve-se ao papa S. Clemente de Roma a mais antiga oração Igreja pela autoridade
política:
"Concedei-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade para que exerçam
sem entraves a soberania que lhes concedestes. Sois vós, Mestre, rei celeste dos séculos, quem
dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, seu
conselho segundo o que é bom, segundo o que é agradável a vossos olhos, a fim de que,
exercendo com piedade, na paz e mansidão, o poder que lhes destes, Nos encontrem propício.
1901 Se, por um lado, a autoridade remete a uma ordem fixada por Deus, por outro, são
entregues à livre vontade dos cidadãos a escolha do regime e a designação dos governantes.
1902 A diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, contanto que
concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é
contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos fundamentais das pessoas não podem
realizar o bem comum das nações às quais são impostos. A autoridade não adquire de si mesma
sua legitimidade moral. Não deve comportar-se de maneira despótica, mas agir para o bem
comum, como uma "força moral fundada na liberdade e no senso de responsabilidade":
A legislação humana não goza do caráter de lei senão na medida em que se conforma à
justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na medida em que ela se
afastasse da razão seria necessário declará-la injusta, pois não realizaria a noção de lei; seria
antes uma forma de violência.
1903 A autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo
em questão e se, para atingi-lo empregar meios moralmente lícitos. Se acontecer de os dirigentes
promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não
poderão obrigar as consciências. "Neste caso, a própria autoridade deixa de existir degenerando
em abuso do poder."
1904 "É preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas
de competência que o mantenham em seu justo limite. Este e o principio do 'estado de direito',
no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens."
II. O BEM COMUM
1905 Em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está
necessariamente relacionado com o bem comum. Este só pode ser definido em referência à
pessoa humana:
Não vivais isolados, retirados em vós mesmos como se já estivésseis justificados, mas já
estivésseis justificados, mas reuni-vos para procurar juntos o que é o interesse comum.
1906 Por bem comum é preciso entender "o conjunto daquelas condições da vida
social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais
completa e desembaraçadamente a própria perfeição. O bem comum interessa à vida de
todos. Exige a prudência da parte de cada um e mais ainda da parte dos que exercem a
autoridade. Comporta ele três elementos essenciais.
1907 Supõe, em primeiro lugar, o respeito pela pessoa como tal. Em nome do bem
comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da
pessoa humana. A Sociedade é obrigada a Permitir que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades
naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana: "Tais são o direito de agir segundo
a norma reta de sua consciência, o direito á proteção da vida particular e à justa liberdade,
também em matéria religiosa".
1908 Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento do
próprio grupo o desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. E claro, cabe à
autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares.
Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida
verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação
conveniente, direito de fundar um lar etc.
1909 Por fim, o bem comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura.
Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a
de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva.
1910 Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecerse como tal, é na comunidade política que encontramos sua realização mais completa. Cabe
ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos
organismos intermediários.
1911 As dependências humanas se intensificam. Estendem-se aos poucos à terra inteira.
A unidade da família humana, reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual,
implica um bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das nações
capaz de "atender às várias necessidades dos homens, tanto no campo da vida social
(alimentação, saúde, educação...) como em certas condições particulares que podem surgir cá
ou lá, tais como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados (...),ou de ajudar os
emigrantes e suas famílias”.
1912 O bem comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização
das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não ao contrário”. Esta ordem tem por
base a verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor.
III. RESPONSABILIDADE E PARTICIPAÇÃO
1913 A participação é o envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações
sociais. É necessário que todos participem cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que
desempenha, na promoção do bem comum. Este dever é inerente à dignidade da pessoa
humana.
1914 A participação se realiza, antes de tudo, assumindo os setores pelos quais se tem a
responsabilidade pessoal: pelo cuidado na educação da prole, por um trabalho consciencioso,
o homem participa no bem dos outros e da sociedade.
1915 Os cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública. As
modalidades de tal participação podem variar de um pais para outro ou de uma cultura para
outra. "Deve-se louvar a maneira de proceder daquelas nações em que a maior parte dos
cidadãos, com autêntica liberdade, participa da vida pública."
1916 A participação de todos na realização do bem comum implica, como todo dever
ético, uma conversão sempre renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios
pelos quais alguns escapam às malhas da lei e às prescrições do dever social devem ser
firmemente condenados, por serem incompatíveis com as exigências da justiça. É necessário
ocupar-se do florescimento das instituições que possam melhorar as condições da vida humana.
1917 Cabe aos que exercem a função de autoridade fortalecer os valores que atraem a
confiança dos membros do grupo e os incitam a se colocar a serviço dos semelhantes. A
participação começa pela educação e pela cultura. "Podemos pensar com razão em depositar o futuro da humanidade nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações do
amanhã razões de viver e de esperar."
RESUMINDO
1918 “Não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por
Deus" (Rm 13,1).
1919 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade para se manter e
desenvolver.
1920 "É evidente que a comunidade política e a autoridade pública se fundamentam na
natureza humana, e por isso pertencem à ordem predeterminada por Deus."
1921 A autoridade é exercida de maneira legítima se estiver ligada à busca do bem
comum da sociedade. Para atingi-lo, deve utilizar meios moralmente aceitáveis.
1922 É legítima a diversidade dos regimes políticos, contanto que concorram para o bem
da comunidade.
1923 A autoridade política deve desenvolver-se dentro dos limites da ordem moral e
garantir as condições para o exercício da liberdade.
1924 O bem comum compreende "o conjunto daquelas condições da vida social que
permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e
desembaraçadamente a própria perfeição"
1925 O bem comum comporta três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos
direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou o desenvolvimento dos bens espirituais e
temporais da sociedade; a paz e a segurança do grupo e de seus membros.
1926 A dignidade da pessoa humana implica a procura do bem comum. Cada pessoa
deve preocupar-se em suscitar e conservar as instituições que aprimoram as condições da vida
humana.
1927 Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem
comum de toda a família humana pede uma organização da sociedade internacional.
ARTIGO 3
A JUSTIÇA SOCIAL
1928 A sociedade garante a justiça social quando realiza as condições que permitem às
associações e a cada membro seu obter o que lhes é devido conforme sua natureza e sua
vocação. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.
I. O RESPEITO À PESSOA HUMANA
1929 Só se pode conseguir a justiça social no respeito à dignidade transcendente do
homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.
A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo
Criador. Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente
responsáveis e obrigados a esse dever.
1930 O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de
sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles
que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou recusando-se a
reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral. Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência
de seus súditos. Cabe à Igreja lembrar esses direitos aos homens de boa vontade e distingui-los
das reivindicações abusivas ou falsas.
1931 O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: "Que cada um
respeite o próximo, sem exceção, como 'outro eu', levando em consideração antes de tudo sua
vida e os meios necessários para mantê-la dignamente". Nenhuma lei seria capaz, por si só, de
fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que constituem
obstáculos para o estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Esses
comportamentos só podem cessar com a caridade, que vê em cada homem um "próximo", um
irmão.
1932 O dever de tomar-se o próximo do outro e servi-lo ativamente se torna ainda mais
urgente quando este se acha mais carente, em qualquer setor que seja. "Todas as vezes que
fizestes a um destes meus irmãos menores, a mim o fizestes" (Mt 25,40).
1933 Este mesmo dever se estende àqueles que pensam ou agem diferentemente de
nós. A doutrina de Cristo vai até o ponto de exigir o perdão das ofensas. Estende o mandamento
do amor, que é o da nova lei, a todos os inimigos. A libertação no espírito do Evangelho é
incompatível com o ódio ao inimigo, como pessoas mas não com o ódio ao mal que este
pratica, como inimigo.
II. IGUALDADE E DIFERENÇAS ENTRE OS HOMENS
1934 Criados à imagem do Deus único, dotados de uma mesma alma racional, todos os
homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos
são convidados a participar na mesma felicidade divina; todos gozam, portanto, de igual
dignidade.
1935 A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal
e aos direitos que daí decorrem.
Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja (essa
discriminação) social ou cultural, ou que se fundamente no sexo, na raça, na cor, na condição
social, na língua ou na religião deve ser superada e eliminada, porque contrária ao plano de
Deus[a79] .
1936 Quando nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao
desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças
ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de
que cada um pôde se beneficiar, à distribuição das riquezas. Os "talentos" não são distribuídos de
maneira igual.
1937 Essas diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do
outro aquilo que precisa e que os que dispõem de "talentos" específicos comuniquem seus
benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à
magnanimidade, à benevolência e à partilha; (essas diferenças) motivam as culturas a se
enriquecerem urnas às outras.
Eu não dou todas as virtudes na mesma medida a cada um (...) Existem virtudes que eu
distribuo desta maneira, ora a um ora a outro. (...) A este a caridade; a outro a justiça; a este a
humildade, àquele uma fé viva. (...) Distribuí muitas graças e virtudes, espirituais e temporais, com
tal diversidade que a ninguém por si só concedi todo o necessário, para serdes obrigados a usar
de caridade uns para com os outros. (...) Quis que todos tivessem necessidade uns dos outros e
fossem meus ministros na distribuição das graças e liberalidades que de mim receberam.
1938 Existem também desigualdades iníquas que atingem milhões de homens e mulheres
e se acham em contradição aberta com o Evangelho:A igual dignidade das pessoas postula que se chegue a condições de vida mais justas e
mais humanas. Pois as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos
da única família humana provocam escândalo e são contrárias à justiça social, à eqüidade, à
dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional.
III. A SOLIDARIEDADE HUMANA
1939 O princípio da solidariedade, enunciado ainda sob o nome de ou "caridade
social'', é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã:
Um erro, "hoje amplamente difundido, é o esquecimento desta lei da solidariedade
humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade
da natureza racional em todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como também
pelo sacrifício redentor oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz a seu Pai celeste, em prol da
humanidade pecadora”
1940 A solidariedade se manifesta antes de mais nada na distribuição dos bens e na
remuneração do trabalho. Supõe também o esforço em favor de uma ordem social mais justa,
na qual as tensões possam ser mais bem resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente sua
solução por consenso.
1941 Os problemas sócio econômicos só podem ser resolvidos com o auxílio de todas as
formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos e dos pobres, dos
trabalhadores entre si, dos empregadores e dos empregados na empresa, solidariedade entre as
nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Em
parte, é da solidariedade que depende a paz mundial.
1942 A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Difundindo os bens
espirituais da fé, a Igreja favoreceu também o desenvolvimento dos bens temporais, aos quais
muitas vezes abriu novos caminhos. Assim foi-se verificando, ao longo dos séculos, a palavra do
Senhor: "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas serão
acrescentadas" (Mt 6,33):
Há dois mil anos vive e persevera na alma da Igreja este sentimento que levou e ainda
leva as almas ao heroísmo caritativo dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos
tratam dos enfermos, dos mensageiros de fé, de civilização, ciência a todas as gerações e a
todos os povos, em vista de criar condições sociais capazes de possibilitar a todos uma vida
digna do homem e do cristão.
RESUMINDO
1943 A sociedade garante a justiça social realizando as condições que permitam às
associações e a cada um obter o que lhes é devido.
1944 O respeito pela pessoa humana considera o outro como um "outro eu mesmo".
Supõe o respeito pelos direitos fundamentais que decorrem da dignidade intrínseca da pessoa.
1945 A igualdade entre os homens assenta sobre sua dignidade pessoal e sobre os
direitos que daí decorrem.
1946 As diferenças entre as pessoas pertencem ao plano de Deus, o qual quer que
todos nós tenhamos necessidade uns dos outros. Essas diferenças devem estimular a caridade.
1947 A dignidade igual das pessoas humanas exige o esforço para reduzir as
desigualdades sociais e econômicas excessivas e leva ao desaparecimento das desigualdades
iníquas.
1948 A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã que pratica a partilha dos
bens espirituais mais ainda que dos materiais.CAPÍTULO III.
A SALVAÇÃO DE DEUS: A LEI E A GRAÇA
1949 Chamado à felicidade, mas ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da
salvação de Deus. O socorro divino lhe é dado, em Cristo, pela lei que o dirige e na graça que o
sustenta:
Trabalhai para vossa salvação com temor e tremor, pois é Deus quem, segundo a sua
vontade, realiza em vós o querer e o fazer (Fl 2,12-13).
ARTIGO I
A LEI MORAL
1950 A lei moral é obra da Sabedoria divina. Pode-se definir a lei moral, no sentido
bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os
caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os
caminhos do mal, que desviam de Deus e de seu amor. E ao mesmo tempo firme em seus
preceitos e amorosa em suas promessas.
1951 A lei é uma regra de comportamento promulgada pela autoridade competente
em vista do bem comum. A lei moral supõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas,
para seu bem e em vista de seu fim, pelo poder, pela sabedoria e pela bondade do Criador.
Toda lei encontra na lei eterna sua verdade primeira e última. A lei é revelada e estabelecida
pela razão como una participação na providência do Deus vivo, Criador e Redentor de todos. "A
esta ordenação da razão dá-se o nome de lei":
Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode gloriar-se de ter sido digno de receber
de Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e discernimento, regulará sua
conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe confiou.
1952 As expressões da lei moral variam muito, e todas se acham coordenadas entre si: a
lei eterna, fonte, em Deus, de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei
Antiga e a Nova Lei (ou Lei evangélica); enfim, as leis civis e eclesiásticas.
1953 A lei moral encontra em Cristo sua plenitude e sua unidade. Jesus Cristo em pessoa
é o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, pois só ele ensina e dá a justiça de Deus. "Porque a
finalidade da lei é Cristo, para a justificação de todo o que crê" (Rm 10,4).
I. A LEI MORAL NATURAL
1954 O homem participa da sabedoria e da bondade do Cria-dor, que lhe confere o
domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. A lei
natural ex-prime o sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o
bem e o mal, a verdade e a mentira.
A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens,
porque ela é a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar. (...) Mas esta
prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão
mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se.
1955 A lei "divina e natural" mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e
atingir seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a vida moral.
Tem como esteio a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo bem, assim como sentir o outro como igual a si mesmo. Está exposta, em seus principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é
denominada natural não em referência à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que
a promulga pertence, como algo próprio, à natureza humana:
Onde é, então, que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se chama
a verdade? Aí está escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre
a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando ai a sua marca, à maneira de um sinete
que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel.
lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela,
conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus a
criação.
1956 Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é
universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a
dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres fundamentais:
Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza, difundida em
todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever; suas proibições
afastam do pecado. (...) E um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido não aplicar
uma de suas disposições; quanto a ab-rogá4a inteiramente, ninguém tem a possibilidade de
fazê-lo.
1957 A aplicação da lei natural varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à
multiplicidade das condições de vida, conforme os lugares, as épocas e as circunstâncias.
Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como uma regra que liga entre si
os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis diferenças, princípios comuns.
1958 A lei natural é imutável e permanente através das varias ações da história; ela
subsiste sob o fluxo das idéias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As regras que
a exprimem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus
princípios, não é possível destruí-la nem arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a
ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades:
O roubo é certamente punido por vossa lei, Senhor, e pela lei escrita no coração do
homem, (lei) que nem mesmo a iniqüidade consegue apagar.
1959 Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os
quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela
assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens.
Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão
que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica.
1960 Os preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e
imediata. Na atual situação, a graça e a revelação nos são necessárias, como pecadores que
somos, para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas "por todos e sem
dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro". A lei natural propicia à lei revelada e à
graça um fundamento preparado por Deus e em concordância com a obra do Espírito.
II. A LEI ANTIGA
1961 Deus, nosso criador e nosso redentor, escolheu para si Israel como seu povo e lhe
revelou sua Lei, preparando, assim, a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime diversas verdades
naturalmente acessíveis à razão. Estas se acham declaradas e autenticadas no interior da
aliança da salvação.
1962 A Lei Antiga é o primeiro estágio da Lei revelação. Suas prescrições morais estão
resumidas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam as bases da vocação do
homem, feito à imagem de Deus; proíbem aquilo que é contrário ao amor de Deus e do próximo e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo
homem, para lhe manifestar o chamamento e os caminhos de Deus e protegê-lo do mal:
Deus escreveu nas tábuas da lei aquilo que os homens não conseguiam ler em seus
corações.
1963 Segundo tradição cristã, a lei santa, espiritual e boa ainda é imperfeita. Como um
pedagogo, ela mostra o que se deve fazer, mas não dá por si mesma a força, a graça do Espírito
para cumpri-la. Por causa do pecado que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão. Conforme
S. Paulo, ela tem principalmente como função denunciar e manifestar o pecado que forma uma
"lei de concupiscência” no coração do homem. No entanto, a lei permanece como a primeira
etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada cristão à conversão e à fé
no Deus salvador. Oferece um ensinamento que subsiste para todo o sempre, como a Palavra de
Deus.
1964 A Lei Antiga é uma preparação para o Evangelho. "A lei é profecia e pedagogia
das realidades futuras.” Profetiza e pressagia a obra da libertação do pecado, que se realizará
com Cristo, e fornece ao Novo Testamento as imagens, os "tipos", os símbolos, para exprimir a
vida segundo o Espírito. A Lei se completa, enfim, pelo ensinamento dos livros sapienciais e dos
profetas que a Orientam para a nova aliança e o Reino dos Céus.
Houve (...), sob o regime da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a graça
do Espírito Santo e aspiravam sobretudo às promessas espirituais e eternas, e deste modo se
ligavam à nova lei. Inversamente, existem também sob a nova aliança homens carnais, ainda
longe da perfeição da nova Lei. Para os estimular às obras virtuosas, foram necessários o temor
do castigo e diversas promessas temporais, até sob a Nova Aliança. Em todo caso, mesmo que a
Lei Antiga prescrevesse a caridade, ela não dava o Espírito Santo pelo qual "o amor de Deus
derramado em nossos corações" (Rm 5,5).
III. A NOVA LEI OU LEI EVANGÉLICA
1965 A Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina, natural e
revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente no Sermão da Montanha. E
também obra do Espírito Santo e, por ele, vem a ser a lei interior da caridade: "Concluirei com a
casa de Israel uma nova aliança. (...) Colocarei minhas leis em sua mente e as inscreverei em seu
coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8,8.10).
1966 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo dada aos fiéis pela fé em Cristo. É operante
pela caridade, serve-se do Sermão do Senhor para nos ensinar o que é preciso fazer e dos
sacramentos para nos comunicar a graça de fazê-lo.
Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o Sermão que Nosso Senhor
pronunciou no monte, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, aí encontrará, sem
sombra de dúvida, a carta magna da vida cristã. (...) Este Sermão contém todos os preceitos
apropriados para guiar a vida cristã.
1967 A Lei evangélica "dá pleno cumprimento" à Lei Antiga, afina-a, ultrapassa-a e
aperfeiçoa-a. Nas "bem-aventuranças”, ela realiza plenamente as promessas divinas, elevandoas e ordenando-as ao "Reino dos Céus". Dirige-se àqueles que se mostram dispostos a acolher
com fé esta esperança nova - os pobres, os humildes, os aflitos, os de coração puro, os
perseguidos por causa de Cristo -, traçando assim os surpreendentes caminhos do Reino.
1968 A Lei evangélica dá pleno cumprimento aos mandamentos da Lei. O Sermão do
Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei Antiga, dela haure as
virtualidades ocultas, faz surgir novas exigências e revela sua verdade divina e humana. Não lhe
acrescenta novos preceitos exteriores, mas vai até o ponto de reformar a raiz dos atos, o
coração, onde o homem faz a opção entre o puro e o impuro, onde se formam a fé, a
esperança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. O Evangelho, deste modo, leva a lei à plenitude, imitando a perfeição do Pai celeste, pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos
perseguidores, seguindo o modelo da divina generosidade.
1969 A Nova Lei pratica os atos da religião - a esmola, a oração e o jejum -, ordenandoos ao "Pai que vê no segredo", em contraste com o desejo "de ser visto pelos homens". Sua
oração é o “Pai-Nosso.”
1970 A Lei evangélica comporta a opção decisiva entre "os dois caminhos" e a prática
das palavras do Senhor; resume-se na regra de ouro: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os
homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a lei e os profetas" (Mt 7,12).
Toda a Lei evangélica se compendia no "mandamento novo" de Jesus, de nos amarmos
uns aos outros como Ele nos amou.
1971 Ao sermão do Senhor convém acrescentar a catequese moral dos ensinamentos
apostólicos, como Rm 12-15; 1 Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-6 etc. Esta doutrina transmite o ensinamento
do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, particularmente pela exposição das virtudes que
decorrem da fé em Cristo e são animadas pela caridade, o principal dom do Espírito Santo. "Que
vosso amor seja sem hipocrisia (...) com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros (...)
alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na oração, tomando parte
nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade" (Rm 12,9-13). Esta
catequese também nos ensina a tratar os casos de consciência à luz de nossa relação com
Cristo e a Igreja.
1972 A Nova Lei é também denominada lei de amor, porque ela leva a agir pelo amor
infundido pelo Espírito Santo e não pelo temor; uma lei de graça, por conferir a força da graça
para agir por meio da fé e dos sacramentos; uma lei de liberdade, pois nos liberta das
observância rituais e jurídicas da Antiga Lei, nos inclina a agir espontaneamente sob o impulso da
caridade, enfim, nos faz passar do estado de servo, não sabe o que seu senhor faz”, para o de
amigo de Cristo, “porque tudo o que eu ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (Jo 15,15), ou
ainda para o de filho-herdeiro.
1973 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta também os conselhos evangélicos. A
distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos se estabelece
em relação à caridade, perfeição da vida cristã. Os preceitos se destinam a afastar tudo o que é
incompatível com a caridade. Os conselhos têm como meta afastar o que, mesmo sem lhe ser
contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da caridade.
1974 Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se
mostra satisfeita, por não poder dar mais. Atestam seu dinamismo e solicitam nossa prontidão
espiritual. A perfeição da Nova Lei consiste essencialmente preceitos do amor a Deus e ao
próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados
conforme a vocação de cada um:
(Deus) não quer que cada pessoa observe todos os conselhos mas apenas aqueles que
são convenientes, conforme a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das forças,
com o exige a caridade; pois ela, como a rainha de todas as virtudes, de todos os
mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as leis e de todas as ações cristãs, a
todos e todas dá seu grau, sua ordem, o tempo e o valor.
RESUMINDO
1975 Segundo a Escritura, a lei é uma instrução paterna de Deus que prescreve ao
homem os caminhos que levam à felicidade prometida e proscreve os caminhos do mal.
1976 "A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele a
quem cabe o governo da comunidade"
1977 Cristo é a finalidade da 1ei. Somente Ele ensina e concede a justiça de Deus.1978 A lei natural é uma participação na sabedoria e na bondade de Deus, pelo
homem formado à imagem de seu criador. A lei natural exprime a dignidade da pessoa humana
e constitui a base de seus direitos e deveres fundamentais.
1979 A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a exprimem
são substancialmente sempre válidas. Ela é uma base necessária para a edificação das regras
morais e para a lei civil.
1980 A Antiga Lei é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas prescrições morais se acham
resumidas nos Dez Mandamentos.
1981 A Lei de Moisés contém diversas verdades naturalmente acessíveis à razão. Deus as
revelou porque os homens não as conseguiam ler em seu coração.
1982 A Antiga Lei é uma preparação para o Evangelho.
1983 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela
caridade. Exprime-se particularmente no Sermão do Senhor na montanha e usa os sacramentos
para comunicar-nos a graça.
1984 A Lei evangélica leva a pleno cumprimento, ultrapassa e conduz à perfeição a
Antiga Lei: suas promessas, por meio das Bem-Aventuranças do Reino dos Céus; seus
mandamentos, por meio da transformação da fonte de suas ações, ou seja, o coração.
1985 A Nova Lei é uma lei de amor, uma lei de graça, uma lei de liberdade.
1986 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta os conselhos evangélicos. "De modo
especial favorecem igualmente a santidade da Igreja os múltiplos conselhos que no Evangelho
Senhor propõe à observância de seus discípulos.”
ARTIGO 2
GRAÇA E JUSTIFICAÇÃO
I. A JUSTIFICAÇÃO
1987 A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, purificar-nos de nossos
pecados e comunicar-nos “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo e pelo batismo.
Mas, se morremos com Cristo, temos fé de que também viveremos com Ele, sabendo que
Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a morte não tem mais domínio sobre
Ele. Porque, morrendo, Ele morreu para o pecado uma vez por todas; vivendo, Ele vive para
Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus
(Rm 6,8-11).
1988 Pelo poder do Espírito Santo, participamos da Paixão de Cristo, morrendo para o
pecado, e da ressurreição, nascendo para uma vida nova; somos os membros de seu Corpo,
que é a Igreja , os sarmentos enxertados na Videira, que é Ele mesmo:
Pelo Espírito, temos parte com Deus. (...) Pela participação Espírito, nós nos tornamos
participantes da natureza divina. (...) Por isso, aqueles em quem o Espírito habita são divinizados.
1989 A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão que opera a justificação
segundo o anúncio de Jesus no princípio do Evangelho: "Arrependei-vos (convertei-vos), porque
está próximo o Reino dos Céus" (Mt 4,17). Sob a moção da graça, o homem se volta para Deus e
se aparta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça do alto. "A justificação comporta a
remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior.”
1990 A justificação aparta o homem do pecado, que contradiz o amor de Deus, e lhe
purifica o coração. A justificação ocorre graças à iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o perdão. A justificação reconcilia o homem com Deus; liberta-o da servidão do pecado e o
cura.
1991 A justificação é, ao mesmo tempo, o acolhimento da justiça de Deus pela fé em
Jesus Cristo. A justiça designa aqui a retidão do amor divino. Com a justificação, a fé, a
esperança e a caridade se derramam em nossos corações e é-nos concedida a obediência à
vontade divina.
1992 A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz
como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação
pelos pecados de toda a humanidade. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento da
fé. Toma-nos conformes à justiça de Deus, que nos faz interiormente justos pelo poder de sua
misericórdia. Tem como alvo a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna:
Agora, porém, independentemente da lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada
pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo, em favor de todos os
que crêem pois não há diferença, sendo que todos pecaram e todos estão privados da glória de
Deus e são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em
Cristo Jesus. Deus o expôs como instrumento de propiciação, por seu próprio sangue, mediante a
fé. Ele queria assim manifestar sua justiça, pelo fato de ter deixado sem punição os pecados de
outrora, no tempo da paciência de Deus; ele queria manifestar sua justiça no tempo presente,
para mostrar-se justo e para justificar aquele que tem fé em Jesus (Rm 3,21-26).
1993 A justificação estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do
homem. Do lado humano, ela se exprime no assentimento da fé à palavra de Deus, que convida
o homem à conversão, e na cooperação da caridade, no impulso do Espírito Santo, que o
previne e guarda.
Quando Deus toca o coração do homem pela iluminação do Espírito Santo, o homem
não é insensível a tal inspiração, que pode, aliás, rejeitar; e, no entanto, ele não pode tampouco,
sem a graça divina, chegar pela vontade livre à justiça diante dele.
1994 A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus, manifestado em Cristo
Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Sto. Agostinho pensa que "a justificação do ímpio é uma
obra maior que a criação dos céus e da terra", pois "os céus e a terra passarão, ao passo que a
salvação e a justificação dos eleitos permanecerão para sempre". Pensa até que a justificação
dos pecadores é uma obra maior que a criação dos anjos na justiça, pelo fato de testemunhar
uma misericórdia maior.
1995 O Espírito Santo é o mestre interior. Gerando "o homem interior , a justificação
implica a santificação de todo o ser:
Como outrora entregastes vossos membros à escravidão da impureza e da desordem
para viver desregradamente, assim entregai agora vossos membros a serviço da justiça, para a
santificação. (...) Mas agora, libertos do pecado e postos a serviço de Deus, tendes, como fruto,
a santificação, e o fim é a vida eterna (Rm 6,19-22).
II. A GRAÇA
1996 Nossa justificação vem da graça de Deus. A graça é favor, o socorro gratuito que
Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes
da natureza divina, da Vida Eterna.
1997 A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida
trinitária. Pelo Batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça da Igreja. Como "filho
adotivo", pode doravante chamar a Deus de "Pai", em união com o Filho único. Recebe a vida
do Espírito, que nele infunde a caridade e forma a Igreja.
1998 Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural. Depende integralmente da
iniciativa gratuita de Deus, pois apenas Ele pode se revelar e dar-se a si mesmo. Esta vocação ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade do homem, como também
de qualquer criatura.
1999 A graça de Cristo é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la; trata-se da graça
santificante ou deificante, recebida no Batismo. Em nós, ela é a fonte da obra santificadora:
Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez
uma realidade nova. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo (2Cor 5,17-
18).
2000 A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural
para aperfeiçoar a própria alma e torná-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor. Deve-se
distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir conforme o chamado divino,
e as graças atuais, que designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no
decorrer da obra da santificação.
2001 A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça. Esta é
necessária para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação
pela caridade. Deus acaba em nós aquilo que Ele mesmo começou, "pois começa, com sua
intervenção, fazendo com que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de nossa
vontade já convertida":
Sem dúvida, operamos também nós, mas o fazemos cooperando com Deus, que opera
predispondo-nos com a sua misericórdia. E o faz para nos curar, e nos acompanhará para que,
quando já curados, sejamos vivificados; predispõe-nos para que sejamos chamados e
acompanha-nos para que sejamos glorificados; predispõe-nos para que vivamos segundo a
piedade e segue-nos para que, com Ele, vivamos para todo o sempre, pois sem Ele nada
podemos fazer.
2002 A livre iniciativa de Deus pede a livre resposta do homem pois Deus criou o homem
à sua imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de conhecê-Lo e amá-Lo. A alma só
pode entrar livremente na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e move diretamente o
coração do homem. Ele colocou no homem uma aspiração à verdade e ao bem que somente
Ele pode satisfazer plenamente. As promessas da "vida eterna" respondem, além de a toda a
nossa esperança, a esta aspiração:
Se Vós, ao cabo de vossas obras excelentes (...) repousastes no sétimo dia, foi para nos
dizer de antemão pela voz de vosso livro que, ao cabo de nossas obras ("que são muito boas",
pelo fato mesmo de terdes sido Vós que no-las destes), também nós no sábado da vida eterna
em Vós repousaremos.
2003 A graça é antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos justifica e nos
santifica. Mas a graça compreende igualmente os dons que o Espírito nos concede, para nos a
associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o
crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. São as graças sacramentais dons próprios dos
diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, chamadas também "carismas",
segundo a palavra grega empregada por S. Paulo e que significa favor, dom gratuito,
benefício[a36] . Seja qual for seu caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou
das línguas, os carismas se ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da
Igreja. Acham-se a serviço da caridade, que edifica a Igreja.
2004 Entre as graças especiais, convém mencionar as graças de estado, que
acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja:
Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom
da profecia, que o exerça segundo a proporção de nossa fé; aquele que tem o dom do serviço,
que o exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem tem o dom da exortação,
exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade; aquele que preside,
com diligência; aquele que exerce misericórdia, com alegria (Rm 12,6-8).2005 Sendo de ordem sobrenatural, a graça escapa à nossa experiência e só pode ser
conhecida pela fé. Não podemos, portanto, nos basear em nossos sentimentos ou em nossas
obras para dai deduzir que estamos justificados e salvos. No entanto, segundo a palavra do
Senhor: "É pelos seus frutos que os reconhecereis" (Mt 7,20), a consideração dos benefícios de
Deus em nossa vida e na dos santos nos oferece uma garantia de que a graça está operando
em nós e nos incita a uma fé sempre maior e a uma atitude de pobreza confiante:
Acha-se uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Sta. Joana d'Arc a
uma pergunta capciosa de seus juizes eclesiásticos: "Interrogada se sabe se está na graça de
Deus, responde: “Se não estou, que Deus me queira pôr nela; se estou, que Deus nela me
conserve”.
III. O MÉRITO
Na assembléia dos santos, vós sois glorificados e, coroando os seus méritos, exaltais os
vossos próprios dons.
2006 O termo "mérito" designa, em geral, a retribuição devida por uma comunidade ou
uma sociedade à ação de um de seus membros, sentida como boa ou má, digna de
recompensa ou castigo. O mérito se relaciona com a virtude da justiça, em conformidade com o
princípio da igualdade que a rege.
2007 Diante de Deus, em sentido estritamente jurídico, não mérito da parte do homem.
Entre Ele e nós a diferença é infinita, pois dele tudo recebemos, dele, que é nosso criador.
2008 O mérito do homem diante de Deus, na vida cristã, provém do fato de que Deus
livremente determinou associar o homem à obra de sua graça. A ação paternal de Deus vem
em primeiro lugar por seu impulso, e o livre agir do homem, em segundo lugar, colaborando com
Ele, de sorte que os méritos das boas obras devem -ser atribuídos à graça de Deus,
primeiramente, e só em segundo lugar ao fiel. O próprio mérito do homem cabe, aliás, a Deus
pois suas boas ações procedem, em Cristo, das inspirações do auxilio do Espírito Santo.
2009 A adoção filial, tomando-nos participantes, por graça, da natureza divina, pode
conferir-nos, segundo a justiça gratuita de Deus, um verdadeiro mérito. Trata-se de um direito por
graça, o pleno direito amor, que nos toma "co-herdeiros" de Cristo e dignos de obter “a herança
prometida da vida eterna. Os méritos de nossas boas obras são dons da bondade divina. "A
graça veio primeiro; agora se entrega aquilo que é devido. (...)Os méritos são dons de Deus."
2010 Como a iniciativa pertence a Deus na ordem da graça, ninguém pode merecer a
graça primeira, na origem da versão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo
e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças úteis
à nossa santificação crescimento da graça e da caridade, e também para ganhar a vida
eterna. Os próprios bens temporais, como a saúde, a amizade, podem ser merecidos segundo a
sabedoria divina. Essas graças e esses bens são o objeto da oração cristã. Esta atende à nossa
necessidade da graça para as ações meritórias.
2011 A caridade de Cristo em nós constitui a fonte de todos os nossos méritos diante de
Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural de nossos
atos e, por conseguinte, seu mérito (desses nossos atos) diante de Deus, como também diante
dos homens. Os santos sempre tiveram viva consciência de que seus méritos eram pura graça.
Após o exílio terrestre, espero ir deleitar-me de vós na Pátria, mas não quero acumular
méritos para o céu, quero trabalhar somente por vosso amor. (...). Ao entardecer desta vida,
comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, que contabilizeis as
minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas a vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me
de vossa própria justiça e receber de vosso amor a posse eterna de vós mesmo...
IV. A SANTIDADE CRISTÃ2012 "E nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam. (...)
Porque os que de antemão Ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos. E os que predestinou,
também os chamou, e os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os
glorificou" (Rm 8,28-30).
2013 "Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da
vida cristã e à perfeição da caridade." Todos são chamados à santidade: "Deveis ser perfeitos
como o vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48):
Com o fim de conseguir esta perfeição, façam os fiéis uso das forças recebidas (...), a fim
de que, cumprindo em tudo a vontade do Pai, se dediquem inteiramente à glória de Deus e ao
serviço do próximo. Assim, a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos,
como se demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos.
2014 O progresso espiritual tende à união sempre mais íntima com Cristo. Esta união
recebe o nome de "mística", pois ela participa no mistério de Cristo pelos sacramentos "os santos
mistérios" e, nele, no mistério da Santíssima Trindade, Deus nos chama a todos a esta íntima união
com Ele, mesmos que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística sejam
concedidos apenas a alguns, em vista de manifestar o dom gratuito feito a todos.
2015 O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e
sem combate espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação, que levam
gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças:
Aquele que vai subindo jamais cessa de progredir de começo em começo, por começos
que não têm fim. Aquele que jamais cessa de desejar aquilo que já conhece.
2016 Os filhos da Santa Igreja, nossa Mãe, esperam justamente a graça da
perseverança final e a recompensa de Deus, seu Pai pelas boas obras realizadas com sua graça,
em comunhão com Jesus. Observando a mesma regra de vida, os fiéis cristãos partilham "a feliz
esperança" daqueles que a misericórdia divina reúne na "Cidade santa, uma Jerusalém nova
que desce do céu de junto de Deus, preparada como uma esposa" (Ap 21,2).
RESUMINDO
2017 A graça do Espírito Santo nos dá a justiça de Deus. Unindo-nos pela fé e pelo
Batismo à Paixão e à Ressurreição de Cristo, o Espírito nos faz participar de sua vida.
2018 A justificação, como a conversão, apresenta duas faces. Sob a moção da graça,
o homem se volta para Deus e se afasta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça que
vêm do alto.
2019 A justificação comporta a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do
homem interior.
2020 A justificação nos foi merecida pela Paixão de Cristo e nos é concedida por meio
do Batismo. Faz-nos conformes à justiça de Deus, que nos torna justos. Tem como meta a glória
de Deus e de Cristo e o dom da Vida Eterna. É a obra mais excelente da misericórdia de Deus.
2021 A graça é o auxílio que Deus nos concede para responder à nossa vocação de
nos tornar seus filhos adotivos. Ela nos introduz na intimidade da vida trinitária.
2022 A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do
homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade humana; chama-a a cooperar
consigo e a aperfeiçoa.
2023 A graça santificante é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida, infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la.
2024 A graça santificante nos faz "agradáveis a Deus". Os carismas, graças especiais do
Espírito Santo, são ordenados à graça santificante e têm como alvo o bem comum da Igreja. Deus opera também por graças atuais múltiplas, que se distinguem da graça habitual,
permanente em nós.
2025 Nosso mérito em face de Deus consiste apenas em seguir seu livre desígnio de
associar o homem à obra de sua graça. O mérito pertence à graça de Deus em primeiro lugar, à
colaboração do homem em segundo lugar. Cabe a Deus o mérito humano.
2026 A graça do Espírito Santo, em virtude de nossa filiação adotiva, pode conferir-nos
um verdadeiro mérito segundo a justiça gratuita de Deus. A caridade constitui, em nós, a fonte
principal do mérito diante de Deus.
2027 Ninguém pode merecer a graça primeira que se acha na origem da conversão.
Sob a moção do Espírito Santo, podemos merecer, para nós mesmos e para os outros, todas as
graças Úteis para chegar à vida eterna, como também os bens temporais necessários.
2028 "O apelo à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Se dirige a todos os
fiéis cristãos[a61] . "A perfeição cristã só tem um limite: ser ilimitada."
2029 "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Mt
16,24).
ARTIGO 3
A IGREJA, MÃE E EDUCADORA
2030 É em Igreja, em comunhão com todos os batizados, que o cristão realiza sua
vocação. Da Igreja recebe a palavra de Deus, que contém os ensinamentos da “lei de Cristo”.
Da Igreja recebe a graça dos sacramentos, que o sustenta "no caminho". Da Igreja aprende o
exemplo da santidade; reconhece a figura e a fonte (da Igreja) em Maria, a Virgem Santíssima;
discerne-a no testemunho autêntico daqueles que a vivem, descobre-a na tradição espiritual e
na longa história dos santos que o precederam que a Liturgia celebra no ritmo do Santoral.
2031 A vida moral é um culto espiritual. "Oferecemos nossos corpos como hóstia viva,
santa e agradável a Deus", no seio do corpo de Cristo que formamos, e em comunhão com a
oferta de sua Eucaristia. Na Liturgia e na celebração dos sacramentos, oração e doutrina se
conjugam com a graça de Cristo, para iluminar e alimentar o agir cristão. Como o conjunto da
vida cristã, da mesma forma a vida moral encontra sua fonte e seu ponto culminante no
sacrifício eucarístico.
I. VIDA MORAL E MAGISTÉRIO DA IGREJA
2032 A Igreja, "coluna e sustentáculo da verdade" 1 Tm 3,15) "recebeu dos Apóstolos o
solene mandamento de Cristo de pregar a verdade da salvação”. "Compete à Igreja anunciar
sempre e por toda parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a
respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa
ou a salvação das almas."
2033 O magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, com o auxílio das obras dos teólogos e dos autores espirituais. Assim
se foi transmitindo, de geração em geração, sob a égide e a vigilância dos pastores, o "depósito"
da moral cristã, composto de um conjunto característico de regras, mandamentos e virtudes que
procedem da fé em Cristo e são vivificados pela caridade. Esta catequese tem tradicionalmente
tomado por base, ao lado do "Credo" e do "Pai-nosso", o Decálogo, que enuncia os princípios da
vida moral, válidos para todos os homens.
2034 O romano pontífice e os Bispos "são os doutores autênticos dotados da autoridade
de Cristo, que pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser crida e praticada". Omagistério ordinário e universal do Papa e dos Bispos em comunhão com ele ensina aos fiéis a
verdade em que se deve crer; a caridade que se deve praticar, a felicidade que se deve
esperar.
2035 O grau supremo da participação na autoridade de Cristo é assegurado pelo
carisma da infalibilidade. Esta tem a mesma extensão que o depósito da revelação divina;
estende-se ainda a todos os elementos de doutrina, incluindo a moral, sem os quais as verdades
salutares da fé não podem ser preservadas, expostas ou observadas.
2036 A autoridade do magistério se estende também aos preceitos específicos da lei
natural, porque sua observância, exigida pelo Criador, é necessária para a salvação.
Recordando as prescrições da lei natural, o magistério da Igreja exerce parte essencial de sua
função profética de anunciar aos homens o que (os homens) são de verdade e recordar-lhes o
que devem ser diante de Deus.
2037 A lei de Deus confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como caminho de vida e
verdade. Os fiéis têm, portanto, o direito de ser instruídos nos preceitos divinos salvíficos que
purificam o juízo e, com a graça, curam a razão humana ferida. Têm o dever de observar as
constituições e os decretos promulgados pela legitima autoridade da Igreja. Mesmo que sejam
disciplinares, tais determinações exigem a docilidade na caridade.
2038 Na obra de ensinar e aplicar a moral cristã, a Igreja necessita do devotamento dos
pastores, da ciência dos teólogos, da contribuição de todos os cristãos e dos homens de boa
vontade. A fé e a prática do Evangelho proporcionam a cada fiel uma experiência da vida "em
Cristo" que o ilumina e o torna capaz de apreciar as realidades divinas e humanas segundo o
Espírito de Deus. Assim é que o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes para iluminar os
sábios e os constituídos na dignidade mais alta.
2039 Os ministérios devem ser exercidos em um espírito de serviço fraterno e dedicação à
Igreja, em nome do Senhor. Ao mesmo tempo, a consciência de cada fiel, em seu julgamento
moral sobre seus atos pessoais, deve evitar encerrar-se em uma consideração individual. Do
melhor modo possível ela deve abrir-se à consideração do bem de todos, tal como se exprime
na lei moral, natural e revelada, e por conseguinte na lei da Igreja e no ensino autorizado do
magistério sobre questões morais. Não convém opor a consciência pessoal e a razão à lei moral
ou ao magistério da Igreja.
2040 Assim se pode desenvolver entre os fiéis cristãos um verdadeiro espírito filial para
com a Igreja. Ele é o resultado normal do crescimento da graça batismal, que nos gerou no seio
Igreja e nos fez membros do Corpo de Cristo. Em sua solicitude materna, a Igreja nos concede a
misericórdia de Deus, que triunfa sobre todos os nossos pecados e age de modo especial no
sacramento da Reconciliação. Como mãe solícita, ela nos prodigaliza também em sua Liturgia,
dia após dia, o alimento da Palavra e da Eucaristia do Senhor.O segundo mandamento ("Confessar-se ao menos uma vez por ano") assegura a
preparação para a Eucaristia pela recepção do sacramento da Reconciliação, que continua a
obra de conversão e perdão do Batismo.
O terceiro mandamento ("Receber o sacramento da Eucaristia ao menos pela Páscoa da
ressurreição") garante um mínimo na recepção do Corpo e do Sangue do Senhor em ligação
com as festas pascais, origem e centro da Liturgia Cristã.
2043 O quarto mandamento ("Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa
Mãe Igreja") determina os tempos de ascese e penitência que nos preparam para as festas
litúrgicas; contribuem para nos fazer adquirir o domínio sobre nossos instintos e a liberdade de
coração.
O quinto mandamento ("Ajudar a Igreja em suas necessidades") recorda aos fiéis que
devem ir ao encontro das necessidades materiais da Igreja, cada um conforme as próprias
possibilidades.
III. VIDA MORAL E TESTEMUNHO MISSIONÁRIO
2044 A fidelidade dos batizados é condição primordial para o anúncio do Evangelho e
para a missão da Igreja no mundo. Para manifestar diante dos homens sua força de verdade e
de irradiação, a mensagem da salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos
cristãos: "O próprio testemunho da vida cristã e as boas obras feitas em espírito sobrenatural
possuem a força de atrair os homens para a fé e para Deus.
2045 Por serem os membros do Corpo cuja Cabeça é Cristo os cristãos contribuem, pela
constância de suas convicção de seus costumes, para a edificação da Igreja. A Igreja aumenta,
cresce e se desenvolve pela santidade de seus fiéis até que "alcancemos todos nós (...) o estado
de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4,13).
2046 Por sua vida segundo Cristo, os cristãos apressam a vinda do Reino de Deus, do
"Reino da justiça, da verdade e da paz". Nem por isso se descuidam de suas obrigações
terrestres; fiéis a seu Senhor e Mestre, eles as cumprem com dão, paciência e amor.
RESUMINDO
2047 A vida moral é um culto espiritual. O agir cristão se nutre da Liturgia e da celebração
dos sacramentos.
2048 Os mandamentos da Igreja se referem à vida moral e cristã unida à Liturgia, e dela se
alimentam.
2049 O Magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, tendo como base o Decálogo, que enuncia os princípios da vida
válidos para todos os homens.
2050 O romano pontífice e os bispos, como doutores autênticos, pregam ao povo de Deus
a fé que deve ser crida e praticada nos costumes. Cabe-lhes igualmente pronunciar-se sobre as
questões morais que caem dentro do âmbito da lei natural e da razão.
2051 A infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos os elementos de
doutrina, incluindo a moral. Sem esses elementos, as verdades salutares da fé não podem ser
guardadas, expostas ou observadas.
OS DEZ MANDAMENTOS
Êxodo 20,2-17 Deuteronômio 5,6-21 Fórmula catequéticaEu sou o Senhor, teu Deus, que
te fez sair da terra do Egito, da
casa da servidão.
Eu sou o Senhor, teu Deus, aquele
que te fez
sair da terra do Egito, da casa da
servidão.
Não terás outros deuses diante
de mim.
Não terás outros deuses além de
mim...
Amar a Deus sobre todas
as coisas.
Não farás para ti imagem
esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em
cima, nos céus, ou embaixo da
terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra.
Não te prostrarás diante esses
deuses e não os servirás, porque
eu, o Senhor, teu Deus, sou um
Deus ciumento, que puno a
iniqüidade dos pais nos filhos,
até a terceira e quarta geração
dos que me odeiam, e faço
misericórdia até a milésima
geração àqueles que me amam
e guardam meus
mandamentos.
Não pronunciarás em vão o
nome do Senhor, teu Deus,
porque o Senhor não deixará
impune aquele que pronunciar
em vãoO seu nome.
Não pronunciarás em vão o nome
do Senhor
teu Deus...
Não tomar seu Santo
Nome em vão.
Lembra-te do dia do Sábado
para santificá-lo.
Guardarás o dia de sábado para
santificá-lo.
Guardar domingos e
festas de guarda
Trabalharás durante seis dias, e
farás todas as tuas obras. O
sétimo dia, porém, é o sábado
do Senhor, teu Deus. Não farás
nenhum trabalho, nem tu, nem
teu filho, nem tua filha, nem teu
escravo, nem tua escrava, nem
teu animal, nem o estrangeiro
que está em tuas portas. Porque
em seis dias o Senhor fez o céu,
a terra, o mar e tudo o que eles
contêm, mas repousou no
sétimo dia; por isso o Senhor
abençoou o dia do sábado e o
santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para
que se prolonguem os teus dias
na terra que o Senhor, teu Deus,
te dá.
Honrar teu pai e tua mãe... Honra pai e mãe.
Não matarás. Não matarás. Não matar.
Não cometerás adultério. Não cometerás adultério. Não pecar contra a
castidade.Não roubarás. Não roubarás. Não furtar.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu
próximo.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu próximo.
Não levantar falso
testemunho.
Não cobiçarás a casa de teu
próximo, não desejarás sua
mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu
jumento, nem coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não cobiçarás a mulher de teu
próximo.
Não desejarás coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não desejar a mulher do
próximo.
Não cobiçar as coisas
alheias.
SEGUNDA SEÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
Mestre, que devo fazer...?"
2052 "Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" Ao jovem que lhe faz esta
pergunta, Jesus responde primeiro invocando a necessidade de reconhecer a Deus como "o
único bom", com o bem por excelência e como a fonte de todo bem. Depois, Jesus diz: "Se
queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos". E cita ao seu interlocutor os preceitos que
se referem ao amor do próximo: "Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás
falso testemunho, honra pai e mãe". Finalmente, Jesus resume estes mandamentos de maneira
positiva: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 19,16-19).
2053 A esta primeira resposta é acrescentada uma segunda: "Se queres ser perfeito, vai,
vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me" (Mt
19,21). Esta não anula a primeira. O seguimento de Jesus Cristo inclui o cumprimento dos
mandamentos. A Lei não foi abolida, mas o homem é convidado a reencontrá-la na pessoa de
seu Mestre, que é o cumprimento perfeito dela. Nos três Evangelhos sinópticos, o apelo de Jesus
dirigido ao jovem rico, de segui-lo na obediência do discípulo e na observância dos preceitos, é
relacionado com o convite à pobreza e à castidade. Os conselhos evangélicos são indissociáveis
dos mandamentos.
2054 Jesus, com efeito, retomou os Dez Mandamentos, mas manifestou a força do Espírito
em ação na letra deles. Pregou a "justiça que supera a dos escribas e fariseus", como também a
dos pagãos. Desenvolveu todas as exigências dos mandamentos. "Ouvistes que foi dito aos
antigos: 'não matarás'... Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão
terá de responder no tribunal" (Mt 5,21-22).
2055 Quando lhe é feita a pergunta: "Qual é o maior mandamento da lei?" (Mt 22,36),
Jesus responde: "Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a
esse: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e
os profetas" (Mt 22,37-40). O Decálogo deve ser interpretado à luz desse duplo e único
mandamento da caridade, plenitude da lei:
Os preceitos - não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e todos
os outros - se resumem nesta sentença: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não
pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a plenitude da lei (Rm 13,9-10).
O DECÁLOGO NA SAGRADA ESCRITURA2056 A palavra "Decálogo" significa literalmente "dez palavras (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4).
Deus revelou essas "dez palavras" a seu povo no monte sagrado. Ele as escreveu "com seu
dedo”, à diferença de outros preceitos escritos por Moisés[. São palavras de Deus de modo
eminente. Foram transmitidas no livro do Êxodo e no do Deuteronômio. Desde o Antigo
Testamento, os livros sagrados se referem às "dez palavras". Mas é em Jesus Crista na nova
aliança, que será revelado seu sentido pleno.
2057 O Decálogo deve ser entendido em primeiro lugar no contexto do êxodo, que é o
grande acontecimento libertador de Deus no centro da Antiga Aliança. Formulados como
mandamentos negativos (proibições), ou à maneira de mandamento positivos (como: "Honra teu
pai e tua mãe"), as "dez palavras indicam as condições de uma vida liberta da escravidão do
pecado. O Decálogo é um caminho de vida:
Se amares teu Deus, se andares em seus caminhos, se observares seus mandamentos, suas
leis e suas normas, viverás e te multiplicarás (Dt 30,16).
Esta força libertadora do Decálogo aparece, por exemplo, no mandamento sobre o
descanso do sábado, destinado igualmente aos estrangeiros e aos escravos:
Lembrai-vos de que fostes escravos numa terra estrangeira. O Senhor vosso Deus vos fez
sair de lá com mão forte e braço estendido (Dt 5,15).
2058 As "dez palavras" resumem e proclamam a lei de Deus: "Tais foram as palavras que,
em alta voz, o Senhor dirigiu a toda a vossa assembléia no monte, do meio do fogo, em meio a
trevas, nuvens e escuridão. Sem nada acrescentar, escreveu--as sobre duas tábuas de pedra e
as entregou a mim" (Dt 5,22). Eis por que estas duas tábuas são chamadas "O Testemunho" (Ex
25,16). Elas contém as cláusulas da aliança entre Deus e seu povo. Essas "tábuas do Testemunho"
(Ex 31,18; 32,15; 34,19) devem ser colocadas "na arca" (Ex 25,16; 40,1-3).
2059 As "dez palavras" são pronunciadas por Deus no contexto de uma teofania ("Sobre
a montanha, no meio do fogo, o Senhor vos falou face a face": Dt 5,4). Pertencem à revelação
que Deus faz de si mesmo e de sua glória. O dom dos mandamentos é dom do próprio Deus e de
sua santa vontade. Ao dar a conhecer as suas vontades, Deus se revela a seu povo.
2060 O dom dos mandamentos e da Lei faz parte da Aliança selada por Deus com os
seus. Segundo o livro do Êxodo, a revelação das "dez palavras" é dada entre a proposta da
Aliança [a20] e sua conclusão, depois que o povo se comprometeu a "fazer" tudo o que o
Senhor dissera e a "obedecer". O Decálogo sempre é transmitido depois de se lembrar a Aliança
("O Senhor nosso Deus concluiu conosco uma aliança no Horeb": Dt 5,2).
2061 Os mandamentos recebem seu pleno significado no íntimo da Aliança. Segundo a
Escritura, o agir moral do homem adquire todo o seu sentido na Aliança e por ela. A primeira das
"dez palavras" lembra o amor primeiro de Deus por seu povo:
Tendo o homem, por castigo do pecado, decaído do paraíso da liberdade para a
escravidão deste mundo, as primeiras palavras do Decálogo, voz primeira dos divinos
mandamentos, aludem à liberdade: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito,
da casa da escravidão" (Ex 20,2; Dt 5,6).
2062 Os mandamentos propriamente ditos vêm em segundo lugar; exprimem as
implicações da pertença a Deus, instituída pela Aliança. A existência moral é resposta à iniciativa
amorosa do Senhor. E reconhecimento, homenagem a Deus e culto de ação de graças. É
cooperação com o plano que Deus executa na história.
2063 A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são ainda confirmados pelo fato de
que todas as obrigações são enuncia das na primeira pessoa ("Eu sou o Senhor...") e dirigidas a
um outro sujeito ("tu...") Em todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal singular que
designa o destinatário. Deus dá a conhecer sua vontade a cada um em particular, ao mesmo
tempo que o faz ao povo inteiro:O Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, a fim
de que o homem não fosse nem injusto nem indigno de Deus. Assim, pelo Decálogo, Deus
preparou o homem para se tornar seu amigo e ter um só coração com o próximo... Da mesma
maneira, as palavras do Decálogo continuam válidas entre nós [cristãos]. Longe de serem
abolidas elas cresceram e se desenvolveram pelo fato da vinda do Senhor na carne.
O DECÁLOGO NA TRADIÇÃO DA IGREJA
2064 Fiel à Escritura e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2065 Desde Sto. Agostinho, os "dez mandamentos" têm um lugar preponderante na
catequese dos futuros batizados e dos fiéis. No século XV, adotou-se o costume de exprimir os
preceitos do Decálogo em fórmulas rimadas, fáceis de memorizar, e positivas, que ainda estão
em uso hoje. Os catecismos da Igreja com freqüência têm exposto a moral cristã seguindo a
ordem dos "dez mandamentos".
2066 A divisão e a numeração dos mandamentos têm variado no decorrer da história. O
presente catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Sto. Agostinho e que se
tornou tradicional na Igreja católica. É também a das confissões luteranas. Os padres gregos
fizeram uma divisão um tanto diferente, que se encontra nas Igrejas ortodoxas e nas
comunidades reformadas.
2067 Os dez mandamentos enunciam as exigências do amor de Deus e do próximo. Os
três primeiros se referem mais ao amor de Deus, e os outros sete ao amor do próximo.
Como a caridade abrange dois preceitos com os quais o Senhor relaciona toda a Lei e os
profetas (...) assim os próprios dez preceitos estão divididos em duas tábuas. Três foram escritos
numa tábua e sete na outra.
2068 O Concílio de Trento ensina que os dez mandamentos obrigam os cristãos e que o
homem justificado ainda está obrigado a observá-los. E o Concílio Vaticano II afirma a mesma
doutrina:
"Como sucessores dos Apóstolos, os Bispos recebem do Senhor (...)a missão de ensinar a
todos os povos e pregar o Evangelho a toda criatura, a fim de que os homens todos, pela fé,
pelo Batismo e pela observância dos mandamentos, alcancem a salvação"
A UNIDADE DO DECÁLOGO
2069 O Decálogo forma um todo inseparável. Cada "palavra" remete a cada uma das
outras e a todas; elas se condicionam 2 reciprocamente. As duas tábuas se esclarecem
mutuamente, formam uma unidade orgânica. Transgredir um mandamento, é infringir todos os
outros. Não se pode honrar os outros sem bendizer a Deus, seu criador. Não se pode adorar a
Deus sem amar a todos os homens, suas criaturas. O Decálogo unifica a vida teologal e a vida
social do homem.
O Decálogo e a Lei Natural
2070 Os dez mandamentos pertencem à revelação de Deus. Ao mesmo tempo, ensinamnos a verdadeira humanidade do homem. Iluminam os deveres essenciais e, portanto,
indiretamente, os direitos humanos fundamentais, inerentes à natureza da pessoa humana. O
Decálogo contém uma expressão privilegiada da "lei natural":
Desde o começo, Deus enraizara no coração dos homens os preceitos da lei natural.
Inicialmente Ele se contentou em lhos recordar. Foi o Decálogo.2071 Embora acessíveis à razão, os preceitos do Decálogo foram revelados. Para chegar
a um Conhecimento completo certo das exigências da lei natural, a humanidade pecador tinha
necessidade desta revelação:
Uma explicação completa dos mandamentos do Decálogos e tornou necessária no
estado de pecado, por causa do obscureci mento da luz da razão e do desvio da vontade
Conhecemos os mandamentos de Deus pela Revelação divina que nos é proposta na
Igreja e por meio da consciência moral.
A obrigatoriedade do Decálogo
2072 Visto que exprimem os deveres fundamentais do homem para com Deus e para
com o próximo, os dez mandamento revelam, em seu conteúdo primordial, obrigações graves.
São essencialmente imutáveis, e sua obrigação vale sempre e em toda parte. Ninguém pode
dispensar-se deles. Os dez mandamentos estão gravados por Deus no coração do ser humano.
2073 A obediência aos mandamentos implica, ainda, obrigações cuja matéria é, em si
mesma, leve. Assim, a injúria por palavra está proibida pelo quinto mandamento, mas só poderia
ser falta grave em função das circunstancias ou da intenção daquele que a profere.
"Sem mim, nada podeis fazer"
2074 Jesus diz: "Eu sou a videira, e vós, os ramos. Aquele que permanece em mim e eu
nele produz muito fruto, porque, sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5). O fruto indicado nesta
palavra é a santidade de uma vida fecundada pela união a Cristo. Quando cremos em Jesus
Cristo, comungamos de seus mistérios e guardamos seus mandamentos, o Salvador mesmo vem
amar em nós seu Pai e seus irmãos, nosso Pai e nossos irmãos. Sua pessoa se toma, graças ao
Espírito, a regra viva e interior de nosso agir. "Este é o meu mandamento: Amai--vos uns aos outros
como eu vos amei" (Jo 15,12).
RESUMINDO
2075 "Que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" - "Se queres entrar para a vida,
guarda os mandamentos" (Mt 19,16-17).
2076 Por sua prática e por sua pregação, Jesus atestou a perenidade do Decálogo.
2077 O dom do Decálogo é concedido no contexto da Aliança celebrada por Deus
com seu povo. Os mandamentos de Deus recebem seu verdadeiro significado nessa Aliança e
por meio dela.
2078 Fiel à Escritura, e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2079 O Decálogo forma uma unidade orgânica, em que cada "palavra ou
mandamento" remete a todo o conjunto. Transgredir um mandamento é infringir toda a Lei.
2080 O Decálogo contém uma expressão privilegiada da lei natural. Conhecemo-lo
pela revelação divina e pela razão humana.
2081 Os Dez Mandamentos enunciam, em seu conteúdo fundamental, obrigações
graves. Todavia, a obediência a esses preceitos implica também obrigações cuja matéria é, em
si mesma, leve.
2082 O que Deus manda, torna-o possível por sua graça.
CAPÍTULO I"AMARÁS O SENHOR, TEU DEUS, DE TODO O CORAÇÃO, DE TODA A ALMA E DE TODO
O ENTENDIMENTO"
2083 Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus com estas palavras: "Amarás o
Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento" (Mt 22,37);
Estas palavras são um eco imediato do apelo solene: "Escuta; Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único" (Dt 6,4-5).
Deus amou primeiro. O amor do Deus único é lembrado na primeira das "dez palavras". Em
seguida, os mandamento. explicitam a resposta de amor que o homem é chamado a da a seu
Deus.
ARTIGO 1
O PRIMEIRO MANDAMENTO
Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não
terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses, e não os servirás. (Ex 20,25).
Está escrito: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto" (Mt 4,10).
I. "ADORARÁS O SENHOR, TEU DEUS, E O SERVIRÁS"
2084 Deus se faz conhecer recordando sua ação todo-poderosa, benigna e libertadora
na história daquele a quem se dirige: "Eu te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravidão" (Dt
6,13-14). A primeira palavra contém o primeiro mandamento da lei: "Adorarás o Senhor, teu Deus,
e o servirás. (...) Não seguireis outros deuses" (Dt 6,13-14). O primeiro apelo e a exigência justa de
Deus é que o homem o acolha e o adore.
2085 O Deus único e verdadeiro revela sua glória primeiramente a Israel. A revelação da
vocação e da verdade do homem está ligada à revelação de Deus. O homem tem a vocação
de manifestar Deus agindo em conformidade com sua criação "à imagem e semelhança de
Deus" (Gn 1,26):
Jamais haverá outro Deus, Trifão, nem houve outro, desde sempre (...) além daquele que
fez e ordenou o universo. Nós não pensamos que nosso Deus seja diferente do vosso. É Ele o
mesmo que fez vossos pais saírem do Egito "com sua mão poderosa e seu braço estendido". Não
pomos as nossas esperanças em algum outro pois outro não existe , mas no mesmo que vós, o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.
2086 "O primeiro preceito abrange a fé, a esperança e a caridade. Com efeito, quando
se fala de Deus, fala-se de um ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel, perfeitamente justo.
Daí decorre que nós devemos necessariamente aceitar suas palavras e ter nele uma fé e uma
confiança plenas. Ele é Todo-Poderoso, clemente, infinitamente inclinado a fazer o bem. Quem
poderia deixar de pôr nele todas as suas esperanças? E quem poderia deixar de amá-lo,
contemplando os tesouros de bondade e de ternura que Ele derramou sobre nós? Daí esta
fórmula que Deus emprega na Sagrada Escritura, quer no começo, quer no fim de seus preceitos:
'Eu sou o Senhor'."
A FÉ2087 Nossa vida moral encontra sua fonte na fé em Deus, que nos revela seu amor. S.
Paulo fala da "obediência da fé" como da primeira obrigação. Ele vê no "desconhecimento de
Deus" o princípio e a explicação de todos os desvios morais. Nosso dever em relação a Deus
consiste em crer nele e em dar testemunho dele.
2088 O primeiro mandamento manda-nos alimentar e guardar com prudência e
vigilância nossa fé e rejeitar tudo o que se lhe opõe. Há diversas maneiras de pecar contra a fé.
A dúvida voluntária sobre a fé negligencia ou recusa ter como verdadeiro o que Deus
revelou e que a Igreja propõe para crer. A dúvida involuntária designa a hesitação em crer, a
dificuldade de superar as objeções ligadas à fé ou, ainda, a ansiedade suscitada pela
obscuridade da fé. Se for deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do
espírito.
2089 A incredulidade é a negligência da verdade revelada ou a recusa voluntária de
lhe dar o próprio assentimento. "Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do
Batismo, de qual-quer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a
respeito dessa verdade; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa de sujeição ao
Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos."
A ESPERANÇA
2090 Quando Deus se revela e chama o homem, este não pode responder plenamente
ao amor divino por suas próprias forças. Deve esperar que Deus lhe dê a capacidade de
corresponder a este amor e de agir de acordo com os mandamentos da caridade. A esperança
é o aguardar confiante da bênção divina e da visão beatifica de Deus; é também o temor de
ofender c amor de Deus e de provocar o castigo.
2091 O primeiro mandamento visa também aos pecados contra a esperança, que são o
desespero e a presunção.
Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus sua salvação pessoal, os auxílios para
alcançá-la ou o perdão de seus pecados. O desespero opõe-se à bondade de Deus, à sua
justiça porque o Senhor é fiel a suas promessas e à sua misericórdia.
2092 Há duas espécies de presunção. Ou o homem presume de suas capacidades
(esperando poder salvar-se sem a ajuda do alto), ou então presume da onipotência ou da
misericórdia de Deus (esperando obter seu perdão sem conversão e a glória sem mérito).
A CARIDADE
2093 A fé no amor de Deus envolve o apelo e a obrigação de responder à caridade
divina por um amor sincero. O primeiro mandamento nos ordena que amemos a Deus acima de
tudo e' acima de todas as criaturas, por Ele mesmo e por causa dele.
2094 Pode-se pecar de diversas maneiras contra o amor de Deus: a indiferença
negligencia ou recusa a consideração da caridade divina, menospreza a iniciativa (de Deus em
nos amar) e nega sua força. A ingratidão omite ou se recusa a reconhecer a caridade divina e a
pagar amor com amor. A tibieza é uma hesitação ou uma negligência em responder ao amor
divino, podendo implicar a recusa de se entregar ao dinamismo da caridade. A acídia ou
preguiça espiritual chega a recusar até a alegria que vem de Deus e a ter horror ao bem divino.
O ódio a Deus vem do orgulho. Opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade nega, e atreve-se a
maldizê-lo como aquele que proíbe os pecados e inflige as penas.
II. "SÓ A ELE PRESTARÁS CULTO"2095 As virtudes teologais da fé, esperança e caridade dão forma às virtudes morais e as
vivificam. Assim, a caridade nos leva a dar a Deus aquilo que em toda justiça lhe devemos
enquanto criaturas. A virtude da religião nos dispõe a esta atitude.
A ADORAÇÃO
2096 A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo
como Deus, como o Criador e o Salvador, o Senhor e o Dono de tudo o que existe, o Amor
infinito e misericordioso. "Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele prestarás culto" (Lc 4,8), diz Jesus,
citando o Deuteronômio (6,13).
2097 Adorar a Deus é, no respeito e na submissão absoluta, reconhecer "o nada da
criatura", que não existe a não ser por Deus. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-
lo, exaltá-lo e humilhar-se a si mesmo, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas e
que seu nome é santo. A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar em si mesmo,
da escravidão do pecado e da idolatria do mundo.
A ORAÇÃO
2098 Os atos de fé, de esperança e de caridade ordenados pelo primeiro mandamento
cumprem-se na oração. A elevação do espírito para Deus é expressão da adoração que lhe
rendemos: prece de louvor e de ação de graças, de intercessão e de súplica. A oração é uma
condição indispensável para poder obedecer aos mandamentos de Deus. "É preciso orar
sempre. sem jamais esmorecer" (Lc 18,1).
O SACRIFÍCIO
2099 É justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de adoração e de reconhecimento, de
súplica e de comunhão: "E verdadeiro sacrifício toda ação feita para se unir a Deus em santa
comunhão e poder ser feliz."
2100 Para ser verídico, o sacrifício exterior deve ser a expressão do sacrifício espiritual:
"Meu sacrifício é um espírito compungido..." (Sl 51,19). Os profetas da Antiga Aliança
denunciaram com freqüência os sacrifícios feitos sem participação interior ou sem ligação com o
amor do próximo. Jesus recorda a palavra do profeta Oséias: "E misericórdia que eu quero, e não
sacrifício" (Mt 9,13; 12,7). O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total
oblação ao amor do Pai e para nossa salvação. Unindo-nos a seu sacrifício, podemos fazer de
nossa vida um sacrifício a Deus.
PROMESSAS E VOTOS
2101 Em várias circunstâncias, o cristão é convidado a fazer promessas a Deus. O Batismo
e a Confirmação, o Matrimônio e a Ordenação sempre as contêm. Por devoção pessoal, o
cristão pode também prometer a Deus este ou aquele ato, oração, esmola, peregrinação etc. A
fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade
divina e do amor para com o Deus fiel.
2102 "O voto, isto é, a promessa deliberada e livre de um bem possível e melhor feita a
Deus, deve ser cumprido a título da virtude de religião.” O voto é um ato de devoção no qual o
cristão se consagra a Deus ou lhe promete uma obra boa. Pelo cumprimento de seus votos, o
homem dá a Deus o que lhe prometeu e consagrou. Os Atos dos Apóstolos nos mostram S. Paulo
preocupado em cumprir os votos que fizera.
2103 A Igreja atribui um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos evangélicos:A Mãe Igreja alegra-se ao encontrar em seu seio muitos homens e mulheres que seguem
mais estreitamente a exinanição do Salvador e mais claramente a demonstram, aceitando a
pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando às próprias vontades; submetem-se eles
aos homens por causa de Deus, em matéria de perfeição, além da medida do preceito, para
que mais plenamente se conformem a Cristo obediente.
Em certos casos a Igreja pode, por motivos adequados, dispensar dos votos e das
promessas.
O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
2104 "Todos os homens estão obrigados a procurar a verdade, sobretudo naquilo que diz
respeito a Deus e à sua Igreja e, depois de conhecê-la, a abraçá-la e praticá-la." Este dever
decorre da "própria natureza dos homens" e não contraria um "respeito sincero" para com as
diversas religiões que "refletem lampejos daquela verdade que ilumina a todos os homens[a88] ",
nem a exigência da caridade que insta os cristãos a "tratar com amor, prudência e paciência os
homens que vivem no erro ou na ignorância acerca da fé".
2105 O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem individual e
socialmente. Esta é "a doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das
sociedades em relação à verdadeira religião e à única Igreja de Cristo". Evangelizando sem
cessar os homens, a Igreja trabalha para que estes possam "penetrar de espírito cristão as
mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem". O dever
social dos cristãos é respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Exige
que levem a conhecer o culto da única religião verdadeira, que subsiste na Igreja católica e
apostólica[a93] . Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. Assim, a Igreja manifesta a
realeza de Cristo sobre toda a criação e particularmente sobre as sociedades humanas.
2106 "Em matéria religiosa, ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência,
nem impedido de agir, dentro dos justos limites, de acordo com ela, em particular ou em público,
só ou associado a outrem." Este direito funda-se na própria natureza da pessoa humana, cuja
dignidade a faz aderir livremente à verdade divina que transcende a ordem temporal. Por isso,
este direito "continua a existir ainda para aqueles que não satisfazem à obrigação de procurar a
verdade e de aderir a ela"
2107 "Se, em razão de circunstâncias particulares dos povos, for conferida a uma única
comunidade religiosa o especial reconhecimento civil na organização jurídica da sociedade,
será necessário que ao mesmo tempo se reconheça e se observe em favor de todos os cidadãos
e das comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa.”
2108 O direito à liberdade religiosa não significa nem a per-missão moral de aderir ao erro
nem um suposto direito ao erro, mas um direito natural da pessoa humana à liberdade civil, quer
dizer, à imunidade de coação externa nos justos limites, em matéria religiosa, da parte do poder
político. Este direito natural deve ser reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade, de tal
maneira que constitua um direito civil.
2109 O direito à liberdade religiosa não pode ser em si ilimitado, nem limitado apenas por
uma "ordem pública" entendida de maneira positivista ou naturalista. Os "justos limites" que lhe
são inerentes devem ser determinados para cada situação social pela prudência política,
segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela autoridade civil segundo "normas
jurídicas, de acordo com a ordem moral objetiva".
III. "NÃO TERÁS OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM"
2110 O primeiro mandamento proíbe prestar honra a outros afora o único Senhor que se
revelou a seu povo. Proscreve a superstição e a irreligião. A superstição representa de certo modo um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por deficiência à virtude da
religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111 A superstição é o desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Pode
afetar também o culto que prestamos ao verdadeiro Deus, por exemplo, quando atribuímos uma
importância de alguma maneira mágica a certas práticas, em si mesmas legítimas ou
necessárias. Atribuir eficácia exclusivamente à materialidade das orações ou dos sinais
sacramentais, sem levar em conta as disposições interiores que elas exigem, é cair na
superstição.
A IDOLATRIA
2112 O primeiro mandamento condena o politeísmo. Exige que o homem não acredite
em outros deuses afora Deus, que não venere outras divindades afora a única. A escritura lembra
constantemente esta rejeição de "ídolos, ouro e prata, obras das mãos dos homens", os quais
"têm boca e não falam, têm olhos e não vêem..." Esses ídolos vãos tornam as pessoas vãs:
"Como eles serão os que o fabricaram e quem quer que ponha neles a sua fé" (Sl 115,4-
5.8). Deus, pelo contrário, é o "Deus vivo" (Jo 3,10) que faz viver e intervém na história.
2113 A idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma
tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus. Existe idolatria quando o
homem presta honra e veneração a uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou
de demônios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do
Estado, do dinheiro etc. "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro", diz Jesus (Mt 6,24). Numerosos
mártires morreram por não adorar "a Besta", recusando-se até a simular seu culto. A idolatria
nega o senhorio exclusivo de Deus; é, por-tanto, incompatível com a comunhão divina.
2114 A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o
único Senhor simplifica o homem e o livra de uma dispersão infinita. A idolatria é uma perversão
do sentimento religioso inato do homem. O idólatra é aquele que "refere a qualquer coisa que
não seja Deus a sua indestrutível noção de Deus”.
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115 Deus pode revelar o futuro a seus profetas ou a outros santos. Todavia, a atitude
cristã correta consiste em entregar-se com confiança nas mãos da providência no que tange ao
futuro, e em abandonar toda curiosidade doentia a este respeito. A imprevidência pode ser uma
falta de responsabilidade.
2116 Todas as formas de adivinhação hão de ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos
demônios, evocação dos mortos ou outras práticas que erroneamente se supõe "descobrir" o
futuro. A consulta aos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e
da sorte, os fenômenos de visão, o recurso a médiuns escondem uma vontade de poder sobre o
tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, ao mesmo tempo que um desejo de
ganhar para si os poderes ocultos. Essas práticas contradizem a honra e o respeito que, unidos ao
amoroso temor, devemos exclusivamente a Deus.
2117 Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende
domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural
sobre o próximo - mesmo que seja para proporcionar a este a saúde - são gravemente contrárias
à virtude da religião. Essas práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas de
uma intenção de prejudicar a outrem, ou quando recorrem ou não à intervenção dos demônios.
O uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica freqüentemente práticas de
adivinhação ou de magia. Por isso a Igreja adverte os fiéis a evitá-lo. O recurso aos assimchamados remédios tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes maléficos nem a
exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118 O primeiro mandamento de Deus reprova os principais pecados de irreligião: a
ação de tentar a Deus em palavras ou em atos, o sacrilégio e a simonia.
2119 A ação de tentar a Deus consiste em pôr â prova, em palavras ou em atos, sua
bondade e sua onipotência. Foi assim que Satanás quis conseguir que Jesus se atirasse do alto do
templo e obrigasse Deus, desse modo, a agir. Jesus opõe-lhe a Palavra de Deus: "Não tentarás o
Senhor teu Deus" (Dt 6,16). O desafio contido em tal "tentação de Deus" falta com o respeito e a
confiança que devemos a nosso Criador e Senhor. Inclui sempre uma dúvida a respeito de seu
amor, sua providência e seu poder.
2120 O sacrilégio consiste em profanar ou tratar indignamente os sacramentos e as
outras ações litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O
sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando cometido contra a Eucaristia, pois neste
sacramento o próprio Corpo de Cristo se nos torna substancialmente presente.
2121 A simonia é definida como a compra ou a venda de realidades espirituais. A
Simão, o mago, que queria comprar o poder espiritual que via em ação nos Apóstolos, Pedro
responde: "Pereça o teu dinheiro, e tu com ele, porque julgaste poder comprar com dinheiro o
dom de Deus" (At 8,20). Desta maneira, Pedro obedecia à Palavra de Jesus: "De graça
recebestes, dai de graça" (Mt 10,8). É impossível apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se
em relação a eles como um possuidor ou um dono, pois a fonte deles é Deus. Só se pode
recebê-los gratuitamente dele.
2122 "Além das ofertas estabelecidas pela autoridade competente, o ministro nada
peça pela administração dos sacramentos, tomando cuidado sempre que os necessitados não
sejam privados da ajuda dos sacramentos por causa de sua pobreza." A autoridade competente
fixa estas "ofertas" em virtude do princípio de que o povo cristão deve cuidar do sustento dos
ministros da Igreja. "O operário é digno de seu sustento" (Mt 10,10).
O ATEÍSMO
2123 "Muitos de nossos contemporâneos não percebem de modo algum esta união intima
e vital com Deus, ou explicitamente a rejeitam, a ponto de o ateísmo figurar entre os mais graves
problemas de nosso tempo."
2124 O termo ateísmo abrange fenômenos muito diversos. Uma forma freqüente é o
materialismo prático, de quem limita suas necessidades e suas ambições ao espaço e ao tempo.
O humanismo ateu considera falsamente que o homem é "seu próprio fim e o único artífice e
demiurgo de sua própria história". Outra forma de ateísmo contemporâneo espera a libertação
do homem pela via econômica e social, sendo que "a religião, por sua própria natureza,
impediria esta libertação, na medida em que, ao estimular a esperança do homem numa
quimérica vida futura, o desviaria da construção da cidade terrestre".
2125 Na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado
contra a virtude da religião. A imputabilidade desta falta pode ser seriamente diminuída em
virtude das intenções e das circunstâncias. Na gênese e difusão do ateísmo, "grande parcela de
responsabilidade pode caber aos crentes, na medida em que, negligenciando a educação da
fé, ou por uma exposição enganosa da doutrina, ou por deficiência em sua vida religiosa, moral
e social, se poderia dizer deles que mais escondem do que manifestam o rosto autêntico de
Deus e da religião"
2126 Muitas vezes o ateísmo se funda em uma concepção falsa da autonomia humana,
que chega a recusar toda dependência em relação a Deus. Contudo, "o reconhecimento de Deus não se opõe de modo algum à dignidade do homem, já que esta dignidade se
fundamenta e se aperfeiçoa no próprio Deus". "A Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem
se coaduna com as aspirações mais intimas do coração humano."
O AGNOSTICISMO
2127 O agnosticismo se reveste de muitas formas. Em certos casos, o agnóstico se recusa
a negar a Deus; ao contrário, postula a existência de um ser transcendente, que não poderia
revelar-se e sobre o qual ninguém seria capaz de dizer nada! Em outros casos, o agnóstico não
se pronuncia sobre a existência de Deus, declarando que é impossível prová-la e até afirmá-la ou
negá-lo.
2128 O agnosticismo pode, às vezes, conter certa busca de Deus, mas pode igualmente
representar um indiferentismo, uma fuga da pergunta última sobre a existência e uma preguiça
da consciência moral. Com muita freqüência o agnosticismo equivale a um ateísmo prático.
IV. "Não Farás Para Ti Imagem Esculpida De Nada..."
2129 O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por
mão do homem. O Deuteronômio explica: "Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que
Senhor vos falou no Horeb, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem
esculpida em forma de ídolo..." (Dt 4,15-16). Eis aí o Deus absolutamente transcendente que se
revelou a Israel. "Ele é tudo", mas, ao mesmo tempo, ele está "acima de todas as suas obras" (Eclo
43,27-28). Ele é "a própria fonte de toda beleza criada" (Sb 1 3,3).
2130 No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de
imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são
Serpente de Bronze, a Arca da Aliança e os Querubins.
2131 Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que (sétimo Concílio
ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de
Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho
de Deus inaugurou uma nova "economia" das imagens.
2132 O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe
os ídolos. De fato, "a hora prestada a uma imagem se dirige ao modelo Original, e "quem venera
uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é
uma "veneração respeitosa", e não uma adoração, que só compete a Deus:
Oculto da religião não se dirige às imagens em si como realidades, mas as considera em
seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que
se dirige à imagem enquanto tal não termina nela, mas tende para a realidade da qual é
imagem.
RESUMINDO
2133 "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
todas as tuas forças" (Dt 6,5).
2134 O primeiro mandamento convida o homem a crer em Deus, a esperar nele e a
amá-lo acima de tudo.
2135 "Adorarás o Senhor teu Deus" (Mt 4,]O). Adorar a Deus, orar a Ele, oferecer-lhe o
culto que lhe é devido, cumprir as promessas e os votos que foram fritos a Ele são os atos da
virtude de religião que nascem da obediência ao primeiro mandamento.
2136 O dever de prestar um culto autêntico a Deus incumbe ao homem, tanto
individualmente como em sociedade.2137 O homem deve "poder professar livremente a religião, tanto em particular como
em público. "
2138 A superstição é um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus. Ela se mostra
particularmente na idolatria, assim como nas diferentes formas de adivinhação e de magia.
2139 A ação de tentar a Deus, em palavras ou em atos, o sacrilégio, a simonia são
pecados de irreligião proibidos pelo primeiro mandamento.
2140 Enquanto rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra o
primeiro mandamento.
2141 O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do
Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento.
TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
ARTIGO 2
O SEGUNDO MANDAMENTO
Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão (Ex 20,7).
Foi dito aos antigos: "Não perjurarás"... Eu, porém, vos digo não jureis em hipótese alguma
(Mt 5,33-34).
I. O nome do Senhor é santo
2142 "Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão' (Ex 20,7). O segundo
mandamento pertence, como o primeiro ao âmbito da virtude da religião e regula mais
particularmente o uso que fazemos da palavra nas coisas santas.
2143 Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do
nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêem nele; revela-se-lhes em seu mistério
pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. "O nome do Senhor é
santo." Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória num silêncio de
adoração amorosa. Não fará uso dele a não ser para bendizê-lo, louvá-lo e glorificá-lo.
2144 A deferência para com o nome de Deus exprime o respeito que é devido ao
mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado faz
parte do âmbito da religião:
Os sentimentos de temor e do sagrado são ou não sentimentos cristãos? Ninguém pode
em sã razão duvidar disso. São sentimentos que teríamos, em grau intenso, se tivéssemos a visão
do Deus soberano. São sentimentos que teríamos se nos apercebêssemos claramente de sua
presença. Na medida em que cremos que Ele está presente, devemos tê-los. Não tê-los é não
perceber, não crer que Ele está presente.
2145 O fiel deve testemunhar o nome do Senhor, confessando sua fé sem ceder ao
medo. O ato da pregação e o ato da catequese devem estar penetrados de adoração e de
respeito pelo nome de Nosso Senhor, Jesus Cristo.
2146 O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de Deus, isto é, todo uso
inconveniente do nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os santos.
2147 As promessas feitas a outrem em nome de Deus empenham a honra, a fidelidade,
a veracidade e a autoridade divinas. Devem, pois, em justiça, ser respeitadas. Ser-lhes infiel é
abusar do nome de Deus e, de certo modo, fazer de Deus um mentiroso.2148 A blasfêmia opõe-se diretamente ao segundo mandamento. Ela consiste em
proferir contra Deus interior ou exteriormente - palavras de ódio, de ofensa, de desafio, em falar
mal de Deus, faltar-lhe deliberadamente com o respeito ao abusar do nome de Deus. São Tiago
reprova "os que blasfemam contra o nome sublime (de Jesus) que foi invocado sobre eles" (Tg
2,7). A proibição da blasfêmia se estende às palavras contra a Igreja de Cristo, os santos, as
coisas sagradas. É também blasfemo recorrer ao nome de Deus para encobrir práticas
criminosas, reduzir povos à servidão, torturar ou matar. O abuso do nome de Deus para cometer
um crime provoca a rejeição da religião.
A blasfêmia é contrária ao respeito devido a Deus e a seu santo nome. E em si um pecado
grave.
2149 As pragas, que fazem intervir o nome de Deus, sem intenção de blasfêmia, são
uma falta de respeito para com o Senhor.
O segundo mandamento proíbe também o uso mágico do nome divino.
O nome de Deus é grande lá onde for pronunciado com o respeito devido à sua
grandeza e à sua majestade. O nome de Deus é santo lá onde for proferido com veneração e
com temor de ofendê-lo.
II. O NOME DO SENHOR PRONUNCIADO EM VÃO
2150 O segundo mandamento proíbe o juramento falso. Fazer juramento ou jurar é
invocar a Deus como testemunha do que se afirma. E invocar a veracidade divina como
garantia de nossa própria veracidade. O juramento empenha o nome do Senhor. "E ao Senhor
teu Deus que temerás, a Ele servirás e pelo seu nome jurarás" (Dt 6,13).
2151 Abster-se de jurar falsamente é um dever para com Deus. Como Criador e Senhor,
Deus é a regra de toda verdade. A palavra humana está de acordo com Deus ou em oposição
a Ele, que é a própria verdade. Quando é verídico e legítimo, o juramento põe à luz a relação
da palavra humana com a verdade de Deus. O juramento falso invoca Deus para ser
testemunha de uma mentira.
2152 E perjuro aquele que, sob juramento, faz uma promessa que não tem intenção de
manter ou que, depois de ter prometido algo sob juramento, não o cumpre. O perjúrio constitui
uma grave falta de respeito para com o Senhor de toda palavra. Comprometer-se por juramento
a praticar uma obra má contrário à santidade do nome divino.
2153 Jesus expôs o segundo mandamento no Sermão da Montanha: "Ouvistes o que foi
dito aos antigos: 'Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor'. Eu,
porém, vos digo: não jureis em hipótese nenhuma... Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não. O
que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,33~34.37). Jesus ensina que todo juramento implica uma
referência a Deus e que a presença de Deus e de sua verdade deve ser honrada em toda
palavra. A discrição em recorrer a Deus na linguagem caminha de mãos dadas com a atenção
respeitosa à sua presença, testemunhada ou desprezada, em cada uma de nossas afirmações.
2154 Seguindo S. Paulo, a Tradição da Igreja entendeu que as palavras de Jesus não se
opõem ao juramento quando é feito por uma causa grave e justa (por exemplo, perante um
tribunal). "O juramento, isto é, a invocação do nome de Deus com testemunha da verdade, não
se pode fazer, a não ser na verdade, no discernimento e na justiça."
2155 A santidade do nome divino exige que não se recorra a ele para coisas fúteis e
não se preste juramento em circunstâncias suscetíveis de interpretá-lo como uma aprovação do
po-der que o exigisse injustamente. Quando o juramento é exigi-do por autoridades civis
ilegítimas, pode-se recusá-lo. Deve ser recusado quando é pedido para fins contrários à
dignidade das pessoas ou à comunhão da Igreja.
III. O NOME CRISTÃO2156 O sacramento do Batismo é conferido "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"
(Mt 28,19). No Batismo, o nome do Senhor santifica o homem, e o cristão recebe seu próprio
nome na Igreja. Este pode ser o de um santo, isto é, de um discípulo que viveu uma vida de
fidelidade exemplar a seu Senhor. O "nome de Batismo" pode também exprimir um mistério
cristão ou uma virtude cristã. "Cuidem os pais, os padrinhos e o pároco para que não se
imponham nomes alheios ao senso cristão."
2157 O cristão começa seu dia, suas orações e suas ações com o sinal-da-cruz, "em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém". O batizado dedica a jornada à glória de Deus
e invoca a graça do Salvador, que lhe possibilita agir no Espírito como filho do Pai. O sinal-da-cruz
nos fortifica nas tentações e nas dificuldades.
2158 Deus chama a cada um por seu nome. O nome de todo homem é sagrado. O
nome é o ícone da pessoa. Exige respeito, em sinal da dignidade de quem o leva.
2159 O nome recebido é um nome eterno. No Reino, o caráter misterioso e único de
cada pessoa marcada com o nome de Deus resplandecerá em plena luz. "Ao vencedor... darei
uma pedrinha branca na qual está escrito um nome novo, que ninguém conhece, exceto
aquele que o recebe" (Ap 2,17). "Tive esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o Monte
Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e o
nome de seu Pai" (Ap 14,1).
RESUMINDO
2160 "Senhor, nosso Deus, quão poderoso é teu nome em toda terra" (Sl 8,11).
2161 O segundo mandamento prescreve respeitar o nome do Senhor. O nome do Senhor
é santo.
2162 O segundo mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus. A
blasfêmia consiste em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de
maneira injuriosa.
2163 O juramento falso invoca Deus como testemunha de uma mentira. O perjúrio é
uma falta grave contra o Senhor, sempre fiel a suas promessas.
2164 "Não jurar nem pelo Criador, nem pela criatura, se não for com verdade,
necessidade e reverência."
2165 No Batismo, o cristão recebe seu nome na Igreja. Os pais, os padrinhos e o pároco
cuidarão para que lhe seja dado um nome cristão. O patrocínio de um santo oferece um
modelo de caridade e um intercessor seguro.
2166 O cristão começa suas orações e suas ações pelo sinal-da-cruz, "em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo. Amém"
2167 Deus chama cada um por seu nome.
ARTIGO 3
O TERCEIRO MANDAMENTO
Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias e farás todas
as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nenhum trabalho
(Ex 20,8-l0). O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, de modo que o
Filho do Homem é senhor até do sábado (Mc 2,27-28).
I. O Dia do Sábado2168 O terceiro mandamento do Decálogo lembra a santidade do sábado: "O sétimo
dia é sábado; repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2169 A propósito dele, a Escritura faz memória da criação: "Porque em seis dias o Senhor
fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia. Por isso o
Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou" (Ex 20,11).
2170 No dia do Senhor, a Escritura revela ainda um memorial da libertação de Israel da
escravidão do Egito: "Recorda que foste escravo na terra do Egito e que o Senhor, teu Deus, te
fez sair de lá com a mão forte e o braço estendido. E por isso que o Senhor teu Deus te ordenou
guardar o dia de sábado" (Dt 5,15).
2171 Deus confiou o sábado a Israel, para que ele pudesse guardá-lo em sinal da
aliança inquebrantável[a30] . O sábado é, para o Senhor, santamente reservado ao louvor de
Deus, de sua obra de criação e de suas ações salvíficas em favor de Israel.
2172 O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus "retomou o fôlego" no sétimo
dia (Ex 31,17), também o homem deve "folgar" e deixar que os outros, sobretudo os pobres,
"retomem fôlego". O sábado faz cessar os trabalhos cotidianos e concede uma pausa. E um dia
de protesto contra as escravidões do trabalho e o culto do dinheiro.
2173 O Evangelho relata numerosos incidentes em que Jesus é acusado de violar a lei
do sábado. Mas Jesus nunca profana a santidade desse dia[a35] . Dá-nos com autoridade sua
autêntica interpretação: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc
2,27). Movido por compaixão, Cristo se permite, no "dia de sábado, fazer o bem de preferência
ao mal, salvar uma vida de preferência a matar. O sábado é o dia do Senhor das misericórdias e
da honra de Deus. "O Filho do Homem é senhor até do sábado" (Mc 2,28).
II. O Dia do Senhor
Este é o dia que o Senhor fez, exultemos e alegremo-nos nele (Sl 117,24).
O DIA DA RESSURREIÇÃO: A NOVA CRIAÇÃO
2174 Jesus ressuscitou dentre os mortos "no primeiro dia da semana" (Mc 16,2[a39] ).
Enquanto "primeiro dia", o dia da Ressurreição de Cristo lembra a primeira criação. Enquanto
"oitavo dia", que segue ao sábado, significa a nova criação inaugurada com a Ressurreição de
Cristo. Para os cristãos, ele se tomou o primeiro de todos os dias, a primeira de todas as festas, o
dia do Senhor ("Hé kyriaké hemera", "dies dominica "), o "domingo":
Reunimo-nos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia (após sábado dos judeus, mas
também o primeiro dia) em que Deus extraindo a matéria das trevas, criou o mundo e, nesse
mesmo dia Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos] .
O DOMINGO - PLENITUDE DO SÁBADO
2175 O domingo se distingue expressamente do sábado, ao qual sucede
cronologicamente, a cada semana, e cuja prescrição espiritual substitui, para os cristãos. Leva à
plenitude, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judeu e anuncia o repouso
eterno do homem em Deus. Pois o culto da lei preparava o mistério de Cristo e o que nele se
praticava prefigurava, de alguma forma, algum aspecto de Cristo:
Aqueles que viviam segundo a ordem antiga das coisas volta-ram-se para a nova
esperança não mais observando o sábado, mas sim o dia do Senhor, no qual a nossa vida é
abençoada por Ele e por sua morte.
2176 A celebração do domingo observa a prescrição moral naturalmente inscrita no
coração do homem de "prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular sob o signo de seu beneficio universal para com os homens”. O culto dominical cumpre o preceito moral da
Antiga Aliança, cujo ritmo e espírito retoma ao celebrar cada semana o Criador e o Redentor de
seu povo.
A EUCARISTIA DOMINICAL
2177 A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida
da Igreja. "O domingo, dia em que por tradição apostólica se celebra o Mistério Pascal, deve ser
guardado em toda a Igreja como dia de festa de preceito por excelência."
"Devem ser guardados igualmente o dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, da
Epifania, da Ascensão e do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, de Santa Maria, Mãe de Deus,
de sua Imaculada Conceição e Assunção, de São José, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e,
por fim, de Todos os Santos.
2178 Esta prática da assembléia cristã data dos inícios da era apostólica[a50] . A Epístola
aos Hebreus lembra: "Não deixemos as nossas assembléias, como alguns costumam fazer.
Procure-mos animar-nos sempre mais" (Hb 10,25).
A Tradição guarda a lembrança de uma exortação sempre atual: "Vir cedo à Igreja,
aproximar-se do Senhor e confessar seus pecados, arrepender-se na oração...Participar da santa
e divina liturgia terminar a oração e não sair antes da despedida... Dissemos muitas vezes: este
dia vos é dado para a oração e o repouso. E o dia que o Senhor fez. Exultemos e alegremo-nos
nele[a51] "
2179 "Paróquia é uma determinada comunidade de fiéis, constituída de maneira estável
na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco, como a seu pastor próprio,
sob autoridade do bispo diocesano." E o lugar onde todos os fiéis podem ser congregados pela
celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da
vida litúrgica, reúne-o nesta celebração, ensina a doutrina salvífica de Cristo, pratica a caridade
do Senhor nas obras boas e fraternas.
Não podes rezar em casa como na Igreja, onde se encontra o povo reunido, onde o grito
é lançado a Deus de um só coração. Há ali algo mais, a união dos espíritos, a harmonia das
almas o vínculo da caridade, as orações dos presbíteros.
A OBRIGAÇÃO DO DOMINGO
2180 O mandamento da Igreja determina e especifica a lei do Senhor: "Aos domingos e
nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da missa". "Satisfaz ao
preceito de participar da missa quem assiste à missa celebrada segundo o rito católico no
próprio dia de festa ou à tarde do dia anterior.
2181 A Eucaristia do domingo fundamenta e sanciona toda a prática cristã. Por isso os
fiéis são obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser por motivos muito
sérios (por exemplo, uma doença, cuidado com bebês) ou se forem dispensados pelo próprio
pastor[a59] . Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem pecado grave.
2182 A participação na celebração comunitária da Eucaristia dominical é um
testemunho de pertença e de fidelidade a Cristo e à sua Igreja. Assim, os fiéis atestam sua
comunhão na fé e na caridade. Dão simultaneamente testemunho da santidade de Deus e de
sua esperança na salvação, reconfortando-se mutua-mente sob a moção do Espírito Santo.
2183 "Por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, se a participação na
celebração eucarística se tornar impossível, recomenda-se vivamente que os fiéis participem da
liturgia da Palavra, se houver, na igreja paroquial ou em outro lugar sagrado, celebrada segundo
as prescrições do Bispo diocesano, ou então se dediquem à oração durante um tempo
conveniente, a sós ou em família, ou em grupos de famílias, de acordo com a oportunidade."DIA DE GRAÇA E DE INTERRUPÇÃO DO TRABALHO
2184 Como Deus "descansou no sétimo dia, depois de toda a obra que fizera" (Gn 2,2),
a vida humana é ritmada pelo trabalho e pelo repouso. A instituição do dia do Senhor contribui
para que todos desfrutem do tempo de repouso e de lazer suficiente que lhes permita cultivar
sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2185 Durante o domingo e os outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão de se
entregar aos trabalhos ou atividades que impedem o culto devido a Deus, a alegria própria ao
dia do Senhor, a prática das obras de misericórdia e o descanso conveniente do espírito e do
corpo[a65] . As necessidades familiares ou uma grande utilidade social são motivos legítimos
para dispensa do preceito do repouso dominical. Os fiéis cuidarão para que dispensas legítimas
não acabem introduzindo hábitos prejudiciais à religião, à vida familiar e à saúde.
O amor da verdade busca o santo ócio, a necessidade do amor acolhe o trabalho justo.
2186 Os cristãos que dispõem de lazer devem lembrar-se de seus irmãos que têm as
mesmas necessidades e os mesmos direito mas não podem repousar por causa da pobreza e da
miséria. O domingo é tradicionalmente consagrado pela piedade cristã às boas obras e aos
humildes serviços de que carecem os doentes, os enfermos, os idosos. Os cristãos santificarão
ainda o domingo dispensando à sua família e aos parentes o tempo e a atenção que
dificilmente podem dispensar nos outros dias da semana. O domingo é um tempo de reflexão,
de silêncio, de cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da vida interior cristã.
2187 Santificar os domingos e dias de festa exige um esforço o comum. Cada cristão
deve evitar impor sem necessidades a outrem o que o impediria de guardar o dia do Senhor.
Quando os costumes (esporte, restaurantes etc.) e as necessidades sociais (serviços públicos etc.)
exigem de alguns um trabalho dominical, cada um assuma a responsabilidade de encontrar um
tempo suficiente de lazer. Os fiéis cuidarão, com temperança e caridade, de evitar os excessos e
violências causadas às vezes pelas diversões de massa. Apesar das limitações econômicas, os
poderes públicos cuidarão de assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao
culto divino. Os patrões têm uma obrigação análoga com respeito a seus empregados.
2188 Dentro do respeito à liberdade religiosa e ao bem comum de todos, os cristãos
precisam envidar esforços no sentido de que os domingos e dias de festa da Igreja sejam feriados
legais. A todos têm de dar um exemplo público de oração, de respeito e de alegria e defender
suas tradições como uma contribuição preciosa para a vida espiritual da sociedade humana. Se
a legislação do país ou outras razões obrigarem a trabalhar no domingo, que, apesar disso este
dia seja vivido como o dia de nossa libertação, que nos faz participar desta "reunião de festa",
desta "assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus" (Hb 12,22-23).
RESUMINDO
2189 "Guardarás o dia de sábado para santificá-lo" (Dt 5,12). "No sétimo dia se fará
repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2190 O sábado, que representava o término da primeira criação, é substituído pelo
domingo, que lembra a criação nova, inaugurada com a Ressurreição de Cristo.
2191 A Igreja celebra o dia da Ressurreição de Cristo no oitavo dia, que é corretamente
chamado dia do Senhor, ou domingo.
2192 "O domingo (...)deve ser guardado em toda a Igreja como o dia de festa de
preceito por excelência." "No domingo e em outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a
obrigação de participar da missa."
2193 "No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão das
atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do
Senhor e o devido descanso da mente e do corpo."2194 A instituição do domingo contribui para que "todos tenham tempo de repouso e
de lazer suficiente para lhes permitir cultivar sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2195 Todo cristão deve evitar impor sem necessidade aos outros aquilo que os impediria
de guardar o dia do Senhor.
CAPÍTULO II
"AMARÁS O PRÓXIMO COMO A TI MESMO"
Jesus disse a seus discípulos: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,34).
2196 Em resposta à pergunta feita acerca do primeiro dos mandamentos, Jesus diz: "O
primeiro é: 'Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma, com todo o teu espírito, e com toda a tua força'. O
segundo é este: 'Amarás O teu próximo como a ti mesmo'. Não existe outro manda-mento maior
do que estes" (Mc 12,29-31).
O apóstolo S. Paulo o recorda: "Quem ama o outro cumpriu a lei. De fato, os preceitos 'não
cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás' e todos os Outros se resumem
nesta sentença: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o
próximo. Portanto a caridade é a plenitude da lei" (Rm 13,8-10).
ARTIGO 4
O QUARTO MANDAMENTO
Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias terra que o Senhor, teu
Deus, te dá (Ex 20,12).
Era-lhes submisso (Lc 2,51).
O próprio Senhor Jesus recorda a força desse "mandamento de Deus" O Apóstolo ensina:
"Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isso é justo. 'Honra teu pai e tua mãe' é primeiro
mandamento com promessas: 'para seres feliz e teres uma longa vida sobre a terra"' (Ef 6,1-3).
2197 O quarto mandamento encabeça a segunda tábua. Indica ordem da caridade.
Deus quis que, depois dele mesmo, honrássemos nossos pais, a quem devemos a vida e que nos
transmitiram o conhecimento de Deus. Devemos honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para
o nosso bem, revestiu de sua autoridade.
2198 Esse preceito está expresso sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os
mandamentos que seguem e que se referem a um respeito particular pela vida, pelo
casamento, pelos bens terrestres, pela palavra dada. Constitui um dos fundamentos da doutrina
social da Igreja.
2199 O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos em suas relações com
seu pai e sua mãe, porque esta relação é a mais universal. Diz respeito também as relações de
parentesco com Os membros do grupo familiar. Manda prestar honra, afeição e
reconhecimento aos avós e aos antepassados. Estende-se, enfim, aos deveres dos alunos para
com seu professor, dos empregados para com seus patrões, dos subordinados para com seus
chefes, dos cidadãos para com sua pátria e para com os que a administram ou a governam.
Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes,
magistrados, governantes, de todos os que exercem uma autoridade sobre outros ou sobre uma
comunidade.
2200 A observância do quarto mandamento acarreta sua recompensa: "Honra teu pai e
tua mãe para teres uma longa vida na terra, que o Senhor Deus te dá" (Ex 20,12). O respeito a esse mandamento alcança, juntamente com os frutos espirituais, frutos temporais de paz e de
prosperidade. Ao contrário, a não observância desse mandamento acarreta grandes danos
para as comunidades e para as pessoas.
I. A FAMÍLIA NO PLANO DE DEUS
NATUREZA DA FAMÍLIA
2201 A comunidade conjugal está fundada no consentimento dos esposos. O casamento
e a família estão ordenados para o bem dos esposos, a procriação e a educação dos filhos. O
amor dos esposos e a geração dos filhos instituem entre os membros de uma mesma família
relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202 Um homem e uma mulher unidos em casamento formam com seus filhos uma
família. Esta disposição precede todo reconhecimento por parte da autoridade pública; impõese a ela (isto é, não depende da autoridade civil para se constituir) e deve ser considerada
como a referência normal, em função da qual devem ser avaliadas as diversas formas de
parentesco.
2203 Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a de sua
constituição fundamental. Seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum
de seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de
direitos e de deveres.
A FAMÍLIA CRISTÃ
2204 "Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela
família cristã, que também, por isso, se pode e deve chamar igreja doméstica." E uma
comunidade de fé, de esperança e de caridade; na Igreja ela tem uma importância singular,
como se vê no Novo Testamento.
2205 A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sua atividade procriadora e educadora é o reflexo da obra
criadora do Pai. Ela é chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração
cotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortificam nela a caridade. A família cristã é
evangelizadora e missionária.
2206 As relações dentro da família acarretam uma afinidade de sentimentos, de afetos
e de interesses, afinidade essa que provém sobretudo do respeito mútuo entre as pessoas. A
família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar "uma carinhosa abertura recíproca
de alma entre os cônjuges e também uma atenta cooperação dos pais na educação dos
filhos[a16] ".
II. A FAMÍLIA E A SOCIEDADE
2207 A família é a célula originária da vida social. E a sociedade natural na qual o homem
e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade
e a vida de relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da
fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a infância se podem
assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em
família é iniciação para a vida em sociedade.
2208 A família deve viver de maneira que seus membros aprendam a cuidar e a
responsabilizar-se pelos jovens e pelos velhos pelos doentes ou deficientes e pelos pobres. São
numerosas as famílias que, em certos momentos, não são capazes de proporcionar essa ajuda.
Cabe então a outras pessoas, a outras famílias e, subsidiariamente, à sociedade prover às suas necessidades: "A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os
órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).
2209 A família deve ser ajudada e defendida pelas medidas sociais apropriadas.
Quando as famílias não são capazes de desempenhar suas funções, outros organismos sociais
têm o dever de ajudá-las e de apoiar a instituição familiar. De acordo com o princípio da
subsidiariedade, as comunidades mais amplas cuidarão de não usurpar seus poderes ou de
interferir na vida da família.
2210 A importância da família para a vida e o bem-estar da sociedade acarreta uma
responsabilidade particular desta última no apoio e no fortalecimento do casamento e da
família. Que o poder civil considere como dever grave "reconhecer e proteger a verdadeira
natureza do casamento e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade
dos lares".
2211 A comunidade política tem o dever de honrar a família, de assisti-la, de lhe garantir
sobretudo:
ü O direito de se constituir, de ter filhos e de educá-los de
ü acordo com suas próprias convicções morais e religiosas;
ü a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
ü a liberdade de professar a própria fé, de transmiti-la, de educar nela os filhos, com os
meios e as Instituições necessárias;
ü o direito à propriedade privada, à liberdade de empreendimento, ao trabalho, à
moradia, à emigração;
ü de acordo com as instituições dos países, o direito à assistência médica, à assistência
aos idosos, aos abonos familiares;
ü a proteção da segurança e da saúde, sobretudo em relação aos perigos, como
drogas, pornografia, alcoolismo etc.;
ü a liberdade de formar associações com outras famílias e, assim, serem representadas
junto às autoridades civis.
2212 O quarto mandamento ilumina as outras relações na sociedade. Em nossos irmãos e
irmãs vemos os filhos de nossos pais; em nossos primos, os descendentes de nossos avós; em
nossos concidadãos, os filhos de nossa pátria; nos batizados, os filhos de nossa mãe, a Igreja; em
toda pessoa humana, um filho ou filha daquele que quer ser chamado "nosso Pai". Assim, nossas
relações com o nosso próximo são reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um
"indivíduo" da coletividade humana; ele é "alguém" que, por suas origens conhecidas, merece
atenção e respeito individuais.
2213 As comunidades humanas são compostas de pessoas. Seu bom governo não se
limita à garantia dos direitos e ao cumpri mento dos deveres, assim como à fidelidade aos
contratos. Relações justas entre patrões e empregados, governantes e cidadãos supõem o
mútuo e natural bem-querer que convém à dignidade das pessoas humanas preocupadas com
a justiça e a fraternidade.
III. DEVERES DOS MEMBROS DA FAMÍLIA
DEVERES DOS FILHOS
2214 A paternidade divina é a fonte da paternidade humana; é o fundamento da honra
devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo pai e pela mãe alimenta-se da
afeição natural nascida do vínculo que os une e é exigido pelo preceito divino.
2215 O respeito pelos pais (piedade filial) é produto do reconhecimento para com
aqueles que, pelo dom da vida, por seu amor e por seu trabalho puseram seus filhos no mundo e permitiram que crescessem em estatura, em sabedoria e graça. "Honra teu pai de todo o
coração e não esqueças as dores de tua mãe. Lembra-te que foste gerado por eles. O que lhes
darás pelo que te deram?" (Eclo 7,27-28).
2216 O respeito filial se revela pela docilidade e pela obediência verdadeiras. "Meu filho,
guarda os preceitos de teu pai, não rejeites a instrução de tua mãe... Quando caminhares, te
guiarão; quando descansares, te guardarão; quando despertares, te falarão" (Pr 6,20-22). "Um
filho sábio ama a correção do pai, e o zombador não escuta a reprimenda" (Pr 13,1).
2217 Enquanto o filho viver na casa de seus pais, deve obedecer a toda solicitação dos
pais que vise ao seu bem ou ao da família. 'Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, pois isso é
agradável ao Senhor" (Cl 3,20). Os filhos têm ainda de obedecer às prescrições razoáveis de seus
educadores e de todos aqueles aos quais os pais os confiaram. Mas, se o filho estiver convicto
em consciência de que é moralmente mau obedecer a tal ordem, que não a siga.
Quando crescerem, os filhos continuarão a respeitar seus pais. Antecipar-se-ão aos desejos
deles, solicitarão de bom grado seus conselhos e aceitarão suas justas admoestações. A
obediência aos pais cessa com a emancipação dos filhos, mas o respeito, que sempre lhes é
devido, não cessará de modo algum, pois (tal respeito) tem sua raiz no temor de Deus, um dos
dons do Espírito Santo.
2218 O quarto mandamento lembra aos filhos adultos suas responsabilidades para com
os pais. Enquanto puderem, devem dar-lhes ajuda material e moral nos anos da velhice e
durante o tempo de doença, de solidão ou de angústia. Jesus lembra este dever de
reconhecimento.
O Senhor glorificou o pai nos filhos e fortaleceu a autoridade da mãe sobre a prole.
Aquele que respeita o pai obtém o perdão dos pecados; o que honra sua mãe é como quem
junta um tesouro. Aquele que respeita o pai encontrará alegria nos filhos e no dia de sua oração
será atendido. Aquele que honra o pai viverá muito, e o que obedece ao Senhor alegrará sua
mãe (Eclo 3,2-6).
Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se seu entendimento
faltar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor... E como um
blasfemador aquele que despreza seu pai, e um amaldiçoado pelo Senhor aquele que irrita sua
mãe (Eclo 3,12.16).
2219 O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar e diz respeito também
às relações entre irmãos e irmãs. O respeito aos pais ilumina todo o ambiente familiar. "Coroa dos
anciãos são os netos" (Pr 17,6). "Suportai-vos uns aos outros na caridade, em toda humildade,
doçura e paciência" (Ef 4,2).
2220 Os cristãos devem uma gratidão especial àqueles de quem receberam o dom da
fé, a graça do Batismo e a vida na Igreja Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família,
dos avós. dos pastores, dos catequistas, de outros professores ou amigos. "Evoco a lembrança da
fé sem hipocrisia que há em ti, a mesma -que habitou primeiramente em tua avó Lóide e em tua
mãe Eunice e que, estou convencido, reside também em ti" (2 Tm 1,5).
DEVERES DOS PAIS
2221 A fecundidade do amor conjugal não se reduz só à procriação dos filhos, mas deve
se estender à sua educação moral e formação espiritual. "O papel dos pais na educação é tão
importante que é quase impossível substituí-los." O direito e o devei de educação são primordiais
e inalienáveis para os pais.
2222 Os pais devem considerar seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como
pessoas humanas. Educar os filhos no cumprimento da Lei de Deus, mostrando-se eles mesmos
obedientes à vontade do Pai dos Céus.2223 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Dão testemunho
desta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o
respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a
educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do
domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar
"as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais." Dar bom exemplo aos filhos
é uma grave responsabilidade para os pais. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios
defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los:
"Aquele que ama o filho usará com freqüência o chicote; aquele que educa seu filho terá
motivo de satisfação" (Eclo 30,1-2). "E vós, pais, não deis a vossos filhos motivo de revolta contra
vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor" (Ef 6,4).
2224 O lar constitui um ambiente natural para a iniciação do ser humano na solidariedade
e nas responsabilidades comunitárias. Os pais ensinarão os filhos a se precaverem dos
comprometimentos e das desordens que ameaçam as sociedades humanas.
2225 Pela graça do sacramento do matrimônio, os pais recebe-ram a responsabilidade e
o privilégio de evangelizar os filhos. Por isso os iniciarão desde tenra idade nos mistérios da fé, da
qual são para os filhos os "primeiros arautos". Associá-los-ão desde a primeira infância à vida da
Igreja. A experiência da vida em família pode alimentar as disposições afetivas que por toda a
vida constituirão autênticos preâmbulos e apoios de uma fé viva.
2226 A educação para a fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra
infância. Ocorre já quando os membros da família se ajudam a crescer na fé pelo testemunho
de uma vida cristã de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e
enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a orar
e a descobrir sua vocação de filhos de Deus. A paróquia é a comunidade eucarística e o centro
da vida litúrgica das famílias cristãs; ela é um lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos
pais.
2227 Os filhos, por sua vez, contribuem para o crescimento de seus pais em
santidade[a44] . Todos e cada um se darão generosamente e sem se cansar o perdão mútuo
exigido pelas ofensas, pelas rixas, pelas injustiças e pelos abandonos. Sugere-o a mútua afeição.
Exige-o a caridade de Cristo.
2228 Durante a infância, O respeito e a afeição dos pais se traduzem inicialmente pelo
cuidado e pela atenção que dedicam em educar seus filhos, em prover suas necessidades
físicas e espirituais. Na fase de crescimento, o mesmo respeito e a mesma dedicação levam os
pais a educá-los no reto uso da razão e da liberdade.
2229 Como primeiros responsáveis pela educação dos filhos, os pais têm o direito de
escolher para eles uma escola que corresponda as suas próprias convicções. Este direito é
fundamental. Os pais têm, enquanto possível, o dever de escolher as escolas que melhor possam
ajudá-los em sua tarefa de educadores cristãos. Os poderes públicos têm o dever de garantir
esse direito dos pais e de assegurar as condições reais de seu exercício.
2230 Quando se tornam adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher sua
profissão e seu estado de vida. Assumirão essas novas responsabilidades na relação confiante
com os pais, cujas opiniões e conselhos pedirão e receberão de boa vontade. Os pais cuidarão
de não constranger seus filhos nem na escolha de uma profissão nem na de um consorte. Este
dever de discrição não os impede, muito ao contrário, de ajudá-los com conselhos prudentes,
particularmente quando estes têm em vista constituir uma família.
2231 Alguns não se casam, para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs, para se dedicar
mais exclusivamente a uma profissão ou por outros motivos louváveis. Podem contribuir muito
para o bem da família humana.
IV. A FAMÍLIA E O REINO2232 Embora os vínculos familiares sejam importantes, não são absolutos. Da mesma
forma que a criança cresce para sua maturidade e autonomia humanas e espirituais, assim
também sua vocação singular, que vem de Deus, se consolida com mais clareza e força. Os pais
respeitarão este chamamento e favorecerão a resposta dos filhos em segui-lo. É preciso
convencer-se de que a primeira vocação do cristão é a de seguir Jesus. "Aquele que ama pai ou
mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim
não é digno de mim" (Mt 10,37).
2233 Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite de pertencer à família de Deus, de
viver conforme a sua maneira de viver: "Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos
Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mt 12,50).
Os pais aceitarão e respeitarão com alegria e ação de graças o chamamento do Senhor
a um de seus filhos de segui-lo na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério
sacerdotal.
V. AS AUTORIDADES NA SOCIEDADE CIVIL
2234 O quarto mandamento ordena também que honremos todos aqueles que, para
nosso bem, receberam de Deus uma autoridade na sociedade. Este mandamento ilumina os
deveres daqueles que exercem a autoridade, bem como os daqueles que por esta são
beneficiados.
DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS
2235 Aqueles que são investidos de autoridade devem exercê-la como um serviço.
"Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve" (Mt 20,26). O exercício de
uma autoridade é moralmente limitado por sua origem divina, por sua natureza racional e por
seu objeto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que é contrário à dignidade das
pessoas e à lei natural.
2236 O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a
fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Que os superiores
exerçam a justiça distributiva com sabedoria, levando em conta as necessidades e a
contribuição de cada um e tendo em vista a concórdia e a paz. Zelem para que as regras e
disposições que tomarem não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da
comunidade.
2237 Os poderes políticos devem respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Exercerão humanamente a justiça no respeito pelo direito de cada um, principalmente das
famílias e dos deserdados.
Os direitos políticos ligados à cidadania podem e devem ser concedidos segundo as
exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo
legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos destinado ao bem comum da nação
e da comunidade humana.
DEVERES DOS CIDADÃOS
2238 Aqueles que estão sujeitos à autoridade considerarão seus superiores como
representantes de Deus, que os instituiu ministros de seus dons: "Sujeitai-vos a toda instituição
humana por causa do Senhor... Comportai-vos como homens livres não usando a liberdade
como cobertura para o mal, mas c servos de Deus" (1 Pd 2,13.16). A leal colaboração dos
cidadãos inclui o direito, e às vezes o dever, de apresentar suas justas reclamações contra o que
lhes parece prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.2239 É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade,
num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço à pátria
derivam do dever de gratidão e da ordem de caridade. A submissão às autoridades legítimas e
o serviço do bem comum exigem que os cidadãos cumpram seu papel na vida da comunidade
política.
2240 A submissão à autoridade e a co-responsabilidade pelo bem comum exigem
moralmente o pagamento de impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país:
Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida;
a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida (Rm 13,7).
Os cristãos residem em sua própria pátria, mas como residentes estrangeiros. Cumprem
todos os seus deveres de cidadãos e suportam todas as suas obrigações, mas de tudo
desprendidos, como estrangeiros... Obedecem às leis estabelecidas, e sua maneira de viver vai
muito além das leis... Tão nobre é o posto que lhes foi por Deus outorgado, que não lhes é
permitido desertar.
O Apóstolo nos exorta a fazer orações e ações de graça pelos reis e por todos os que
exercem autoridade, "a fim de que levemos uma vida calma e serena, com toda piedade e
dignidade" (1 Tm 2,2).
2241 As nações mais favorecidas devem acolher, na medida do possível, o estrangeiro
em busca da segurança e dos recursos vitais que não pode encontrar em seu país de origem. Os
poderes públicos zelarão pelo respeito do direito natural que põe o hóspede sob a proteção
daqueles que o recebem.
Em vista do bem comum de que estão encarregadas, as autoridades políticas podem
subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, principalmente
com respeito aos deveres dos migrantes para com o país de adoção. O migrante é obrigado a
respeitar com gratidão o patrimônio material e espiritual do país que o acolhe, a obedecer às
suas leis e a dar sua contribuição financeira.
2242 O cidadão é obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades
civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos
fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às
autoridades ci-vis, quando suas exigências são contrárias às da reta consciência, funda--se na
distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política, "Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). 'E preciso obedecer antes a Deus que aos homens"
(At 5,29):
Se a autoridade pública, exorbitando de sua competência, oprimir os cidadãos, estes não
recusem o que é objetivamente exigido pelo bem comum; contudo, é lícito defenderem os seus
direitos e os de seus concidadãos contra os abusos do poder, guardados os limites traçados pela
lei natural e pela lei evangélica.
2243 A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas,
salvo se ocorrerem conjuntamente as seguintes condições:
1) em caso de violações certas, graves prolongadas dos direitos fundamentais;
2) depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3) sem provocar desordens piores;
4) que haja uma esperança fundada de êxito;
5) se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.
A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA2244 Toda instituição se inspira, ainda que implicitamente, numa visão do homem e de
seu destino, da qual deduz os critérios de seus juízos, sua hierarquia de valores, sua linha de
conduta. A maior parte das sociedades tem referido suas instituições a um certa preeminência
do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada reconheceu claramente em Deus,
Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a
referir seu julgamento e suas decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o
homem:
As sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome de sua
independência em relação a Deus são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma
ideologia os seus referenciais e os seu objetivos e, não admitindo que se defenda um critério
objetivo do bem e do mal, arrogam a si, sobre o homem e sobre seu destino, um poder
totalitário, declarado ou dissimulado, como mostra a história.
2245 A Igreja, que em razão de seu múnus e de sua competência, não se confunde de
modo algum com a comunidade política, é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda do caráter
transcendente da pessoa humana. "A Igreja respeita e promove a liberdade política e a
responsabilidade dos cidadãos."
2246 Faz parte da missão da Igreja "emitir juízo moral também sobre as realidades que
dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a
salvação das almas, empregando todos os recursos - e somente estes - que estão de acordo
com o Evangelho e com o bem de todos, conforme a diversidade dos tempos e das situações.
RESUMINDO
2247 "Honra teu pai e tua mãe" (Dt 5,16; Mc 7,8).
2248 De acordo com o quarto mandamento, Deus quis que, depois dele, honrássemos
nossos pais e os que Ele, para nosso bem, investiu de autoridade.
2249 A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos.
O casamento e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges, a procriação e a
educação dos filhos.
2250 "A salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao
bem-estar da comunidade conjugal e familiar."
2251 Os filhos devem a seus pais respeito, gratidão, justa obediência e ajuda. O respeito
filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.
2252 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos na fé, na
oração e em todas as virtudes. Têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades
físicas e espirituais de seus filhos.
2253 Os pais devem respeitar e favorecer a vocação de seus filhos. Lembrem e ensinem
que a primeira vocação do cristão consiste em seguir a Jesus.
2254 A autoridade pública deve respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e
as condições de exercício de sua liberdade.
2255 É dever dos cidadãos trabalhar com os poderes civis para a edificação da
sociedade num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade.
2256 O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das
autoridades civis, quando contrárias às exigências da ordem moral. "É preciso obedecer antes a
Deus que aos homens" (At 5,29).
2257 Toda sociedade baseia seus juízos e sua conduta numa visão do homem e de seu
destino. Sem as luzes do Evangelho a respeito de Deus e do homem, as sociedades facilmente se
tornam totalitárias.ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
NÃO MATARÁS (EX 20,13).
Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de responder ao
tribunal". Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder
no tribunal (Mt 5,21-22).
2258 "A vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora
de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só
Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode
reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente."
I. O RESPEITO Â VIDA HUMANA
O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259 A Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim, revela, desde o
começo da história humana, a presença da cólera e da cobiça no homem, conseqüências do
pecado original. O homem se tornou inimigo de seu semelhante. Deus expressa a atrocidade
deste fratricídio: "Que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim. Agora, és
maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão o sangue de teu
irmão" (Gn 4,10-11).
2260 A aliança entre Deus e a humanidade está cheia de lembranças do dom divino da
vida humana e da violência assassina do homem:
Pedirei contas do sangue de cada um de vós...Quem derramar o sangue do homem, pelo
homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito (Gn 9,5-6).
O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da vida[a5] . A
necessidade deste ensinamento é para todos os tempos.
2261 A Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: "Não
matarás o inocente nem o justo" (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente
contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o
proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte.
2262 No Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: "Não matarás" (Mt 5,21), e
acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seu discípulo
que ofereça a outra face e ame seus inimigos. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que
deixasse a espada na bainha.
A LEGÍTIMA DEFESA
2263 A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de
matar o inocente, que constitui o homicídio voluntário. "A ação de defender-se pode acarretar
um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor.. Só se quer
o primeiro; o outro, não."
2264 O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto,
é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de
homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor:Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será
ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a
salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de
outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida.
2265 A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para
aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que
o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da
autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são
responsáveis.
2266 Corresponde a uma exigência de tutela do bem comum c esforço do Estado
destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras
fundamentais de convivência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de
infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a
desordem introduzida pela culpa, Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado
tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública c de tutelar a
segurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à
correção do culpado.
2267 O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a
identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via
praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.
Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e
para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses
meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais
conformes à dignidade da pessoa humana.
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268 O quinto mandamento proscreve como gravemente pecaminoso o homicídio direto
e voluntário. O assassino e os que cooperam voluntariamente com o assassinato cometem um
pecado que clama ao céu por vingança.O infanticídio[a22] , o fratricídio, o parricídio e o
assassinato do cônjuge são crimes particularmente graves, devido aos laços naturais que
rompem. Preocupações de eugenismo ou de higiene pública não podem justificar nenhum
assassinato, mesmo a mando dos poderes públicos.
2269 O quinto mandamento proíbe que se faça algo com a intenção de provocar
indiretamente a morte de uma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém a um risco mortal sem
razão grave, bem como recusar ajuda a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de condições de miséria que levem à própria morte
sem se esforçar por remediar a situação constitui uma injustiça escandalosa e uma falta grave.
Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provoquem a
fome e a morte de seus irmãos (homens) comete indiretamente um homicídio, que lhe é
imputável.
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não está isento de falta grave
quem, sem razões proporcionais, agiu de maneira a provocar a morte, ainda que sem a
intenção de causá-la.
O ABORTO
2270 A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do
momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver
reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à
vida.Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio,
eu te consagrei (Jr 1,5). Meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em segredo,
tecido na terra mais profunda (Sl 139,15).
2271 Desde o século I, a Igreja afirmou a maldade moral de todo aborto provocado.
Este ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, quer dizer, querido como um
fim ou como um meio, é gravemente contrário à lei moral:
NÃO MATARÁS O EMBRIÃO POR ABORTO E NÃO FARÁS PERECER O RECÉM-NASCIDO.
Deus, senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo d preservar a vida, para ser
exercido de maneira condigna ao homem Por isso a vida deve ser protegida com o máximo
cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos.
2272 A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona
com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. "Quem provoca
aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae" "pelo próprio fato de
cometer o delito" e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer restringir o
campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável
causado ao 'inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade.
O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento
constitutivo da sociedade civil e de sua legislação:
"Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade
civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem
dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado pertencem à
natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina. Entre
estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de todo se
humano, desde a concepção até a morte."
2273 "No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da
proteção que a legislação civil lhes deve dar, o estado nega a igualdade de todos perante a lei.
Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos,
particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão
ameaçados... Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à
criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas
para toda violação deliberada dos direitos dela."
Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a concepção, o embrião deverá ser
defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como qualquer outro
ser humano.
2274 O diagnóstico pré-natal é moralmente licito "se respeitar a vida e a integridade do
embrião e do feto humano, e se está orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual...
Está gravemente em oposição com a lei moral quando prevê, em função dos resultados, a
eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não deve ser o equivalente de uma
sentença de morte".
"Devem ser consideradas lícitas as intervenções sobre o embrião humano quando
respeitam a vida e a integridade do embrião e não acarretam para ele riscos
desproporcionados, mas visam à sua cura, à melhora de suas condições de saúde ou à sua
sobrevivência individual."
"É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material
biológico disponível."
2275 "Certas tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético
não são terapêuticas, mas tendem à produção de seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades preestabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal
do ser humano, à sua integridade e à sua identidade" única, não reiterável.
A EUTANÁSIA
2276 Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito
especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para levar uma vida tão
normal quanto possível.
2277 Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à
vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.
Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de
suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e
ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não
muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser condenado e excluído.
2278 A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou
desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da "obstinação
terapêutica". Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. As
decisão devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso;
caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os
interesses legítimos do paciente.
2279 Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a
uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O emprego de analgésicos
para aliviar os sofrimentos moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser
moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem
como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem
uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280 Cada um é responsável por sua vida diante de Deus, que "lha deu e que dela é
sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la
para honra dele e salvação de nossas almas. Somos os administradores e não os proprietários da
vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.
2281 O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a
própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do
próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar,
nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do
Deus vivo.
2282 Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os
jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao
suicídio é contrária à lei moral.
Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou
da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283 Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode,
por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora
pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
II. O RESPEITO Â DIGNIDADE DAS PESSOASO RESPEITO À ALMA DO OUTRO: O ESCÂNDALO
2284 O escândalo é a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal.
Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. Atenta contra a virtude e a retidão;
pode arrastar seu irmão à morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou
omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave.
2285 O escândalo se reveste de uma gravidade particular em virtude da autoridade dos
que o causam ou da fraqueza dos que o sofrem. Foi o que inspirou a Nosso Senhor a seguinte
maldição "Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem ao
pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar" (Mt,18,6). O escândalo é
grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os
outros. Jesus censura os escribas e os fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros.
2286 O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela
opinião.
Tomam-se, portanto, culpados de escândalo aqueles que instituem leis ou estruturas
sociais que levam à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa ou a "condições
sociais que, voluntariamente ou não, tomam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã
conforme aos mandamentos". O mesmo vale para chefes de empresas que fazem regulamentos
que incitam à fraude, para professores que "exasperam" os alunos ou para aqueles que,
manipulando a opinião pública, a afastam dos valores morais.
2287 Quem usa os poderes de que dispõe de tal maneira que induzam ao mal torna-se
culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. "E
inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar" (Lc 17,1).
O RESPEITO Á SAÚDE
2288 A vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas
com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado com a saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para obter as
condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimento, roupa, moradia,
cuidado da saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289 Se a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz desta um valor absoluto,
insurgindo-se contra uma concepção neopagã que tende a promover o culto do corpo, a tudo
sacrificar-lhe, a idolatrar a perfeição física e o êxito esportivo. Em razão da escolha seletiva que
faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290 A virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da
comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou
por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas
estradas, no mar ou no ar, tomam-se gravemente culpáveis.
2291 O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo indicações
estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas
são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a
práticas gravemente contrárias à lei moral.
O RESPEITO À PESSOA E À PESQUISA CIENTÍFICA
2292 As experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos
podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.
2293 A pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma
expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são
recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do progresso
humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e
seu crescimento; por-tanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua
finalidade e a consciência de seus limites.
2294 É ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas
aplicações. Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples
eficácia técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos outros, e
muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem, por seu próprio
significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade; devem
estar a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e
integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.
2295 As pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si
mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos sujeitos
não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é moralmente legítima se fizer a vida
ou a integridade física e psíquica do sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A
experiência em seres humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem
o consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.
2296 O transplante de órgãos é conforme à lei moral se os riscos e os danos físicos e
psíquicos a que se expõe o doador são proporcionais ao bem que se busca para o destinatário.
A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e merece ser encorajado como
manifestação de generosa solidariedade. O transplante de órgãos não é moralmente aceitável
se o doador ou seus representante legais não tiverem dado seu expresso consentimento para tal.
Além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente mutilação que venha a tornar
alguém inválido ou provocar diretamente a morte, mesmo que seja para retardar a morte de
outras pessoas.
O RESPEITO À INTEGRIDADE CORPORAL
2297 Os seqüestros e a tomada de reféns fazem reinar o terror e, pela ameaça, exercem
pressões intoleráveis sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e
mata sem discriminação; isso é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa
de violência física ou moral para arrancar confissões, castigar culpados, amedrontar opositores,
satisfazer o ódio, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. Fora das
indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações de
esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes contrárias à lei moral.
2298 Em tempos passados, práticas cruéis foram comumente utilizadas por governos
legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, os quais
adotaram eles em mesmos, em seus próprios tribunais, prescrições do direito romano sobre a
tortura. Ao lado destes fatos lamentáveis, a Igreja sempre ensinou o dever de demência e
misericórdia: proibiu aos clérigos derramarem sangue. Em tempos recentes, ficou evidente que
essas práticas cruéis não eram nem necessárias para a ordem pública nem estavam de acordo
com os direitos legítimos da pessoa humana. Ao contrário, essas práticas conduzem às piores
degradações. E preciso trabalhar por sua abolição. E preciso orar pelas vitimas e por seus
algozes.
O RESPEITO AOS MORTOS
2299 Deve-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos, para ajudá-los a viver seus
últimos momentos na dignidade e na paz. Devem também ser ajudados pela oração dos
familiares. Estes cuidarão para que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que
preparam para o encontro com o Deus vivo.2300 Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na
esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra
os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301 A autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de
investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é
legítima e pode ser meritória.
A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na
ressurreição dos corpos.
III. A SALVAGUARDA DA PAZ
A PAZ
2302 Ao lembrar o preceito "Tu não matarás" (Mt 5,21), Nosso Senhor pede a paz do
coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio. A cólera é um desejo de
vingança. "Desejar a vingança para o mal daquele que é preciso punir é ilícito, mas é louvável
impor uma reparação "para a correção dos vícios e a conservação da justiça". Se a cólera
chega ao desejo deliberado de matar o próximo ou de feri-lo com gravidade, atenta
gravemente contra a caridade, constituindo pecado mortal. O Senhor disse: "Todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal" (Mt 5,22).
2303 O ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando
o homem quer deliberadamente seu mal. O ódio ao próximo é um pecado grave quando se lhe
deseja deliberadamente um grave dano. "Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos e orai pelos
que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que esta nos céus..." (Mt 5 ,44-
45).
2304 O respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é
somente ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz não
pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre comunicação
entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, a prática assídua da
fraternidade. E a "tranqüilidade da ordem", "obra da justiça" (Is 32,17) e efeito da caridade.
2305 A paz terrestre é imagem e fruto da paz de Cristo, o Príncipe da paz" messiânica (Is
9,5). Pelo sangue de sua cruz, Ele “matou a inimizade na própria carne", reconciliou os homens
com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano de sua união com
Deus. "Ele é a nossa paz" (Ef 2,14). Declara "bem-aventurados os que promovem a paz" (Mt 5,9).
2306 Aqueles que renunciam à ação violenta e para proteger os direitos do homem,
recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos testemunham a caridade evangélica,
contanto que isso seja feito sem lesar os direitos e as obrigações dos outros homens e das
sociedades. Atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência,
com seu cortejo de mortes e ruínas.
EVITAR A GUERRA
2307 O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa
dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para
que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra.
2308 Cada cidadão e cada governante deve agir de modo a evitar as guerras.
Enquanto, porém, "houver perigo de guerra, sem que exista uma autoridade internacional
competente e dotada de forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação
pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa.2309 É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela
força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral.
É preciso ao mesmo tempo que:
ü o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável,
grave e certo;
ü todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou
ineficazes;
ü estejam reunidas as condições sérias de êxito;
ü o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a
eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.
Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da "guerra justa".
A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudencial daqueles
que estão encarregados do bem comum.
2310 Os poderes públicos tomarão as justas providências com relação ao caso
daqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar, isto e, estão a serviço da
segurança e da liberdade dos povos. Se desempenham corretamente sua tarefa, concorrem
verdadeiramente para o bem comum da nação e para manter a paz.
2311 Os poderes públicos devem prever eqüitativamente o caso daqueles que recusam
o emprego das armas por motivos de consciência, mas que continuam obrigados a servir sob
outra forma à comunidade humana.
2312 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. "Quando, por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito
entre as partes inimigas."
2313 E preciso respeitar e tratar com humanidade os não-combatentes, os soldados
feridos e os prisioneiros.
Os atos deliberadamente contrários ao direito dos povos e a seus princípios universais,
como as ordens que os determinam, constituem crimes. Uma obediência cega não é suficiente
para escusar os que se submetem a esses atos e ordens. Portanto, o extermínio de um povo, de
uma nação ou uma de minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. Deve-se
moralmente resistir às ordens que impõem um genocídio.
2314 "Qualquer ação bélica que tem em vista a destruição indiscriminadamente nada
de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o
próprio homem a ser condenado com firmeza e sem hesitações." Um dos riscos da guerra
moderna é dar ocasião aos possuidores de armas científicas, principalmente atômicas,
biológicas ou químicas, de cometerem tais crimes.
2315 A acumulação de armas parece a muitos urna maneira paradoxal de dissuadir da
guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz
entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos
armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agravá-
las. O dispêndio de riquezas fabulosas na fabricação de n ovas armas sempre impede de
socorrer as populações indigentes e entrava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento
multiplica as razões de conflitos e aumenta o risco de esses conflitos se multiplicarem.
2316 A produção e o comércio de armas afetam o bem comum das nações e da
comunidade internacional. Por isso as autoridades públicas têm o direito e o dever de
regulamentá-los. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar
empreendimentos que fomentem a violência e os conflitos entre as nações e que comprometam
a ordem jurídica internacional.2317 As injustiças, as desigualdades excessivas de ordem econômica ou social, a inveja,
a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações ameaçam sem cessar
paz e causam as guerras. Tudo o que for feito para vencer essas desordens contribui para
edificar a paz e evitar a guerra:
Pecadores que são, os homens vivem em perigo de guerra, e este perigo os ameaçará
até a volta de Cristo. Mas, na medida em que, unidos pela caridade, superem o pecado,
superarão igualmente as violências, até que se cumpra a palavra: "De suas espadas eles forjarão
relhas de arado, e de suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e
já não se adestrarão para a guerra" (Is 2,4).
RESUMINDO
2318 "Deus tem em seu poder a alma de todo ser vivo e o espírito de todo homem carnal"
(Jó 12,10).
2319 Toda vida humana, desde o momento da concepção até a morte, é sagrada,
porque a pessoa humana foi querida por si mesma à imagem e à semelhança do Deus vivo e
santo.
2320 O assassinato de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da pessoa e
à santidade do Criador.
2321 A proibição de matar não ab-roga o direito de tirar a um opressor injusto a
possibilidade de prejudicar. A legítima defesa é um dever grave para quem é responsável pela
vida alheia ou pelo bem comum.
2322 Desde a concepção, a criança tem o direito à vida. O aborto direto, isto é, o que
se quer como um fim ou como um meio, é uma pratica infame" , gravemente contrária à lei
moral. A Igreja condena com pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana.
2323 Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a sua concepção, o embrião
deve ser defendido em sua integridade, cuidado e curado como qualquer outro ser humano.
2324 A eutanásia voluntária, sejam quais forem as formas e os motivos, constitui um
assassinato. E gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo,
seu Criador.
2325 O suicídio é gravemente contrario a Justiça, à esperança e à caridade. É proibido
pelo quinto mandamento.
2326 O escândalo constitui uma falta grave quando, por ação ou por omissão, leva
deliberadamente o outro a pecar gravemente.
2327 Por causa dos males e injustiças que toda guerra acarreta, devemos fazer tudo o
que for razoavelmente possível para evitá-la. A Igreja ora: "Da fome, da peste e da guerra livrainos, Senhor".
2328 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. As práticas de1iberadamente contrárias ao direito dos povos e a seus
princípios universais constituem crimes.
2329 "A corrida armamentista é uma praga extremamente grave da humanidade e lesa
os pobres de maneira intolerável.
2330 "Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de
Deus" (Mt 5,9).
ARTIGO 6
O SEXTO MANDAMENTO"NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO" (Ex 20, 14[a1] )
Ouvistes o que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, vos digo: todo aquele que
olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt
5,27-28).
I . "Homem e mulher os criou..."
2331 "Deus é amor e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor.
Criando-a à sua imagem... Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e,
assim a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão.”
"Deus criou o homem à sua imagem... homem e mulher ele os criou" (Gn 1,27); "Crescei e
multiplicai-vos" (Gn 1,28); "No dia em que Deus criou o homem, Ele o fez à semelhança de Deus.
Homem e mulher Ele os criou, abençoou-os e lhes deu o nome 'homem', no dia em que foram
criados" (Gn 5,1-2).
2332 A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, em sua unidade de
corpo e alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar
e, de uma maneira mais geral, à aptidão a criar vínculos de comunhão com os outros.
2333 Cabe a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar sua identidade sexual. A
diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do
casamento e para o desabrochar da vida familiar. A harmonia do casal e da sociedade
depende, em parte, da maneira como se vivem entre os sexos a complementaridade, a
necessidade e o apoio mútuos.
2334 "Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de modo
igual ao homem e à mulher." "O homem é uma pessoa, e isto na mesma medida para o homem
e para a mulher, pois ambos são criados à imagem e à semelhança de um Deus pessoal."
2335 Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de maneira diferente,
imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no casamento é uma
maneira de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador: "O homem deixa seu
pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tomam uma só carne" (Gn 2,24). Dessa união
procedem todas as gerações humanas.
2336 Jesus veio restaurar a criação na pureza de sua origem. No Sermão da Montanha,
Ele interpreta de maneira rigorosa o plano de Deus: "Ouvistes o que foi dito: 'Não cometerás
adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já
cometeu adultério com ela em seu coração" (Mt 5,27-28). O homem não deve separar o que
Deus uniu.
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto da
sexualidade humana.
II. A VOCAÇÃO À CASTIDADE
2337 A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e, com isso, a
unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a
pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente
humana quando é integrada na relação de pessoa a pessoa, na doação mútua integral e
temporalmente ilimitada do homem e da mulher.
A virtude da castidade comporta, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da
doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA2338 A pessoa casta mantém a integridade das forças vitais de amor depositadas nela.
Esta integridade garante a unidade da pessoa e se opõe a todo comportamento que venha ferila; não tolera nem a vida dupla nem a linguagem dupla.
2339 A castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si que é uma pedagogia
da liberdade humana. A alternativa é clara ou o homem comanda suas paixões e obtém a paz,
ou se deixa subjugar por elas e se torna infeliz. "A dignidade do homem exige que ele possa agir
de acordo com uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e
não por força de um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa. O homem
consegue esta dignidade quando, libertado de todo cativeiro das paixões, caminha para o seu
fim pela escolha livre do bem procura eficazmente os meios aptos com diligente aplicação."
2340 Aquele que quer permanecer fiel às promessas do Batismo e resistir às tentações
empenhar-se-á em usar os meios: o conhecimento de si, a prática de uma ascese adaptada às
situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes
morais e a fidelidade à oração. "A castidade nos recompõe, reconduzindo-nos a esta unidade
que tínhamos perdido do quando nos dispersamos na multiplicidade."
2341 A virtude da castidade é comandada pela virtude cardeal da temperança, que
tem em vista fazer depender da razão a paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342 O domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado
definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida[a23] .
O esforço necessário pode ser mais intenso em certas épocas, por exemplo, quando se forma a
personalidade, durante a infância e a adolescência.
2343 A castidade tem leis de crescimento. Este crescimento passa por graus, marcados
pela imperfeição e muitas vezes pelo pecado. "Dia a dia o homem virtuoso e casto se constrói
por meio de opções numerosas e livres. Assim, ele conhece, ama e realiza o bem moral seguindo
as etapas de um crescimento."
2344 A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal. Mas implica também
um esforço cultural, porque "o homem desenvolve-se em todas as suas qualidades mediante a
comunicação com os outros". A castidade supõe o respeito pelos direitos da pessoa,
particularmente o de receber uma informação e uma educação que respeitem as dimensões
morais e espirituais da vida humana.
2345 A castidade é uma virtude moral. É também um dom de Deus, uma graça, um
fruto da obra espiritual. O Espírito Santo concede o dom de imitar a pureza de Cristo àquele que
foi regenerado pela água do Batismo.
A INTEGRALIDADE DA DOAÇÃO DE SI MESMO
2346 A caridade é a forma de todas as virtudes. Influenciada por ela, a castidade
aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si mesmo está ordenado para
a doação de si mesmo. A castidade leva aquele que a pratica a tornar-se para o próximo uma
testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
2347 A virtude da castidade desabrocha na amizade. Mostra ao discípulo como seguir e
imitar Aquele que nos escolheu como seus próprios amigos, se doou totalmente a nós e nos faz
Participar de sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.
A castidade se expressa principalmente na amizade ao próximo. Desenvolvida entre
pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um grande bem para
todos e conduz à comunhão espiritual.
AS DIVERSAS FORMAS DE CASTIDADE2348 Todo batizado é chamado à castidade. O cristão "se vestiu de Cristo", modelo de
toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta segundo seu
específico estado de vida. No momento do Batismo, o cristão se comprometeu a viver sua
afetividade na castidade.
2349 "A castidade há de distinguir as pessoas de acordo com seus diferentes estados de
vida: umas na virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de se dedicar mais
facilmente a Deus com um coração indiviso; outras, da maneira como a lei moral determina,
conforme forem casados ou celibatários." As pessoas casadas são convidadas a viver a
castidade conjugal; os outros praticam a castidade na continência:Existem três formas da virtude
da castidade: a primeira, dos esposos; a segunda, da viuvez; a terceira, da virgindade. Nós não
louvamos uma delas excluindo as outras. Nisso a disciplina da Igreja é rica.
2350 Os noivos são convidados a viver a castidade na continência. Nessa provação eles
verão uma descoberta do respeito mútuo, urna aprendizagem da fidelidade e da esperança de
se receberem ambos da parte de Deus. Reservarão para o tempo do casamento as
manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na
castidade.
AS OFENSAS À CASTIDADE
2351 A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado do prazer venéreo. O
prazer sexual é moralmente desordenado quando é buscado por si mesmo, isolado das
finalidades de procriação e de união.
2352 Por masturbação se deve entender a excitação voluntária dos órgãos genitais, a fim
de conseguir um prazer venéreo. "Na linha de uma tradição constante, tanto o magistério da
Igreja como o senso moral dos fiéis afirmaram sem hesitação que a masturbação é um ato
intrínseca e gravemente desordenado." Qualquer que seja o motivo, o uso deliberado da
faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz sua finalidade. Aí o prazer sexual
é buscado fora da "relação sexual exigida pela ordem moral, que realiza, no contexto de um
amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana".
Para formar um justo juízo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos e orientar a ação
pastoral, dever-se-á levar em conta a imaturidade afetiva, a força dos hábitos contraídos, o
estado de angústia ou outros fatores psíquicos ou sociais que minoram ou deixam mesmo
extremamente atenuada a culpabilidade moral.
2353 A fornicação é a união carnal fora do casamento entre um homem e uma mulher
livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade humana, naturalmente
ordenada para o bem dos esposos, bem como para a geração e a educação dos filhos. Além
disso, é um escândalo grave quando há corrupção de jovens.
2354 A pornografia consiste em retirar os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade
dos parceiros para exibi-los a terceiros de maneira deliberada. Ela ofende a castidade porque
desnatura o ato conjugal, doação íntima dos esposos entre si. Atenta gravemente contra a
dignidade daqueles que a praticam (atores, comerciantes, público), porque cada um se torna
para o outro objeto de um prazer rudimentar e de um proveito ilícito, Mergulha uns e outros na
ilusão de um mundo artificial. E uma falta grave. As autoridades civis devem impedir a produção
e a distribuição de materiais pornográficos.
2355 A prostituição vai contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida, assim,
ao prazer venéreo que dela se obtém. Aquele que paga peca gravemente contra si mesmo;
viola a castidade à qual se comprometeu em seu Batismo e mancha seu corpo, templo do
Espírito Santo. A prostituição é um flagelo social. Envolve comumente mulheres, mas homens,
crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, ao pecado soma-se um escândalo). Se é
sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição, a miséria, a chantagem e a pressão
social podem atenuar a imputabilidade da falta.2356 O estupro designa a penetração à força, com violência, na intimidade sexual de
uma pessoa. Fere a justiça e a caridade. O estupro lesa profundamente o direito de cada um ao
respeito, à liberdade, à integridade física e moral. Provoca um dano grave que pode marcar a
vítima por toda a vida. E sempre um ato intrinsecamente mau. Mais grave ainda é o estupro
cometido pelos pais (cf. incesto) ou educadores contra as criança que lhes são confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens e mulheres que sentem
atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade se
reveste de formas muito variáveis ao longo dos séculos e das culturas. Sua gênese psíquica
continua amplamente inexplicada. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como
depravações graves, a tradição sempre declarou que "os atos de homossexualidade são
intrinsecamente desordenados". São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da
vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum
podem ser aprovados.
2358 Um número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente enraizadas. Esta inclinação objetivamente desordenada constitui,
para a maioria, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza.
Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a
reali-zar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor
as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição.
2359 As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pe-las virtudes de
autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem se aproximar, gradual
e resolutamente, da perfeição cristã.
III. O AMOR ENTRE OS ESPOSOS
2360 A sexualidade está ordenada para o amor conjugal entre o homem e a mulher. No
casamento, a intimidade corporal dos esposos se torna um sinal e um penhor de comunhão
espiritual. Entre os batizados, os vínculos do matrimônio são santificados pelo sacramento.
2361 "A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com
os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz
respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Ela só se realiza de maneira
verdadeiramente humana se for parte integral do amor com o qual homem e mulher se
empenham totalmente um para com o outro até a morte"
Tobias levantou-se do leito e disse a Sara: "Levanta-te, minha irmã, oremos e peçamos a
nosso Senhor que tenha compaixão de nós e nos salve". Ela se levantou e começaram a orar e a
pedir para obterem a salvação. Ele começou dizendo: "Bendito sejas tu, Deus de nossos pais... Tu
criaste Adão e para ele criaste Eva, sua mulher, para ser seu sustentáculo e amparo, e para que
de ambos derivasse a raça humana. Tu mesmo disseste: 'Não é bom que o homem fique só;
façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. E agora não é por desejo impuro que tomo esta
minha irmã, mas com reta intenção. Digna de ter piedade de mim e dela e conduzir-nos juntos a
uma idade avançada". E disseram em coro: "Amém, amém". E se deitaram para passar a noite
(Tb 8,4-9).
2362 "Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e
dignos. Quando realizados de maneira verdadeiramente humana, significam e favorecem a
mútua doação pela qual os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido." A
sexualidade é fonte de alegria e de prazer:O próprio Criador... estabeleceu que nesta função (i.é, de geração) os esposos sentissem
prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal em
pro-curar este prazer e em gozá-lo. Eles aceitam o que o Criador lhes destinou. Contudo, os
esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa.
2363 Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimônio: o bem dos cônjuges e
a transmissão da vida. Esses dois significados ou valores do casamento não podem ser separados
sem alterar a vida espiritual do casal e sem comprometer os bens matrimoniais e o futuro da
família. Assim, o amor conjugal entre o homem e a mulher atende à dupla exigência da
fidelidade e da fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364 O casal de cônjuges forma "uma íntima comunhão de vida e de amor que o
Criador fundou e dotou com suas leis. Ela é instaurada pelo pacto conjugal, ou seja, o
consentimento pessoal irrevogável ". Os dois se doam definitiva e totalmente um ao outro. Não
são mais dois, mas formam doravante uma só carne. A aliança contraída livremente pelos
esposos lhes impõe a obrigação de a manter una e indissolúvel . "O que Deus uniu, o homem não
separe" (Mc 10,9).
2365 A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O
sacramento do Matrimônio faz o homem e a mulher entrarem na fidelidade de Cristo à sua
Igreja. Pela castidade conjugal, eles testemunham este mistério perante o mundo.
S. João Crisóstomo sugere aos homens recém-casados que falem assim à sua esposa:
"Tomei-te em meus braços, amo-te, prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida presente não é
nada, e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de maneira que estejamos certos de não
sermos separados na vida futura que nos está reservada... Ponho teu amor acima de tudo, e
nada me seria mais penoso que não ter os mesmos pensamentos que tu tens”.
A FECUNDIDADE DO MATRIMÔNIO
2366 A fecundidade é um dom, enfim do Matrimônio, porque o amor conjugal tende
naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora acrescentar-se ao amor mútuo dos esposos;
surge no próprio âmago dessa doação mútua, da qual é fruto e realização. A Igreja, que "está
do lado da vida", ensina que "qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão
da vida". "Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, está fundada na conexão
inseparável, que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois
significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador."
2367 Chamados a dar vida, os esposos participam do poder criador e da paternidade de
Deus. "Os cônjuges sabem que, no oficio de transmitir a vida e de serem educadores o qual deve
ser considerado como missão própria deles - são cooperadores do amor de Deus criador e como
que seus intérpretes. Por isso desempenharão seu múnus com responsabilidade cristã e humana."
2368 Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da
procriação. Por razões justas , os esposos podem querer espaçar os nascimentos de seus filhos.
Cabe-lhes verificar que seu desejo não provém do egoísmo, mas está de acordo com a justa
generosidade de uma paternidade responsável. Além disso, regularão seu comportamento
segundo os critérios objetivos da moral.
A moralidade da maneira de agir, quando se trata de harmonizar o amor conjugal com a
transmissão responsável da vida, não depende apenas da intenção sincera e da reta
apreciação dos motivos, mas deve ser determinada segundo critérios objetivos tirados da
natureza da pessoa e de seus atos, critérios esses que respeitam o sentido integral da doação
mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor. Tudo isso é impossível se a
virtude da castidade conjugal não for cultivada com sinceridade.2369 "Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal
conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e sua ordenação para a altíssima
vocação do homem para a paternidade."
2370 A continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na
auto-observação e no recurso aos períodos infecundos estão de acordo com os critérios
objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, animam a ternura entre
eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica. Em compensação, é
intrinsecamente má "toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua
realização, ou também durante o desenvolvimento de suas conseqüências naturais, se
proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação"
"À linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges a contracepção
impõe uma linguagem objetivamente contraditória, a do não se doar ao outro. Deriva daqui não
somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interior
do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal." Esta diferença antropológica e
moral entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos "envolve duas concepções da
pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si.
2371 "Estejam todos certos de que a vida dos homens e a missão de transmiti-la não se
confinam ao tempo presente nem se podem medir ou entender por esse tempo apenas, mas
estão sempre relacionadas com a destinação eterna dos homens."
2372 O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. Por isso, é legítimo que ele
intervenha para orientar a demografia da população. Pode fazer isso mediante uma informação
objetiva e respeitosa, mas nunca por via autoritária e por coação. O Estado não pode
legitimamente substituir a iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e
educação de seus filhos. O Estado não está autorizado a intervir neste campo, com meios
contrários à lei moral.
O DOM DO FILHO
2373 A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas um
sinal da bênção divina e da generosidade dos pais.
2374 É grande o sofrimento de casais que descobrem que são estéreis. "Que me darás?",
pergunta Abrão a Deus. "Continuo sem filho..." (Gn 15,2). "Faze-me ter filhos também, ou eu
morro", disse Raquel a seu marido Jacó (Gn 30,1).
2375 As pesquisas que visam diminuir a esterilidade humana devem ser estimuladas, sob
a condição de serem postas "a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu
bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus[a82] "
2376 As técnicas que provocam uma dissociação do parentesco, pela intervenção de
uma pessoa estranha ao casal (doação de esperma ou de óvulo, empréstimo de útero), são
gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais heterólogas) lesam
o direito da criança de nascer de um pai e uma mãe conhecidos dela e ligados entre si pelo
casamento. Elas traem "o direito exclusivo de se tornar pai e mãe somente um por meio do
outro[a83] "
2377 Praticadas entre o casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais
homólogas) são talvez menos claras a um juízo imediato, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador. O ato fundante da existência dos filhos já
não é um ato pelo qual duas pessoas se doam uma à outra, mas um ato que remete a vida e a
identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos, e instaura um domínio da técnica
sobre a origem e a destinação da pessoa humana. Tal relação de dominação é por si contrária
à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos". "A procriação é
moralmente privada de sua perfeição própria quando não é querida como o fruto do ato
conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos... Somente o respeito ao vínculo que existe entre os significados do ato conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite
uma procriação de acordo com a dignidade da pessoa."
2378 O filho não é algo devido, mas um dom. O "dom mais excelente do matrimônio" e
uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado corno objeto de propriedade, a que
conduziria o reconhecimento de um pretenso "direito ao filho". Nesse campo, somente o filho
possui verdadeiros direitos: o "de ser o fruto do ato específico do amor conjugal de seus pais, e
também o direito de ser respeitado como pessoa desde o momento de sua concepção”.
2379 O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos
que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade unirse-ão à Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar sua generosidade
adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em favor do próximo.
IV. AS OFENSAS Á DIGNIDADE DO MATRIMÔNIO
2380 O adultério. Esta palavra designa a infidelidade conjugal. Quando dois parceiros,
dos quais ao menos um é casado, estabelecem entre si uma relação sexual, mesmo efêmera,
cometem adultério. Cristo condena o adultério mesmo de simples desejo . O sexto mandamento
e o Novo Testamento proscrevem absolutamente o adultério . Os profetas denunciam sua
gravidade. Vêem no adultério a figura do pecado de idolatria .
2381 O adultério é uma injustiça. Quem o comete falta com seus compromissos. Fere o
sinal da Aliança que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e prejudica a
instituição do casamento, violando o contrato que o fundamenta. Compromete o bem da
geração humana e dos filhos, que têm necessidade da união estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382 O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um casamento
indissolúvel. Ab-roga as tolerâncias que se tinham introduzido na Lei antiga.
Entre batizados, o matrimonio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum
poder humano nem por nenhuma causa, exceto a morte".
2383 A separação dos esposos com a manutenção do vínculo matrimonial pode ser
legítima em certos casos previstos pelo Direito canônico (cf. CIC, cân. 1151-1155).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, o
cuidado dos filhos ou a defesa do patrimônio, pode ser tolerado sem constituir uma falta moral.
2384 O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato livremente
consentido pelos esposos de viver um com o outro até a morte. O divórcio lesa a Aliança de
salvação da qual o matrimônio sacramental é o sinal. O fato de contrair nova união, mesmo que
reconhecida pela lei civil, aumenta a gravidade da ruptura; o cônjuge recasado passa a
encontrar-se em situação de adultério público e permanente:
Se o marido, depois de se separar de sua mulher, se aproximar de outra mulher, se torna
adúltero, porque faz essa mulher cometer adultério; e a mulher que habita com ele é adúltera,
porque atraiu a si o marido de outra.
2385 O caráter imoral do divórcio deriva também da desordem que introduz na célula
familiar e na sociedade. Esta desordem acarreta graves danos: para o cônjuge que fica
abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação dos pais, e muitas vezes disputados
entre eles (cada um dos cônjuges querendo os filhos para si); e seu efeito de contágio, que faz
dele urna verdadeira praga social.
2386 Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio decidido
pela lei civil; neste caso, ele não viola o preceito moral. Existe uma diferença considerável entre o
cônjuge que se esforçou sinceramente por ser fiel ao sacramento do Matrimônio e se vêinjustamente abandonado e aquele que, por uma falta grave de sua parte, destrói um
casamento canonicamente válido.
OUTRAS OFENSAS Á DIGNIDADE DO CASAMENTO
2387 É compreensível o drama de quem, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê
obrigado a repudiar uma ou várias mulheres com as quais viveu anos de vida conjugal. Contudo,
a poligamia não se coaduna com a lei moral. "Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal,
pois nega diretamente o plano de Deus tal como nos foi revelado nas origens, porque contrária à
igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um amor
total e por isso mesmo único e exclusivo." O cristão que foi polígamo está gravemente obrigado
por justiça a honrar as obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres, bem como
para com os filhos.
2388 O incesto designa relações íntimas entre parentes ou pessoas afins, em grau que
proíba entre eles o casamento . S. Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: "É geral
ouvir-se falar de mau comportamento entre vós... um dentre vós vive com a mulher de seu pai...
E preciso que, em nome Senhor Jesus... entreguemos tal homem a Satanás para a perda de sua
carne..." (1 Cor 5,1.3-5). O incesto corrompe as relações familiares e indica como que uma
regressão à animalidade.
2389 Podemos ligar ao incesto os abusos sexuais perpetrados por adultos contra
crianças ou adolescentes confiados à sua guarda. A falta é acrescida, então, de um dano
escandaloso causado à integridade física e moral dos jovens, que ficarão marcados por toda a
vida, e de uma violação da responsabilidade educativa.
2390 Existe união livre quando o homem e a mulher se recusam a dar uma forma jurídica
e pública a uma ligação que implica intimidade sexual.
A expressão é enganosa: com efeito, que significado pode ter uma união na qual as
pessoas não se comprometem mutuamente e revelam, assim, uma falta de confiança na outra,
em si mesma ou no futuro?
A expressão abrange situações diferentes: concubinato, recusa do casamento enquanto
tal, incapacidade de assumir compromissos a longo prazo. Todas essas situações ofendem a
dignidade do matrimônio, destroem a própria idéia da família, enfraquecem o sentido da
fidelidade. São contrárias à lei moral. O ato sexual deve ocorrer exclusivamente no casamento;
fora dele, é sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
2391 Muitos reclamam hoje uma espécie de "direito à experiência" quando há intenção
de se casar. Qualquer que seja a firmeza do propósito dos que se envolvem em relações sexuais
prematuras, "estas não permitem garantir em sua sinceridade e fidelidade a relação inter-pessoal
de um homem e uma mulher e, principalmente, protegê-los contra as fantasias e os caprichos". A
união carnal não é moralmente legítima, a não ser quando se instaura uma comunidade de vida
definitiva entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera a "experiência". Ele exige urna
doação total e definitiva das pessoas entre si .
RESUMINDO
2392 "O amor é a vocação fundamental e originária do ser humano ."
2393 Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de uma
maneira igual a ambos. Cada um, homem e mulher, deve chegar a reconhecer e aceitar sua
identidade sexual.
2394 Cristo é o modelo da castidade. Todo batizado é chamado a levar uma vida casta,
cada um segundo seu estado de vida próprio.2395 A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Inclui a
aprendizagem do domínio pessoal.
2396 Entre os pecados gravemente contrários à castidade é preciso citar a masturbação,
a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
2397 A aliança que os esposos contraíram livremente implica um amor fiel. Impõe-lhes a
obrigação de guardar seu casamento indissolúvel.
2398 A fecundidade é um bem, um dom, um fim do casamento. Dando a vida, os esposos
participam da paternidade de Deus.
2399 A regulação da natalidade representa um dos aspectos da paternidade e da
maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não justifica o recurso a
meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização direta ou a contracepção).
2400 O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à dignidade
do casamento.ARTIGO 7
O SÉTIMO MANDAMENTO
Não roubarás (Ex 20,15; Cf Dt 5,19).
NÃO ROUBARÁS (Mt 19,18).
2401 O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou
lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos
bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à
destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar
para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.
I. A DESTINAÇÃO UNIVERSAL E A PROPRIEDADE PRIVADA DOS BENS
2402 No começo, Deus confiou a terra e seus recursos à administração comum da
humanidade, para que cuidasse dela, a dominasse por seu trabalho e dela desfrutasse . Os bens
da criação são destinados a todo o gênero humano. A terra está, contudo, repartida entre os
homens para garantir a segurança de sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência.
A apropriação dos bens é legítima para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, para
ajudar cada um a prover suas necessidades fundamentais e as daqueles de quem está
encarregado. Deve também permitir que se manifeste uma solidariedade natural entre os
homens.
2403 O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de modo justo, não abole a
doação original da terra ao conjunto da humanidade. A destinação universal dos bens continua
primordial, mesmo se a promoção do bem comum exige o respeito pela propriedade privada,
pelo respectivo direito e exercício.
2404 Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as
deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser
úteis não somente a ele, mas também aos outros ." A propriedade de um bem faz de seu
detentor um administrador da Providência, para fazê-los frutificar e para repartir os benefícios
dessa administração a outros, a seus parentes, em primeiro lugar.
2405 Os bens de produção materiais ou imateriais - como terras ou fábricas, competências
ou profissões, requerem os cuidados de quem os Possui para que sua fecundidade aproveite ao
maior número possível. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem usá-los com
moderação, reservando a melhor parte ao hóspede, ao doente e ao pobre.
2406 A autoridade política tem o direito e o dever de regulamentar, em função do bem
comum, o exercício legítimo do direito de propriedade.
II. O RESPEITO ÀS PESSOAS E AOS SEUS BENS
2407 Em matéria econômica, o respeito à dignidade humana exige a prática da virtude
da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para
preservar o direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra
áurea e segundo a liberalidade do Senhor, que "se fez pobre, embora fosse rico, para nos
enriquecer com sua pobreza".
O RESPEITO AOS BENS DO OUTRO2408 O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem de outro contra
a vontade razoável do proprietário. Não há roubo se o consentimento pode ser presumido ou se
recusa é contrária à razão e à destinação universal dos bem. É o caso da necessidade urgente e
evidente. em que o único meio de acudir às necessidades imediatas e essenciais (ali mento,
abrigo, roupa...) é dispor e usar dos bens do outro.
2409 Toda maneira de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não
contrarie as disposições da lei civil, é contrária ao sétimo mandamento. Assim, também, reter
deliberadamente os bens emprestados ou objetos perdidos, defraudar no comércio, pagar
salários injustos, elevar os preços especulando sobre a ignorância ou a miséria alheia.
São ainda moralmente ilícitos a especulação, pela qual se faz variar artificialmente a
avaliação dos bens, visando levar vantagem em detrimento do outro; a corrupção, pela qual se
"compra" o julgamento daqueles que devem tomar decisões de acordo com o direito; a
apropriação e uso privados dos bens sociais de uma empresa; os trabalhos malfeitos; a fraude
fiscal; a falsificação de cheques e de faturas; os gastos excessivos; o desperdício. Infligir
voluntariamente um prejuízo aos proprietários privados ou públicos é contrário à lei moral e exige
reparação.
241 0 As promessas devem ser mantidas, e os contratos, rigorosamente observados, na
medida em que o compromisso assumido for moralmente justo. Uma parte notável da vida
econômica e social depende do valor dos contratos entre pessoas físicas ou morais. E o caso dos
contratos comerciais de venda ou compra, os contratos de locação ou de trabalho. Todo
contrato deve ser feito e executado de boa-fé.
2411 Os contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as trocas entre as
pessoas e entre as instituições no pleno respeito aos seus direitos. A justiça comutativa obriga
estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e o
cumprimento das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra
forma de justiça é possível.
Distingue-se a justiça comutativa da justiça legal, que se refere àquilo que o cidadão deve
eqüitativamente à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve
aos cidadãos proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.
2412 Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a
restituição do bem furtado a seu proprietário:
Jesus abençoa Zaqueu por causa de seu compromisso: "Se defraudei a alguém, restituolhe o quádruplo" (Lc 19,8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apossaram de um bem
alheio têm obrigação de o restituir ou de devolver o equivalente em natureza ou em espécie, se
a coisa desapareceu, bem como os frutos e lucros que seu proprietário legitimamente teria
auferido. São igualmente obrigados a restituir, proporcionalmente à sua responsabilidade e ao
benefício auferido, todos os que participaram de alguma maneira do roubo, ou tiraram proveito
dele com conhecimento de causa, como, por exemplo, Os mandantes, os que ajudaram ou
encobriram o roubo.
2413 Os jogos de azar (jogos de cartas etc.) ou as apostas em si não são contrários à
justiça. Tomam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é
necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se
transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui
matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno aquele que o sofre não possa
razoavelmente considerá-lo significativo.
2414 O sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão
que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a
desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias.
É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las, pela
violência, a um valor de uso ou a uma fonte lucro. S. Paulo ordenava a um patrão cristão que tratasse seu escravo cristão "não mais corno escravo, mas como um irmão..., como um homem,
no Senhor" (Fm 16).
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
2415 O sétimo mandamento manda respeitar a integridade da criação. Os animais, como
as plantas e os seres inanimados, estão naturalmente destinados ao bem comum da
humanidade passada, presente e futura. O uso dos recursos minerais. vegetais e animais do
universo não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O domínio dado pelo
Criador ao homem sobre os seres inanimados e os seres vivos não é absoluto; é medido por meio
da preocupação pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um
respeito religioso pela integridade da criação.
2416 Os animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude
providencial[a23] . Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória. Também os
homens lhes devem carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como S. Francisco de
Assis ou S. Filipe de Neri, tratavam os animais.
2417 Deus confiou os animais à administração daquele que criou à sua imagem. E,
portanto, legitimo servir-se dos animais para a alimentação e a confecção das vestes. Podem ser
domesticados, para ajudar o homem em seus trabalhos e lazeres. Os experimentos médicos e
científicos em animais são práticas moralmente admissíveis, se permanecerem dentro dos limites
razoáveis e contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.
2418 É contrário à dignidade humana, fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar
suas vidas. E igualmente indigno gastar com eles o que deveria prioritariamente aliviar a miséria
dos homens. Pode-se amar os animais, porém não se deve orientar para eles o afeto devido
exclusivamente às pessoas.
III. A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
2419 "A revelação cristã leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social."
A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre
sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade
própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de
acordo com a sabedoria divina.
2420 A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os
direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas". Na ordem da moralidade, tem uma
missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos
temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura
inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas.
2421 A doutrina social da Igreja se desenvolveu no século XIX, por ocasião do encontro do
Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens
de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas
de trabalho e de propriedade. o desenvolvimento da doutrina da Igreja, em matéria econômica
e social, atesta valor o permanente do ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, o sentido
verdadeiro de sua Tradição sempre viva e ativa.
2422 O ensinamento social da Igreja abrange um corpo de doutrina na que se articula à
medida que a Igreja interpreta os acontecimentos ao longo da história, à luz do conjunto da
palavra revelada por Jesus Cristo, com a assistência do Espírito Santo. Este ensinamento se torna
mais aceitável aos homens de boa vontade quanto mais profundamente inspira a conduta dos
fiéis.2423 A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão apresenta critérios de juízo,
orienta para a ação. Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente
determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus
atos.
2424 Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade
econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de
produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a
ordem social. Um sistema que "sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à
organização coletiva da produção" é contrário à dignidade do homem. Toda prática que reduz
as pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem,
conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. "Não podeis servir ao mesmo
tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc 16,13).
2425 A Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos
modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo”. Além disso, na prática do "capitalismo", ela
recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano[a40]
. A regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado perverte
na base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a
justiça social, "pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado".
É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas econômicas,
de acordo com uma justa hierarquia de valores e em vista do bem comum.
IV. A ATIVIDADE ECONÔMICA E A JUSTIÇA SOCIAL
2426 O desenvolvimento das atividades econômicas e o crescimento da produção estão
destinados a servir às necessidades dos seres humanos. A vida econômica não visa somente
multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; antes de tudo, ela está ordenada
ao serviço das pessoas, do homem em sua totalidade e de toda a comunidade humana.
Conduzida segundo seus métodos próprios, a atividade econômica deve ser exercida dentro dos
limites da ordem moral, segundo a justiça social, a fim de corresponder ao plano de Deus acerca
do homem.
2427 O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de
Deus e chamadas a prolongar, ajudando-se mutuamente, a obra da criação, dominando a
terra. O trabalho é, pois, um dever: "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2Ts
3,10. ). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor.
Suportando a pena . do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário,
o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus em sua obra redentora. Mostra-se
discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar[a48] . O
trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito
de Cristo.
2428 No trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capacidades inscritas em
sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e
destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho. Cada um deve
poder tirar do trabalho os meios para sustentar-se, a si e aos seus, bem como para prestar serviço
à comunidade humana.
2429 Cada um tem o direito de iniciativa econômica, cada um usará legitimamente de
seus talentos para contribuir para uma abundância que seja de proveito para todos e para
colher os justos frutos de seus esforços. Cuidará de seguir as prescrições emanadas das
autoridades legitimas, tendo em vista o bem comum.
2430 A vida econômica abrange interesses diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim
se explica o surgimento dos conflitos que a caracterizam. Deve haver empenho no sentido de
minimiza estes últimos pela negociação que respeite os direitos e os deveres de cada parceiro social: os responsáveis pelas empresas, os representantes dos assalariados, por exemplo, as
organizações sindicais e, eventualmente, os poderes públicos.
2431 A responsabilidade do Estado. "A atividade econômica, sobretudo a da economia
de mercado, não pode desenvolver-se num vazio institucional, jurídico e político. Ela supõe que
sejam asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem esquecer uma
moeda estável e serviços públicos eficazes. O dever essencial do Estado, no entanto, é assegurar
essas garantias, para que aqueles que trabalham possam gozar do fruto de seu trabalho e,
portanto, sentir-se estimulados a realizá-lo com eficácia e honestidade... O Estado tem o dever
de vigiar e conduzir a aplicação dos direitos humanos no setor econômico; nessa esfera, porém,
a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas às instituições e aos diversos grupos e
associações que compõem a sociedade.”
2432 Os responsáveis pelas empresas têm, perante a sociedade a responsabilidade
econômica e ecológica por suas operações. Têm o dever de considerar o bem das pessoas e
não apenas aumento dos lucros. Entretanto, estes são necessários, pois permitem realizar os
investimentos que garantem o futuro das empresas, garantindo o emprego.
2433 O acesso ao trabalho e à profissão deve estar aberto a todos, sem discriminação
injusta: homens e mulheres, normais e excepcionais ou deficientes, autóctones e migrantes. Em
função das circunstâncias, também a sociedade deve ajudar os cidadãos a conseguir um
trabalho e um emprego.
2434 O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo pode constituir uma
grave injustiça. Para se avaliar a remuneração eqüitativa, e preciso levar em conta ao mesmo
tempo as necessidades e as contribuições de cada um. "Levando-se em consideração as
funções e a produtividade, a situação da empresa e o bem comum, a remuneração do trabalho
deve garantir ao homem e a seus familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano
material, social, cultural e espiritual.” O acordo das partes não é suficiente para justificar
moralmente o montante do salário.
2435 A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e
mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável
quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não
diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.
2436 E injusto não pagar aos organismos de seguridade social as cotas estipuladas pelas
autoridades legítimas. A privação do trabalho por causa do desemprego é quase sempre, para
quem a sofre, um atentado à dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Além do prejuízo
pessoal para o desempregado, corre também inúmeros riscos o seu 1ar.
V. JUSTIÇA E SOLIDARIEDADE ENTRE AS NAÇÕES
2437 No plano internacional, a desigualdade dos recursos e dos meios econômicos é tão
grande que provoca entre as nações um verdadeiro "fosso". De um lado, estão os que detêm e
desenvolvem os meios de crescimento e, de outro, os que acumulam as dívidas.
2438 Diversas causas, de natureza religiosa, política, econômica e financeira, conferem
hoje a questão social uma dimensão mundial". A solidariedade é necessária entre as nações
cujas políticas já são interdependentes. E ainda mais indispensável quando se toma preciso deter
"os mecanismos perversos" que impedem o desenvolvimento dos países menos avançados[. Urge
substituir os sistemas financeiros abusivos e mesmo usurários, as relações comerciais iníquas entre
as nações e a corrida armamentista por um esforço comum no sentido de mobilizar os recursos e
objetivos de desenvolvimento moral, cultural e econômico, "redefinindo as prioridades e as
escalas de valores".
2439 As nações ricas têm uma responsabilidade moral grave para com aquelas que não
podem garantir sozinhas os próprios meios de seu desenvolvimento ou foram impedidas de fazê-
lo por trágicos acontecimentos históricos. E um dever de solidariedade e caridade; é igualmente uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provém de recursos naturais não
foram eqüitativamente pagos.
2440 A ajuda direta representa uma resposta apropriada a necessidades imediatas,
extraordinárias, causadas por catástrofes naturais, epidemias etc., mas não basta para reparar os
graves prejuízos que resultam de situações de miséria nem para prover permanentemente às
necessidades. É necessário também reformar as instituições econômicas e financeiras
internacionais, para que elas promovam melhor as relações eqüitativas com os países menos
desenvolvidos. E preciso apoiar o esforço dos países pobres trabalhando para seu
desenvolvimento e libertação. Esta doutrina deve ser aplicada de maneira muito especial no
âmbito do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo dos países menos desenvolvidos,
constituem a massa preponderante dos pobres.
2441 Aumentar o senso de Deus e o conhecimento de si mesmo é a base de todo
desenvolvimento completo da sociedade humana. Este desenvolvimento completo multiplica os
bens materiais e os põe a serviço da pessoa e de sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração
econômicas. Faz crescer o respeito pelas; identidades culturais e a abertura para a
transcendência.
2442 Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na
organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por
própria iniciativa com seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de
caminhos concretos. Terá sempre em vista o bem comum e se conformará com a mensagem
evangélica e com a doutrina da Igreja. Cabe aos fiéis leigos "animar as realidades temporais
com um zelo cristão e comportar-se como artesãos da paz e da justiça".
VI . O AMOR AOS POBRES
2443 Deus abençoa aqueles que ajudam os pobres e reprova aqueles que se afastam
deles: "Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado" (Mt 5,42). "De
graça recebestes, de graça dai" (Mt 10,8). Jesus Cristo reconhecerá seus eleitos pelo que tiverem
feito pelos pobres. Temos o sinal da presença de Cristo quando "os pobres são evangelizados" (Mt
11,53)
2444 "O amor da Igreja pelos pobres... faz parte de sua tradição constante." Inspira-se no
Evangelho das bem-aventuranças, na pobreza de Jesus e em sua atenção aos pobres. O amor
aos pobres é também um dos motivos do dever de trabalhar, "para se ter o que partilhar com
quem tiver necessidade. Não se estende apenas à pobreza material, mas também às numerosas
formas de pobreza cultural e religiosa.
2445 O amor aos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou o uso
egoísta delas: Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão
para vos sobrevir. Vossa riqueza apodreceu e vossas vestes estão carcomidas pelas traças. Vosso
ouro e vossa prata estão enferrujados, e sua ferrugem testemunhará contra vós e devorará
vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai-vos de que o salário,
do qual privastes os trabalhadores que ceifaram vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros
chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Viveste faustosamente na terra e vos regalastes;
vós vos saciastes no dia matança. Condenastes o justo e o pusestes à morte: ele não resiste (Tg
5,1-6).
2446 São João Crisóstomo lembra essa verdade em termos vigorosos: "Não deixar os
pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Nós não detemos nossos bens,
mas os deles." "É preciso satisfazer acima de tudo as exigências da justiça, para que não
ofereçamos como dom da caridade aquilo que já é devido por justiça." Quando damos aos
pobres as coisas indispensáveis, não praticamos com eles grande generosidade pessoal, mas
lhes devolvemos o que é deles. Cumprimos um dever de justiça e não tanto um ato de caridade.2447 As obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo
em suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de
misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de
misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a
quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e
prisioneiros, sepultar os mortos. Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é
um dos principais testemunhos da caridade fraterna. E também uma prática de justiça que
agrada a Deus. Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, quem tiver o que
comer, faça o mesmo (Lc 3,11). Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós (Lc
11,41). Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a
subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser "Ide paz, aquecei-vos e saciai-vos, e
não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso? (Tg 2, 15-16[a97] ).
2448 "Sob suas múltiplas formas - extrema privação material, opressão injusta,
enfermidades físicas e psíquicas e, por fim, a morte -, a miséria humana é o sinal manifesto da
condição natural da fraqueza em que o homem se encontra após o primeiro pecado e da
necessidade de uma salvação. É por isso que ela atrai a compaixão de Cristo Salvador, que quis
assumi-la sobre si, identificando-se com os 'mais pequeninos entre seus irmãos'. É também por isso
que todos aqueles que ela atinge são objeto de um amor preferencial por parte da Igreja, que,
desde as suas origens, apesar das falhas de muitos de seus membros, não deixou nunca de
trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los. Ela o faz por meio de inúmeras obras de
beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda parte, indispensáveis."
2449 Já no Antigo Testamento, todas as medidas jurídicas (ano de perdão, proibição de
empréstimo a juros e da manutenção de penhora, obrigação do dízimo, pagamento cotidiano
ao trabalhador diarista, direito de rebusca nas vinhas e respiga nos campos) são uma resposta à
exortação do Deuteronômio: "Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te
ordeno: abre a mão em favor de teu irmão que é humilhado e pobre em tua terra" (Dt 15,11).
Jesus faz suas essas palavras: "Sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis" (Jo
12,8). Dessa forma, ele não deixa caducar a veemência dos oráculos antigos contra aqueles que
"compram o fraco com prata e o indigente por um par de sandálias..." (Am 8,6), mas Ele nos
convida a reconhecer sua presença nos pobres, que são seus irmãos: No dia em que sua mãe a
repreendeu por manter em casa pobres e doentes, Santa Rosa de Lima lhe replicou: "Quando
servimos aos pobres e doentes, servimos a Jesus. Não nos devemos cansar de ajudar o próximo,
porque neles é a Jesus que servimos".
RESUMINDO
2450 "Não roubarás" (Dt 5,19). "Nem os ladrões, nem os avarentos... nem os rapinadores
herdarão o Reino de Deus" (1 Cor 6,10).
2451 O sétimo mandamento prescreve a prática da justiça e da caridade na
administração dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.
2452 Os bens da criação são destinados a todo o gênero humanos. O direito à
propriedade privada não abole a destinação universal dos bens.
2453 O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de
outrem contra a vontade razoável do proprietário;
2454 Toda forma de apropriação e uso injusto dos bens de outrem é contrária ao sétimo
mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do
bem roubado.
2455 A lei moral proíbe os atos que, visando a fins mercantis ou totalitários, conduzem à
servidão dos seres humanos, à sua compra, venda e troca como mercadorias.2456 O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais
do universo não pode ser separado do respeito às obrigações morais, inclusive para com as
gerações futuras.
2457 Os animais são confiados à administração do homem, que lhes deve
benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.
2458 A Igreja emite um juízo em matéria econômica e social quando os direitos
fundamentais da pessoa ou a salvação das almas exigem. Preocupa-se com o bem comum
temporal dos homens em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último.
2459 O próprio homem é o autor, o centro e o fim de toda a vida econômica e social. O
ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos de fato cheguem a
todos conforme a justiça e com a ajuda da caridade.
2460 O valor primordial do trabalho depende do próprio homem, que é seu autor e
destinatário. Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da criação. Unido a Cristo, o
trabalho pode ser redentor.
2461 O verdadeiro desenvolvimento abrange o homem inteiro. O que importa é fazer
crescer a capacidade de cada pessoa de responder à sua vocação, portanto, ao chamamento
de Deus.
2462 A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma
prática de justiça que agrada a Deus.
2463 Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto, sem terra, como não
reconhecer Lázaro, mendigo faminto da parábola? Como não ouvir Jesus, que diz: "Foi a mim
que o deixastes de fazer" (Mt 25,45)?
ARTIGO 8
O OITAVO MANDAMENTO
NÃO APRESENTARÁS UM FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO (EX 20,16).
Ouvistes também o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus
juramentos para com o Senhor (Mt 5,33).
2464 O oitavo mandamento proíbe falsear a verdade nas relações com os outros. Essa
prescrição moral decorre da vocação do povo santo a ser testemunha do; seu Deus, que é e
quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou atos, uma recusa de abraçar a
retidão moral: são infidelidades fundamentais a Deus e, neste sentido, minam as bases da
Aliança.
I. VIVER NA VERDADE
2465 O Antigo Testamento atesta: Deus é fonte de toda verdade. Sua Palavra é verdade.
Sua lei é verdade. "Sua fidelidade continua de geração em geração" (Sl 119,90). Uma vez que
Deus é "veraz" (Rm 3,4), os membros de seu Povo são chamados a viver na verdade.
2466 Em Jesus Cristo, a verdade de Deus se manifestou plenamente. "Cheio de graça e
verdade, Ele é a "luz do mundo" (Jo 8,12), é a Verdade.".. para que aquele que crê em mim não
permaneça nas trevas." O discípulo de Jesus "permanece em sua palavra" para conhecer "a
verdade que liberta" (Jo 8,32) e santifica. Seguir a Jesus é viver do "Espírito da verdade" que o Pai
envia em seu nome e conduz "à verdade plena" (Jo 16,13). Jesus ensina a seus discípulos o amor
incondicional da verdade: "Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não" (Mt 5,37).2467 O homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a honrá-la e testemunhá-
la: "É postulado da própria dignidade que os homens todos, por serem pessoas... se sintam por
natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne à
religião. São obrigados também a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda a vida segundo
as exigências da verdade"
2468 A verdade como retidão do agir e da palavra humana tem o nome de veracidade,
sinceridade ou franqueza. A verdade ou a veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se
verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia.
2469 Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, quer
dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros." A virtude da verdade devolve ao outro o
que lhe é devido. A veracidade observa um justo meio entre aquilo que deve ser expresso e o
segredo que deve ser guardado; implica a honestidade e a discrição. Por justiça, "um homem
deve honestamente a outro a manifestação da verdade".
2470 O discípulo de Cristo aceita "viver na verdade", isto é, na simplicidade de uma vida
conforme o exemplo do Senhor permanecendo em sua verdade. "Se dissermos que estamos em
comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade" (1 Jo 1,6).
II. "DAR TESTEMUNHO DA VERDADE"
2471 Diante de Pilatos, Cristo proclama que "veio ao mundo para dar testemunho da
verdade" O cristão não "se envergonha de dar testemunho do Senhor" (2 Tm 1,8). Nas situações
que requerem a declaração da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, a exemplo de S.
Paulo diante de seus juizes. Ele deve manter "uma consciência irrepreensível, constantemente,
diante de Deus e diante dos homens" (At 24,16).
2472 O dever dos cristãos de tomar parte na vida da Igreja leva-os a agir como
testemunhas do Evangelho e das obrigações dele decorrentes. Esse testemunho é transmissão da
fé em palavras e atos. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou dá a conhecer a
verdade: Todos os cristãos, onde quer que vivam, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da
palavra, devem manifestar o novo homem que pelo Batismo vestiram e a virtude do Espírito
Santo que os revigorou pela confirmação.
2473 O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um
testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual
está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a
morte num ato de fortaleza. "Deixai-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido
chegar até Deus."
2474 Com o maior cuidado, a Igreja recolheu as lembranças daqueles que foram até o
fim para testemunhar a fé. São as "Atas dos Mártires" (Acta Martyrum). Constituem os arquivos da
Verdade escritos em letras de sangue: De nada me servirão os encantos do mundo e dos remos
deste século. Melhor para mim é morrer (para me unir) a Cristo Jesus do que reinar até as
extremidades da terra. É a Ele, que morreu por nós, que eu procuro; é a Ele, que ressuscitou por
nós, que eu quero. Aproxima-se o momento em que serei gerado... .
Eu vos bendigo por me terdes julgado digno desse dia e dessa hora, digno de ser contado
no número dos vossos mártires... Guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade.
Por essa graça e por todas as coisas, eu vos louvo, vos bendigo e vos glorifico pelo eterno e
celeste sumo sacerdote, Jesus Cristo vosso Filho bem-amado. Por Ele, que está convosco e com o
Espírito, vos seja dada glória, agora e por todos os séculos. Amém.
III. AS OFENSAS À VERDADE2475 Os discípulos de Cristo "revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus, na
justiça e santidade da verdade" (Ef 4,24). "Livres da mentira" (Ef 4,25), devem "rejeitar toda
maldade, toda mentira, todas as formas de hipocrisia, de inveja c maledicência" (l Pd 2,1).
2476 Falso testemunho e perjúrio. Quando emitida publicamente, uma afirmação
contrária à verdade assume uma gravidade particular. Diante de um tribunal, torna-se um falso
testemunho[a30] . Quando está sob juramento, trata-se de perjúrio. Essas formas de agir
contribuem para condenar um inocente para inocentar um culpado ou para aumentar a
sanção em que incorre o acusado. Elas comprometem gravemente exercício da justiça e a
eqüidade da sentença pronunciada pelos juizes.
2477 O respeito à reputação das pessoas proíbe qualquer atitude e palavra capazes de
causar um prejuízo injusto. Torna-se culpado:
ü de juízo temerário aquele que, mesmo tacitamente, admite como verdadeiro, sem
fundamento suficiente, um defeito moral no próximo.
ü de maledicência aquele que, sem razão objetivamente válida, revela a pessoas que
não sabem os defeitos e faltas de outros.
ü de calúnia aquele que, por palavras contrárias à verdade, prejudica a reputação dos
outros e dá ocasião a falsos juízos a respeito deles.
2478 Para evitar o juízo temerário, todos hão de cuidar de interpretar de modo favorável
tanto quanto possível os pensamentos, as palavras e as ações do próximo. Todo bom cristão
deve estar mais inclinado a desculpar as palavras do próximo do que a condená-las. Se não é
possível desculpá-las, deve-se perguntar-lhe como as entende; e se ele as entende mal, que seja
corrigido com amor; e, se isso não bastar, que se procurem todos os meios apropriados para que,
compreendendo-as corretamente, se salve.
2479 Maledicência e calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra
é o testemunho social prestado à dignidade humana. Todos gozam de um direito natural à honra
do próprio nome, à sua reputação e ao seu respeito. Dessa forma, a maledicência e a calúnia
ferem as virtudes da justiça e da caridade.
2480 Deve-se proscrever qualquer palavra ou atitude que, por bajulação, adulação ou
complacência, encoraje e confirme o outro na malícia de seus atos e na perversidade de sua
conduta. A adulação é uma falta grave quando cúmplice de vícios ou de pecados graves. O
desejo de prestar serviço ou a amizade não justificam uma duplicidade da linguagem. A
adulação é um pecado venial quando deseja somente ser agradável, evitar um mal, remediar
uma necessidade, obter vantagens legítimas.
2481 A jactância ou fanfarronice constitui uma falta contra a verdade. O mesmo vale
para a ironia, que visa depreciar alguém caricaturando, de modo malévolo, um ou outro
aspecto de seu comportamento.
2482 "A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar." O Senhor
denuncia na mentira uma obra diabólica: "Vós sois do diabo, vosso pai, . . nele não há verdade:
quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,44).
2483 A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contra a verdade
para induzir em erro. Ferindo a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira
ofende a relação fundante do homem e de sua palavra com o Senhor.
2484 A gravidade da mentira se mede segundo a natureza da verdade que ela
deforma, de acordo com as circunstâncias, as intenções daquele que a comete, os prejuízos
sofridos por aqueles que são suas vítimas. Embora a mentira, em si, não constitua senão um
pecado venial, torna-se mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade.
2485 A mentira é condenável em sua natureza. E uma profanação da palavra que tem
por finalidade comunicar a outros a verdade conhecida. O propósito deliberado de induzir o
próximo em por palavras contrárias à verdade constitui uma falta à justiça e à caridade. A culpabilidade é maior quando a intenção de enganar acarreta o risco de conseqüências
funestas para aqueles são desviados da verdade.
2486 A mentira (por ser uma violação da virtude da veracidade) é uma verdadeira
violência feita ao outro porque o fere em sua capacidade de conhecer, que é a condição de
todo juízo e de decisão. Contém em germe a divisão dos espíritos e todos os males que ela
suscita. A mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os homens e rompe
o tecido das relações sociais.
2487 Toda falta cometida contra a justiça e a verdade impõe o dever de reparação,
mesmo que seu autor tenha sido perdoado. Quando se toma impossível reparar um erro
publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não pode ser
diretamente indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moralmente, em nome da caridade. Esse
dever de reparação se refere também às faltas cometidas contra a reputação de outrem. Essa
reparação, moral e às vezes material, será avaliada na proporção do dano causado e obriga
em consciência.
IV. O RESPEITO À VERDADE
2488 O direito à comunicação da verdade não é incondicional. Cada um deve
conformar sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno. Este requer, nas situações
concretas, que se avalie se é conveniente ou não revelar a verdade àquele que a pede.
2489 A caridade e o respeito à verdade devem ditar a resposta a todo pedido de
informação ou de comunicação. O bem e a segurança do outro, o respeito à vida privada, o
bem comum são razões suficientes para se calar aquilo que não deve ser conhecido ou para se
usar uma linguagem discreta. O dever de evitar o escândalo impõe muitas vezes uma estrita
discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de conhecê-La .
2490 O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser traído sob
nenhum pretexto. "O sigilo sacramental é inviolável; por isso, não é lícito ao confessor revelar o
penitente, com palavras, ou de qualquer outro modo, por nenhuma causa."
2491 Os segredos profissionais por exemplo, de políticos, militares, médicos, juristas ou as
confidências feitas sob sigilo devem ser guardados, salvo casos excepcionais em que a retenção
do segredo causasse àquele que os confia, àquele que os recebe ou a um terceiro prejuízos
muito graves e somente evitáveis pela divulgação da verdade. Ainda que não tenham sido
confiadas sob sigilo, as informações privadas prejudiciais a outros não podem ser divulgadas sem
uma razão grave e proporcionada.
2492 Cada um deve manter a justa reserva acerca da vida privada das pessoas. Os
responsáveis pela comunicação devem manter uma justa proporção entre as exigências do
bem comum e o respeito dos direitos particulares. A ingerência da informação na vida privada
de pessoas comprometidas numa atividade política ou pública é condenável na medida em
que ela viola sua intimidade e liberdade.
V. O USO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
2493 Na sociedade moderna, os meios de comunicação social exercem um papel
primordial na informação, na promoção cultural e na formação. O papel cresce em razão dos
avanços técnicos, com a amplitude e a diversidade das notícias transmitidas, com a influência
exercida sobre a opinião pública.
2494 A informação dos meios de comunicação social está a serviço do bem comum. A
sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a liberdade, a justiça e a
solidariedade:
O correto exercício desse direito exige que a comunicação seja, quanto ao objeto,
sempre verídica e completa, dentro do respeito às exigências da justiça e da caridade; que ela seja, quanto ao modo, honesta e conveniente, quer dizer, que na aquisição e difusão das
notícias observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem.
2495 "É indispensável que todos os membros da sociedade cumpram também neste
particular os deveres de justiça e verdade. Hão de empregar os meios de comunicação social a
fim de cooperar para a formação e a difusão da reta opinião pública." A solidariedade aparece
como conseqüência de uma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das idéias
que favoreçam o conhecimento e o respeito aos outros.
2496 Os meios de comunicação social (especialmente a mídia) podem gerar certa
passividade entre os usuários, tornando-os consumidores pouco criteriosos a respeito das
mensagens e dos espetáculos, Os usuários hão de se impor moderação e disciplina quanto à
mídia. Hão de formar em si uma consciência esclarecida e correta, para resistir mais facilmente
às influências menos honestas.
2497 Os responsáveis pela imprensa, exatamente por sua profissão têm o dever, na
difusão da informação, de servir à verdade e não ofender a caridade. Hão de se esforçar por
respeitar, com igual cuidado, a natureza dos fatos e os limites do juízo crítico a respeito dai
pessoas. Devem evitar ceder à difamação.
2498 "Cabem às autoridades civis deveres especiais em razão do bem comum. Os
poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação."
Publicando leis e cuidando de sua aplicação, os poderes públicos cuidarão para que o mau uso
dos meios de comunicação não "cause graves prejuízos aos costumes públicos aos progressos da
sociedade". Estabelecerão sanções contra a violação dos direitos de cada pessoa à reputação
e ao segredo da vida privada. Darão no momento oportuno e honestamente as informações
que dizem respeito ao bem comum e respondem às inquietações fundadas da população.
Nada pode justificar o recurso a falsas informações para se manipular a opinião pública pelos
meios de comunicação. Essas intervenções não ferirão a liberdade dos indivíduos e dos grupos.
2499 A moral denuncia o flagelo dos estados totalitários que falsificam sistematicamente a
verdade, exercem mediante os meios de comunicação uma dominação política da opinião,
"manipulam" os acusados e as testemunhas de processos públicos e imaginam assegurar sua
tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram "delitos de opinião".
VI. VERDADE, BELEZA E ARTE SACRA
2500 A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza
moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A
verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da
realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade
também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo
quando se trata de evocar o que ela contém de indizível, as profundezas do coração humano,
as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de
verdade, Deus se lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua
Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista descobrem ,
"a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação de seu Autor" (Sb
13,5), "pois foi a própria fonte da beleza que as criou" (Sb 13,3).
A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do TodoPoderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido
da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol,
supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à
noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua
formosura (Sb 8,2).
2501 "Criado à imagem de Deus", o homem exprime também a verdade de sua relação
com o Deus Criador pela beleza de suas obras artísticas. A arte de fato é uma forma deexpressão própria mente humana; acima da procura das necessidades vitais, com a todas as
criaturas vivas, ela é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Nascendo
de um talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é um forma de
sabedoria prática, que une conhecimento e perícia para dar forma à verdade de uma
realidade na linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança cor a
atividade de Deus na criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor das criaturas.
Como qualquer outra até atividade humana, a arte não tem um fim absoluto em si mesma mas
é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem.
2502 A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por sua forma, à sua
vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente de Deus,
beleza excelsa invisível de verdade e amor, revelada em Cristo, "resplendor de sua glória,
expressão de seu Ser" (Hb 1,3), em quem "habita corporalmente toda a plenitude da divindade"
(Cl 2,9), beleza espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, nos anjos santos. A
arte sacra verdadeira leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus Criador e
Salvador, Santo e Santificador.
2503 Por isso devem os bispos, por si ou por delegação, cuidar de promover a arte
sacra, antiga e nova, sob todas as formas, e afastar, com o me mo zelo religioso, da liturgia e dos
edifícios do culto, tudo o que não harmoniza com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte
sacra.
RESUMINDO
2504 "Não levantarás falso testemunho contra teu próximo" (Ex 20,16 Os discípulos de Cristo
"revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e santidade da verdade" (Ef
4,24).
2505 A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no
agir e no falar, fugindo da duplicidade, dê simulação e da hipocrisia.
2506 O cristão não deve "se envergonhar de dar testemunho de Nosso Senhor" (2Tm 1,8)
em atos e palavras. O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé.
2507 O respeito à reputação e à honra das pessoas proíbe toda atitude ou palavra de
maledicência ou calúnia.
2508 A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar o próximo.
2509 Toda falta cometida contra a verdade exige reparação.
2510 A regra de ouro ajuda a discernir, nas situações concretas, se convém ou não
revelar a verdade àquele que a pede.
2511 "O sigilo sacramental é inviolável. " Os segredos profissionais devem ser guardados. As
confidências prejudiciais a outros não devem ser divulgadas.
2512 A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e
na justiça. É conveniente que se imponham moderação e disciplina no uso dos meios de
comunicação social.
2513 As artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, "por natureza, exprimir de
alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e
sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de contribuir poderosamente
para encaminhar os corações humanos a Deus."
ARTIGO 9
O NONO MANDAMENTONão cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (Ex 20,17).
Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em
seu coração (Mt 5,28).
2514 São João distingue três espécies de cobiça ou concupiscência: a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Conforme a tradição catequética
católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; o décimo proíbe a
concupiscência dos bens alheios.
2515 No sentido etimológico, a "concupiscência" pode designar qualquer forma
veemente de desejo humano. A teologia cristã lhe deu o sentido particular de moção do apetite
sensível que se opõe aos ditames da razão humana. O Apóstolo Paulo a identifica com a revolta
que a carne provoca contra o “espírito”. Provém da desobediência do primeiro pecado.
Transtorna as faculdades morais do homem e, sem se pecado em si mesma, inclina-o a cometê-
lo.
2516 Já no homem, tratando-se de um ser composto, espírito corpo, existe certa tensão,
desenrola-se certa luta de tendência entre o "espírito" e a carne . Mas essa luta, de fato,
pertence à herança do pecado, é uma conseqüência dele e, ao mesmo tempo, uma
confirmação, e faz parte da experiência do combate espiritual: Para o Apóstolo, não se trata de
discriminar e condenar o corpo que, juntamente com a alma espiritual, constitui a natureza c
homem e sua subjetividade pessoal. Ele quis tratar sobretudo das obras, ou melhor, das
disposições estáveis virtudes vícios moralmente boas ou más, que são fruto da submissão (no
primeiro caso) ou, pelo contrário, de resistência (no segui do caso) à ação salvífica do Espírito
Santo. Por isso o Apóstolo escreve: "Se, portanto, vivemos pelo espírito, caminhemos também
segundo o espírito" (Gl 5,25).
I. A PURIFICAÇÃO DO CORAÇÃO
2517 O coração é a sede da personalidade moral: "É do coração que procedem más
intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações" (Mt
15,19). A luta contra a concupiscência da carne passa pela purificação do coração e a prática
da temperança:
Conserva-te na simplicidade, na inocência, e serás como a criancinhas, que ignoram o
mal destruidor da vida dos homens.
2518 A sexta bem-aventurança proclama: "Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus" (Mt 5,8). A expressão "puros de coração" designa aqueles que entregaram
o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus, principalmente em três campos:
a caridade, a castidade ou a retidão sexual, o amor à verdade e à ortodoxia da fé. Existe um
laço de união entre a pureza do coração, do corpo e da fé:
Os fiéis devem crer nos artigos do símbolo, "para que, crendo, obedeçam a Deus;
obedecendo, vivam corretamente; vivendo corretamente, purifiquem seu coração; e,
purificando o coração, compreendam o que crêem".
2519 Aos "puros de coração esta prometido ver a Deus face a face e ser semelhantes a
Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo
Deus, receber o outro como um "próximo"; permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o
do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.
II. A LUTA PELA PUREZA2520 O Batismo confere àquele que o recebe a graça da purificação de todos os
pecados. Mas o batizado deve continuar a lutar contra a concupiscência da carne e as cobiças
desordenadas. Com a graça de Deus, alcançará a pureza de coração:
ü pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um
coração reto e indiviso;
ü pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o fim verdadeiro do homem;
com uma atitude simples, o batizado procura encontrar e realizar a vontade de Deus em todas
as coisas;
ü pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentimentos e da
imaginação; pela recusa de toda complacência nos pensamentos impuros que tendem a
desviar do caminho dos mandamentos divinos: "A desperta a paixão dos insensatos" (Sb 15,5);
ü pela oração:
Eu julgava que a continência dependia de minhas próprias forças... forças que eu não
conhecia em mim. E eu era tão insensato que não sabia que ninguém pode ser continente, se
vos lho concedeis. E sem dúvida mo teríeis concedido, se com gemidos interiores vos ferisse os
ouvidos e, com firme fé, pusesse em vós minha preocupação.
2521 A pureza exige o pudor. Este é uma parte integrante da esperança. O pudor
preserva a intimidade da pessoa. Consiste na recusa de mostrar aquilo que deve ficar
escondido. Está ordenado castidade, exprimindo sua delicadeza. Orienta os olhares e os gestos
em conformidade com a dignidade das pessoas e de sua união.
2522 O pudor protege o mistério das pessoas e de seu amor. Convida à paciência e à
moderação na relação amorosa; pede que sejam cumpridas as condições da doação e do
compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira o modo de
vestir. Mantém o silêncio ou certa reserva quando se entrevê o risco de uma curiosidade malsã.
Torna-se discrição.
2523 Existe um pudor dos sentimentos, como existe o do corpo. O pudor, por exemplo,
protesta contra a exploração do corpo humano em função de uma curiosidade doentia (como
em certo tipo de publicidade), ou contra a solicitação de certos meios de comunicação ir longe
demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite
resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.
2524 As formas revestidas pelo pudor variam de uma cultura a outra. Em toda parte,
porém, ele permanece como o pressentimento de uma dignidade espiritual própria do homem.
O pudor nasce pelo despertar da consciência do sujeito. Ensinar o pudor a crianças e
adolescentes é despertá-los para o respeito à pessoa humana.
2525 A pureza cristã requer uma purificação do clima social. Exige dos meios de
comunicação social uma informação que não ofenda o respeito e a modéstia. A pureza do
coração liberta a pessoa do erotismo tão difuso e afasta-a dos espetáculos que favorecem o
“voyeurismo” e a ilusão.
2526 O que se costuma chamar permissividade dos costumes se apóia numa
concepção errônea da liberdade humana; para se edificar, esta última tem necessidade de se
deixar educar previamente pela lei moral. Convém exigir dos responsáveis pela educação que
dêem à juventude um ensino respeitoso da verdade, das qualidades do coração e da
dignidade moral e espiritual do homem.
2527 "A Boa Nova de Cristo restaura constantemente a vida e a cultura do homem
decaído, combate e remove os erros e os males decorrentes da sempre ameaçadora sedução
do pecado. Purifica e eleva incessantemente os costumes dos povos. Com as riquezas do alto
ela fecunda, como que por dentro, as qualidades do espírito e os dotes de cada povo e de
cada idade; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo."RESUMINDO
2528 "Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu
adultério com ela em seu coração" (Mt 5,28).
2529 O nono mandamento adverte contra a cobiça ou concupiscência carnal.
2530 A luta contra a cobiça carnal passa pela purificação do coração e pela prática
da temperança.
2531 A pureza do coração nos permitirá ver a Deus e nos permite desde já ver todas as
coisas segundo Deus.
2532 A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza da
intenção e do olhar.
2533 A pureza do coração exige o pudor, que é paciência, modéstia e discrição. O
pudor preserva a intimidade da pessoa.
ARTIGO 10
O DÉCIMO MANDAMENTO
NÃO COBIÇARÁS... COISA ALGUMA QUE PERTENÇA A TEU PRÓXIMO (EX 20,17).
Tu não desejarás para ti a casa de teu próximo, nem seu campo, nem seu escravo, nem
sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, qualquer coisa que pertença a teu próximo (Dt
5,21).
Onde está o teu tesouro, aí estará também teu coração (Mt 6,21).
2534 O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que se refere à
concupiscência da carne. Proíbe a cobiça dos bens dos outros, raiz do roubo, da rapina e da
fraude, que o sétimo mandamento proíbe. A "concupiscência dos olhos" (1 Jo 2,16) leva à
violência e à injustiça, proibidas pelo quinto preceito. A cupidez tem sua origem, como a
fornicação, na idolatria proibida nas três primeiras prescrições da 1ei. O décimo mandamento se
refere à intenção do intenção do coração e resume, junto com o nono, todos os preceitos da
Lei.
I. A DESORDEM DAS CONCUPISCÊNCIAS
2535 O apetite sensível nos faz desejar as coisas agradáveis que não temos. Por exemplo,
desejar comer quando temos fome, ou aquecer-nos quando estamos com frio. Esses desejos são
bons em si mesmos, mas muitas vezes não respeitam a medida da razão e nos levam a cobiçar
injustamente o que não nos cabe e pertence, ou é devido a outra pessoa.
2536 O décimo mandamento proíbe a avidez e o desejo de uma apropriação
desmedida dos bens terrenos; proíbe a cupidez desmedida nascida da paixão imoderada das
riquezas e de seu poder. Proíbe ainda o desejo de cometer uma injustiça pela qual se
prejudicaria o próximo em seus bens temporais:
Quando a Lei nos diz: "Não cobiçarás", ordena-nos, em outros termos, que afastemos
nossos desejos de tudo aquilo que não nos pertence. Pois a sede dos bens do próximo é imensa,
infinita e nunca saciada, como está escrito: "Quem ama o dinheiro nunca se de dinheiro" (Ecl
5,9).
2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo,
contanto que seja por meios justos. A catequese tradicional indica com realismo "aqueles que mais devem lutar contra suas concupiscências criminosas e, portanto, que e preciso "exortar o
mais possível à observância deste preceito": São os .. comerciantes que desejam a carestia ou os
preços excessivos das mercadorias, que vêem com pesar que não são os únicos a comprar e a
vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar ao preço mínimo; os que desejam que
seus semelhantes fiquem na miséria, para tirarem lucro, quer vendendo para eles, quer
comprando deles... Os médicos que desejam que haja doentes, os legistas que desejam causas
e processos importantes e numerosos....
2538 O décimo mandamento exige banir a inveja do coração humano. Quando o profeta
Natã quis estimular o arrependimento do rei Davi, contou-lhe a história do pobre que possuía
uma única ovelha, tratada como sua própria filha, e do rico que, apesar da multidão de seus
rebanhos, invejava o primeiro e acabou roubando-lhe a ovelha. A inveja pode levar às piores
ações. E pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo: Nós nos combatemos
mutuamente, e é a inveja que nos arma uns contra os outros... Se todos procuram por todos os
meios abalar o Corpo onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo...
Declaramo-nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras.
2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do
desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um grave mal ao
próximo, é um pecado mortal: Sto. Agostinho via na inveja "o pecado diabólico por excelência”.
"Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do
próximo e o desprazer causado por sua prosperidade."
2540 A inveja representa uma das formas de tristeza e, portanto, uma recusa da
caridade; o batizado lutará contra ela mediante a benevolência. A inveja provém muitas vezes
do orgulho o batizado se exercitará no caminho da humildade: Quereríeis ver Deus glorificado
por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos de vosso irmão e imediatamente Deus será
glorificado por vós. Deus será louvado dirão, porque seu servo soube vencer a inveja, colocando
alegria nos méritos dos outros.
II. OS DESEJOS DO ESPÍRITO
2541 A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens ambição e da inveja e
o inicia no desejo do Sumo Bem; instrui-o nos desejos do Espírito Santo, que sacia o coração do
homem. O Deus das promessas desde sempre advertiu o homem contra a sedução daquilo que,
desde as origens, aparece como "bom ao apetite, agradável aos olhos, desejável para adquirir
ciência" (cf. Gn 3,6).
2542 A Lei confiada a Israel jamais bastou para justificar aqueles que lhe eram sujeitos;
antes, tomou-se mesmo o instrumento da “cobiça[a45] ”. A inadequação entre o querer e o
fazer [a46] indica o conflito entre a lei de Deus, que é a "lei da razão", e outra lei, "que me
acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros" (Rm 7,23).
2543 "Agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus,
testemunhada pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo em
favor de todos os crêem" (Rm 3,21-22). Por isso os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas
paixões e concupiscências" (Gl 5,24); eles conduzidos pelo Espírito [a48] e seguem os desejos do
Espírito.
III . A POBREZA DE ORAÇÃO
2544 Jesus ordena a seus discípulos que O prefiram a tudo e dos e lhes propõe que
"renunciem a todos os bens" por causa dele e do Evangelho. Pouco antes de sua paixão, deulhes como exemplo a pobre viúva de Jerusalém que, de sua indigência, deu tudo o que possuía
para viver[a54] . O preceito do desprendimento das riquezas é obrigatório para se entrar no
Reino dos céus.2545 Todos os fiéis de Cristo "devem dirigir retamente seus afetos para que, por causa do
uso das coisas mundanas, por causa do apego às riquezas contra o espírito da pobreza
evangélica, não sejam impedidos de tender à perfeição da caridade".
2546 Bem-aventurados os pobres em espírito" (M t 5,3). As bem-aventuranças revelam uma
ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, a
quem já pertence o Reino[a58] : O Verbo chama "pobreza em espírito" â humildade voluntária
de um espírito humano e sua renúncia; o Apóstolo nos dá como exemplo a pobreza de Deus
quando diz: "Ele se fez pobre por nós" (2 Cor 8,9).
2547 O Senhor se queixa dos ricos porque encontram na profusão dos bens o seu consolo
(Lc 6,24). "O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito busca o Reino
dos Céus." O abandono nas mãos da Providência do Pai do Céu liberta da preocupação do
amanhã. A confiança em Deus predispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a
Deus.
IV. "QUERO VER A DEUS"
2548 O desejo da felicidade verdadeira liberta o homem do apego imoderado aos bens
deste mundo, (felicidade) que se realizará na visão e na bem-aventurança de Deus. "A promessa
de ver a Deus ultra-passa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que Vê
a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar.
2549 Ao povo santo de Deus resta lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que
Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam sua concupiscência
e superam, com a graça de Deus, as seduções do gozo e do poder.
2550 Por esse caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam aquele que os ouve à
comunhão perfeita com Deus. Aí haverá a verdadeira glória; ninguém será louvado então por
engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem,
nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois só quem é digno
será admitido. Aí reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à oposição nem de si
mesmo nem dos outros. Da virtude, o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e se
prometeu a si mesmo como a recompensa (para ela) melhor e maior que possa existir: "Eu serei o
seu Deus e eles serão o meu povo" (Lv 26,12)... É também o sentido das palavras do Apóstolo:
"Para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele
que contemplaremos sem fim, amaremos sem sociedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom,
essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos.
RESUMINDO
2551 "Onde está teu tesouro, aí estará teu coração" (Mt 6,21).
2552 O décimo mandamento proíbe a ambição desregrada, nascida paixão
imoderada das riquezas e de seu poder.
2553 A inveja é a tristeza sentida diante do bem de outrem e o desejo imoderado de
dele se apropriar. E um vício capital.
2554 O batizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo
abandono nas mãos da Providência divina.
2555 Os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas paixões concupiscências" (Gl
5,24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos dele.
2556 O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos Céus. "Bemaventurados os pobres de coração."
2557 Eis o verdadeiro desejo do homem: "Quero ver a Deus A sede de Deus é saciada
pela água da Vida Eterna.QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
PRIMEIRA SEÇÃO
A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ
2558 "Grande é o Mistério da fé." A Igreja o professa no Símbolo dos Apóstolos (Primeira
parte) e o celebra na Liturgia sacramental (Segunda parte), para que a vida dos fiéis seja
conforme a Cristo no Espírito Santo para a glória de Deus Pai (Terceira parte). Esse Mistério exige,
pois, que os fiéis nele creiam, celebrem-no e dele vivam numa relação viva e pessoal com o
Deus vivo e verdadeiro. Essa relação é a oração.
O QUE É A ORAÇÃO?
Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um
grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria.
A oração como dom de Deus
2559 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes[a3] . De onde falamos nós, ao rezar? Das alturas de nosso orgulho e vontade
própria, ou das "profundezas" (Sl 130,1) de um coração humilde e contrito? Quem se humilha será
exaltado. A humildade é o fundamento da oração. "Nem sabemos o que seja conveniente
pedir" (Rm 8,26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o
homem é um mendigo de Deus.
2560 "Se conhecesses o dom de Deus!" (Jo 4,10). A maravilha da oração se revela
justamente aí, à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao
encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar, e é Ele que pede de beber. Jesus tem
sede, seu pedido vem das profundezas do Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou
não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede
dele[a6] .
2561 "És tu que lhe pedirias e Ele te daria água viva" (Jo 4,10). Nossa oração de pedido é,
paradoxalmente, uma resposta. Resposta à queixa do Deus vivo: "Eles me abandonaram a mim a
fonte de água viva, para cavar para si cisternas furadas!" ( 2,13), resposta de fé à promessa
gratuita da salvação, resposta de amor à sede do Filho único.
A ORAÇÃO COMO ALIANÇA
2562 De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração
(gestos e palavras), é o homem todo quem reza. Mas, para designar o lugar de onde brota a
oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil
vezes). E o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vá.
2563 O coração é a casa em que estou, onde moro (segundo expressão semítica ou
bíblica: aonde eu "desço"). Ele é nosso centro escondido, inatingível pela razão e por outra
pessoa; só o Espírito de Deus pode sondá-lo e conhecê-lo. Ele é o lugar da decisão, no mais
profundo de nossas tendências psíquicas. E o lugar da verdade, onde escolhemos a vida ou a
morte. E o lugar do encontro, pois, à imagem de Deus, vivemos em relação; é o lugar da Aliança.
2564 A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É
ação de Deus e do homem; brota do Espírito Santo e de nós, totalmente dirigida para o Pai, em
união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.A ORAÇÃO COMO COMUNHÃO
2565 Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai
infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com o Espírito Santo. A graça do Reino é a
"união de toda a Santíssima Trindade com o espírito pleno”. A vida de oração desta forma
consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes Santo e em comunhão com Ele.
Esta comunhão de vida é sempre possível, porque, pelo Batismo, nos tomamos um mesmo ser
com Cristo. A oração é cristã enquanto comunhão com Cristo e cresce na Igreja que é seu
Corpo. Suas dimensões são as do Amor de Cristo.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO DA ORAÇÃO.
VOCAÇÃO UNIVERSAL Ã ORAÇÃO
2566 O homem está à procura de Deus. Pela criação, Deus chama todo ser do nada à
existência. "Coroado de glória e esplendor”, o homem é, depois dos anjos, capaz de reconhecer
que "é poderoso o Nome do Senhor em toda a terra”. Mesmo depois de ter perdido a
semelhança com Deus por seu pecado, o homem continua sendo um ser feito à imagem de seu
Criador. Conserva o desejo daquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham
essa procura essencial dos homens.
2567 Deus é o primeiro a chamar o homem. Ainda que o homem esqueça seu Criador
ou se esconda longe de sua Face, ainda que corra atrás de seus ídolos ou acuse a divindade de
tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro
misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a
atitude do homem é sempre resposta a esse amor fiel. A medida que Deus se revela e revela o
homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança. Por
meio das palavras e dos atos, esse drama envolve o coração e se revela através de toda a
história da salvação.
ARTIGO I
NO ANTIGO TESTAMENTO
2568 A revelação da oração no Antigo Testamento se insere entre a queda e a elevação
do homem, entre o chamado doloroso de Deus a seus primeiros filhos: "Onde estás?... Que
fizeste?" (Gn 3,9.13), e a resposta do Filho único ao entrar no mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó Deus,
para fazer a tua vontade[a20] ”. A oração, dessa forma, está ligada à história dos homens, é a
relação com Deus nos acontecimentos da história.
A CRIAÇÃO - FONTE DA ORAÇÃO
2569 É sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração. Os nove
primeiros capítulos do Gênesis descrevem essa relação com Deus como oferenda dos
primogênitos rebanho de Abel, como invocação do nome divino por Enós, como "caminhada
com Deus". A oferenda de Noé é "agradável" a Deus, que o abençoa e, por meio dele, abençoa
toda a criação, porque seu coração é justo e íntegro; também ele caminha com Deus" (Gn 6,9).
Essa qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões. Em sua
Aliança indefectível com os seres vivos, Deus sempre convida os homens a orar. Mas é sobretudo
a partir nosso pai Abraão que a oração é revelada no Antigo Testamento.
A PROMESSA E A ORAÇÃO DA FÉ2570 Assim que Deus o chama, Abraão parte, "como lhe disse o Senhor" (Gn 12,4); seu
coração se mostra "submisso à Palavra” ele obedece. A escuta do coração que se decide
segundo Deus é essencial à oração; as palavras lhe são relativas. Mas a oração de Abraão se
exprime primeiro por atos: como homem de silêncio, ele constrói, a cada etapa, um altar ao
Senhor. Somente mais tarde aparece sua primeira oração com palavras: uma queixa velada que
lembra a Deus suas promessas que parecem não se realizar. Desde o começo aparece assim um
dos aspectos do drama da oração: a provação da fé na fidelidade de Deus.
2571 Tendo acreditado em Deus, caminhando em sua presença e em aliança com ele, o
patriarca está disposto a acolher em sua tenda o hóspede misterioso: é a admirável
hospitalidade de Mambré, prelúdio da anunciação do verdadeiro Filho da Promessa. Por isso,
tendo-lhe Deus confiado seu plano, o coração de Abraão está sintonizado com a compaixão de
seu Senhor pelos homens, e ele ousa interceder por eles com audaciosa confiança.
2572 Como última purificação de sua fé, requer-se do "depositário das promessas" (Hb
11,17) que sacrifique o filho que Deus lhe dera. Sua fé não esmorece: "E Deus que proverá o
cordeiro para o holocausto" (Gn 22,8), "pois Deus, pensava ele, é capaz também de ressuscitar os
mortos" (Hb 11,19). Dessa forma, o pai dos que crêem se configurou ao Pai que não há de
poupar seu próprio Filho, mas o entregará por todos nós. A oração restaura o homem à
semelhança de Deus e o faz participar do poder do amor de Deus que salva a multidão.
2573 Deus renova sua promessa a Jacó, pai das doze tribos de Israel. Antes de enfrentar
seu irmão Esaú, ele luta uma noite inteira com "alguém" misterioso que se recusa a revelar-lhe o
nome, mas o abençoa antes de o deixar ao despontar da aurora. A tradição espiritual da Igreja
reteve dessa história o símbolo da oração como combate da fé e vitória da perseverança.
MOISÉS E A ORAÇÃO DO MEDIADOR
2574 Logo que começa a se realizar a Promessa (a Páscoa, o Êxodo, a entrega da Lei e a
conclusão da Aliança), a oração de Moisés é a figura surpreendente da oração de intercessão
que se realizará no “único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus" (1 Tm 2,5).
2575 Também aqui Deus vem primeiro. É Ele quem chama Moisés do meio da sarça
ardente. Esse acontecimento será sempre uma das figuras primordiais da oração na tradição
espiritual judaica e cristã. De fato, se "o Deus de Abraão, Isaac e Jacó" chama seu servo Moisés,
é porque Ele é o Deus Vivo que quer a vida dos homens. Ele se revela para salvá-los, mas não
sozinho, nem apesar deles; chama Moisés para enviá-lo, para associá-lo sua compaixão, à sua
obra de salvação. Há, por assim dizer, uma imploração divina nesta missão, e Moisés, depois de
longo debate, conformará sua vontade com a de Deus salvador. Mas, nesse diálogo em que
Deus se confia, Moisés também aprende a orar esquiva-se, objeta e principalmente pede. E é em
resposta a sei pedido que o Senhor lhe confia seu Nome inefável, que se revelará em seus
grandes feitos.
2576 "Deus falava com Moisés face a face, como um homem fala com outro" (Ex 33,11).
A oração de Moisés é típica da oração contemplativa graças à qual o servo de Deus é fiel à sua
missão. Moisés "conversa" muitas vezes e longamente com o Senhor, subindo à montanha para
ouvi-lo e implorá-lo, e descendo ao povo para lhe repetir as palavras de seu Deus e guiá-lo.
"Toda minha casa lhe está confiada. Falo-lhe face a face, claramente e não em enigmas" (Nm
12,7-8), pois "Moisés era um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na
terra" (Nm 12,3).
2577 Dessa intimidade com o Deus fiel, lento para a cólera e cheio de amor[a45] ,
Moisés tirou a força e a tenacidade de sua intercessão. Não ora por si, mas pelo povo que Deus
adquiriu. Já durante o combate com os amalecitas[a46] , ou para obter a cura de Míriam, Moisés
intercede. Mas é sobretudo depois da apostasia do povo que "ele se posta na brecha", diante
de Deus (Sl 106,23), para salvar o povo. Os argumentos de si oração (a intercessão também é um
combate misterioso) inspirarão a audácia dos grandes orantes do povo judeu e da Igreja: Deus é amor, por isso é justo e fiel; não se pode contradizer, deve lembrar-se de suas ações
maravilhosas, sua Glória está em jogo, não pode abandonar o povo que traz seu nome.
DAVI E A ORAÇÃO DO REI
2578 A oração do povo de Deus florescerá à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e, mais tarde, do Templo. São principalmente os guias do povo os pastores e os profetas -
que o ensinarão a orar. Samuel, menino, teve de aprender de sua mãe Ana como "se portar
diante do Senhor”, e do sacerdote Eli, como ouvir Sua Palavra: "Fala, Senhor, que teu servo ouve"
(1Sm 3,9-10). Mais tarde, também ele conhecerá o preço e o peso da intercessão: "Quanto a
mim, longe de mim esteja que eu venha a pecar contra o Senhor, deixando de orar por vós e de
vos mostrar o bem e o reto caminho" (1Sm 12,23).
2579 Davi é por excelência o rei "segundo o coração de Deus", o pastor que ora por seu
povo e em seu nome, aquele cuja submissão à vontade de Deus, cujo louvor e arrependimento
serão o modelo da oração do povo. Como ungido de Deus, sua oração é adesão fiel à
promessa divina, confiança cheia de amor e alegria naquele que é o único Rei e Senhor. Nos
Salmos, Davi, inspirado pelo Espírito Santo, é o primeiro profeta da oração judaica e cristã. A
oração de Cristo, verdadeiro Messias e filho de Davi, revelará e realizará o sentido dessa oração.
2580 O Templo de Jerusalém, a casa de oração que Davi queria construir, será a obra
de seu filho Salomão. A oração da Dedicação do Templo se apóia na Promessa de Deus e em
sua Aliança, na presença ativa de seu nome entre o povo e a lembrança dos grandes feitos do
Êxodo. O rei levanta então as mãos ao céu e suplica ao Senhor por si, por todo o povo, pelas
gerações futuras, pelo perdão dos pecados, pelas necessidades de cada dia, para que todas as
nações saibam que Ele é o único Deus e para que o coração de seu povo seja inteiramente
dele.
ELIAS, OS PROFETAS E A CONVERSÃO DO CORAÇÃO
2581 O Templo devia ser para o povo de Deus o lugar de sua educação à oração: as
peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oferenda da tarde, o incenso, os pães da "proposição",
todos esses sinais da Santidade e da Glória de Deus, Altíssimo e tão próximo, eram apelos e
caminhos da oração. Mas o ritualismo. arrastava muitas vezes o povo para um culto por demais
exterior. Faltava a educação da fé, a conversão do coração. Foi a missão dos profetas, antes e
depois do Exílio.
2582 Elias é o pai dos profetas, "da geração dos que procuram Deus, dos que buscam sua
face[a55] ”. Seu nome, "O Senhor é me Deus", anuncia o clamor do povo em resposta à sua
oração no monte Carmelo. S. Tiago nos remete a Elias para nos incitar à oração: "A oração
fervorosa do justo tem grande poder".
2583 Depois de ter aprendido a misericórdia em seu retiro á margem da torrente do Carit,
ensina à viúva de Sarepta a fé na palavra de Deus, fé que ele confirma por sua oração insistente:
Deus devolve à vida o filho da viúva. Por ocasião do sacrifício no monte Carmelo, prova decisiva
para a fé do povo de Deus, foi por sua súplica que o fogo do Senhor consumiu o holocausto, "na
hora em que se apresenta a oferenda da tarde": "Responde-me, Senhor, responde-me!", são as
mesmas palavras de Elias que as Liturgias orientais repetem na Epiclese eucarística[a60] . Por fim,
retomando o caminho do deserto para o lugar em que o Deus vivo e verdadeiro se revelou a seu
povo, Elias se escondeu, como Moisés, "na fenda do rochedo", até que "passasse" a Presença
misteriosa de Deus. Mas somente na montanha da Transfiguração se revelará Aquele cuja Face
buscam; o conhecimento da Glória de Deus está na face Cristo crucificado e ressuscitado.
2584 No "face a face" com Deus, os profetas haurem luz e força para sua missão. Sua
oração não é uma fuga do mundo infiel, mas uma escuta da Palavra de Deus, às vezes um
debate ou uma queixa, sempre uma intercessão que aguarda e prepara a intervenção do Deus
salvador, Senhor da história.OS SALMOS, ORAÇÃO DA ASSEMBLÉIA
2585 Desde Davi até a vinda do Messias, os Livros Sagrados contêm textos de oração que
atestam o aprofundamento cada vez maior da oração por si mesmo e pelos outros. Os salmos
foram pouco a pouco reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou "Louvores"), obraprima da oração no Antigo Testamento.
2586 Os Salmos alimentam e exprimem a oração do povo de Deus como assembléia, por
ocasião das grandes festas em Jerusalém e cada sábado nas sinagogas. Esta oração é
inseparavelmente pessoal e comunitária; refere-se aos que oram e a todos os homens; sobe da
Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abrange toda a criação; lembra os
acontecimentos salvíficos do passado e se estende até a consumação da história; recorda as
promessas de Deus já realizadas e aguarda o Messias que as realizará definitivamente. Rezados e
realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja.
2587 O Saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos
outros livros do Antigo Testamento, as palavras proclamam as obras" (de Deus em favor dos
homens) "e elucidam o mistério nelas contido”. No Saltério, as palavras do salmista exprimem,
cantando-as a Deus, suas obras de salvação. O mesmo Espírito inspira a obra de Deus e a
resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. Nele, os salmos nos ensinam continuamente a orar.
2588 As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma tanto na liturgia do
Templo como no coração do homem. Quer se trate de um hino, de uma oração de aflição ou
de ação de graças, de uma súplica individual ou comunitária, de canto de aclamação ao rei ou
de um cântico de peregrinação, ou ainda de uma meditação sapiencial, os Salmos são o
espelho das maravilhas de Deus na história de seu povo e das situações humanas vividas pelo
salmista. Um Salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade tão
grande que pode ser rezado na verdade pelos homens de qualquer condição e em qualquer
tempo.
2589 Os Salmos são marcados por características constantes: a simplicidade e a
espontaneidade da oração, o desejo do próprio Deus através de e com tudo o que é bom em
sua criação, a situação desconfortável do crente que, em seu amor preferencial ao Senhor, está
exposto a uma multidão de inimigos e tentações e, na expectativa do que fará o Deus fiel, a
certeza de seu amor e a entrega à sua vontade. A oração dos Salmos é sempre motivada pelo
louvor, e por isso o título desta coletânea convém perfeitamente ao que ela nos oferece: "Os
Louvores". Feita para o culto da Assembléia, ela anuncia o convite à oração e canta-lhe a
resposta: "Hallelu-Ya"! (Aleluia), "Louvai o Senhor"!
Haverá algo melhor do que um Salmo? É por isso que Davi diz muito acertadamente:
"Louvai o Senhor, pois o Salmo é uma coisa boa: a nosso Deus, louvor suave e belo!" E é verdade.
Pois o Salmo é bênção pronunciada pelo povo, louvor de f pela assembléia, aplauso de todos,
palavra dita pelo universo voz da Igreja, melodiosa profissão de fé..
RESUMINDO
2590 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes[a74] .”
2591 Deus chama incansavelmente toda pessoa ao encontro misterioso com Ele. A
oração acompanha toda a história da salvação como um apelo recíproco entre Deus e o
homem.
2592 A oração de Abraão e de Jacó se apresenta como um combate da fé apoiada
na confiança na fidelidade de Deus e na certeza da vitória prometida à perseverança.
2593 A oração de Moisés responde à iniciativa do Deus vivo para a salvação de seu
povo. Prefigura a oração de intercessão do único mediador, Jesus Cristo.2594 A oração do povo de Deus floresce à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e do Templo, sob a direção dos pastores, principalmente do rei Davi, e dos profetas.
2595 Os profetas chamam à conversão do coração e, buscando ardentemente a face
de Deus, como Elias, intercedem pelo povo.
2596 Os Salmos constituem a obra-prima da oração no Antigo Testamento. Apresentam
dois componentes inseparáveis; o pessoal e o comunitário. Estendem-se a todas as dimensões da
história, comemorando as promessas de Deus já realizadas e esperando a vinda do Messias.
2597 Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são um elemento essencial e
permanente da oração de sua Igreja e são adequados aos homens de qualquer condição e
tempo.
ARTIGO 2
NA PLENITUDE DO TEMPO
2598 O evento da oração nos é plenamente revelado no Verbo que se fez carne e habita
entre nós. Procurar compreender sua oração, por meio daquilo que suas testemunhas nos
anunciam dela no Evangelho, é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça ardente:
primeiro contemplá-lo na oração, depois ouvir como Ele nos ensina a orar, para conhecer, enfim,
como Ele atende nossa prece.
JESUS ORA
2599 O [§75] Filho de Deus que se tomou Filho da Virgem aprendeu também a rezar
segundo seu coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com sua mãe, que
conservava e meditava em seu coração todas as "grandes coisas" feitas pelo TodoPoderoso[a76] . Aprendeu nas palavras e ritmos da oração de seu povo, na sinagoga de Nazaré
e no Templo. Mas sua oração brota de uma fonte bastante secreta, como deixa prever com a
idade de doze anos: "Eu devo estar na casa de meu Pai" (Lc 2,49). Aqui começa a se revelar a
novidade da oração na plenitude dos tempos: a oração filial, que o Pai esperava de seus filhos,
será enfim vivida pelo próprio Filho único em sua humanidade, com os homens e para os
homens.
2600 O [§77] Evangelho segundo S. Lucas destaca a ação do Espírito Santo e o sentido
da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos decisivos de sua missão: antes
de o Pai dar testemunho dele por ocasião do Batismo [a78] e da Transfiguração [a79] e antes de
realizar por sua Paixão o plano de amor do Pai[a80] . Ora também antes dos momentos decisivos
que darão início à missão dos Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze[a81] , antes que
Pedro o confesse como "Cristo de Deus [a82] e para que a fé do chefe dos Apóstolos não
desfaleça na tentação[a83] . A oração de Jesus antes das ações salvíficas que realiza a pedido
do Pai é uma entrega, humilde e confiante, de sua vontade humana à vontade amorosa do Pai.
2601 "Estando [§84] em certo lugar, orando, ao terminar, um de se discípulos pediu-lhe:
Senhor, ensina-nos a orar" (Lc 11,1). Não é antes de tudo contemplando seu mestre a orar que o
discípulo de Cristo deseja orar? Pode então aprender a orar que o Mestre da oração. É
contemplando e ouvindo o Filho que filhos aprendem a orar ao Pai.
2602 Jesus [§85] muitas vezes se retira, na solidão, na montanha, de preferência à noite,
para orar[a86] . Em sua oração, leva consigo os homens, pois, assumindo a humanidade em sua
Encarnação, oferece-os ao Pai, oferecendo-se a si mesmo. Ele, o Verbo que "assumiu a carne",
em sua oração humana participa de tudo o que vivem "seus irmãos[a87] "; Ele se compadece de
fraquezas para livrá-los delas[a88] . Foi para isso que o Pai o enviou. Suas palavras e obras
aparecem então como a manifestação visível de sua oração "em segredo".2603 De [§89] Cristo, durante seu ministério, os evangelistas conservaram duas orações
mais explícitas, que começam ambas com uma ação de graças. Na primeira[a90] , Jesus
glorifica o Pai, agradece-lhe e o bendiz porque escondeu os mistérios do Reino aos que se julgam
doutos e revelou-os aos "pequeninos" (os pobres das Bem--aventuranças). Sua exclamação
emocionada, "Sim, Pai!", exprime o fundo de seu coração, sua adesão ao "beneplácito" do Pai,
como num eco ao "Fiat" de Sua Mãe em sua concepção e como prelúdio àquele sim que dirá
ao Pai em sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa de seu coração de
homem ao "mistério da vontade" do Pai[a91] .
2604 A [§92] segunda oração é referida por São João [a93] antes da ressurreição de
Lázaro. A ação de graças precede o acontecimento: "Pai, eu te dou graças por me teres
ouvido", o que implica que o Pai escuta sempre seu pedido, e Jesus logo acrescenta: "Eu sabia
que sempre me ouves". Isso implica que, de sua parte, Jesus pede de modo constante. Dessa
forma, motivada pela ação de graças, a oração de Jesus nos revela como pedir: Antes que o
dom seja feito, Jesus adere Àquele que nos dá seus dons. O Doador é mais precioso do que o
dom concedido, Ele é o "Tesouro", e nele é que está o coração de seu Filho; o dom é dado "por
acréscimo[a94] ”.
A oração "sacerdotal" de Jesus [a95] ocupa um lugar único na economia da salvação.
Será meditada no final da primeira seção. Revela com efeito a oração sempre atual de nosso
Sumo Sacerdote e, ao mesmo tempo, contém o que Ele nos ensina em nossa oração a nosso Pai,
que será desenvolvida na segunda seção.
2605 Ao [§96] chegar a Hora de realizar o plano de amor do Pai, Jesus deixa entrever a
profundidade insondável de sua oração filial, não apenas antes de se entregar livremente
("Abba... não seja feita a minha vontade, mas a tua": Lc 22,42), mas também em suas últimas
palavras na Cruz, quando orar e entregar-se são um só e mesmo ato: "Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem” (Lc 23,34); "Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo Paraíso"
(Lc 23,43); "Mulher, eis aí teu filho"; "Eis tua mãe" (Jo 19,26-27); "Tenho sede!" (Jo 19,28); "Meu Deus,
por que me abandonaste[a97] ?”; "Tudo está consumado" (Jo 19,30); "Pai, c tuas mãos entrego
meu espírito" (Lc 23,46), até aquele grande grito, quando Ele expira, entregando o espírito[a98] .
2606 Todas [§99] as misérias da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e
da morte, todos os pedidos e intercessões história da salvação estão recolhidos neste Grito do
Verbo encarnado. Eis que o Pai os acolhe e, indo além de todas as esperanças, ouve-os,
ressuscitando seu Filho. Dessa forma se realiza e se consuma o evento da oração na Economia
da criação e da salvação. Sua chave de interpretação nos é dada pelo Saltério em Cristo. E no
Hoje da Ressurreição que o Pai diz: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede, e eu te darei as
nações como herança, os confins da terra como propriedade[a100]
A Epístola aos Hebreus exprime em termos dramáticos como a oração de Jesus opera a
vitória da salvação. "É ele que, nos dias de sua vida terrestre, apresentou pedidos e súplicas, com
veemente clamor e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte; e foi atendido por causa de
sua submissão. E, embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento; e,
levado à perfeição, se tomou para todos os que lhe obedecem princípio de salvação eterna" (1
Hb 5,7-9)
JESUS ENSINA A ORAR
2607 Ao [§101] orar, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal de nossa oração é a
oração a seu Pai. Mas o Evangelho nos dá um ensinamento explícito de Jesus sobre a oração.
Como pedagogo, ele nos toma onde estamos e, progressivamente, nos conduz ao Pai. Dirigindose às multidões que o seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem da oração, conforme
a Antiga Aliança, e as abre para a novidade do Reino que vem. Depois lhes revela em parábolas
essa novidade. Enfim, falará abertamente do Pai e do Espírito Santo a seus discípulos, que
deverão ser pedagogos da oração em sua Igreja.2608 No [§102] Sermão da Montanha, Jesus insiste na conversão do coração: a
reconciliação com o irmão antes de apresentar uma oferenda no altar[a103] , o amor aos
inimigos e a oração pelos perseguidores[a104] , a oração ao Pai "em segredo" (Mt 6,6), a nãomultiplicação das palavras[a105] , o perdão do fundo do coração na oração, a pureza do
coração [a106] e a busca do Reino[a107] . Essa conversão é inteiramente orientada para o Pai; é
filial.
2609 O [§108] coração assim decidido a se converter aprende a orar na fé. A fé é uma
adesão filial a Deus, acima daquilo que sentimos e compreendemos. Tomou-se possível porque o
Filho bem-amado nos abre as portas para o Pai. Este pode pedir-nos que "procuremos" e
"batamos", uma vez que Ele mesmo é a porta e o caminho[a109] .
2610 Assim [§110] como Jesus ora ao Pai e dá graças antes de receber seus dons, Ele
nos ensina essa audácia filial: "Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já recebestes" (Mc
11,24). "Tudo é possível para quem crê" (Mc 9,23), com uma fé "que não hesita[a111] ”. tal é a
força da oração. Se por um lado Jesus se entristece pela "falta de fé" de seus parentes (Mc 6,6) e
pela "fraqueza na fé" de seus discípulos[a112] , por outro lado fica admirado com a "grande fé"
do centurião romano [a113] e da cananéia[a114] .
2611 A [§115] oração de fé não consiste apenas em dizer "Senhor, Senhor", mas em levar o
coração a fazer a vontade do Pai[a116] . Jesus convida os discípulos a terem, na oração, a
preocupação de cooperarem com o plano divino[a117] .
2612 Em [§118] Jesus, "o Reino de Deus está próximo" (Mc 1,15) e convoca à conversão e
à fé, como também, à vigilância. Na oração, o discípulo vigia atento Aquele que É e que Vem
na memó-ria de sua primeira Vinda na humildade da carne e na esperança de sua segunda
Vinda na Glória[a119] . Em comunhão com o Mestre a oração dos discípulos é um combate, e é
vigiando na prece que não se cai em tentação[a120] .
2613 Três [§121] parábolas principais sobre a oração nos são transmitida por S. Lucas. A
primeira, "o amigo importuno[a122] ”, convida a uma oração persistente: "Batei e se vos abrirá".
Àquele que assim ora, o Pai do céu "dará tudo o que precisa", sobretudo o Espírito Santo, que
contém todos os dons. A segunda, "a viúva importuna[a123] ”, focaliza uma das qualidades da
oração: é preciso rezar sempre sem esmorecimento, com a paciência fé. "Mas, quando vier o
Filho do homem, acaso encontrará fé na terra? A terceira parábola, "o fariseu e o
publicano[a124] ”, refere-se à humildade do coração que reza. "Meu Deus, tem piedade de
mim, pecador.” Essa oração a Igreja constantemente toma sua: "Kyrie eleison!"
2614 Quando [§125] Jesus confia abertamente a seus discípulos o ministério da oração ao
Pai, revela-lhes qual deverá ser sua oração, e a nossa, quando Ele voltar para o Pai, em sua
Humanidade glorificada. A novidade agora é "pedir em seu Nome[a126] ”. A fé nele introduz os
discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). A
fé produz seus frutos no amor: guardar sua Palavra, seus mandamentos, permanecer com Ele no
Pai, que nele nos ama a ponto de permanecer em nós. Nessa Aliança nova, a certeza de sermos
ouvidos em nossos pedidos se fundamenta na oração de Jesus[a127] .
2615 Mais [§128] ainda, o que o Pai nos dá quando nossa oração está unida à de Jesus
é o "outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre o Espírito da Verdade" (Jo
14,16-17). Essa novidade da oração e de suas condições aparece no discurso de
despedida[a129] . No Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o Pai, não
apenas por Cristo, mas também nele: "Até agora nada pedistes em meu Nome. Pedi e
recebereis, e vossa alegria será perfeita" (Jo 16,24).
JESUS OUVE A ORAÇÃO
2616 A [§130] oração a Jesus é ouvida por Ele já durante seu ministério, por meio dos
sinais que antecipam o poder de sua Morte e Ressurreição: Jesus ouve a oração de fé, expressa
em palavras (o leproso[a131] , Jairo[a132] , a cananéia[a133] , o bom ladrão[a134] ), ou em silêncio (os carregadores do paralítico[a135] , a hemorroíssa que lhe toca as vestes[a136] , as
lágrimas e o perfume da pecadora[a137] ). O pedido insistente dos cegos: "Filho de Davi, tem
compaixão de nós" (Mt 9,27)ou "Filho de Davi, tem compaixão de mim" (Mc 10,47) foi retomado
na tradição da Oração a Jesus: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim,
pecador!" Quer na cura das enfermidades, quer na remissão dos pecados, Jesus responde
sempre à oração que implora com fé: "Vai em paz, tua fé te salvou!"
Sto. Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração de Jesus (cf. 2667):
"Ele ora por nós como nosso sacerdote, ora em nós como nossa cabeça, e a Ele sobe nossa
oração como ao nosso Deus. Reconheçamos pois, nele, os nossos clamores e em nós os seus
clamores[a138] ".
A ORAÇÃO DA VIRGEM MARIA
2617 A oração de Maria nos é revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da
Encarnação do Filho de Deus e antes da efusão do Espírito Santo, sua oração coopera de
maneira única com o plano benevolente do Pai; na Anunciação para a concepção de
Cristo[a140] , em Pentecostes para a formação da Igreja, Corpo de Cristo. Na fé de sua humilde
serva, o Dom de Deus encontra o acolhimento que esperava desde o começo dos tempos.
Aquela que o Todo-Poderoso tornou "cheia de graça" responde pela oferenda de todo seu ser:
"Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra". Fiat, esta é a oração cristã: ser
todo dele porque Ele é todo nosso.
2618 O Evangelho nos revela como Maria ora e intercede na fé: em Caná, a mãe de
Jesus pede a seu filho pelas necessidades de um banquete de núpcias, sinal de outro Banquete,
o das núpcias do Cordeiro, que dá seu Corpo e Sangue a pedido da Igreja, sua Esposa. E é na
hora da nova Aliança, ao pé da Cruz, que Maria é ouvida como a Mulher, a nova Eva, a
verdadeira "mãe dos vivos”.
2619 Por isso o cântico de Maria (o Magnificat latino ou o Megalynário bizantino) é ao
mesmo tempo o cântico da Mãe de Deus e o da Igreja, cântico da Filha de Sião e do novo Povo
de Deus, cântico de ação de graças pela plenitude de graças distribuídas na Economia da
salvação, cântico dos "pobres", cuja esperança é satisfeita pela realização das promessas feitas
a nossos pais "em favor de Abraão e de sua descendência para sempre".
RESUMINDO
2620 No Novo Testamento, o modelo perfeito da oração encontra-se na prece filial de
Jesus. Feita muitas vezes na solidão, no segredo, a oração de Jesus implica uma adesão
amorosa à vontade do Pai até a cruz e uma confiança absoluta de ser ouvido.
2621 Jesus ensina seus discípulos a orar com um coração purificado, uma fé viva e
perseverante, uma audácia filial. Incita-os à vigilância e convida-os a apresentar a Deus seus
pedidos em seu Nome. Jesus Cristo atende pessoalmente às orações, que lhe são dirigidas.
2622 A oração da Virgem Maria, em seu "Fiat" e em seu "Magnificat”, caracteriza-se pela
oferta generosa de todo seu ser na fé.
ARTIGO 3
NO TEMPO DA IGREJA
2623 No [§147] dia de Pentecostes, o Espírito da promessa foi derramado sobre os
discípulos, "reunidos no mesmo lugar" (At 2,1), esperando-o, "todos unânimes, perseverando na oração" (At 1,14). O Espírito, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse[a148] , vai
também formá-la para a vida de oração.
2624 Na [§149] primeira comunidade de Jerusalém, os fiéis se mostravam "assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações" (At 2,42). A
seqüência é típica da oração da Igreja: fundada na fé apostólica e autenticada pela caridade,
ela é alimentada na Eucaristia.
2625 Essas [§150] orações são, sobretudo, as que os fiéis ouvem e lêem nas Escrituras,
atualizando-as, porém, principalmente as dos Salmos, a partir de sua realização em Cristo[a151] .
O Espírito Santo, que assim lembra Cristo à sua Igreja orante, também a conduz à Verdade plena
e suscita formulações novas que exprimirão o insondável Mistério de Cristo atuando na vida, nos
sacramentos e na missão de sua Igreja. Essas formulações se desenvolverão nas grandes
tradições litúrgicas e espirituais. As formas da oração, como nos são reveladas pelas Escrituras
apostólicas canônicas, serão normativas da oração cristã.
1. A BENÇÃO E A ADORAÇÃO
2626 A [§152] bênção exprime o movimento de fundo da oração; é o encontro de Deus e
do homem; nela o dom de Deus e a acolhida do homem se chamam e se unem. A oração de
bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do
homem pode bendizer Aquele que é a fonte de toda bênção.
2627 Duas [§153] formas fundamentais exprimem esse movimento da bênção: ora ela
sobe, levada no Espírito Santo por Cristo ao Pai (nós o bendizemos por nos ter abençoado[a154]
); ora ela implora a graça do Espírito Santo, que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos
abençoa[a155] ).
2628 A [§156] adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante
de seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos fez [a157] e a onipotência do Salvador que
nos liberta do mal. É prosternação do Espírito diante do "Rei da glória[a158] ” e o silêncio
respeitoso diante do Deus "sempre maior[a159] ”. A adoração do Deus três vezes santo e
sumamente amável nos enche de humildade e dá garantia a nossas súplicas.
II. A ORAÇÃO DE SÚPLICA
2629 O[§160] vocabulário referente à súplica tem muitos matizes no Novo Testamento:
pedir, implorar, suplicar com insistência, invocar, clamar, gritar e mesmo "lutar na oração[a161] ".
Mas sua forma mais habitual, por ser a mais espontânea, é o pedido: é pela oração de súplica
que exprimimos a consciência de nossa relação com Deus: como criaturas, não somos nem
nossa origem, nem senhores das adversidades, nem nosso fim último. Mas, como pecadores,
sabemos, na qualidade de cristãos, nos afastamos de nosso Pai. O pedido já é uma volta para
Ele.
2630 O[§162] Novo Testamento contém poucas orações de lamentação, freqüentes no
Antigo Testamento. Agora, em Cristo ressuscitado, o pedido da Igreja é sustentado pela
esperança, embora estejamos ainda na expectativa e devamos nos converter cada dia. Brota
de outra profundeza o pedido cristão, que S. Paulo chama de gemidos, os da criação, em "dores
de parto" (Rm 8,22), os nossos, também "à espera da redenção de nosso corpo, pois nossa
salvação é objeto de esperança" (Rm 8,23-24), enfim, "os gemidos inefáveis do próprio Espírito
Santo que "socorre nossa fraqueza, pois nem sequer sabemos o que seja conveniente pedir" (Rm
8,26).
2631 O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de súplica (cf. o publicano:
"Tem piedade de mim, pecador": Lc 18,13). É a condição prévia de uma oração justa e pura. A
humildade confiante nos repõe na luz da comunhão com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo, e uns com os outros: "Então tudo o que lhe pedimos recebemos dele" (1 Jo 3,22). O pedido de é a
perdão condição prévia da liturgia eucarística, como da oração pessoal.
2632 A súplica cristã está centrada no desejo e na procura do Reino que vem, de
acordo com o ensinamento de Jesus". Existe uma hierarquia nos pedidos: primeiro o Reino, depois
o que é necessário para acolhê-lo e cooperar para sua vinda. Essa cooperação com a missão
de Cristo e do Espírito Santo, que é agora a da Igreja, é o objeto da oração da comunidade
apostólica. E a oração de Paulo, o apóstolo por excelência, que nos revela como o cuidado
divino por todas as Igrejas deve animar a oração cristã. Pela oração, todo batizado trabalha
para a Vinda do Reino.
2633 Quando participamos, assim, do amor salvador de Deus, compreendemos que
toda necessidade pode vir a ser objeto de pedido. Cristo, que tudo assumiu para resgatar tudo,
é glorificado pelos pedidos que oferecemos ao Pai em seu Nome. E com essa garantia que Tiago
e Paulo nos exortam a orar em todo tempo.
III. A ORAÇÃO DE INTERCESSÃO
2634 A intercessão é uma oração de pedido que nos conforma de perto com a oração
de Jesus. Ele é o único Intercessor junto do Pai em favor de todos os homens, dos pecadores,
sobretudo. Ele é "capaz de salvar de modo definitivo aqueles que por meio dele se aproximam
de Deus, visto que Ele vive para sempre para interceder por eles" (Hb 7,25). O próprio Espírito
Santo "intercede por nós... pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm 8,26-27).
2635 Interceder, pedir em favor de outro, desde Abraão, é próprio de um coração que
está em consonância com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a intercessão cristã
participa da de Cristo; é a expressão da comunhão dos santos. Na intercessão, aquele que ora
"não procura seus próprios interesses, mas pensa sobretudo nos dos outros" (Fl 2,4) e reza por
aqueles que lhe fazem mal.
2636 As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente forma de partilha. O
Apóstolo Paulo as faz participar assim de seu ministério do Evangelho, mas intercede também por
elas. A intercessão dos cristãos não conhece fronteiras: "Por todos os homens, pelos que detêm a
autoridade" (1 Tm 2,1), pelos que perseguem pela salvação daqueles que recusam o Evangelho.
IV. A ORAÇÃO DE AÇÃO DE GRAÇAS
2637 A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, celebrando a Eucaristia,
manifesta e se torna mais aquilo que ela é. Com efeito, na obra da salvação, Cristo liberta a
criação do pecado e da morte para consagrá-la de novo e fazê-la retornar ao Pai, para sua
Glória. A ação de graças dos membros do Corpo participa da de sua Cabeça.
2638 Como na oração de súplica, todo acontecimento e toda necessidade podem se
tornar oferenda de ação de graças. As cartas de S. Paulo começam e terminam
freqüentemente uma ação de graças, e o Senhor Jesus sempre está presente. “Por tudo dai
graças, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito, em Cristo Jesus" (l Ts 5,18). "Perseverai na
oração, vigilantes, com ação de graças" (Cl 4,2).
V. A ORAÇÃO DE LOUVOR
2639 O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que
Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por
aquilo que Ele É. Participa da bem-aventurança dos corações puros que o amam na fé antes de
o verem na Glória. Por ela, o Espírito se associa nosso espírito para atestar que somos filhos de
Deus, dando testemunho ao Filho único, em quem somos adotados e por quem glorificamos o
Pai. O louvor integra as outras formas de oração e as levar Àquele que é sua fonte e termo final:
"O único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos feitos" (1 Cor 8,6).2640 São Lucas menciona muitas vezes em seu Evangelho a admiração e o louvor diante
das maravilhas de Cristo. Chama a atenção também para as ações do Espírito Santo, que são os
Atos dos Apóstolos: a comunidade de Jerusalém, o paralítico curado por Pedro e João, a
multidão que com isso glorifica a Deus e os pagãos da Pisídia que, "alegres, glorificam a Palavra
do Senhor" (At 13,).
2641 Recitai uns com os outros "salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando o
Senhor em vosso coração" (Ef 5,19[a190] ). Como os escritores do Novo Testamento, as primeiras
comunidades cristãs relêem o livro dos Salmos, cantando nele o Mistério de Cristo. Na novidade
do Espírito, elas compõem também hinos e cânticos a partir do Acontecimento inaudito que
Deus realizou em seu Filho: a Encarnação, a Morte vitoriosa da morte, a Ressurreição e Ascensão
à sua direita. É dessa "maravilha" de toda a economia da salvação que brota a doxologia, o
louvor de Deus.
2642 A Revelação "daquilo que deve acontecer em breve", o Apocalipse, é comunicada
pelos cânticos da Liturgia celeste, mas também pela intercessão das "testemunhas" (mártires) Os
profetas e os santos, todos os que foram degolados na terra em testemunho de Jesus[, a
multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos precederam no Reino, cantam
o louvor de glória daquele que está sentado no Trono e do Cordeiro. Em comunhão com eles, a
Igreja da terra canta também esses cânticos, na fé e na provação. No pedido e na intercessão,
a fé espera contra toda esperança e dá graças ao "Pai das luzes, do qual desce toda dádiva
perfeita". A fé é assim um puro louvor.
2643 A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração. É "a oferenda pura" de
todo o Corpo de Cristo "para a glória de seu Nome”; segundo as tradições do Oriente e do
Ocidente, ela é "o sacrifício de louvor".
RESUMINDO
2644 O Espírito Santo, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse, educa-a
também para a vida de oração, suscitando expressões que se renovam dentro de formas
permanentes: benção, súplica, intercessão, ação de graças e louvor.
2645 Porque Deus o abençoa é que o coração do homem pode bendizer por sua vez
Aquele que é a fonte de toda bênção.
2646 A oração de pedido tem por objeto o perdão, a procura do Reino, como também
toda verdadeira necessidade.
2647 A oração de intercessão consiste num pedido em favor de outrem. Não conhece
fronteiras e se estende até os inimigos.
2648 Toda alegria e todo sofrimento, todo acontecimento e toda necessidade podem ser
a matéria da ação de graças que, participando da ação de graças de Cristo, deve dar
plenitude a toda a vida: "Por tudo dai graças (1Ts 5,18).
2649 A oração de louvor, totalmente desinteressada, dirige-se a Deus. Canta-o pelo que
Ele; dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele É.
CAPÍTULO II
A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO
2650 A oração não se reduz ao surgir espontâneo de um impulso interior; para rezar é
preciso querer. Não basta saber o que as Escrituras revelam sobre a oração; também é
indispensável aprender a rezar. E é por uma transmissão viva (a sagrada Tradição) que o Espírito
Santo, na "Igreja crente e orante", ensina os filhos de Deus a rezar.2651 A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé,
sobretudo pela contemplação e pelo estudo dos difíceis, que guardam em seu coração os
acontecimentos e as palavras da Economia da salvação, e pela penetração profunda das
realidades espirituais que eles experimentam.
ARTIGO 1
NAS FONTES DA ORAÇÃO
2652 O[§5] Espírito Santo é "a água viva" que, no coração orante, “jorra para a Vida
eterna[a6] ". É Ele que nos ensina a haurir essa água na própria fonte: Cristo. Ora, existem na vida
cristã fontes em que Cristo nos espera para nos dessedentar com o Espírito Santo.
A PALAVRA DE DEUS
2653 A [§7] Igreja "exorta todos os fiéis cristãos, com veemência e de modo peculiar... a
que pela freqüente leitura das divinas Escrituras aprendam 'a eminente ciência de Jesus Cristo'
Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração,
a fim de que se estabeleça o colóquio entre Deus e o homem; pois 'a Ele falamos quando
rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos[a8] ”.
2654 Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7,7, resumem assim as disposições do
coração alimentado pela Palavra de Deus na oração: "Procurai pela leitura, e encontrareis
medi-tando; batei orando, e vos será aberto pela contemplação[a9] "
A LITURGIA DA IGREJA
2655 A [§10] missão de Cristo e do Espírito Santo, que, na liturgia sacramental da Igreja,
anuncia, atualiza e comunica o Mistério da salvação, prolonga-se no coração de quem reza. Os
Padres espi-rituais comparam às vezes o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a
Liturgia durante e após sua celebração. Mesmo quando é vivida "no segredo" (Mt 6,6), a oração
é sem-pre oração da Igreja, comunhão com a Santíssima Trindade[a11] .
AS VIRTUDES TEOLOGAIS
2656 Entramos na oração como entramos na Liturgia: pela porta estreita da fé. Por meio
dos sinais de sua Presença, procuramos e desejamos a Face do Senhor, e é sua Palavra que
que-remos ouvir e guardar.
2657 O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a Liturgia na expectativa da volta de
Cristo, nos educa a orar na esperança. Por sua vez, a oração da Igreja e a oração pessoal
alimentam em nós a esperança. Especialmente os salmos, com sua linguagem concreta e
variada, nos ensinam a fixar nossa esperança em Deus: "Esperei ansiosamente pelo Senhor, Ele se
inclinou para mim e ouviu o meu grito" (Sl ,2). "Que o Deus da esperança vos cumule de toda
alegria e paz em vossa fé, a fim de que pela ação do Espírito Santo a vossa esperança
transborde" (Rm 15,13).
2658 "A [§13] esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em
nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado" (Rm 5,5). A oração, formada pela vida
litúrgica, tudo haure do Amor com que somos amados em Cristo e que nos concede responderlhe, amando como Ele nos amou. O Amor é a fonte de oração; quem dela bebe atinge o cume
da oração: Meu Deus, eu vos amo, e meu único desejo é amar-vos até o último suspiro de minha vida. Meu Deus infinitamente amável, eu vos amo e preferiria morrer amando-vos a viver sem vos
amar. Senhor, eu vos amo, e a única graça que vos peço é amar--vos eternamente... Meu Deus,
se minha língua não pode dizer a cada instante que eu vos amo, quero que meu coração vo-lo
repita tantas vezes quantas eu respiro[a14] .
"HOJE"
2659 Aprendemos [§15] a rezar em certos momentos ouvindo a Pa-lavra do Senhor e
participando de seu Mistério pascal, mas é em todos os tempos, nos acontecimentos de cada
dia, que seu Espírito nos é oferecido para fazer jorrar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a
oração a nosso Pai está na mesma linha que o ensinamento sobre a Providência[a16] . O tempo
está nas mãos do Pai; no presente é que nós o encontramos, nem ontem, nem amanhã, mas
hoje: "Oxalá ouvísseis hoje a sua voz! Não endureçais vossos corações" (Sl 95,8).
2660 Orar [§17] nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos
do Reino revelados aos "pequeninos", aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. E
justo e bom orar para que a vinda do Reino de justiça e de paz influa na marcha da história, mas
é também importante modelar pela oração a massa das humildes situações do cotidiano. Todas
as formas de oração podem ser esse fermento ao qual o Senhor compara o Reino[a18] .
RESUMINDO
2661 É por uma transmissão viva, a Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos
de Deus a orar.
2662 A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, esperança e caridade são
fontes da oração.
ARTIGO 2
O CAMINHO DA ORAÇÃO
2663 Na [§19] tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos fiéis, segundo o contexto
histórico, social e cultural, a linguagem de Jesus na sua oração: palavras, melodias, gestos,
iconografia. Cabe ao Magistério [a20] discernir a fidelidade desses caminhos de oração à
tradição da fé apostólica, e compete aos pastores e aos catequistas explicar seu sentido,
sempre relacionado com Jesus Cristo.
A ORAÇÃO AO PAI
2664 Não [§21] existe outro caminho da oração cristã senão Cristo. Seja a nossa oração
comunitária ou pessoal, vocal ou interior, ela só tem acesso ao Pai se orarmos "em nome" de
Jesus. A santa humanidade de Jesus é, portanto, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina
a orar a Deus, nosso Pai.
A ORAÇÃO A JESUS
2665 A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus, e a celebração da Liturgia
nos ensinam a orar ao Senhor Jesus. Ainda que seja dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas
as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo. Certos Salmos, conforme sua
atualização na Oração da Igreja, e o Novo Testamento põem em nossos lábios e gravam em
nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor, Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho bem-amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida,
nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens...
2666 Mas [§23] o Nome que contém tudo é o que o Filho de Deus recebe em sua
Encarnação: JESUS. O Nome divino é indizível pelos lábios humanos [a24] , mas, assumindo nossa
humanidade, o Verbo de Deus no-lo entrega e podemos invocá-lo: “Jesus", Javé salva'[a25] . O
Nome de Jesus contém tudo: Deus e homem e toda a economia da criação e da salvação. Orar
a "Jesus" e invocá-lo, chamá-lo em nós. Seu Nome é o único que contém a Presença que
significa. Jesus é Ressuscitado, todo aquele que invoca seu nome acolhe o Filho de Deus que o
amou e por ele se entregou.
2667 Esta invocação de fé muito simples foi desenvolvida na tradição da oração em
várias formas no Oriente e no Ocidente. A formulação mais comum, transmitida pelos monges do
Sinai, da Síria e do monte Athos é a invocação: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade
de nós, pecadores!" Esta associa o hino cristológico de (Fl 2,6-11 com o pedido do publicano e
dos mendigos da luz. Por ela, o coração se põe em consonância com a miséria dos homens e
com a Misericórdia de seu Salvador.
2668 A invocação do santo nome de Jesus é o caminho mais simples oração contínua.
Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, ela não se dispersa numa torrente
de palavras (Mc 6,7), mas "conserva a Palavra e produz fruto pela perseverança. É possível "em
todo tempo", pois não é uma ocupação ao lado de outra, mas a única ocupação, a de amar a
Deus, que anima e transfigura toda ação em Cristo Jesus.
2669 A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, como invoca o seu
Santíssimo nome. Adora o Verbo encamado e seu Coração, que por nosso amor se deixou
traspassar por nossos pecados. A oração cristã gosta de seguir o caminho da cruz (Via-Sacra),
seguindo o Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao Túmulo, marcam o caminho de
Jesus, que resgatou o mundo por sua santa Cruz.
"VINDE, ESPÍRITO SANTO"
2670 "Ninguém pode dizer 'Jesus é Senhor' a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). Cada
vez que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, por sua graça proveniente, nos atrai
ao caminho da oração. Se Ele nos ensina a orar recordando-nos Cristo, como não orar a Ele
mesmo? Por isso, a Igreja nos convida a implorar cada dia o Espírito Santo, sobretudo no início e
no fim de toda ação importante. Se o Espírito não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza
pelo Batismo? E se Ele deve ser adorado, não deve ser o objeto de um culto particular?
2671 A forma tradicional para pedir a vinda do Espírito Santo é invocar o Pai por Cristo,
nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador[a34] . Jesus insiste nesse pedido em seu
nome exata-mente no momento em que promete o dom do Espírito de Verdade[a35] . Mas a
oração mais simples e mais direta é também tradicional: "Vinde, Espírito Santo", e cada tradição
litúrgica a desenvolveu em antífonas e hinos: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de vossos
fiéis e acendei neles o fogo de vosso amor[a36] . Rei celeste, Espírito Consolador, Espírito de
Verdade, presente em toda parte e plenificando tudo, tesouro de todo bem e fonte da Vida,
vinde, habitai em nós, purificai-nos e salvai-nos, ó Vós, que sois bom!
2672 O Espírito Santo, cuja Unção impregna todo o nosso ser, é o Mestre interior da
oração cristã. E o artífice da tradição viva da oração. Sem dúvida, existem tantos caminhos na
oração quantos orantes, mas é o mesmo Espírito que atua em todos e com todos. Na comunhão
do Espírito Santo, a oração cristã se torna oração da Igreja.
EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS2673 Na oração, o Espírito Santo nos une à Pessoa do Filho Único, em sua humanidade
glorificada. Por ela e nela, nossa oração filial entra em comunhão, na Igreja, com a Mãe de
Jesus[a40] .
2674 A partir do consentimento dado na fé por ocasião da Anunciação e mantido sem
hesitação sob a cruz, a maternidade de Maria se estende aos irmãos e às irmãs de seu Filho "que
ainda são peregrinos e expostos aos perigos e às misérias[a42] ”. Jesus, o único Mediador, é o
Caminho de nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele. Maria
"mostra o Caminho" ("Hodoghitria"), é seu "sinal” conforme a iconografia tradicional no Oriente e
no Ocidente.
2675 A partir dessa cooperação singular de Maria com a ação do Espírito Santo, as
Igrejas desenvolveram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na Pessoa de Cristo
manifestada em seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas que exprimem essa oração,
alternam-se geralmente dois movimentos: um "exalta" o Senhor pelas "grandes coisas" que fez
para sua humilde serva e, por meio dela, por todos os seres humanos; o outro confia à Mãe de
Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois ela conhece agora humanidade que nela é
desposada pelo Filho de Deus.
2676 Esse duplo movimento da oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na
oração da Ave-Maria:
"Ave, Maria (alegra-te, Maria)." A saudação do anjo Gabriel abre a oração da Ave-Maria.
E o próprio Deus que, por intermédio de seu anjo, saúda Maria. Nossa oração ousa retomar a
saudação de Maria com o olhar que Deus lançou sobre sua humilde serva, alegrando-nos com a
mesma alegria que Deus encontra nela.
"Cheia de graça, o Senhor é convosco." As duas palavras de saudação do anjo se
esclarecem mutuamente. Maria é cheia de graça porque o Senhor está com ela. A graça com
que ela é cumulada é a presença daquele que é a fonte de toda graça. "Alegra-te, filha de
Jerusalém... o Senhor está no meio de ti" (Sf 3,14.17a). Maria, em quem vem habitar o próprio
Senhor, é em pessoa a filha de Sião, a Arca da Aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor:
ela é "a morada de Deus entre os homens" (Ap 21,3). "Cheia de graça", e toda dedicada àquele
que nela vem habitar e que ela vai dar ao mundo.
"Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus." Depois da
saudação do anjo, tornamos nossa a palavra de Isabel. "Repleta do Espírito Santo" (Lc 1,41),
Isabel é a primeira na longa série das gerações que declaram Maria bem-aventurada[a49] : "Feliz
aquela que creu..." (Lc 1,45): Maria é "bendita entre as mulheres" porque acreditou na realização
da palavra do Senhor. Abraão, por sua fé, se tomou uma bênção para "todas as nações da
terra" (Gn 12,3). Por sua fé, Maria se tomou a mãe dos que crêem, porque, graças a ela, todas as
nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: "Bendito é o fruto do vosso
ventre, Jesus".
2677 "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós..." Com Isabel também nós nos admiramos:
"Donde me vem que a mãe de meu Senhor me visite?" (Lc 1,43). Porque nos dá Jesus, seu filho,
Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos lhe confiar todos os nossos cuidados e pedidos: ela
reza por nós como rezou por si mesma: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com ela à vontade de Deus: "Seja feita a vossa
vontade".
"Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte." Pedindo a Maria que reze
por nós, reconhecemo-nos como pobres pecadores e nos dirigimos à "Mãe de misericórdia", à
Toda Santa. Entregamo-nos a ela "agora", no hoje de nossas vidas. E nossa confiança aumenta
para desde já entregar em suas mãos "a hora de nossa morte". Que ela esteja então presente,
como na morte na Cruz de seu Filho, e que na hora de nossa passagem ela nos acolha como
nossa Mãe, para nos conduzir a seu Filho, Jesus, no Paraíso.
2678 A piedade medieval do Ocidente desenvolveu a oração do Rosário como
alternativa popular à Oração das Horas. No Oriente, a forma litânica da oração "Acatisto" e da Paráclise ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições
armênia, copta e siríaca preferiram os hinos e os cânticos populares à Mãe de Deus. Mas na AveMaria, nos "theotokia", nos hinos de Sto. Efrém ou de S. Gregório de Narek, a tradição da oração
é fundamentalmente a mesma.
2679 Maria é a Orante perfeita, figura da Igreja. Quando rezamos a ela, aderimos com ela
ao plano do Pai, que envia seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo bem-amado,
acolhemos em nossa casa [a55] a Mãe de Jesus, que se tornou a mãe de todos os vivos.
Podemos rezar com ela e a ela. A oração da Igreja é acompanhada pela oração de Maria, que
lhe está unida na esperança[a56] .
RESUMINDO
2680 A oração é dirigida sobretudo ao Pai; também é dirigida ~ Jesus, sobretudo pela
invocação de seu santo nome: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós,
pecadores!"
2681 "Ninguém pode dizer: 'Jesus é Senhor', a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). A
Igreja nos convida a invocar o Espírito Santo como o Mestre interior da oração cristã.
2682 Em virtude da cooperação singular da Virgem Maria com a ação do Espírito Santo, a
Igreja gosta de rezar em comunhão com ela, para exaltar com ela as grandes coisas que Deus
realizou nela e para confiar-lhe súplicas e louvores.
ARTIGO 3
GUIAS PARA A ORAÇÃO
UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS
2683 As testemunhas que nos precederam no Reino[a58] , especialmente as que a Igreja
reconhece como "santos", participam da tradição viva da oração pelo exemplo modelar de sua
vida, pela transmissão de seus escritos e por sua oração hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e
não deixam de velar por aqueles que deixaram na terra. Entrando "na alegria" do Mestre, eles
foram "postos sobre o muito". Sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao plano de
Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e pelo mundo inteiro.
2684 Na [§60] comunhão dos santos, desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas,
diversas espiritualidades. O carisma pessoal de uma testemunha do Amor de Deus aos homens
pôde ser transmitido, como "o espírito" de Elias a Eliseu” e a João Batista, para que alguns
discípulos tenham parte nesse espírito . Há uma espiritualidade igualmente na confluência de
outras correntes, litúrgicas e teológicas, atestando a inculturação da fé num meio humano e em
sua história. As espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são guias
indispensáveis para os fiéis, refletindo, em sua rica diversidade, a pura e única Luz do Espírito
Santo. O Espírito é de fato o lugar dos santos, e o santo é para o Espírito um lugar próprio, pois se
oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo.
SERVIDORES DA ORAÇÃO
2685 A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada sobre o
sacramento do matrimônio, ela é "a Igreja doméstica", onde os filhos de Deus aprendem a orar
"como Igreja" e a perseverar na oração. Para as crianças, particularmente, a oração familiar
cotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja reavivada pacientemente pelo
Espírito Santo.2686 Os ministros ordenados também são responsáveis pela formação para a oração de
seus irmãos e irmãs em Cristo. Servidores do bom Pastor que são, eles são ordenados para guiar o
povo de Deus às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o Hoje de
Deus nas situações concretas.
2687 Muitos religiosos consagraram toda a vida à oração. Desde o deserto do Egito,
eremitas, monges e monjas consagraram seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão por seu
povo. A vida consagrada não se mantém e não se propaga sem a oração; esta é uma das
fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.
2688 A catequese das crianças, dos jovens e adultos procura fazer com que a Palavra de
Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo
tempo, a fim de produzir seu fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que
a piedade popular pode ser avaliada e educada. A memorização das orações fundamentais
oferece um apoio indispensável à vida de oração, mas importa grandemente fazer com que
saboreie o sentido das mesmas.
2689 Os grupos de oração, e mesmo as "escolas de oração", são hoje um dos sinais e
molas da renovação da oração na Igreja, contanto que se beba nas fontes autênticas da
oração cristã. O cuidado com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.
2690 O Espírito Santo dá a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento em vista
do bem comum que é a oração (direção espiritual). Aqueles e aquelas que têm esses dons são
verdadeiros servidores da tradição viva da oração: Por isso, se a alma deseja avançar na
perfeição, conforme o conselho de S. João da Cruz, deve "considerar bem em que mãos se
entrega, pois, conforme o mestre, assim será o discípulo; conforme o pai, assim será o filho". E
ainda: "O diretor deve não somente ser sábio e prudente, mas também experimentado... Se o
guia espiritual não tem a experiência da vida espiritual, é incapaz de nela conduzir as almas que
Deus chama, e nem sequer as compreenderá".
LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO
2691 A Igreja, casa de Deus, é o lugar próprio para a oração litúrgica da comunidade
paroquial. E também o lugar privilegiado da adoração da presença real de Cristo no Santíssimo
Sacramento. A escolha de um lugar favorável é importante para a verdade da oração:
ü para a oração pessoal, pode ser um "recanto de oração", com as Sagradas Escrituras
e imagens sagradas, para aí estar "no segredo" diante do Pai. Numa família cristã, essa espécie
de peque no oratório favorece a oração em comum;
ü nas regiões onde existem mosteiros, a vocação dessas comunidades é favorecer a
partilha da Oração das Horas com os fiéis e permitir a solidão necessária a uma oração pessoal
mais intensa;
ü as peregrinações evocam nossa caminhada pela terra em direção ao céu. São
tradicionalmente tempos fortes de renovação da oração. Os santuários são para os peregrinos,
em busca de suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver "como Igreja" as formas da
oração cristã.
RESUMINDO
2692 Na oração, a Igreja peregrina é associada à dos santos, cuja intercessão solicita.
2693 As diferentes espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são
guias preciosos para a vida espiritual.
2694 A família cristã é o primeiro lugar da educação à oração.
2695 Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração e a
"direção espiritual" garantem na Igreja uma ajuda à oração.2696 Os lugares mais favoráveis à oração são o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros,
os santuários de peregrinações e, sobretudo, a igreja, que é lugar próprio da oração litúrgica
para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.
CAPÍTULO III.
A VIDA DE ORAÇÃO
2697 A oração é a vida do coração novo e deve nos animar a cada momento. Nós,
porém, esquecemo-nos daquele que é nossa Vida e nosso Tudo. Por isso os Padres espirituais, na
tradição do Deuteronômio e dos profetas, insistem na oração como "recordação de Deus",
como um despertar freqüente da "memória do coração": "E preciso se lembrar de Deus com mais
freqüência do que se respira". Mas não se pode orar "sempre", se não se reza em certos
momentos, por decisão própria: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e
duração.
2698 A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a nutrir a oração
continua. Alguns são cotidianos: a oração da manhã e da tarde, antes e depois das refeições, a
Liturgia das Horas. O domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração.
O ciclo do ano litúrgico e suas grandes festas são os ritmos fundamentais da vida de oração dos
cristãos.
2699 O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e na maneira que lhe agradam.
Cada fiel responde ao Senhor segundo a determinação de seu coração e as expressões pessoais
de sua oração. Entretanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de
oração: a oração vocal, a meditação, a oração contemplativa. Uma característica
fundamental lhes é comum: o recolhimento do coração. Esta vigilância em guardar a Palavra e
em permanecer na presença de Deus faz dessas três expressões tempos fortes da vida de
oração.
ARTIGO 1
AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO
I. A ORAÇÃO VOCAL
2700 Deus fala ao homem por sua Palavra. É por palavras, mentais ou vocais, que nossa
oração cresce. Mas o mais importante é a presença do coração naquele a quem falamos na
oração. "Que a nossa oração seja ouvida depende não da quantidade das palavras, mas do
fervor de nossas almas."
2701 A oração vocal é um dado indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela
oração silenciosa do Mestre, este ensina uma oração vocal: o "Pai-Nosso". Jesus não só rezou as
orações litúrgicas da sinagoga; os Evangelhos O mostram elevando a voz para exprimir sua
oração pessoal, da bênção exultante do Pai até a angústia do Getsêmani.
2702 Essa necessidade de associar os sentidos à oração interior responde a uma exigência
de nossa natureza humana. Somos corpo e espírito, e sentimos a necessidade de traduzir
exteriormente nossos sentimentos. É preciso rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica
todo o poder possível.
2703 Essa necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura
adoradores em Espírito e Verdade e, por conseguinte, a oração que sobe viva das profundezas da alma. Ele também quer a expressão exterior que associa o corpo à oração interior, pois ela
Lhe traz esta homenagem perfeita de tudo aquilo a que Ele tem direito.
2704 Sendo exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é por excelência a
oração das multidões. Mas também a oração mais interior não pode menosprezar a oração
vocal. A oração se torna interior na medida em que tomamos consciência daquele "com quem
falamos[". Então a oração vocal é uma primeira forma da oração contemplativa.
II. A MEDITAÇÃO
2705 A meditação é sobretudo uma procura. O espírito procura compreender o porquê
e o como da vida cristã, a fim de aderir e responder ao que o Senhor pede. Para tanto, é
indispensável uma atenção difícil de ser disciplinada. Geralmente, utiliza-se um livro, e os cristãos
dispõem de muitos: as Sagradas Escrituras, especialmente o Evangelho, as imagens sacras, os
textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade,
o grande livro da criação e o da história, a página do "Hoje" de Deus.
2706 Meditando no que lê, o leitor se apropria do conteúdo lido, confrontando-o consigo
mesmo. Neste particular, outro livro está aberto: o da vida. Passamos dos pensamentos à
realidade. Conduzidos pela humildade e pela fé, descobrimos os movimentos que agitam o
coração e podemos discerni-los. Trata-se de fazer a verdade para se chegar à luz: "Senhor, que
queres que eu faça?"
2707 Os métodos de meditação são tão diversos quanto os mestres espirituais. Um cristão
deve querer meditar regularmente. Caso contrario, assemelha-se aos três primeiros terrenos da
parábola do semeador[a90] . Mas um método é apenas um guia; o importante é avançar, com
o Espírito Santo, pelo único caminho da oração: Jesus Cristo.
2708 A meditação mobiliza o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Essa
mobilização é necessária para aprofundar as convicções de fé, suscitar a conversão do coração
e fortificar a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã procura meditar de preferência "os
mistérios de Cristo", como na "lectio (leitura) divina" ou no Rosário. Esta forma de reflexão orante é
de grande valor, mas a oração cristã deve procurar ir mais longe: ao conhecimento de amor do
Senhor Jesus, à união com Ele.
III. A ORAÇÃO MENTAL
2709 O que é a oração mental? Sta. Teresa responde: "A oração mental, a meu ver, é
apenas um relacionamento íntimo de amizade em que conversamos muitas vezes a sós com
esse Deus por quem nos sabemos amados". A oração mental busca "aquele que meu coração
ama". É Jesus e, nele, o Pai. Ele é procurado porque desejá-lo é sempre o começo do amor, e é
procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Na oração, podemos ainda
meditar; contudo, o olhar se fixa no Senhor.
2710 A escolha do tempo e da duração da oração mental depende de uma vontade
determinada, reveladora dos segredos do coração. Não fazemos oração quando temos tempo:
reservamos um tempo para sermos do Senhor, com a firme determinação de, durante o
caminho, não o tomarmos de volta enquanto caminhamos, quaisquer que sejam as provações e
a aridez do encontro. Nem sempre se pode meditar, mas sempre se pode estar em oração,
independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O coração é o lugar da
busca e do encontro, na pobreza e na fé.
2711 Entrar em oração é algo análogo ao que ocorre na Liturgia Eucarística: reunir" o
coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na morada do Senhor
(e esta morada somos nós), despertar a fé, para entrar na Presença daquele que nos espera,
fazer cair nossas máscaras e voltar nosso coração para o Senhor que nos ama, a fim de nos 0
entregar a Ele como uma oferenda que precisa ser purificada e transformada.2712 A oração é a prece do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em
acolher o amor com que é amado e que quer responder-lhe amando mais ainda. Esse pecador
perdoado sabe, porém, que o amor com que responde é precisamente o que o Espírito derrama
em seu coração, pois tudo é graça da parte de Deus. A oração é a entrega humilde e pobre à
vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com seu Filho bem-amado.
2713 Dessa forma, a oração mental é a expressão mais simples do mistério da prece. A
oração é um dom, uma graça; não pode ser acolhida senão na humildade e na pobreza. A
oração é uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo de nosso ser. A oração é
comunhão: a Santíssima Trindade, nesta relação, conforma o homem, imagem de Deus, "a sua
semelhança".
2714 A oração mental é também um tempo forte por excelência da prece. Na oração,
o Pai nos "arma de poder por seu Espírito, para que se fortifique em nós o homem interior, para
que Cristo habite em nossos corações pela fé e sejamos arraigados e fundados no amor".
2715 A contemplação é olhar de fé fito em Jesus. "Eu olho para Ele e Ele olha para mim",
dizia, no tempo de seu santo pároco, o camponês de Ars em oração diante do Tabernáculo .
Essa atenção a Ele é renúncia ao "eu". Seu olhar purifica o coração; A luz do olhar de Jesus
ilumina os olhos de nosso coração; ensina-nos a ver tudo na luz de sua verdade e de sua
compaixão por todos os homens. A contemplação considera também os mistérios da vida de
Cristo, proporcionando-nos "o conhecimento íntimo do Senhor", para mais O amar e seguir
2716 A oração mental é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, essa escuta é
a obediência da fé, acolhida incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do
"sim" do Filho que se tornou Servo e do "Fiat" de sua humilde serva.
2717 A oração mental é silêncio, este "símbolo do mundo que vem ou "amor silencioso. As
palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o fogo do amor. É neste
silêncio, insuportável ao homem "exterior", que o Pai nos diz seu Verbo encarnado, sofredor,
morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar na oração de Jesus.
2718 A oração mental é união â prece de Cristo na medida em nos faz participar de seu
Mistério. O Mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia, e o Espírito o faz viver na
oração para que esse Mistério seja manifestado pela caridade em ato.
2719 A oração mental é uma comunhão de amor portadora de Vida para a multidão,
na medida em que ela é consentimento a habitar na noite da fé. A Noite pascal da Ressurreição
passa pela da agonia e do túmulo. São esses três tempos fortes da Hora de Jesus que, seu Espírito
(e não a "carne, que é fraca") faz viver na oração. E preciso consentir em "vigiar uma hora com
ele".
RESUMINDO
2720 A Igreja convida os fiéis a uma oração regular: orações diárias, Liturgia das Horas,
Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.
2721 A tradição cristã compreende três expressões maiores da vida de oração: a oração
vocal, a meditação e a oração mental. Estas têm em comum o recolhimento do coração.
2722 A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana,
associa o corpo á oração interior do coração, a exemplo de Cristo, que reza a seu Pai e ensina o
"Pai-Nosso" a seus discípulos.
2723 A meditação é uma busca orante que põe em ação o pensamento, a imaginação,
a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do assunto meditado,
confrontado com a realidade de nossa vida.
2724 A oração mental é a expressão simples do mistério da oração. E um olhar de fé fito
em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um silencioso amor. Realiza a união à oração de
Cristo na medida em que nos faz participar de seu Mistério. ARTIGO 2
O COMBATE DA ORAÇÃO
2725 A oração é um dom da graça e uma resposta decidida de nossa parte. Supõe
sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, como também a Mãe
de Deus e os santos com Ele, nos ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós
mesmos e contra os embustes do Tentador, que tudo faz para desviar o homem da oração, da
união com seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não quisermos
habitualmente agir segundo o Espírito de Cristo, também não poderemos habitualmente rezar
em seu Nome. O "combate espiritual" da vida nova do cristão é inseparável do combate da
oração.
I. AS OBJEÇÕES À ORAÇÃO
2726 No combate da oração, devemos enfrentar, em nós mesmos e à nossa volta,
concepções errôneas da oração. Algumas vêem nela uma simples operação psicológica;
outras, um esforço de concentração para se chegar ao vazio mental. Algumas a codificam em
atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação
incompatível com tudo o que eles devem fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus pela
oração desanimam depressa, porque ignoram que a oração também procede do Espírito Santo
e não apenas deles.
2727 Devemos também enfrentar mentalidades "deste mundo" que nos contaminam se
não formos vigilantes, por exemplo: a afirmação de que o verdadeiro seria apenas o que é
verificado pela razão e pela ciência (rezar, pelo contrário, é um mistério que ultrapassa nossa
consciência e nosso inconsciente); os valores de produção e rendimento (a oração, sendo
improdutiva, é inútil); o sensualismo e o bem-estar material, considerados como critério da
verdade, do bem e da beleza (a oração, porém, "amor da Beleza" [filocalia, é enamorada da
glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação contra o ativismo, a oração é apresentada como
fuga do mundo (a oração cristã, no entanto, não é um sair da história nem está divorciada da
vida).
2728 Enfim, nosso combate deve enfrentar aquilo que sentimos como nossos fracassos na
oração: desânimo diante de nossa aridez, tristeza por não ter dado tudo ao Senhor, por ter
''muitos bens", decepção por não ser atendidos segundo nossa vontade própria, insulto ao nosso
orgulho (o qual não aceita nossa indignidade de pecadores), alergia à gratuidade da oração
etc. A conclusão é sempre a mesma: para que rezar? Para superar esses obstáculos é preciso
lutar para ter a humildade, a confiança, a perseverança.
II. A HUMILDE VIGILÂNCIA DO CORAÇÃO
DIANTE DAS DIFICULDADES DA ORAÇÃO
2729 A dificuldade comum de nossa oração é a distração. Esta pode referir-se às palavras
e ao seu sentido, na oração vocal. Pode, porém, referir-se mais profundamente àquele a quem
oramos, na oração vocal (1itúrgica ou pessoal), na meditação e na oração mental. Perseguir
obsessivamente as distrações seria cair em suas armadilhas, já que e suficiente o voltar ao nosso
coração: uma distração nos revela aquilo a que estamos amarrados, e essa tomada de
consciência humilde diante do Senhor deve despertar nosso amor preferencial por Ele,oferecendo-lhe resolutamente nosso coração, para que Ele o purifique. Aí se situa o combate: a
escolha do Senhor a quem servir.
2730 Positivamente, o combate contra nosso "eu" possessivo e dominador é a vigilância, a
sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, ela está sempre relacionada com
Ele, com sua vinda, com o último dia e com cada dia: "hoje". O Esposo vem no meio da noite; a
luz que não deve ser extinta é a da fé: "Meu coração diz a teu respeito: 'Procurai a sua face"' (Sl
27,8).
2731 Outra dificuldade, especialmente para aqueles que querem sinceramente orar, é a
aridez. Esta acontece na oração, quando o coração está desanimado, sem gosto com relação
aos pensamentos, às lembranças e aos sentimentos, mesmo espirituais. E o momento da fé pura
que se mantém fielmente com Jesus na agonia e no túmulo. "Se o grão de trigo que cai na terra
morrer, produzirá muito fruto" (Jo 12,24). Se a aridez é causada pela falta de raiz, porque a
Palavra caiu sobre as pedras, o combate deve ir na linha da conversão.
DIANTE DAS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO
2732 A tentação mais comum, mais oculta, é nossa falta de fé, que se exprime não tanto
por uma incredulidade declarada quanto por uma opção de fato. Quando começamos a orar,
mil trabalhos ou cuidados, julgados urgentes, apresentam-se como prioritários; de novo, é o
momento da verdade do coração e de seu amor preferencial. Com efeito, voltamo-nos para o
Senhor como o último recurso: mas de fato acreditamos nisso? As vezes tomamos o Senhor como
aliado, mas o coração ainda está na presunção. Em todos os casos, nossa falta de fé revela que
não estamos ainda na disposição do coração humilde: "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5).
2733 Outra tentação, cuja porta é aberta pela presunção, é a acídia (chamada também
"preguiça"). Os Padres espirituais entendem esta palavra como uma forma de depressão devida
ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. "O espírito
está pronto, mas a carne é fraca" (Mt 26,). Quanto mais alto se sobe, tanto maior a queda. O
desânimo doloroso é o inverso da presunção. Quem é humilde não se surpreende com sua
miséria Passa então a ter mais confiança, a perseverar na constância.
III. A CONFIANÇA FILIAL
2734 A confiança filial é experimentada - e se prova - na tribulação[a123] . A dificuldade
principal se refere à oração de súplica por si ou pelos outros, na intercessão. Alguns deixam até
de orar porque, pensam eles, seu pedido não é ouvido. Aqui surgem duas questões: por que
pensamos que nosso pedido não foi ouvido? De que maneira é atendida, ou é "eficaz", nossa
oração?
POR QUE NOS LAMENTAR POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?
2735 Um fato deveria provocar admiração em nós. Quando louvamos a Deus ou lhe
damos graças pelos benefícios em geral, pouco nos preocupamos em saber se nossa oração lhe
é agradável. Em compensação, temos a pretensão de ver o resultado de nosso pedido. Qual é,
pois, a imagem de Deus que nos motiva à oração? Um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo?
2736 Estamos acaso convencidos de que "nem sabemos o que convém pedir" (Rm
8,26)? Pedimos a Deus "os bens convenientes"? Nosso Pai sabe do que precisamos, antes de lho
pedirmos, mas espera nosso pedido porque a dignidade de seus filhos está precisamente em sua
liberdade. Mas é preciso rezar com seu Espírito de liberdade para poder conhecer na verdade o
seu desejo.
2737 "Não possuís porque não pedis. Pedis, mas não recebeis, porque pedis mal, com o
fim de gastardes nos vossos prazeres" (Tg 4,2-3). Se pedimos com um coração dividido, "adúltero" Deus não nos pode ouvir, porque deseja nosso bem, nossa vida. "Ou julgais que é em vão que a
Escritura diz: Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós (Tg 4,5)?" Nosso Deus é
"ciumento" de nós, o que é o sinal da verdade de seu amor. Entremos no desejo de seu Espírito e
seremos ouvidos: Não te aflijas se não recebes imediatamente de Deus o que lhe pedes: pois Ele
quer fazer-te um bem ainda maior por tua perseverança em permanecer com Ele na oração. Ele
quer que nosso desejo seja provado na oração. Assim Ele nos prepara para receber aquilo que
Ele está pronto a nos dar.
DE QUE MANEIRA É EFICAZ NOSSA ORAÇÃO?
2738 A revelação da oração na economia da salvação nos ensina que a fé se apóia na
ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada por sua ação por excelência: a Paixão e
a Ressurreição de seu Filho. A oração cristã é cooperação com sua Providência, com seu plano
de amor para os homens.
2739 Em S. Paulo, esta confiança é audaciosa, fundada na oração do Espírito em nós e
no amor fiel do Pai, que nos deu seu Filho único. A transformação do coração que reza é a
primeira resposta a nosso pedido.
2740 A oração de Jesus faz da oração cristã uma súplica eficaz. É Ele o seu modelo.
Jesus reza em nos e conosco. Já que o coração do Filho não busca senão o que agrada ao Pai,
como haveria (o coração dos filhos adotivos) de apegar-se mais aos dons do que ao Doador?
2741 Jesus também reza por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos
pedidos foram recolhidos uma vez por todas em seu Grito na Cruz e ouvidos pelo Pai em sua
Ressurreição, e por isso Ele não deixa de interceder por nós junto do Pai. Se nossa oração está
resolutamente unida à de Jesus, na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedimos
em seu nome; bem mais do que pequenos favores, receberemos o próprio Espírito Santo, que
possui todos os dons.
IV. PERSEVERAR NO AMOR
2742 “Orai sem cessar" (1 Ts 5,17), "sempre e por tudo dando graças a Deus Pai, em nome
de nosso Senhor, Jesus Cristo" (Ef 5,20), "com orações e súplicas de toda sorte, orai em todo
tempo, no Espírito e, para isso, vigiai com toda perseverança e súplica por todos os santos" (Ef
6,18). "Não nos foi prescrito que trabalhemos, vigiemos e jejuemos constantemente, enquanto,
para nós, é lei rezar sem cessar." Esse ardor incansável só pode provir do amor. Contra nossa
pesada lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e
perseverante. Esse amor abre nossos corações para três evidências de fé, luminosas e
vivificantes:
2743 Orar é sempre possível: o tempo do cristão é o de Cristo ressuscitado que "esta
conosco todos os dias" (Mt 28,20), apesar de todas as tempestades. Nosso tempo está nas mãos
de Deus: É possível até no mercado ou num passeio solitário fazer uma oração freqüente e
fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo, ou mesmo cozinhando.
2744 Orar é uma necessidade vital. A prova contrária não é menos convincente: se não
nos deixarmos levar pelo Espírito, cairemos de novo na escravidão do pecado. Como o Espírito
Santo pode ser "nossa Vida", se nosso coração está longe dele? Nada se compara em valor à
oração; ela toma possível o que é impossível, fácil o que é difícil. E impossível que caia em
pecado o homem que reza.
QUEM REZA CERTAMENTE SE SALVA; QUEM NÃO REZA CERTAMENTE SE CONDENA[A145] .
2745 Oração e vida cristãs são inseparáveis, pois se trata do mesmo amor e da mesma
renúncia que procede do amor. Trata-se da mesma conformidade filial e amorosa ao plano de
amor do Pai; da mesma união transformadora no Espírito Santo, a qual nos conforma sempre mais a Cristo Jesus; trata-se do mesmo amor por todos os homens, aquele amor com que Jesus
nos amou. "Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome Ele vos dará. Isto vos mando: amai-vos
uns aos outros" (Jo 15,16-17).
Ora sem cessar aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Somente dessa
forma podemos considerar como realizável o principio de orar sem cessar.
V. A ORAÇÃO DA HORA DE JESUS
2746 Quando chega sua Hora, Jesus ora ao Pai. Sua oração, a mais longa transmitida
pelo Evangelho, abarca toda a economia da criação e da salvação, como sua Morte e
Ressurreição. A oração da Hora de Jesus é sempre a sua, assim como sua Páscoa, acontecida
"uma vez por todas", estará sempre presente na Liturgia de sua Igreja.
2747 A tradição cristã a chama com toda propriedade a oração "sacerdotal" de Jesus. E
a oração de nosso Sumo Sacerdote, inseparável de seu Sacrifício, de sua "passagem" [páscoa]
para o Pai, onde Ele é "consagrado" inteiramente ao Pai.
2748 Nessa oração pascal, sacrifical, tudo é "recapitulado" nele: Deus e o mundo, o
Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o trai, os
discípulos presentes e aqueles que crerão nele por meio da palavra deles, a humilhação e a
glória. E a oração da Unidade.
2749 Jesus realizou toda a obra do Pai, e sua oração, como seu Sacrifício, se estende até
a consumação dos tempos. A oração da Hora enche os últimos tempos e os leva até sua
consumação. Jesus, o Filho a quem o Pai deu tudo, está todo entregue ao Pai e, ao mesmo
tempo, se exprime com uma liberdade soberana, em virtude do poder que o Pai lhe deu sobre
toda carne. O Filho, que se tomou Servo, é o Senhor, o Pantocrátor (o Todo-Poderoso). Nosso
Sumo Sacerdote, que por nós reza é também aquele que ora em nós e o Deus que nos ouve.
2750 E entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, interiormente, a
oração que Ele nos ensina: "Pai nosso!” Sua oração sacerdotal inspira os grandes pedidos do PaiNosso: a solicitude pelo nome do Pai, a paixão por seu Reino (a glória), [a157] o cumprimento da
vontade do Pai, de seu plano de salvação, e a libertação do mal.
2751 Por fim, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o "conhecimento"
indissociável do Pai e do Filho, que é o próprio mistério da Vida de oração.
RESUMINDO.
2752 A oração supõe um esforço e uma luta contra nós mesmos e contra os embustes
do Tentador. O combate da oração é inseparável do "combate espiritual" necessário para agir
habitualmente segundo o Espírito de Cristo: reza-se como se vive, porque se vive como se reza.
2753 No combate da oração devemos enfrentar concepções errôneas, diversas
correntes de mentalidade, a experiência de nossos fracassos. A essas tentações que lançam
dúvida sobre a utilidade ou a própria possibilidade da oração convém responder pela
humildade, confiança e perseverança.
2754 As dificuldades principais no exercício da oração são a distração e a aridez. O
remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.
2755 Duas tentações freqüentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acídia, que é
uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, que leva ao desânimo.
2756 A confiança filial é posta â prova quando temos o sentimento de não ser sempre
ouvidos. O Evangelho nos convida a nos interrogar sobre a conformidade de nossa oração com
o de-sejo do Espírito.2757 "Orai sem cessar" (1 Ts 5,17). Rezar sempre é possível. É mesmo uma necessidade
vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.
2758 A oração da Hora de Jesus, chamada com propriedade "oração sacerdotal,
recapitula toda a Economia da criação e da salvação e inspira os grandes pedidos do "PaiNosso".
QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
SEGUNDA SEÇÃO
A ORAÇÃO DO SENHOR: "PAI NOSSO!"
2759 "Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos
pediu-lhe: 'Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos"' (Lc 11,1). E em
resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã
fundamental. S. Lucas traz um texto breve (de cinco pedidos); S. Mateus, uma versão mais
desenvolvi da (de sete pedidos). A tradição litúrgica da Igreja conservou o texto de S. Mateus:
Pai nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso nome;
venha a nós o vosso reino;
seja feita a vossa vontade,
assim na terra como no céu;
pão nosso de cada dia nos dai hoje;
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido;
e não nos deixeis cair em tentação.
mas livrai-nos do mal.
2760 Bem cedo, o uso litúrgico concluiu a Oração do Senhor com uma doxologia. Na
Didaché (8,2): "Pois vosso é o poder e a glória para sempre[a4] ". As Constituições Apostólicas
(7,24,1) acrescentam no começo: “o reino” , e é esta a fórmula conservada hoje na oração
ecumênica. A tradição bizantina, logo em seguida à "glória”, acrescenta "Pai, Filho e Espírito
Santo". O missal romano desdobra o último pedido na perspectiva explícita da expectativa da
"bem-aventurada esperança" e da Vinda de Jesus Cristo, nosso Senhor vindo em seguida a
aclamação da assembléia, que retoma a doxologia das Constituições Apostólicas.
ARTIGO 1
"O RESUMO DE TODO O EVANGELHO"
2761 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho." "Depois de nos
ter legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: 'Pedi e vos será dado' (Jo 16,24).
Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas
começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental."1. NO CENTRO DAS ESCRITURAS
2762 Depois de mostrar como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e
convergem nos pedidos do Pai-Nosso, Sto. Agostinho conclui: Percorrei todas as orações que se
encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja
incluído na oração do Senhor.
2763 Todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os Salmos) se realizam em Cristo. O Evangelho
é esta "Boa nova". Seu primeiro anúncio é resumido por S. Mateus no Sermão da Montanha. Ora,,
a oração ao Nosso Pai encontra-se no centro deste anúncio. E este contexto que ilumina cada
pedido da oração que o Senhor nos deixou:
A Oração dominical é a mais perfeita das orações... Nela, não só pedimos tudo quanto
podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De
modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos.
2764 O Sermão da Montanha é doutrina de vida, a Oração do Senhor é oração, mas em
ambos o Espírito do Senhor dá forma nova aos nossos desejos, isto é, a estas moções interiores
que animam nossa vida. Jesus nos ensina esta vida nova por suas palavras e nos ensina a pedi-la
pela oração. Da retidão de nossa oração dependerá a retidão de nossa vida em Cristo.
II- "A ORAÇÃO DO SENHOR"
2765 A tradicional expressão "Oração dominical" [ou seja, "Oração do Senhor"] significa
que a oração ao nosso Pai nos foi ensinada e dada pelo Senhor Jesus. Esta oração que nos vem
de Jesus é realmente única: ela é "do Senhor". Com efeito, por um lado, mediante as palavras
desta oração, o Filho único nos dá as palavras que o Pai lhe deu; Ele é o Mestre de nossa oração.
Por outro lado, como Verbo encarnado, Ele conhece em seu coração de homem as
necessidades de seus irmãos e irmãs humanos e no-las revela; é o Modelo de nossa oração.
2766 Jesus, no entanto, não nos deixa uma fórmula a ser repetida maquinalmente. Como
vale em relação a toda oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina aos
filhos de Deus como rezar a seu Pai. Jesus nos dá não só as palavras de nossa oração filial, mas
também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós "espírito e vida" (Jo 6,).
Mais ainda: a prova e a possibilidade de nossa oração filial consiste no fato de que o Pai "enviou
aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" ( 4,6). Já que nossa oração
interpreta nossos desejos diante de Deus, é ainda "aquele que perscruta os corações", o Pai,
quem "sabe qual é o desejo do Espírito; pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm
8,27). A oração a Nosso Pai insere-se na missão misteriosa de Filho e do Espírito.
III. A ORAÇÃO DA IGREJA
2767 A Igreja recebeu e viveu desde as origens este dom indissociável das palavras do
Senhor e do Espírito Santo, que a elas dá vida no coração dos crentes. As primeiras comunidades
rezam a Oração do Senhor "três vezes ao dia", em lugar das "Dezoito bênçãos" em uso na
piedade judaica.
2768 Segundo a Tradição apostólica, a Oração do Senhor está essencialmente arraigada
na oração litúrgica.
O Senhor nos ensina a rezar nossas orações em comum por todos os nossos irmãos. Pois
não diz "meu Pai" que estás nos céus, mas "nosso" Pai, a fim de que nossa oração seja, com um só
coração e uma só alma, por todo o Corpo da Igreja.
Em todas as tradições litúrgicas, a Oração do Senhor é parte integrante das grandes horas
do Ofício Divino. Mas é sobretudo nos três sacramentos da iniciação cristã que seu caráter
eclesial aparece claramente.2769 No Batismo e na Confirmação, a entrega ["traditio"] da Oração do Senhor significa o
novo nascimento para a vida divina. Já que a oração cristã consiste em falar a Deus com a
própria Palavra de Deus, os que são "regenerados mediante a Palavra do Deus vivo" (l Pd 1,23)
aprendem a invocar seu Pai mediante a única Palavra que ele sempre atende. E já podem
invocá-lo desde agora, pois o Selo da Unção do Espírito Santo foi-lhes gravado, indelevelmente,
sobre o coração, os ouvidos, os lábios, sobre todo o seu ser filial. É por isso que a maioria dos
comentários patrísticos do Pai-Nosso são dirigidos aos catecúmenos e aos neófitos. Quando a
Igreja reza a Oração do Senhor, é sempre o povo dos "renascidos" que reza e obtém
misericórdia.
2770 Na Liturgia Eucarística, a Oração do Senhor aparece como a oração de toda a
Igreja. Nela revela-se seu sentido pleno e sua eficácia. Situada entre a Anáfora (Oração
eucarística) e a Liturgia da comunhão, ela recapitula por um lado todos os pedidos e
intercessões expressos no movimento da Epiclese e, por outro, bate à porta do Festim do Reino
que a Comunhão sacramental vai antecipar.
2771 Na Eucaristia, a Oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico de seus
pedidos. E a oração própria dos "últimos tempos", dos tempos da salvação que começaram com
a efusão do Espírito Santo e que terminarão com a Volta do Senhor. Os pedidos ao nosso Pai, ao
contrário das orações da Antiga Aliança, apóiam-se sobre o mistério da salvação já realizada,
uma vez por todas, em Cristo crucificado e ressuscitado.
2772 Desta fé inabalável brota a esperança que anima cada um dos sete pedidos. Estes
exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual
"ainda não se manifestou o que nós seremos" (1 Jo 3,2). A Eucaristia e o Pai-Nosso apontam para
a vinda do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26).
RESUMINDO
2773 Atendendo ao pedido de seus discípulos ("Senhor, ensina-nos a orar": Lc 11,1), Jesus
lhes confia a oração cristã fundamental do Pai-Nosso.
2774 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho", "a mais perfeita
das orações" Está no centro das Escrituras.
2775 É chamada "Oração dominical" porque nos vem do Senhor; Jesus, Mestre e Modelo
de nossa oração.
2776 A Oração dominical é a oração da Igreja por excelência. É parte integrante das
grandes Horas do Oficio Divino e dos sacramentos da iniciação cristã: Batismo, Confirmação e
Eucaristia. Integrada na Eucaristia, ela manifesta o caráter "escatológico" de seus pedidos, na
esperança do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26):
ARTIGO 2
"PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU"
I. "OUSAR APROXIMAR-NOS COM TODA A CONFIANÇA"
2777 Na liturgia romana, a assembléia eucarística é convidada a rezar o Pai-Nosso com
ousadia filial; as liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: "Ousar com toda a
segurança", "torna-nos dignos de". Diante da sarça ardente, foi dito a Moisés: "Não te aproximes
daqui; tira as sandálias" (Ex 3,5). Este limiar da Santidade divina só Jesus podia transpor, Ele que,
"depois de ter realizado a purificação dos pecados" (Hb 1,3), nos introduz diante da Face do Pai:
"Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu" (Hb 2,13).A consciência que temos de nossa situação de escravos nos faria desaparecer debaixo
da terra, nossa condição terrestre se reduziria a pó, se a autoridade de nosso Pai e o Espírito de
seu Filho não nos levassem a clamar: "Abba, Pai!" (Rm 8,15)... Quando ousaria a fraqueza de um
mortal chamar a Deus seu Pai, senão apenas quando o íntimo do homem é animado pela Força
do a1to[a32] ?
2778 Esta força do Espírito que nos introduz na Oração do Senhor traduz-se nas liturgias
do Oriente e do Ocidente pela bela expressão tipicamente cristã: "parrhesia", simplicidade sem
rodeios, confiança filial, jovial segurança, audácia humilde, certeza de ser amado.
II. "PAI!"
2779 Antes de fazer nossa esta primeira invocação da Oração do Senhor, convém
purificar humildemente nosso coração de certas imagens falsas a respeito "deste mundo". A
humildade nos faz reconhecer que "ninguém conhece o Pai senão o Filho ele a quem o Filho o
quiser revelar" (Mt 11 ,27), isto e, aos pequeninos" (Mt 11,25). A purificação do coração diz
respeito às imagens paternas ou maternas oriundas de nossa história pessoal e cultural e que
influenciam nossa relação com Deus. Deus nosso Pai transcende as categorias do mundo criado.
Transpor para Ele, ou contra Ele, nossas idéias neste campo seria fabricar ídolos, para adorar ou
para demolir. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou:
A expressão "Deus Pai" nunca fora revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés
perguntou a Deus quem Ele era, ouviu outro nome. A nós este nome foi revelado no Filho, pois
este nome novo implica o nome novo de Pai.
2780 Podemos invocar a Deus como "Pai", porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito
homem e porque seu Espírito no-lo faz conhecer. Aquilo que o homem não pode conceber nem
as potências angélicas podem entrever, isto é, a relação pessoal do Filho com o Pai, eis que o
Espírito do Filho nos faz participar nela (nessa relação pessoal), nós, que cremos que Jesus é o
Cristo e (cremos) que somos nascidos de Deus.
2781 Quando rezamos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com seu Filho, Jesus
Cristo. E então que o conhecemos e o reconhecemos num marav ilhamento sempre novo. A
primeira palavra da Oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica.
Pois a Glória de Deus é que nós o reconheçamos como "Pai", Deus verdadeiro. Rendemo-lhe
graças por nos ter revelado seu Nome, por nos ter concedido crer nele e por sermos habitados
por sua Presença.
2782 Podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para sua Vida, adotando-nos
como filhos em seu Filho único: pelo Batismo, Ele nos incorpora no Corpo de seu Cristo e, pela
Unção de seu Espírito, que se derrama da Cabeça para os membros, faz de nós "cristos" (isto é,
"ungidos"). Deus, que nos predestinou à adoção de filhos, tomou-nos conformes ao Corpo
glorioso de Cristo. Doravante, portanto, como participantes do Cristo, vós sois com justa razão
chamados "cristos". O homem novo, renascido e restituído a seu Deus pela graça, diz, antes de
mais nada, "Pai!", porque se tornou filho
2783 Assim, portanto, pela Oração do Senhor, somos revelados a nós mesmos ao mesmo
tempo que o Pai nos é revelado: Ó homem, não ousavas levantar teu rosto ao céu, baixavas os
olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os teus pecados te foram
perdoados. De servo mau te tomaste um bom filho... Levanta, pois, os olhos para o Pai que te
resgatou por seu Filho e dize: Pai nosso... Mas não exijas nenhum privilégio. Somente de Cristo Ele
é Pai, de modo especial; para nós é Pai em comum, porque gerou somente a Ele; a nós, ao
invés, Ele nos criou. Dize, portanto, também tu, pela graça: Pai Nosso, a fim de mereceres ser seu
filho.
2784 Este dom gratuito da adoção exige de nossa parte uma conversão contínua e uma
vida nova. Rezar a nosso Pai deve desenvolver em nós, duas disposições fundamentais: O desejo
e a vontade de assemelhar-se a Ele. Criados à sua imagem, é por graça que a semelhança nos é dada e a ela devemos responder. Quando chamamos a Deus de "nosso Pai", precisamos
lembrar-nos de que devemos comportar-nos como filhos de Deus .
Não podeis chamar de vosso Pai ao Deus de toda bondade, se conservais um coração
cruel e desumano; pois nesse caso já não tendes mais em vós a marca da bondade do Pai
celeste[a49] .
É preciso contemplar sem cessar a beleza do Pai e com ela impregnar nossa alma[a50] .
2785 Um coração humilde e confiante que nos faz "retornar à condição de crianças" (Mt
18,3), porque e aos pequeninos que o Pai se revela (Mt 11,25):
É um olhar sobre Deus tão-somente, um grande fogo de amor.
A alma nele se dissolve e se abisma na santa dileção, e se entretém com Deus como com
seu próprio Pai, bem familiarmente, com ternura de piedade toda particular.
Nosso Pai: este nome suscita em nós, ao mesmo tempo, o amor, a afeição na oração, (...)
e também a esperança de alcançar o que vamos pedir... Com efeito, o que poderia Ele recusar
ao pedido de seus olhos, quando já antes lhes permitiu ser seus filhos.
III. PAI "NOSSO"
2786 Pai "Nosso" refere-se a Deus. De nossa parte, este adjetivo não exprime uma posse,
mas uma relação inteiramente nova com Deus.
2787 Quando dizemos Pai "nosso", reconhecemos primeiramente que todas as suas
promessas de amor anunciadas pelos profetas se cumprem na nova e eterna Aliança em Cristo:
nós nos torna-mos seu Povo e Ele é, doravante, "nosso" Deus. Esta relação nova é uma pertença
mútua dada gratuitamente: é pelo amor e pela fidelidade que devemos responder "à graça e à
verdade" que nos são dadas em Jesus Cristo.
2788 Como a Oração do Senhor é a de seu Povo nos "últimos tempos", este "nosso" exprime
também a certeza de nossa esperança na última promessa de Deus; na Jerusalém nova, dirá Ele
ao vencedor: "Eu serei seu Deus e ele será meu filho" (Ap 21,7).
2789 Rezando ao "nosso" Pai, é ao Pai 4e Nosso Senhor Jesus Cristo que nos dirigimos
pessoalmente. Não dividimos a divindade, porque o Pai é dela "a fonte e a origem", mas
confessamos, com isso, que eternamente o Filho é gerado por Ele e que dele procede o Espírito
Santo. Tampouco confundimos as Pessoas, porque confessamos que nossa comunhão é com o
Pai e seu Filho, Jesus Cristo, em seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é consubstancial e
indivisível. Quando rezamos ao Pai, nós o adoramos e o glorificamos com o Filho e o Espírito
Santo.
2790 Gramaticalmente, nosso qualifica uma realidade comum a vários. Não há senão um
só Deus, e Ele é reconhecido como Pai pelos que, mediante a fé em seu Filho único, renasceram
dele pela água e pelo Espírito. A Igreja é esta nova comunhão entre Deus e os homens; unida ao
Filho único tornado "o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8,29), ela está em comunhão com
um só e mesmo Pai, em um só e mesmo Espírito Santo. Rezando ao "nos- Pai, cada batizado reza
nesta Comunhão: "A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma" (At 4,32).
2791 Por isso, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao "nosso" Pai continua sendo o
bem comum e um apelo urgente para todos os batizados. Em comunhão mediante a fé em
Cristo e mediante o Batismo, devem eles participar na oração de Jesus para a unidade de seus
discípulos.
2792 Enfim, se rezamos verdadeiramente ao "Nosso Pai", saímos do individualismo, pois o
Amor que acolhemos nos liberta (do individualismo). O "nosso" do início da Oração do Senhor,
como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em
verdade[a64] , nossas divisões e oposições devem ser superadas.2793 Os batizados não podem rezar ao Pai "nosso" sem levar para junto dele todos aqueles
por quem Ele entregou seu Filho bem-amado. O amor de Deus é sem fronteiras; nossa oração
também deve sê-lo. Rezar ao "nosso" Pai abre-nos para as dimensões de Seu amor manifestado
no Cristo: rezar com e por todos os homens que ainda não O conhecem, a fim de que sejam
"congregados na unidade". Esta solicitude divina por todos os homens e por toda a criação
animou todos os grandes orantes e deve dilatar nossa oração em amplidão de amor quando
ousamos dizer Pai "nosso".
IV. "QUE ESTAIS NO CÉU"
2794 Esta expressão bíblica não significa um lugar ["o espaço], mas uma maneira de ser;
não o afastamento de Deus, mas sua majestade. Nosso Pai não está "em outro lugar", Ele está
"para além de tudo" quanto possamos conceber a respeito de sua Santidade. Porque Ele é três
vezes Santo, está bem próximo do coração humilde e contrito:
É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos
justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver
morar em si aquele que ele invoca.
Os "céus" poderiam muito bem ser também aqueles que trazem a imagem do mundo
celeste, nos quais Deus habita e passeia.
2795 O símbolo dos céus nos remete ao mistério da Aliança que vivemos quando rezamos
ao nosso Pai. Ele está nos céus que são sua Morada; a Casa do Pai é, portanto, nossa "pátria". Foi
da terra da Aliança que o pecado nos exilou e é para o Pai, para o céu, que a conversão do
coração nos faz voltar. Ora, é no Cristo que o céu e a terra são reconciliados, pois o Filho "desceu
do céu", sozinho, e para lá nos faz subir com ele, por sua Cruz, sua Ressurreição e Ascensão.
2796 Quando a Igreja reza "Pai nosso que estais nos céus", professa que somos o Povo de
Deus já assentados nos céus, em Cristo Jesus", "escondidos com Cristo em Deus" e, ao mesmo
tempo, "gememos pelo desejo ardente de revestir por cima de nossa morada terrestre a nossa
habitação celeste" (2Cor 5,2)
Os cristãos estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam sua vida na terra,
mas são cidadãos do céu.
RESUMINDO
2797 A confiança simples e fiel, a segurança humilde e alegre são as disposições que
convêm a quem reza o Pai-Nosso.
2798 Podemos invocar a Deus como "Pai" porque o Filho de Deus feito homem no-lo
revelou, Ele, em quem, pelo Batismo, somos incorporados e adotados como filhos de Deus.
2799 A oração do Senhor nos põe em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo, ela nos revela a nós mesmos.
800 Rezar ao Pai "nosso" deve desenvolver em nós a vontade de nos assemelhar a Ele e
(fazer crescer em nós) um coração humilde e confiante.
2801 Dizendo Pai Nosso, invocamos a Nova Aliança em Jesus Cristo, a comunhão com a
Santíssima Trindade e a caridade divina que se estende, pela igreja, às dimensões do mundo.
2802 "Que estais nos céus" não designa um lugar, mas a majestade de Deus e sua
presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria para onde
nos dirigimos e à qual já pertencemos.
ARTIGO 3OS SETE PEDIDOS
2803 Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo, amá-lo e
bendizê-lo, o Espírito filial faz subir de nossos corações sete pedidos, sete bênçãos. Os três
primei-ros, mais teologais, nos atraem para a Glória do Pai; os quatro últimos, como caminhos
para Ele, oferecem nossa miséria à sua Graça. "Um abismo grita a outro abismo" (Sl 42,8).
2804 A primeira série de pedidos nos leva em direção a Ele, para Ele: vosso Nome, vosso
Reino, vossa Vontade! E próprio do amor pensar primeiro naquele que amamos. Em cada um
destes três pedidos não nos mencionamos, mas o que se apodera de nós é "o desejo ardente", "a
angústia" até, do Filho bem-amado para a Glória de seu Pai: "Seja santificado... Venha... Seja
feita...": essas três súplicas já foram atendidas pelo Sacrifício do Cristo Salvador, mas se elevam
doravante, na esperança, para seu cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em
todos.
2805 A segunda série de pedidos desenrola-se no ritmo de certas Epicleses eucarísticas: é
apresentação de nossas expectativas e atrai o olhar do Pai das misericórdias. Sobe de nós e nos
diz respeito desde agora, neste mundo: "Dai-nos... perdoai--nos... não nos deixeis... livrai-nos". O
quarto e o quinto pedi-dos referem-se à nossa vida, como tal, seja para alimentá-la, seja para
curá-la do pecado; os dois últimos referem-se ao nosso combate pela vitória da Vida, o combate
da própria oração.
2806 Mediante os três primeiros pedidos, somos confirmados na fé, repletos de esperança
e abrasados pela caridade. Criaturas e ainda pecadores, devemos pedir por nós, estendendo
este "nós" até as dimensões do mundo e da história que oferecemos ao amor sem medida de
nosso Deus. Porque é pelo Nome de seu Cristo e pelo Reino de seu Espírito Santo que nosso Pai
realiza seu plano de salvação, por nós e pelo mundo inteiro.
I Santificado seja vosso Nome
2807 O termo "santificar" deve ser entendido aqui não primeiramente em seu sentido
causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num sentido estimativo: reconhecer
como santo, tratar de maneira santa. E assim que, na adoração, esta invocação é às vezes
compreendida como um louvor e uma ação de graças. Mas este pedido, um nos é ensinado por
Jesus como um optativo: um pedido, um desejo e uma espera em que Deus e o homem estão
empenhados. Desde o primeiro pedido a nosso Pai, somos mergulhados no mistério íntimo de sua
Divindade e no evento da salvação de nossa humanidade. Pedir-lhe que seu nome seja
santificado nos envolve na "decisão prévia que lhe aprouve tomar" (Ef 1,9) para "ser santos e
irrepreensíveis diante dele no amor" (Ef 1,4).
2808 Nos momentos decisivos de sua economia, Deus revela seu Nome, mas revela-o
realizando sua obra. Ora, esta obra só se realiza para nós e em nós se seu nome for santificado
por nós e em nós.
2809 A Santidade de Deus é o centro inacessível de seu ministério eterno. Ao que, deste
mistério, está manifestado na criação e na história, a Escritura chama de Glória, a irradiação de
sua majestade. Ao criar o homem "à sua imagem e semelhança" (Gn 1,26), Deus "o coroa de
glória'', mas, pecando, o homem é "privado da Glória de Deus". Sendo assim, Deus vai manifestar
sua Santidade revelando e dando seu Nome, a fim de restaurar o homem "segundo a imagem
de seu Criador" (Cl 3,10).
2810 Na promessa a Abraão, e no juramento que a acompanha, Deus empenha a si
mesmo, mas sem revelar seu Nome. É a Moisés que começa a revelá-lo, e o manifesta aos olhos
de todo o povo, salvando-o dos egípcios: "Ele se vestiu de glória" (Ex 15,1). A partir da Aliança do
Sinai, este povo é "seu" e deve ser uma "nação santa" (ou consagrada: é a mesma palavra em
hebraico) porque o nome de Deus habita nele.
2811 Ora, apesar da Lei santa que o Deus Santo lhe dá e torna a dar, e embora o Senhor,
"em consideração a seu nome", use de paciência, o povo se desvia do Santo de Israel e "profana seu nome entre as nações". Foi por isso que os justos da Antiga Aliança, os pobres que retornaram
do exílio e os profetas, ficaram abrasados pela paixão do Nome.
2812 Por fim, em Jesus, o Nome do Deus Santo nos é revelado e dado, na carne, como
Salvador: revelado, por aquilo que Ele E, por sua Palavra e por seu Sacrifício. E o cerne de sua
oração sacerdotal: "Pai santo... por eles a mim mesmo me santifico, para que sejam santificados
na verdade" (Jo 17,19). E por "santificar" Ele mesmo o seu nome que Jesus nos manifesta" o Nome
do Pai. Ao final de sua Páscoa, o Pai lhe dá então o nome que está acima de todo nome: Jesus
é Senhor para a glória de Deus Pai.
2813 Na água do Batismo fomos "lavados, santificados, justificados em nome do Senhor
Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus" (1 Cor 6,11). Durante toda nossa vida, nosso Pai "nos
chama à santidade" (l Ts 4,7). E, já que é "por ele que vós sois em Cristo Jesus, que se tornou para
nós santificação" (1 Cor 1,30), contribui para sua Glória e para nossa vida o fato de seu nome ser
santificado em nós e por nós. Essa é a urgência de nosso primeiro pedido. Quem poderia
santificar a Deus, já que é Ele mesmo quem santifica? Mas, inspirando-nos nesta palavra: "Sede
santos porque eu sou Santo" (Lv 11,44), nós pedimos que, santificado pelo Batismo, perseveremos
naquilo que começamos a ser. pedimo-lo todos os dias, porque cometemos faltas todos os dia e
devemos purificar-nos de nossos pecados por uma santificação retomada sem cessar...
Recorremos, portanto, à oração para esta santidade permaneça em nós.
2814 Depende, inseparavelmente, de nossa vida e de nossa oração que seu Nome seja
santificado entre as nações: Pedimos a Deus que santifique seu Nome, porque é pela santidade
que Ele salva e santifica toda a criação... Trata-se do Nome que dá a salvação ao mundo
perdido, mas pedimos que Nome de Deus seja santificado em nós por nossa vida. Pois, se
vivermos bem, o Nome divino é bendito; mas, se vivermos mal, ele é blasfemado, segundo a
palavra do Apóstolo: "O Nome de Deus está sendo blasfemado por vossa causa entre os
pagãos” (Rm 2,24). Rezamos, portanto, para merecer ter em nossas almas tanta santidade
quanto é santo o Nome de nosso Deus. Quando dizemos "santificado seja o vosso Nome",
pedimos que ele seja santificado em nós que estamos nele, mas também nos outros que a
graça de Deus ainda aguarda, a fim de conformar-nos aos preceito, que nos obriga a rezar por
todos, mesmo por nossos inimigos. E por isso que não dizemos expressamente: vosso Nome seja
santificado "em nós", porque pedimos que ele o seja em todos os homens.
2815 Este pedido, que contém todos os pedidos, é atendido pela oração de Cristo, como
os seis outros que seguem. A oração ao nosso Pai é nossa oração se for rezada "no Nome” de
Jesus. Jesus pede em sua oração sacerdotal: "Pai sai guarda em teu Nome os que me deste" (Jo
17,11).
II. Venha a nós o vosso Reino
2816 No Novo Testamento o mesmo termo "Basiléia" pode ser traduzido por realeza (nome
abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus existe antes de
nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, é anunciado ao longo de todo o Evangelho, veio na
morte e na Ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa Ceia e na Eucaristia: ele
está no meio de nós. O Reino virá na glória quando Cristo o restituir a seu Pai:
O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas
súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa
Ressurreição, pois nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois nele nós
reinaremos.
2817 Este pedido é o "Marana Tha", o grito do Espírito e da Esposa: "Vem, Senhor Jesus":
Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino,
nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas
esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: "Até
quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?" (Ap 6,10). Eles devem, com efeito, obter justiça no fim dos tempos. Senhor, apressa portanto a vinda de teu
reinado.
2818 Na Oração do Senhor, trata-se principalmente da vinda final do Reinado de Deus
mediante o retorno de Cristo. Mas este desejo não desvia a Igreja de sua missão neste mundo,
antes a empenha ainda mais nesta missão. Pois a partir de Pentecostes a vinda do Reino é obra
do Espírito do Senhor "para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra".
2819 "O Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14,17). Os últimos
tempos, que estamos vivendo, são os tempos da efusão do Espírito Santo. Trava-se, por
conseguinte, um combate decisivo entre "a carne" e o Espírito:
Só um coração puro pode dizer com segurança: "Venha a nós o vosso Reino". E preciso ter
aprendido com Paulo para dizer: "Portanto, que o pecado não impere mais em vosso corpo
mortal" (Rm 6,12). Quem se conserva puro em suas ações, em seus pensamentos e em suas
palavras pode dizer a Deus: "Venha o vosso Reino["
2820 Num trabalho de discernimento segundo o Espírito, devem os cristãos distinguir entre
o crescimento do Reino de Deus e o progresso da cultura e da sociedade em que estão
empenhados. Esta distinção não é separação. A vocação do homem para a vida eterna não
suprime, antes reforça seu dever de acionar as energias e os meios recebidos do Criador para
servir neste mundo à justiça e à paz.
2821 Este pedido está contido e é atendido na oração de Jesus, presente e eficaz na
Eucaristia; produz seu fruto na vida nova segundo as Bem-aventuranças.
III. SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
2822 É Vontade de nosso Pai "que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). Ele “usa de paciência, porque não quer que ninguém se
perca" (2Pd 3,9). Seu mandamento, que resume todos os outros, e que nos diz toda a sua
vontade, é que "nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou”.
2823 "Deu-nos a conhecer o mistério de sua vontade, conforme decisão prévia que lhe
aprouve tomar: .. .a de em Cristo encabeçar todas as coisas... Nele, predestinados pelo propósito
daquele que tudo opera segundo o conselho de sua Vontade, fomos feitos sua herança" (Ef 1,9-
11). Pedimos que se realize plenamente este desígnio amoroso na terra, como já acontece no
céu.
2824 No Cristo, e por sua vontade humana, a Vontade do Pai foi realizada completa e
perfeitamente e uma vez por todas. Jesus disse ao entrar neste mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó
Deus, para fazer a tua vontade" (Hb 10,7). Só Jesus pode dizer: “Faço sempre o que lhe agrada"
(Jo 8,29). Na oração de sua agonia, ele consente totalmente com esta vontade: "Não a minha
vontade mas a tua seja feita!" (Lc 22,42). É por isso que Jesus “se entregou a si mesmo por nossos
pecados, segundo a vontade de Deus" (Gl 1,4). "Graças a esta vontade é que somos santificados
pela oferenda do corpo de Jesus Cristo" (HB 10,10).
2825 Jesus, "embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento" (Hb
5,8). Com maior razão, nós, criaturas e pecadores, que nos tornamos nele filhos adotivos,
pedimos ao nosso Pai que una nossa vontade à de seu Filho para realizar sua Vontade, seu plano
de salvação para a vida do mundo. Somos radicalmente incapazes de fazê-lo; mas, unidos a
Jesus e com a força de seu Espírito Santo, podemos entregar-lhe nossa vontade e decidir-nos a
escolher o que seu Filho sempre escolheu: fazer o que agrada ao Pai. Aderindo a Cristo,
podemos tornar-nos um só espírito com ele, e com isso realizar sua Vontade; dessa forma ela será
cumprida perfeitamente na terra como no céu. Considerai como Jesus Cristo nos ensina a ser
humildes, ao fazer-nos ver que nossa virtude não depende só de nosso trabalho, mas da graça
de Deus. Ele ordena aqui, a cada fiel que reza, que o faça universalmente, isto é, por toda a
terra. Pois não diz "seja feita a vossa vontade" em mim ou em vós, mas em toda a terra", a fim de que dela seja banido o erro, nela reine a verdade, o vício seja destruído, a virtude floresça
novamente, e que a terra não mais seja diferente do céu.
2826 Pela oração é que podemos "discernir qual é a vontade de Deus" e obter "a
perseverança para cumpri-la". Jesus nos ensina que entramos no Reino dos céus não por
palavras, mas praticando a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7,21).
2827 "Se alguém faz a vontade de Deus, a este Deus escuta" (Jo 9,31). Tal é a força da
oração da Igreja em Nome de seu Senhor, sobretudo na Eucaristia; é comunhão de intercessão
com a Santíssima Mãe de Deus e com todos os santos que foram "agradáveis" ao Senhor por não
terem querido fazer senão a sua Vontade:
Podemos ainda, sem ferir a verdade, traduzir estas palavras: “Seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu" por estas: na Igreja, como em nosso Senhor, Jesus Cristo; na Esposa
que Ele desposou, como no Esposo que realizou a Vontade do Pai.
IV. O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
2828 "Dai-nos": é bela a confiança dos filhos que tudo esperam de seu Pai. "Ele faz nascer o
seu sol igualmente sobre maus e bons e cair chuva sobre justos e injustos" (Mt 5,45) e dá a todos
os seres vivos "o alimento a seu tempo" (Sl 104,27). Jesus nos ensina a fazer este pedido, que
glorifica efetivamente nosso Pai, porque reconhece como Ele é Bom para além de toda
bondade.
2829 "Dai-nos" é ainda expressão da Aliança: pertencemos a Ele e Ele pertence a nós, age
em nosso favor. Mas esse “nós” o reconhece também como o Pai de todos os homens e nós lhe
pedimos por todos eles, em solidariedade com suas necessidades e sofrimentos.
2830 "O pão nosso." O Pai, que nos dá a vida, não pode deixar de nos dar o alimento
necessário à vida, todos os bens "úteis”, materiais e espirituais. No Sermão da Montanha, Jesus
insiste nesta confiança filial que coopera com a Providência de nosso Pai. Não nos exorta a
nenhuma passividade, mas quer libertar-nos de toda inquietação e de toda preocupação. É
esse o abandono filial dos filhos de Deus:
Aos que procuram o Reino e a justiça de Deus, ele promete dar tudo por acréscimo. Com
efeito, tudo pertence a Deus: a quem possui Deus, nada lhe falta, se ele próprio não falta a Deus.
2831 A presença dos que têm fome por falta de pão, no entanto, revela outra
profundidade deste pedido. O drama da fome no mundo convoca os cristãos que rezam em
verdade para uma responsabilidade efetiva em relação a seus irmãos, tanto nos
comportamentos pessoais como em sua solidariedade com a família humana. Este pedido da
Oração do Senhor não pode ser isolado das parábolas do pobre Lázaro [a157] e do Juízo Final.
2832 Como o fermento na massa, a novidade do Reino deve ele-var o mundo pelo Espírito
de Cristo. Deve manifestar-se pela instauração da justiça nas relações pessoais e sociais,
econômicas e internacionais, sem jamais esquecer que não existe estrutura justa sem seres
humanos que queiram ser justos.
2833 Trata-se de "nosso" pão, "um" para "muitos". A pobreza das bem-aventuranças é a
virtude da partilha que convoca a comunicar e partilhar os bens materiais e espirituais, não por
coação, mas por amor, para que a abundância de uns venha em socorro das necessidades dos
outros.
2834 "Reza e trabalha." "Rezai como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se
tudo dependesse de vós." Tendo realizado nosso trabalho, o alimento fica sendo um dom de
nosso Pai; convém pedi-lo e disso render-lhe graças. É esse o sentido da bênção da mesa numa
família cristã.
2835 Este pedido e a responsabilidade que ele implica valem também para outra fome
da qual os homens padecem: "O homem não vive apenas de pão, mas de tudo aquilo que
procede da boca de Deus" (Mt 4,4), isto é, sua Palavra e seu Sopro. Os cristãos devem envidar todos os seus esforços para "anunciar o Evangelho aos pobres". Há uma fome na terra, "não fome
de pão, nem sede de água, mas de ouvir a Palavra de Deus" (Am 8,11). Por isso, o sentido
especificamente cristão desse quarto pedido refere-se ao Pão de Vida: a Palavra de Deus a ser
acolhida na fé, o Corpo de Cristo recebido na Eucaristia.
2836 "Hoje" é também uma expressão de confiança. O no-lo ensina; nossa presunção
não podia inventá-la. Como se trata sobretudo de sua Palavra e do Corpo de seu Filho, este
"hoje não é só o de nosso tempo mortal: é o Hoje de Deus:
Se recebes o pão cada dia, cada dia é para ti hoje. Se Cristo es ao teu dispor hoje, todos
os dias Ele ressuscita para ti. Como dá isso? "Tu és meu filho, eu hoje te gerei" (Sl 2,7). Hoje, isto é,
quando Cristo ressuscita.
2837 "De cada dia." Esta palavra, "epiousios" (pronuncie: epiússios), não é usada em
nenhum outro lugar no Novo Testamento. Tomada em um sentido temporal, é uma retomada
pedagógica de "hoje" para nos confirmar numa confiança “sem reserva". Tomada em sentido
qualitativo, significa o necessário à vida, e, em sentido mais amplo, todo bem suficiente para a
subsistência. Literalmente (epiousios: "supersubstancial"), designa diretamente o Pão de Vida, o
Corpo de Cristo, "remédio de imortalidade", sem o qual não temos a Vida em nós. Enfim, ligado
ao que precede, o sentido celeste é evidente: "este Dia” é o Dia do Senhor, o do Banquete do
Reino, antecipado na Eucaristia que é já o antegozo do Reino que vem. Por isso convém que a
Liturgia eucarística seja celebrada "cada dia.
A Eucaristia é nosso pão cotidiano. A virtude própria deste alimento divino é uma força de
união que nos vincula ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros, a fim de que nos
transformemos naquilo que recebemos... Este pão cotidiano está ainda nas leituras que ouvis
cada dia na Igreja, nos hinos que são cantados e que vós cantais. Tudo isso é necessário à nossa
peregrinação.
O Pai do céu nos exorta a pedir, como filhos do céu, o Pão do céu. Cristo "é Ele mesmo o
pão que, semeado na Virgem, levedado na carne, amassado na Paixão, cozido no forno do
sepulcro, colocado em reserva na Igreja, levado aos altares, proporciona cada dia aos fiéis um
alimento celeste".
V. PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS, ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS AOS QUE NOS TÊM
OFENDIDO
2838 Este pedido é surpreendente. Se comportasse apenas o primeiro membro da frase
"Perdoai-nos as nossas ofensas" - poderia ser incluído, implicitamente, nos três primeiros pedidos
da Oração do Senhor, pois o Sacrifício de Cristo é "para a remissão dos pecados". Mas, de
acordo com um segundo membro da frase, nosso pedido não será atendido, a não ser que
tenhamos antes correspondido a uma exigência. Nosso pedido é voltado para o futuro, nossa
resposta deve tê-lo precedido; uma palavra os liga: "Como".
PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS
2839 Com audaciosa confiança, começamos a rezar a nosso Pai. Ao suplicar-lhe que seu
nome seja santificado, lhe pedimos a graça de sempre mais sermos santificados. Embora
revestidos da veste batismal, nós não deixamos de pecar, de desviar-nos de Deus. Agora, neste
novo pedido, nós nos voltamos a ele, como o filho pródigo, e nos reconhecemos pecadores,
diante dele, como o publicano. Nosso pedido começa por uma "confissão", na qual declaramos,
ao mesmo tempo, nossa miséria e sua Misericórdia. Nossa esperança é firme, porque, em seu
Filho, "temos a redenção, a remissão dos pecados" (Cl 1,14). Encontramos o sinal eficaz e
indubitável de seu perdão nos sacramentos de sua Igreja .
2840 Ora, e isso é tremendo, este mar de misericórdia não pode penetrar em nosso
coração enquanto não tivermos perdoado aos que nos ofenderam. O amor, como o Corpo de Cristo, é indivisível: não podemos amar o Deus que não vemos, se não amamos o irmão, a irmã,
que vemos. Recusando-nos a per-doar nossos irmãos e irmãs, nosso coração se fecha, sua dureza
o torna impermeável ao amor misericordioso do Pai confessando nosso pecado, nosso coração
se abre à sua graça.
2841 Este pedido é tão importante que é o único ao qual o Senhor volta e que desenvolve
no Sermão da Montanha. Esta exigência crucial do mistério da Aliança é impossível para o
homem. Mas "tudo é possível a Deus" (Mt 19,26).
...ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO
2842 Este "como" não é único no ensinamento de Jesus: "Deveis ser perfeitos 'como'
vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48); "Sede misericordiosos 'como' vosso Pai é misericordioso" (Lc
6,36); "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros 'como' eu vos amei" (Lc
13,34). Observar o mandamento do Senhor é impossível se quisermos imitar, de fora, o modelo
divino. Trata-se de participar, de forma vital e "do fundo do coração", na Santidade, na
Misericórdia, no Amor de nosso Deus. Só o Espírito que é "nossa Vida" (Gl 5,25) pode fazer "nossos"
os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus. Então torna-se possível a unidade do perdão,
"perdoando-nos mutuamente 'como Deus em Cristo nos perdoou" (Ef 4,32).
2843 Assim adquirem vida as palavras do Senhor sobre o perdão, esse Amor que ama
até o extremo do amor. A parábola do servo desumano, que coroa o ensinamento do Senhor
sobre a comunhão eclesial, termina com esta palavra: "Eis como meu Pai celeste agirá
convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, o seu irmão". Com efeito, é "no fundo
do coração" que tudo se faz e se desfaz. Não está em nosso não mais sentir e esquecer a ofensa;
mas o coração que entrega ao Espírito Santo transforma a ferida em compaixão purifica a
memória, transformando a ofensa em intercessão.
2844 A oração cristã chega até o perdão dos inimigos. Transforma o discípulo,
configurando-o a seu Mestre. O perdão é um ponto alto da oração cristã; o dom da oração não
pode ser recebido a não ser num coração em consonância com a com-paixão divina. O perdão
dá também testemunho de que, em nosso mundo, o amor é mais forte que o pecado. Os
mártires, de ontem e de hoje, dão este testemunho de Jesus. O perdão é a condição
fundamental da Reconciliação [a196] dos filhos de Deus com seu Pai e dos homens entre si.
2845 Não há limite nem medida a esse perdão essencialmente divino. Tratando-se de
ofensas ("pecados", segundo Lc 11,4), ou "dívidas", segundo Mt 6,12), de fato somos sempre
deve-dores: "Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo" (Rm 13,8). A Comunhão da
Santíssima Trindade é a fonte e o critério da verdade de toda relação. Esta comunhão é vi-vida
na oração, sobretudo na Eucaristia: Deus não aceita o sacrifício dos que fomentam a desunião;
Ele ordena que se afastem do altar para primeiro se reconciliarem com seus irmãos: Deus quer ser
pacificado com orações de paz. Para Deus, a mais bela obrigação é nossa paz, nossa
concórdia, a unidade no Pai, no Filho e no Espírito Santo de todo o povo fiel.
VI. NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
2846 Este pedido atinge a raiz do precedente, pois nossos pecados são fruto do
consentimento na, tentação. Pedimos ao nosso Pai que não nos "deixe cair" nela. E difícil traduzir,
com uma palavra só, a expressão grega "me eisenegkes" (pronuncie: "me eissenenkes"), que
significa "não permitas entrar em", "não nos deixeis sucumbir à tentação". "Deus não pode ser
tentado pelo mal e a ninguém tenta" (Tg 1,13); Ele quer, ao contrário, dela nos livrar. Nós lhe
pedimos que não nos deixe enveredar pelo caminho que conduz ao pecado. Estamos
empenhados no combate "entre a carne e o Espírito". Este pedido implora o Espírito de
discernimento e de fortaleza.
2847 O Espírito Santo nos faz discernir entre a provação, necessária ao crescimento do
homem interior em vista de uma "virtude comprovada", e a tentação, que leva ao pecado e à morte. Devemos também discernir entre "ser tentado e consentir" na tentação. Por fim, o
discernimento desmascara a mentira da tentação: aparentemente, seu objeto é "bom, sedutor
para a vista, agradável” (Gn 3,6), ao passo que, na realidade, seu fruto é a morte. Deus não quer
impor o bem, ele quer seres livres... Para alguma coisa a tentação serve. Todos, com exceção de
Deus, ignoram o que nossa alma recebeu de Deus, até nós mesmos. Mas a tentação o
manifesta, para nos ensinar a conhecer-nos e, com isso, descobrir-nos nossa miséria e nos obrigar
a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou.
2848 "Não cair em tentação" envolve uma decisão do coração". Onde está o teu tesouro,
aí estará também teu coração... Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6,21.24). "Se vivemos
pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também nossa conduta" (Gl 5,25). Neste consentimento"
dado ao Espírito Santo, o Pai nos dá a força. "As tentações que vos acometeram tiveram medida
humana. Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima de vossas forças. Mas, com a
tentação, Ele vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar" (1 Cor 10,13).
2849 Ora, tal combate e tal vitória não são possíveis senão na oração. Foi por sua oração
que Jesus venceu o Tentador, desde o começo e no último combate de sua agonia. E a seu
combate e à sua agonia que Cristo nos une neste pedido a nosso Pai. A vigilância do coração é
lembrada com insistência em comunhão com a de Cristo. A vigilância consiste em "guardar o
coração", e Jesus pede ao Pai que "nos guarde em seu nome[”. O Espírito Santo procura manternos sempre alerta para essa vigilância. Esse pedido adquire todo seu sentido dramático no
contexto da tentação final de nosso combate na terra; pede a perseverança final "Eis que venho
como um ladrão: feliz aquele que vigia!" (Ap 16,15).
VII. MAS LIVRAI-NOS DO MAL
2850 O último pedido ao nosso Pai aparece também na oração de Jesus: "Não te peço
que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (Jo 17,15). Diz respeito a cada um de nós
pessoalmente, mas somos sempre "nós" que rezamos em comunhão com toda a Igreja e pela
libertação de toda a família humana. A Oração do Senhor não cessa de abrir-nos para as
dimensões da economia da salvação. Nossa interdependência no drama do pecado e da
morte se transforma em solidariedade no Corpo de Cristo, na "comunhão dos santos".
2851 Neste pedido, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o
Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O "diabo" ("diabolos") é aquele que "se atira no meio" do
plano de Deus e de sua "obra de salvação" realizada em Cristo.
2852 "Homicida desde o princípio, mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,), "Satanás, sedutor
de toda a terra habitada" (Ap 12,9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo e é
por sua derrota definitiva que a criação toda será "liberta da corrupção do pecado e da morte".
"Nós sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca; o Gerado por Deus se preserva e
o Maligno não o pode atingir. Nós sabemos que Somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o
poder do Maligno" (1 Jo 5,18-19). O Senhor, que arrancou vosso pecado e perdoou vossas faltas,
tem poder para vos proteger e vos guardar contra os ardis do Diabo que Vos combate, a fim de
que o inimigo, que costuma engendrar a falta, não vos surpreenda. Quem se entrega a Deus
não teme o Demônio. "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8,31).
2853 A vitória sobre o "príncipe deste mundo" foi alcançada, de unia vez por todas, na
Hora em que Jesus se entregou livremente à morte para nos dar sua vida. É o julgamento deste
mundo, e o príncipe deste mundo é "lançado fora", "Ele põe-se a perseguir a Mulher", mas não
tem poder sobre ela: a nova Eva, "cheia de graça" por obra do Espírito Santo, é preservada do
pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da Santíssima Mãe de
Deus, Maria, sempre virgem). "Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear
contra o resto de seus descendentes" (Ap 12,17). Por isso o Espírito e a Igreja rezam: "Vem, Senhor
Jesus" (Ap 22,17.20), porque a sua Vinda nos livrará do Maligno.
2854 Ao pedir que nos livre do Maligno, pedimos igualmente que sejamos libertados de
todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Neste última pedido, a Igreja traz toda a miséria do mundo diante do Pai. Com a libertação dos males que
oprimem a humanidade, ela implora o dom precioso da paz e a graça de esperar
perseverantemente o retorno de Cristo. Rezando dessa forma, ela antecipa, na humildade da fé,
a recapitulação de todos e de tudo naquele que "detém as chaves da Morte e do Hades" (Ap
1,18), "o Todo-Poderoso, Aquele que é, Aquele que era Aquele que vem" (Ap 1,8):
Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados por vossa
misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto,
vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador.
A DOXOLOGIA FINAL
2855 A doxologia final: "Pois vosso é o reino, o poder e a glória" retoma, mediante inclusão,
os três primeiros pedidos a nosso Pai: a glorificação de seu Nome, a vinda de seu Reino e o poder
de sua Vontade salvífica. Mas esta retomada ocorre então em forma de adoração e de ação
de graças, como na Liturgia celeste. O príncipe deste mundo atribuíra a si mentirosamente estes
três títulos de realeza, de poder e de glória; Cristo, o Senhor, os restitui a seu Pai e nosso Pai, até
entregar-lhe o Reino, quando será definitivamente consumado o Mistério da salvação e Deus
será tudo em todos.
2856 "Em seguida, terminada a oração, tu dizes 'Amém', corroborando por este Amém,
que significa 'Que isto se faça' tudo quanto está contido na oração que Deus nos ensinou."
RESUMINDO
2857 No "Pai-Nosso", os três primeiros pedidos têm por objeto a Glória do Pai: a santificação
do Nome, a vinda do Reino e o cumprimento da Vontade divina. Os quatro seguintes
apresentam-lhe nossos desejos: esses pedidos concernem à nossa vida, para nutri-la ou para
curá-la do pecado, e se relacionam com nosso combate visando à vitória do Bem sobre o Mal.
2858 Ao pedir: "Santificado seja o vosso Nome" entramos no plano de Deus, a santificação
de seu Nome - revelado a Moisés, depois em Jesus - por nós e em nós, bem como em todas as
nações e em cada ser humano.
2859 Com o segundo pedido, a Igreja tem em vista principalmente a volta de Cristo e a
vinda final do Reino de Deus, rezando também pelo crescimento do Reino de Deus no "hoje" de
nossas vidas.
2860 No terceiro pedido rezamos ao nosso Pai para que una nossa vontade à de seu Filho,
a fim de realizar seu plano de salvação na vida do mundo.
2861 No quarto pedido, ao dizer "Dai-nos", exprimimos, em comunhão com nossos irmãos,
nossa confiança filial em nosso Pai do céu. "Pão Nosso" designa o alimento terrestre necessário à
subsistência de todos nós e significa também o Pão de Vida: Palavra de Deus e Corpo de Cristo.
É recebido no "Hoje" de Deus como o alimento indispensável, (super) essencial do Banquete do
Reino que a Eucaristia antecipa.
2862 O quinto pedido implora a misericórdia de Deus para nossas ofensas, misericórdia
que só pode penetrar em nosso coração se soubermos perdoar nossos inimigos, a exemplo e
com a ajuda de Cristo.
2863 Ao dizer "Não nos deixeis cair em tentação", pedimos a Deus que não nos permita
trilhar o caminho que conduz ao pecado. Este pedido implora o Espírito de discernimento e de
fortaleza; solicita a graça da vigilância e a perseverança final.
2864 No último pedido, "mas livrai-nos do mal", o cristão pede a Deus, com a Igreja, que
manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o "Príncipe deste mundo", sobre Satanás, o
anjo que se opõe pessoalmente a Deus e a seu plano salvação.
2865 Pelo "Amém" final exprimimos nosso 'fiat" em relação aos sete pedidos: "Que assim seja!"ARTIGO 3
A LIBERDADE DO HOMEM
1730 Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu dignidade de uma pessoa
agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. "Deus deixou o homem nas mãos de sua
própria decisão" (Eclo 15,14), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo
livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição.
O homem é dotado de razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de
seus atos.
I. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
1731. A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de
fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe
sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na
verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus,
nossa bem-aventurança.
1732 Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a
liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em
perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Toma-se fonte
de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito.
1733 Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se toma livre. Não há verdadeira
liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A escolha da desobediência e do mal é um
abuso de liberdade e conduz à "escravidão do pecado".
1734 A liberdade torna o homem responsável por seus atos, na medida em que forem
voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio
da vontade sobre seus atos.
1735 A imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas ou
suprimidas pela ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições imoderadas e
outros fatores psíquicos ou sociais.
1736 Todo ato diretamente querido é imputável a seu autor:
Assim, o Senhor pergunta a Adão, após o pecado no jardim: "O que fizeste?" (Gn 3,13). O
mesmo pergunta a Caim. A mesma pergunta faz o profeta Natã ao rei Davi, após o adultério
com a mulher de Urias e o assassinato deste.
Uma ação pode ser indiretamente voluntária quando resulta de uma negligência quanto
a alguma coisa que deveríamos saber ou fazer, por exemplo, um acidente ocorrido por
ignorância do código de trânsito.
1737 Um efeito pode ser tolerado sem ser querido pelo agente, por exemplo, o
esgotamento da mãe à cabeceira de seu filho doente. O efeito ruim não é imputável se não foi
querido nem como fim nem como meio de ação, como poderia ser o caso de morte sofrida por
alguém quando tentava socorrer uma pessoa em perigo. Para que o efeito ruim seja imputável,
é preciso que seja previsível e que o agente tenha a possibilidade de evitá-lo, como, por
exemplo, no caso de um homicídio cometido por motorista embriagado.
1738 A liberdade se exerce no relacionamento entre os seres humanos. Toda pessoa
humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e
responsável. Todos devem a cada um esta obrigação de respeito. O direito ao exercício da
liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, sobretudo em matéria moral e religiosa. Este direito deve ser reconhecido civilmente e protegido nos limites do bem
comum e da ordem pública.
II. A LIBERDADE HUMANA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
1739 Liberdade e pecado. A liberdade do homem é finita e falível. De fato, o homem
falhou. Pecou livremente. Recusando o projeto do amor de Deus, enganou-se a si mesmo,
tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou outras, em grande número. Desde
suas origens, a história comprova os infortúnios e opressões nascidos do coração do homem por
causa do mau uso da liberdade.
1740 Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de dizer e fazer
tudo. É falso pretender que “o homem, sujeito da liberdade, baste a si mesmo, tendo por fim a
satisfação de seu próprio interesse no gozo dos bens terrenos. Por sua vez, as condições de
ordem econômica e social, política e cultural requeridas para um justo exercício da liberdade
são muitas vezes desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e injustiça prejudicam a
vida moral e levam tanto os fortes como os fracos à tentação de pecar contra a caridade.
Fugindo da lei moral, o homem prejudica sua própria liberdade, acorrenta-se a si mesmo, rompe
a fraternidade com seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina.
1741 Liberdade e salvação. Por sua gloriosa cruz, Cristo obteve a salvação de todos os
homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão. "É para a liberdade que Cristo
nos libertou" (Gl 5,1). Nele comungamos da "verdade que nos torna livres". O Espírito Santo nos foi
dado e, como ensina o apóstolo, "onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2 Cor
3,17). Desde agora participamos da "liberdade da glória dos filhos de Deus".
1742 Liberdade e graça. A graça de Cristo não entra em concorrência com nossa
liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no
coração do homem. Ao contrário, como a experiência cristã o atesta, -sobretudo na oração,
quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem nossa liberdade intima e
nossa segurança nas provações e diante das pressões e coações do mundo externo. Pela obra
da graça, o Espírito Santo nos educa à liberdade espiritual, para fazer de nós livres colaboradores
de sua obra na Igreja e no mundo.
"Deus de poder e misericórdia, afastai de nós todo obstáculo, para que, inteiramente
disponíveis, nos dediquemos a vosso serviço."
RESUMINDO
1743 "Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão" (Eclo 15,14), para que
pudesse livremente aderir a seu Criador e chegar, assim, à feliz perfeição.
1744 A liberdade é o poder de agir ou não agir, praticando, então, a pessoa atos
deliberados. Ela alcança a perfeição de seu ato quando está ordenada para Deus, o sumo Bem.
1745 A liberdade caracteriza os atos propriamente humanos. Torna o ser humano
responsável pelos atos dos quais é voluntariamente autor. Seu agir deliberado é algo
propriamente seu.
1746 A imputabilidade ou responsabilidade de uma ação pode ser diminuída ou
suprimida pela ignorância, violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.
1747 O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do
homem, sobretudo em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da liberdade não implica o
suposto direito de tudo dizer e fazer.
1748 "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1).ARTIGO 4
A MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS
1749 A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de forma deliberada, o
homem é, per assim dizer, o pai de seus atos. Os atos humanos, isto é, livremente escolhidos após
um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente. São bons ou maus.
I. AS FONTES DA MORALIDADE
1750 A moralidade dos atos humanos depende:
ü do objeto escolhido;
ü do fim visado ou da intenção;
ü das circunstâncias da ação.
1751 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as "fontes" ou elementos
constitutivos da moralidade dos atos humanos. O objeto escolhido é um bem para o qual se
dirige deliberadamente a vontade. É a matéria de um ato humano. O objeto escolhido
especifica moralmente o ato de querer, conforme razão o reconheça e julgue estar de acordo
ou não com o bem verdadeiro. As regras objetivas da moralidade enunciam a ordem racional
do bem e do mal, atestada pela consciência.
1752 Perante o objeto, a intenção se coloca do lado do sujeito agente. Pelo fato de
ater-se à fonte voluntária da ação e determiná-la pelo objetivo, a intenção é um elemento
essencial na qualificação moral da ação. A finalidade é o primeiro termo da intenção e designa
a meta visada na ação. A intenção é um movimento da vontade em direção ao objetivo; ela diz
respeito ao fim visado pela ação. É a meta do bem que se espera da ação praticada. Não se
limita à direção de nossas ações singulares, mas pode orientar para um mesmo objetivo ações
múltiplas; pode orientar toda vida para o fim último. Por exemplo, um serviço prestado tem por
fim ajudar o próximo, mas pode também ser inspirado pelo amor a Deus, fim último de todas as
nossas ações. Uma mesma ação também pode ser inspirada por várias intenções, como, por
exemplo, prestar um serviço para obter um favor ou para vangloriar-se.
1753 Uma intenção boa (por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom nem justo um
comportamento desordenado em si mesmo (como a mentira e a maledicência). O fim não
justifica os meios. Assim, não se pode justificar a condenação de um inocente como meio
legítimo de salvar o povo. Por sua vez, acrescentada uma intenção má (como, por exemplo, a
vanglória), o ato em si bom (como a esmola) torna-se mau.
1754 As circunstâncias, incluídas as conseqüências, são os elementos secundários de um
ato moral. Contribuem para agra-var ou diminuir a bondade ou maldade moral dos atos
humanos (por exemplo, o montante de um furto). Podem também atenuar ou aumentar a
responsabilidade do agente (agir, por exemplo, por temor da morte). As circunstâncias não
podem por si modificar a qualidade moral dos próprios atos, não podem tomar boa ou justa uma
ação má em si.
II. ATOS BONS E ATOS MAUS
1755 O ato moralmente bom supõe a bondade do objeto, da finalidade e das
circunstâncias. Uma finalidade má corrompe a ação, mesmo que seu objeto seja bom em si
(como, por exemplo, rezar e jejuar "para ser visto pelos homens").O objeto da escolha por si só pode viciar o conjunto de determinado agir. Existem
comportamentos concretos - como a fornicação - cuja escolha é sempre errônea, pois
escolhê-los significa uma desordem da vontade, isto é, um mal moral.
1756 É errado, pois, julgar a moralidade dos atos humanos considerando só a intenção
que os inspira ou as circunstâncias (meio ambiente, pressão social, constrangimento ou
necessidade de agir etc.) que compõem o quadro. Existem atos que por si mesmos e em si
mesmos, independentemente das circunstâncias e intenções, são sempre gravemente ilícitos, em
virtude de seu objeto: a blasfêmia e o perjúrio, o homicídio e o adultério. Não é permitido praticar
um mal para que dele resulte um bem.
RESUMINDO
1757 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as três “fontes" da moralidade
dos atos humanos.
1758 O objeto escolhido especifica moralmente o ato do querer conforme a razão o
reconheça e julgue bom ou mau.
1759 “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção.” O fim não
justifica os meios.
1760 O ato moralmente bom supõe, ao mesmo tempo, a bondade do objeto, da
finalidade e das circunstâncias.
1761 Existem comportamentos concretos cuja escolha é sempre errônea, porque
escolhê-los significa uma desordem da vontade de, isto é, um mal moral. Não é permitido fazer o
mal para que daí resulte um bem.
ARTIGO 5
A MORALIDADE DAS PAIXÕES
1762 O ser humano se ordena para a bem-aventurança por meio de seus atos
deliberados: as paixões ou sentimentos que experimenta podem dispô-lo e contribuir para isso.
I. AS PAIXÕES
1763 O termo "paixões" pertence ao patrimônio cristão. Os sentimentos ou paixões
designam as emoções ou movimentos da sensibilidade que inclinam alguém a agir ou não agir
em vista do que é experimentado ou imaginado como bom ou mau.
1764 As paixões são componentes naturais do psiquismo humanos; constituem o lugar
de passagem e garantem a ligação entre a vida sensível e a vida do espírito. Nosso Senhor
indica o coração do homem como a fonte de onde brota o movimento das paixões.
1765 As paixões são numerosas. A paixão mais fundamental é o amor provocado pela
atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança de consegui-lo. Este
movimento se completa no prazer e na alegria do bem possuí-do. A percepção do mal provoca
ódio, aversão e medo do mal que está por chegar. Este movimento se completa na tristeza do
mal presente ou na cólera que a ele se opõe.
1766 "Amar é querer algo de bom para alguém." Todos os demais afetos têm sua fonte
no movimento original do coração do homem para o bem. Só existe o bem que é amado. "As
paixões são más se o amor é mau, boas se o amor é bom."II. PAIXÕES E VIDA MORAL
1767 Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. Só recebem qualificação moral
na medida em que dependem efetiva-mente da razão e da vontade. As paixões são chamadas
voluntárias "ou porque são comandadas pela vontade ou porque a vontade não lhes opõe
obstáculo". Faz parte da perfeição do bem moral ou humano que as paixões sejam reguladas
pela razão.
1768 Os grandes sentimentos não determinam a moralidade nem a santidade das
pessoas; são reservatório inesgotável das imagens e afeições em que se exprime a vida moral. As
paixões são moralmente boas quando contribuem para uma ação boa, e más quando se dá o
contrário. A vontade reta ordena para o bem e para a bem-aventurança os movimentos
sensíveis que ela assume; a vontade má sucumbe às paixões desordenadas e as exacerba. As
emoções e sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em vícios.
1769 Na vida cristã, o próprio Espírito Santo realiza sua obra mobilizando o ser inteiro,
inclusive suas dores, medos e tristezas, como aparece na Agonia e Paixão do Senhor. Em Cris-to,
os sentimentos humanos podem receber sua consumação na caridade e na bem-aventurança
divina.
1770 A perfeição moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente por sua vontade, mas também por seu apetite sensível, segundo a palavra do
Salmo: "Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo" (Sl 84,3).
RESUMINDO
1771 O termo "paixões" designa as afeições ou os sentimentos. Por meio de suas
emoções, o homem pressente o bem e suspeita da presença do mal.
1772 As principais paixões são o amor, o ódio, o desejo, o medo, a alegria, a tristeza e a
cólera.
1773 Nas paixões, como movimentos da sensibilidade, não há bem ou mal moral. Mas,
enquanto dependem da razão e da vontade, há nelas bem ou mal moral.
1774 As emoções e os sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em
vícios.
1775 A perfeição do bem moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente pela vontade, mas também pelo "coração".
ARTIGO 6
A CONSCIÊNCIA MORAL
1776 “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si
mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal,
no momento oportuno a voz desta lei ressoa no íntimo de seu coração... É uma lei inscrita por
Deus no coração do homem.. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem,
onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
I. O JUÍZO DA CONSCIÊNCIA
1777 Presente no coração da pessoa, a consciência moral lhe impõe, no momento
oportuno, fazer o bem e evitar o mal. Julga, portanto, as escolhas concretas, aprovando as boas
e denunciando as más. Atesta a autoridade da verdade referente ao Bem supremo, de quem a pessoa humana recebe a atração e acolhe os mandamentos. Quando escuta a consciência
moral, o homem prudente pode ouvir a Deus, que fala.
1778 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar, que está a ponto de
executar ou que já praticou. Em tudo o que diz e faz, o homem é obrigado a seguir fielmente o
que sabe ser justo e correto. E pelo julgamento de sua consciência que o homem percebe e
reconhece as prescrições da lei divina:
A consciência é uma lei de nosso espírito que ultrapassa nosso espírito, nos faz imposições,
significa responsabilidade e dever, temor e esperança... E a mensageira daquele que, no mundo
da natureza bem como no mundo da graça, nos fala através de um véu, nos instrui e nos
governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo.
1779 É importante que cada qual esteja bastante presente a si mesmo para ouvir e
seguir a voz de sua consciência. Esta exigência de interioridade é muito necessária, pelo fato de
a vida nos deixar freqüentemente em situações que nos afastam:
Volta à tua consciência, interroga-a... Voltai, irmãos, ao interior e em tudo o que fizerdes
atentai para a testemunha, Deus.
1780 A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da consciência moral. A
consciência moral compreende a percepção dos princípios da moralidade ("sindérese"), sua
aplicação a circunstâncias determinadas por um discernimento prático das razões e dos bens e,
finalmente, o juízo feito sobre atos concretos a praticar ou já praticados. A verdade sobre o bem
moral, declarada na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente pelo juízo prudente
da consciência. Chamamos de prudente o homem que faz suas opções de acordo com este
juízo.
1781 A consciência permite assumir a responsabilidade dos atos praticados. Se o homem
comete o mal, o julgamento justo da consciência pode continuar nele como testemunho da
verdade universal do bem e ao mesmo tempo da malícia de sua escolha singular. O veredicto
do juízo de consciência continua sendo um penhor de esperança e misericórdia. Atestando a
falta cometida lembra a necessidade de pedir perdão, de praticar novamente o bem e de
cultivar sem cessar a virtude com a graça de Deus.
Diante dele tranqüilizaremos nosso coração, se nosso coração nos acusa, porque Deus é
maior que nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3,19-20).
1782 O homem tem o direito de agir com consciência e liberdade, a fim de tomar
pessoalmente as decisões morais. "O homem não pode ser forçado a agir contra a própria
consciência. Mas também não há de ser impedido de proceder segundo a consciência,
sobretudo em matéria religiosa."
II. A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
1783 A consciência deve ser educada e o juízo moral, esclarecido. Uma consciência
bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos seguindo a razão, de acordo com o
bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. A educação da consciência e indispensável
aos seres humanos submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir seu
julgamento próprio e a recusar os ensinamentos autorizados.
1784 A educação da consciência é uma tarefa de toda a vida. Desde os primeiros
anos, alerta a criança para o conhecimento e a prática da lei interior reconhecida pela
consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude, preserva ou cura do medo, do
egoísmo e do orgulho, dos sentimentos de culpabilidade e dos movimentos de complacência,
nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A educação da consciência garante a liberdade e
gera a paz do coração.1785 Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz de nosso caminho; é
preciso que a assimilemos na fé e na oração e a ponhamos em prática. É preciso ainda que
examinemos nossa consciência, confrontando-nos com a Cruz do Senhor. Somos assistidos pelos
dons do Espírito Santo, ajudados pelo testemunho e conselhos dos outros e guiados pelo
ensinamento autorizado da Igreja.
III. ESCOLHER SEGUNDO A CONSCIÊNCIA
1786 Posta diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1787 Às vezes o homem depara com situações que tornam o juízo moral menos seguro e
a decisão difícil. Mas ele deverá sempre procurar o que é justo e bom e discernir a vontade de
Deus expressa na lei divina.
1788 Para tanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os
sinais dos tempos graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda
do Espírito Santo e de seus dons.
1789 Algumas regras se aplicam a todos os casos:
ü Nunca é permitido praticar um mal para que daí resulte um bem.
ü A "regra de ouro": "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles".
ü A caridade respeita sempre o próximo e sua consciência: "Pecando contra vossos
irmãos e ferindo sua consciência... pecais contra Cristo" (1 Cor 8,12). "E bom se abster... de tudo o
que seja causa de tropeço, de queda ou enfraquecimento para teu irmão" (Rm 14,21).
IV. O JUÍZO ERRÔNEO
1790 O ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo de sua consciência. Se agisse
deliberadamente contra este último, estaria condenando a si mesmo. Mas pode acontecer que
a consciência moral esteja na ignorância e faça juízos errôneos sobre atos a praticar ou já
praticados.
1791 Muitas vezes esta ignorância pode ser imputada à responsabilidade pessoal. É o que
acontece "quando o homem não se preocupa suficientemente com a procura da verdade e do
bem, e a consciência pouco a pouco, pelo hábito do pecado, se torna quase obcecada".
Neste caso, a pessoa é culpável pelo mal que comete.
1792 A ignorância de Cristo e de seu Evangelho, os maus exemplos de outros, o servilismo
às paixões, a pretensão de uma mal-entendida autonomia da consciência, a recusa da
autoridade da Igreja e de seus ensinamentos, a falta de conversão ou de caridade podem estar
na origem dos desvios do julgamento na conduta moral.
1793 Se - ao contrário - a ignorância for invencível ou o julgamento errôneo não for da
responsabilidade do sujeito moral, o mal cometido pela pessoa não lhe poderá ser imputado.
Mas nem por isso deixa de ser um mal, uma privação, uma desordem. É preciso trabalhar, pois,
para corrigir a consciência moral de seus erros.
1794 A consciência boa e pura é esclarecida pela fé verdadeira, pois a caridade
procede ao mesmo tempo "de um coração puro de uma boa consciência e de uma fé sem
hipocrisia" (l Tm 1,5).
"Quanto mais prevalece a consciência reta, tanto mais as pessoas e os grupos se afastam
de um arbítrio cego e se esforçam por conformar-se às normas objetivas da moralidade[a28] ."RESUMINDO
1795 "A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está
sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
1796 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto.
1797 Para o homem que cometeu o mal, o veredicto de sua cons-ciência permanece
um penhor de conversão e de esperança.
1798 Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos
seguindo a razão, de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. Cada
qual deve usar os meios adequados para formar sua consciência.
1799 Colocada diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto de acordo com a razão e a lei divina ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1800 O ser humano deve obedecer sempre ao julgamento certo de sua consciência.
1801 A consciência moral pode estar na ignorância ou fazer julga-mentos errôneos. Essa
ignorância e esses erros nem sempre são isentos de culpa.
1802 A Palavra de Deus é luz para nossos passos. É preciso que a assimilemos na fé e na
oração e a coloquemos em pratica. Assim se forma a consciência moral.
ARTIGO 7
AS VIRTUDES
1803 "Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, tudo o que
há de louvável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça louvor" (Fl 4,8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só
praticar atos bons, mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a
pessoa virtuosa tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática.
"O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus."
I AS VIRTUDES HUMANAS
1804 As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da
inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos
segundo a razão e a fé. Propiciam, assim, facilidade, domínio e alegria para levar uma vida
moralmente boa. Pessoa virtuosa é aquela que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são adquiridas humanamente. São os frutos e os germes de atos
moralmente bons; dispõem todas as forças do ser humano para entrar em comunhão com o
amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805 Quatro virtudes têm um papel de "dobradiça" (que, em latim, se diz "cardo,
cardinis"). Por esta razão são chamadas “cardeais": todas as outras se agrupam em torno delas.
São a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. "Ama-se a retidão? As virtudes são seus
frutos; ela ensina a temperança e a prudência a justiça e a fortaleza" (Sb 8,7). Estas virtudes são
louvadas em numerosas passagens da Escritura sob outros nomes. 1806 A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer
circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo. "O
homem sagaz discerne os seus passos" (Pr 14,15). "Sede prudentes e sóbrios para entregardes às
orações" (1 Pd 4,7). A prudência é a "regra certa da ação", escreve Sto. Tomás citando
Aristóteles. Não se confunde com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação.
E chamada "auriga virtutum" ("cocheiro", isto é "portadora das virtudes"), porque, conduz as
outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. E a prudência que guia imediatamente o
juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena sua conduta seguindo este juízo.
Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e superamos
as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar.
1807 A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a
Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se "virtude de religião".
Para com os homens, ela nos dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas
relações humanas a harmonia que pro-move a equidade em prol das pessoas e do bem
comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção
habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o próximo. "Não
favoreças o pobre, nem prestigies o poderoso. Julga o próximo conforme a justiça" (Lv 19,15).
"Senhores, dai aos vossos servos o justo e eqüitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu"
(Cl 4,1).
1808 A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e
constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os
obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive
da morte, de suportar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e
o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. "Minha força e meu canto é o Senhor" (Sl
118,14). "No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo" (Jo 16,33).
1809 A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o
equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os
desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus
apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e "não se deixa levar a seguir as paixões do
coração[a38] ". A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: "Não te deixes
levar por tuas paixões e re-freia os teus desejos" (Eclo 18,30). No Novo Testamento, é chamada de
"moderação" ou "sobriedade". Devemos "viver com moderação, justiça e piedade neste mundo"
(Tt 2,12).
Viver bem não é outra coisa senão amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e em
toda forma de agir. Dedicar-lhe um amor integral (pela temperança) que nenhum infortúnio
poderá abalar (o que depende da fortaleza), que obedece exclusivamente a Ele (e nisto
consiste a justiça), que vela para discernir todas as coisas com receio de deixar-se surpreender
pelo ardil e pela mentira (e isto é a prudência).
As VIRTUDES E A GRAÇA
1810 As virtudes humanas adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma
perseverança sempre retomada com esforço são purificadas e elevadas pela graça divina. Com
o auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz
em praticá-las.
1811 Não é fácil para o homem ferido pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da
salvação, trazida por Cristo, nos concede a graça necessária para perseverar na conquista das
virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça de luz e de fortaleza, recorrer aos sacramentos,
cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar o mal.
II . AS VIRTUDES TEOLOGAIS1812 As virtudes humanas se fundam nas virtudes teologais que adaptam as faculdades
do homem para que possa participar da natureza divina. Pois as virtudes teologais se referem
diretamente a Deus. Dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima Trindade e têm a
Deus Uno e Trino por origem, motivo e objeto.
1813 As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão.
Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para
torná-los capazes de agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São o penhor da presença e
da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a
esperança e a caridade.
A FÉ
1814 A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e
revelou, e que a Santa Igreja nos propõe para crer, porque Ele é a própria verdade. Pela fé, "o
homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso o fiel procura conhecer e fazer a vontade de
Deus. "O justo viverá da fé" (Rm 1,17). A fé viva "age pela caridade" (Gl 5,6).
1815 O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas "é morta a fé
sem obras" (Tg 2,26): privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo e
não faz dele um membro vivo de seu Corpo.
1816 O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela vi-ver, mas também
professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: "Todos devem estar prontos a confessar
Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à
Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: "Todo aquele que se declarar
por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos
céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu
Pai que está nos céus" (Mt 10,32-33).
A ESPERANÇA
1817 A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o
Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos
não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. "Continuemos a afirmar nossa
esperança, porque é fiel quem fez a promessa" (Hb 10,23). "Este Espírito que ele ricamente
derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados
por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna" (Tt 3,6-7).
1818 A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no
coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens;
purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo
esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da
esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.
1819 A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua
origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e
purificada pela prova do sacrifício. "Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de
tornar-se pai de muitos povos" (Rm 4,18).
1820 A esperança cristã se manifesta desde o inicio da pregação de Jesus no anúncio
das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a
nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provação reservadas aos discípulos de
Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na "esperança que
não decepciona" (Rm 5,5). A esperança é a "âncora da alma) segura e firme, "penetrando...
onde Jesus entrou por nós, como precursor" (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege
no combate da salvação: "Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação" (l Ts 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: "alegrando-vos na
esperança, perseverando na tribulação" (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração,
especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar.
1821 Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e
fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus,
"perseverar até o fim" e alcançar a alegria do céu comi recompensa eterna de Deus pelas boas
obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que "todos ó homens sejam
salvos" (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu.
Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa
com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo, e longo um tempo bem
curto. Considera que, quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te
alegrarás um dia com teu Bem-Amado numa felicidade e num êxtase que não poderão jamais
terminar.
A CARIDADE
1822 A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas,
por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823 Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus "até o fim" (Jo 13,1),
manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor
de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: "Assim como o Pai me amou, também eu
vos amei. Permanecei em meu amor" (Jo 15,9). E ainda: "Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei" (Jo 15,12).
1824 Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus
e de seu Cristo: "Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis
no meu amor" (Jo 15,9-10).
1825 Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda "inimigos" (Rm 5,10). O Senhor
exige que amemos, como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o próximo do mais
afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres.
O apóstolo S. Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: "A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta" (l Cor 13,4-7).
1826 Diz ainda o apóstolo: "Se não tivesse a caridade, nada seria...". E tudo o que é
privilégio, serviço e mesmo virtude... "se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria". A
caridade superior a todas as virtudes. E a primeira das virtudes teologais "Permanecem fé,
esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade" (1 Cor 13,13).
1827 O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o
"vinculo da perfeição" (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é
fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura purifica nossa capacidade humana de
amar, elevando-a à feição sobrenatural do amor divino.
1828 A prática da vida moral, animada pela caridade, dá ao cristão a liberdade
espiritual dos filhos de Deus. Já não está diante de Deus como escravo em temor servil, nem
como mercenário à espera do pagamento, mas como um filho que responde ao amor daquele
"que nos amou primeiro" (1 Jo 4,19): Ou nos afastamos do mal por medo do castigo, estando
assim na posição do escravo; ou buscamos o atrativo da recompensa, assemelhando-nos aos
mercenários; ou é pelo bem em si mo e por amor de quem manda que nós obedecemos... e
estaremos então na posição de filhos.1829 A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia exige a beneficência
e a correção fraterna; é benevolência; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é
amizade e comunhão: A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim, é para
alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que
repousaremos.
III. OS DONS E FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO
1830 A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são
disposições permanentes que tornam o homem dócil para seguir os impulsos do mesmo Espírito.
1831 Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza,
ciência, piedade e temor de Deus. Em plenitude, pertencem a Cristo, Filho de Davi . Completam
e levam ã perfeição as virtudes daqueles que os recebem. Tornam os fiéis dóceis para obedecer
prontamente às inspirações divinas.
Que o teu bom espírito me conduza por uma terra aplanada (Sl 143,10)
Todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus são filhos de Deus...
Filhos e, portanto, herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (Rm 8,14.17).
1832 Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós como
primícias da glória eterna. A Tradição da Igreja enumera doze: "caridade, alegria, paz,
paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência
e castidade" (Gl 5,22-23 vulg.).
RESUMINDO
1833 A virtude é uma disposição habitual e firme de fazer o bem.
1834 As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade que,
regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé. Podem
ser agrupadas em torno de quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a
temperança.
1835 A prudência dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso
verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo.
1836 A justiça consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que
lhes é devido.
1837 A fortaleza garante, nas dificuldades, a firmeza e a constância na busca do bem.
1838 A temperança modera a atração dos prazeres sensíveis e pro-cura o equilíbrio no
uso dos bens criados.
1839 As virtudes morais crescem pela educação, pelos atos deliberados e pela
perseverança no esforço. A graça divina purifica e as eleva.
1840 As virtudes teologais dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima
Trindade. Têm a Deus por origem, motivo e objeto, Deus conhecido pela fé, esperado e amado
por casa de si mesmo.
1841 Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade[a82] . Estas informam e
vivificam todas as virtudes morais.
1842 Pela fé, nós cremos em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e que a Santa Igreja
nos propõe para crer.
1843 Pela esperança, desejamos e aguardamos de Deus, com firme confiança, a vida
eterna e as graças para merecê-la.1844 Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e a nosso próximo como a
nós mesmos por amor a Deus. Ela é o "vínculo da perfeição" (Cl 3,14) e a forma de todas as
virtudes.
1845 Os sete dons do Espírito Santo concedidos ao cristão sabedoria, inteligência,
conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.
ARTIGO 8
O PECADO
I. A MISERICÓRDIA E O PECADO
1846 O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os
pecadores[a84] . O anjo anuncia a José: "Tu chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará
seu povo de seus pecados" (Mt 1,21). O mesmo se dá com a Eucaristia, sacramento da
redenção: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos, para
remissão dos pecados" (Mt 26,28).
1847 "Deus nos criou sem nós, mas não quis salvar-nos sem nós." Acolher sua misericórdia
exige de nossa parte a confissão de nossas faltas. "Se dissermos: 'Não temos pecado',
enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos nossos pecados,
Ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça" (1Jo 1,8-9).
1848 Como afirma S. Paulo: "Onde avultou o pecado, a graça superabundou" (Rm 5,20).
Mas, para realizar seu trabalho, deve a graça descobrir o pecado, a fim de converter nosso
coração e nos conferir "a justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rm
5,21). Como o médico que examina a ferida antes de curá-la, assim Deus, por sua palavra e por
seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado.
A conversão requer que se lance luz sobre o pecado; ela contém em si mesma o
julgamento interior da consciência. Pode-se ver nisso a prova da ação do Espírito de verdade no
mais íntimo do homem, e isso se torna ao mesmo tempo o início de um novo dom da graça e do
amor: "Recebei o Espírito Santo". Assim, nesta ação de "lançar luz sobre o pecado" descobrimos
um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito
de verdade é o Consolador.
II. A DEFINIÇÃO DO PECADO
1849 O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a cons-ciência reta; é uma falta
ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a
certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como
"uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna".
1850 O pecado é ofensa a Deus: "Pequei contra ti, contra ti somente; pratiquei o que é
mau aos teus olhos" (Sl 51,6). O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os
nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por
vontade de tornar-se "como deuses", conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O
pecado é, portanto, "amor de si mesmo até o desprezo de Deus". Por essa exaltação orgulhosa
de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação.
1851 É justamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo vai vencê-lo, que o
pecado manifesta o grau mais alto de sua violência e de sua multiplicidade: incredulidade, ódio
assassino, rejeição e zombarias da parte dos chefes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade
dos soldados, traição de Judas, tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono da parte
dos discípulos. Mas, na própria hora das trevas e do príncipe deste mundo, o sacrifício de Cristo
se toma secretamente a fonte de onde brotará inesgotavelmente o perdão de nossos pecados.III. A DIVERSIDADE DOS PECADOS
1852 A variedade dos pecados é grande. As Escrituras nos fornecem várias listas. A Carta
aos gálatas opõe as obras da carne ao fruto do Espírito: "As obras da carne são manifestas:
fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões,
discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais
eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus"
(Gl 5,19-21)".
1853 Pode-se distinguir os pecados segundo seu objeto, como em todo ato humano, ou
segundo as virtudes a que se opõem, por excesso ou por defeito, ou segundo os mandamentos
que eles contrariam. Pode-se também classificá-los conforme dizem respeito a Deus, ao próximo
ou a si mesmo; pode-se dividi-los em pecados espirituais e carnais, ou ainda em pecados por
pensamento, palavra, ação ou omissão. A raiz do pecado está no coração do homem, em sua
livre vontade, segundo o ensinamento do Senhor: "Com efeito, é do coração que procedem más
inclinações, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações. São
estas as coisas que tomam o homem impuro" (Mt 15,19-20). No coração reside também a
caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado fere.
IV. A GRAVIDADE DO PECADO: PECADO MORTAL E VENIAL
1854 Convém avaliar os pecados segundo sua gravidade. Perceptível já na Escritura, a
distinção entre pecado mortal e pecado venial se impôs na tradição da Igreja. A experiência
humana a corrobora.
1855 O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração
grave da lei de Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança,
preferindo um bem inferior.
O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora a ofenda e fira.
1856 O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital, que é a caridade, exige uma
nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração, que se realiza
normalmente no sacramento da Reconciliação:
Quando a vontade se volta para uma coisa contrária â caridade pela qual estamos
ordenados ao fim último, há no pecado, por seu próprio objeto, matéria para ser mortal... quer
seja contra o amor a Deus, como a blasfêmia, o perjúrio etc., quer seja contra o amor ao
próximo, como o homicídio, o adultério etc. Por outro lado, quando a vontade do pecador se
dirige às vezes a um objeto que contém em si uma desordem, mas não é contrário ao amor a
Deus e ao próximo, como por exemplo palavra ociosa, riso supérfluo etc., tais pecados são
veniais'.
1857 Para que um pecado, seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: "E
pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com
plena consciência e deliberadamente".
1858 A matéria grave é precisada pelos Dez mandamentos, segundo a resposta de
Jesus ao jovem rico: "Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso
testemunho, não dó fraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe" (Mc 10,19). A gravidade dos
pecados é maior ou menor: um assassinato é mais grave que um roubo. A qualidade das
pessoas lesadas é levada também em consideração. A Violência exercida contra os pais é em
mais grave que contra um estranho.
1859 O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o
conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de Deus. Envolve também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma escolha pessoal. A ignorânciaafetada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário
do pecado.
1860 A ignorância involuntária pode diminuir ou até escusar a imputabilidade de uma
falta grave, mas supõe-se que ninguém ignora os princípios da lei moral inscritos na consciência
de todo ser humano. Os impulsos da sensibilidade, as paixões podem igualmente reduzir o
caráter voluntário e livre da falta, como também pressões exteriores e perturbações patológicas.
O pecado por malícia, por opção deliberada do mal, é o mais grave.
1861 O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o
próprio amor. Acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do
estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de
Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno, já que nossa liberdade
tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. No entanto, mesmo podendo julgar
que um ato é em si falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as pessoas à justiça e à
misericórdia de Deus.
1862 Comete-se um pecado venial quando não se observa, em matéria leve, a medida
prescrita pela lei moral, ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem
pleno conhecimento ou sem pleno consentimento.
1863 O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos
bens criados; impede o progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral;
merece penas temporais. O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõenos pouco a pouco a cometer o pecado mortal. Mas o pecado venial não quebra a aliança
com Deus. É humanamente reparável com a graça de Deus. "Não priva da graça santificante,
da amizade com Deus, da caridade nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna."
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os
pecados leves. Mas esses pecados que chama-mos leves, não os consideras insignificantes: se os
consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves
faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos
faz um montão. Qual é então nossa esperança? Antes de tudo, a confissão...
1864 "Todo pecado, toda blasfêmia será perdoada aos homens, mas a blasfêmia contra
o Espírito não será perdoada" (Mt 12,31. Pelo contrário, quem a profere é culpado de um pecado
eterno. A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente a acolher
a misericórdia de Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus pecados e a salvação
oferecida pelo Espírito Santo. Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à
perdição eterna.
V. A PROLIFERAÇÃO DO PECADO
1865 O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos
mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem
a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se,
mas não consegue destruir o senso moral até a raiz.
1866 Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes que contrariam, ou ainda
ligados aos pecados capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S. João Cassiano e S.
Gregório Magno. São chamados capitais porque geram outros pecados, outros vícios. São o
orgulho, a avareza, inveja, a ira, a impureza, a gula, a preguiça ou acídia.
1867 A tradição catequética lembra também que existem “pecados que bradam ao
céu". Bradam ao céu o sangue de Abel, o pecado dos sodomitas; o clamor do povo oprimido no
Egito[a121] ; a queixa do estrangeiro, da viúva e do órfão; a injustiça contra o assalariado.
1868 O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados
cometidos por outros, quando neles cooperamos:ü participando neles direta e voluntariamente;
ü mandando, aconselhando, louvando ou aprovando esses pecados;
ü não os revelando ou não os impedindo, quando a somos obrigados;
ü protegendo os que fazem o mal.
1869 Assim, o pecado toma os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a
concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições
contrárias à bondade divina. As "estruturas de pecado" são a expressão e o efeito dos pecados
pessoais. Induzem suas vítimas a cometer, por sua vez, o mal. Em sentido analógico, constituem
um "pecado social".
RESUMINDO
1870 "Deus encerrou todos na desobediência, para a todos fazer misericórdia" (Rm 11,32).
1871 O pecado é "uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna". É uma
ofensa a Deus. Insurge-se contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo.
1872 O pecado é um ato contrário à razão. Fere a natureza do homem e ofende a
solidariedade humana.
1873 A raiz de todos os pecados está no coração do homem. As espécies e a gravidade
dos mesmos medem-se principalmente segundo seu objeto.
1874 Escolher deliberadamente, isto é, sabendo e querendo, uma coisa gravemente
contrária à lei divina e ao fim último do homem é cometer pecado mortal. Este destrói em nós a
caridade, sem a qual é impossível a bem-aventurança eterna. Caso não haja arrependimento, o
pecado mortal acarreta a morte eterna.
1875 O pecado venial constitui uma desordem moral reparável pela caridade, que ele
deixa subsistir em nós.
1876 A repetição dos pecados, mesmo veniais, produz os vícios, entre os quais avultam
os pecados capitais.
A COMUNIDADE HUMANA
1877 A vocação da humanidade consiste em manifestar a imagem de Deus e ser
transformada à imagem do Filho único do Pai. Esta vocação implica uma dimensão pessoal, pois
cada um é chamado a entrar na Bem-Aventurança divina, mas concerne também ao conjunto
da comunidade humana.
ARTIGO I
A PESSOA E A SOCIEDADE
I. O CARÁTER COMUNITÁRIO DA VOCAÇÃO HUMANA
1878 Todos os homens são chamados ao mesmo fim, o próprio Deus. Existe certa
semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem
estabelecer entre si, na verdade e no amor. O amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.
1879 A pessoa humana tem necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo
acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias
virtualidades; responde, assim, à sua vocação.
1880 Uma sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um
princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembléia ao mesmo tempo visível e
espiritual, uma sociedade perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro. Por ela,
cada homem é constituído "herdeiro", recebe "talentos" que enriquecem sua identidade e com
os quais deve produzir frutos. Com justa razão, deve cada qual dedicar-se às comunidades de
que faz parte e respeitar as autoridades encarregadas do bem comum.
1881 Cada comunidade se define por seu fim e obedece, por conseguinte, a regras
específicas, mas "a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais".
1882 Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais
imediatamente à natureza do homem. São-lhe necessárias. A fim de favorecer a participação
do maior número na vida social, é preciso encorajar a criação de associações e instituições de
livre escolha, "com fins econômicos, culturais, sociais, esportivos, recreativos, profissionais,
políticos, tanto no âmbito interno das comunidades políticas como no plano mundial". Esta
“socialização" exprime, igualmente, a tendência natural que impele os seres humanos a se
associarem para atingir objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as
qualidades da pessoa, particularmente seu espírito de iniciativa e responsabilidade. Ajuda a
garantir seus direitos.
1883 A socialização apresenta também perigos. Uma intervenção muito acentuada do
Estado pode ameaçar a liberdade e iniciativa pessoais. A doutrina da Igreja elaborou o
chamado princípio de subsidiariedade. Segundo este princípio, "uma sociedade de ordem
superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade inferior, privando-a de suas
competências, mas deve, antes, apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua
ação com as dos outros elementos que compõem a sociedade, tendo em vista o bem comum".
1884 Deus não quis reter só para si o exercício de todos os poderes. Confia a cada
criatura as funções que esta é capaz de exercer, segundo as capacidades da própria natureza.
Este modo de governo deve ser imitado na vida social. O comportamento de Deus no governo
do mundo, que demonstra tão grande consideração pela liberdade humana, deveria inspirar a
sabedoria dos que governam as comunidades humanas. Estes de-vem comportar-se como
ministros da providência divina.
1885 O princípio de subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo; traça os
limites da intervenção do Estado; tem em vista harmonizar as relações entre os indivíduos e as
sociedades; tende a instaurar uma verdadeira ordem internacional.
II. A CONVERSÃO E A SOCIEDADE
1886 A sociedade é indispensável à realização da vocação humana. Para alcançar este
objetivo, é necessário que seja respeitada a justa hierarquia dos valores que "subordina as
necessidades materiais e instintivas às interiores e espirituais.
A convivência humana deve ser considerada como realidade eminentemente espiritual,
intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimentos de
deveres, incentivo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas
expressões, disponibilidade permanente para comunicar a outrem o melhor de si mesmo e
aspiração comum a um constante enriquecimento espiritual. Tais são os valores que devem
animar e orientar a atividade cultural, a vida econômica, a organização social, os movimentos e
os regimes políticos, a legislação e todas as outras expressões da vida social em contínua
evolução.
1887 A inversão dos meios e dos fins, que acaba por conferir valor de fim último àquilo que
não passa de meio para segui-lo, ou por considerar as pessoas como meros meios em vista de um fim, produz estruturas injustas, que "tornam árdua e praticamente impossível uma conduta
cristã conforme mandamentos do Divino Legislador"
1888 É preciso, então, apelar às capacidades espirituais e morais da pessoa e à exigência
permanente de sua conversão interior, a fim de obter mudanças sociais que estejam realmente a
seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente,
antes impõe, a obrigação de trazer instituições e às condições de vida, quando estas provocam
o pecado, o saneamento conveniente, para que sejam conformes às normas da justiça e
favoreçam o bem, em vez de pôr-lhe obstáculos.
1889 Sem o auxílio da graça, os homens seriam incapazes de "discernir a senda
freqüentemente estreita entre a covardia que cede ao mal e a violência que, na ilusão de o
estar combatendo, ainda o agrava mais". É o caminho da caridade, quer dizer, do amor a Deus
e ao próximo. A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus
direitos. Exige a prática da justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la. Inspira uma vida de
autodoação: "Quem procurar ganhar sua vida vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la" (Lc
17,33).
RESUMINDO
1890 Existe certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que
os homens devem estabelecer entre si.
1891 Para desenvolver-se em conformidade com sua natureza, em a pessoa humana
necessidade da vida social. Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais
imediata-mente à natureza do homem.
1892 "A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais. É preciso fomentar uma ampla participação em associações e instituições de livre
escolha.
1894 Segundo o princípio de subsidiariedade, nem o Estado nem qualquer outra
sociedade mais ampla devem substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos
órgãos intermediários.
1895 A sociedade deve favorecer o exercício das virtudes, não pôr-lhe obstáculos.
Deve inspirá-la uma justa hierarquia de valores.
1896 Onde o pecado perverte o clima social, é preciso apelar à conversão dos
corações e à graça de Deus. A caridade impele a justas reformas. Não existe solução da
questão social fora do Evangelho.
ARTIGO 2
A PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL
I. A AUTORIDADE
1897 "A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda a não ser
que lhe presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário
trabalho e esforço ao bem comum."
Chama-se "autoridade" a qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições fazem leis e
dão ordens a homens, e esperam obediência da parte deles.
1898 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a dirija[a30]
. Tal autoridade encontra seu fundamento na natureza humana. É necessária à unidade da
cidade. Seu papel consiste em assegurar enquanto possível o bem comum da sociedade.1899 A autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus: "Todo homem se submeta
às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem
foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se
à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação" (Rm l3,l-2).
1900 O dever da obediência impõe a todos prestar à autoridade as honras a ela
devidas e cercar de respeito e, conforme seu mérito de gratidão e benevolência as pessoas
investidas de autoridade.
Deve-se ao papa S. Clemente de Roma a mais antiga oração Igreja pela autoridade
política:
"Concedei-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade para que exerçam
sem entraves a soberania que lhes concedestes. Sois vós, Mestre, rei celeste dos séculos, quem
dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, seu
conselho segundo o que é bom, segundo o que é agradável a vossos olhos, a fim de que,
exercendo com piedade, na paz e mansidão, o poder que lhes destes, Nos encontrem propício.
1901 Se, por um lado, a autoridade remete a uma ordem fixada por Deus, por outro, são
entregues à livre vontade dos cidadãos a escolha do regime e a designação dos governantes.
1902 A diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, contanto que
concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é
contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos fundamentais das pessoas não podem
realizar o bem comum das nações às quais são impostos. A autoridade não adquire de si mesma
sua legitimidade moral. Não deve comportar-se de maneira despótica, mas agir para o bem
comum, como uma "força moral fundada na liberdade e no senso de responsabilidade":
A legislação humana não goza do caráter de lei senão na medida em que se conforma à
justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na medida em que ela se
afastasse da razão seria necessário declará-la injusta, pois não realizaria a noção de lei; seria
antes uma forma de violência.
1903 A autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo
em questão e se, para atingi-lo empregar meios moralmente lícitos. Se acontecer de os dirigentes
promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não
poderão obrigar as consciências. "Neste caso, a própria autoridade deixa de existir degenerando
em abuso do poder."
1904 "É preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas
de competência que o mantenham em seu justo limite. Este e o principio do 'estado de direito',
no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens."
II. O BEM COMUM
1905 Em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está
necessariamente relacionado com o bem comum. Este só pode ser definido em referência à
pessoa humana:
Não vivais isolados, retirados em vós mesmos como se já estivésseis justificados, mas já
estivésseis justificados, mas reuni-vos para procurar juntos o que é o interesse comum.
1906 Por bem comum é preciso entender "o conjunto daquelas condições da vida
social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais
completa e desembaraçadamente a própria perfeição. O bem comum interessa à vida de
todos. Exige a prudência da parte de cada um e mais ainda da parte dos que exercem a
autoridade. Comporta ele três elementos essenciais.
1907 Supõe, em primeiro lugar, o respeito pela pessoa como tal. Em nome do bem
comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da
pessoa humana. A Sociedade é obrigada a Permitir que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades
naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana: "Tais são o direito de agir segundo
a norma reta de sua consciência, o direito á proteção da vida particular e à justa liberdade,
também em matéria religiosa".
1908 Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento do
próprio grupo o desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. E claro, cabe à
autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares.
Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida
verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação
conveniente, direito de fundar um lar etc.
1909 Por fim, o bem comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura.
Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a
de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva.
1910 Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecerse como tal, é na comunidade política que encontramos sua realização mais completa. Cabe
ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos
organismos intermediários.
1911 As dependências humanas se intensificam. Estendem-se aos poucos à terra inteira.
A unidade da família humana, reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual,
implica um bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das nações
capaz de "atender às várias necessidades dos homens, tanto no campo da vida social
(alimentação, saúde, educação...) como em certas condições particulares que podem surgir cá
ou lá, tais como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados (...),ou de ajudar os
emigrantes e suas famílias”.
1912 O bem comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização
das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não ao contrário”. Esta ordem tem por
base a verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor.
III. RESPONSABILIDADE E PARTICIPAÇÃO
1913 A participação é o envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações
sociais. É necessário que todos participem cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que
desempenha, na promoção do bem comum. Este dever é inerente à dignidade da pessoa
humana.
1914 A participação se realiza, antes de tudo, assumindo os setores pelos quais se tem a
responsabilidade pessoal: pelo cuidado na educação da prole, por um trabalho consciencioso,
o homem participa no bem dos outros e da sociedade.
1915 Os cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública. As
modalidades de tal participação podem variar de um pais para outro ou de uma cultura para
outra. "Deve-se louvar a maneira de proceder daquelas nações em que a maior parte dos
cidadãos, com autêntica liberdade, participa da vida pública."
1916 A participação de todos na realização do bem comum implica, como todo dever
ético, uma conversão sempre renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios
pelos quais alguns escapam às malhas da lei e às prescrições do dever social devem ser
firmemente condenados, por serem incompatíveis com as exigências da justiça. É necessário
ocupar-se do florescimento das instituições que possam melhorar as condições da vida humana.
1917 Cabe aos que exercem a função de autoridade fortalecer os valores que atraem a
confiança dos membros do grupo e os incitam a se colocar a serviço dos semelhantes. A
participação começa pela educação e pela cultura. "Podemos pensar com razão em depositar o futuro da humanidade nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações do
amanhã razões de viver e de esperar."
RESUMINDO
1918 “Não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por
Deus" (Rm 13,1).
1919 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade para se manter e
desenvolver.
1920 "É evidente que a comunidade política e a autoridade pública se fundamentam na
natureza humana, e por isso pertencem à ordem predeterminada por Deus."
1921 A autoridade é exercida de maneira legítima se estiver ligada à busca do bem
comum da sociedade. Para atingi-lo, deve utilizar meios moralmente aceitáveis.
1922 É legítima a diversidade dos regimes políticos, contanto que concorram para o bem
da comunidade.
1923 A autoridade política deve desenvolver-se dentro dos limites da ordem moral e
garantir as condições para o exercício da liberdade.
1924 O bem comum compreende "o conjunto daquelas condições da vida social que
permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e
desembaraçadamente a própria perfeição"
1925 O bem comum comporta três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos
direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou o desenvolvimento dos bens espirituais e
temporais da sociedade; a paz e a segurança do grupo e de seus membros.
1926 A dignidade da pessoa humana implica a procura do bem comum. Cada pessoa
deve preocupar-se em suscitar e conservar as instituições que aprimoram as condições da vida
humana.
1927 Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem
comum de toda a família humana pede uma organização da sociedade internacional.
ARTIGO 3
A JUSTIÇA SOCIAL
1928 A sociedade garante a justiça social quando realiza as condições que permitem às
associações e a cada membro seu obter o que lhes é devido conforme sua natureza e sua
vocação. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.
I. O RESPEITO À PESSOA HUMANA
1929 Só se pode conseguir a justiça social no respeito à dignidade transcendente do
homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.
A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo
Criador. Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente
responsáveis e obrigados a esse dever.
1930 O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de
sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles
que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou recusando-se a
reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral. Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência
de seus súditos. Cabe à Igreja lembrar esses direitos aos homens de boa vontade e distingui-los
das reivindicações abusivas ou falsas.
1931 O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: "Que cada um
respeite o próximo, sem exceção, como 'outro eu', levando em consideração antes de tudo sua
vida e os meios necessários para mantê-la dignamente". Nenhuma lei seria capaz, por si só, de
fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que constituem
obstáculos para o estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Esses
comportamentos só podem cessar com a caridade, que vê em cada homem um "próximo", um
irmão.
1932 O dever de tomar-se o próximo do outro e servi-lo ativamente se torna ainda mais
urgente quando este se acha mais carente, em qualquer setor que seja. "Todas as vezes que
fizestes a um destes meus irmãos menores, a mim o fizestes" (Mt 25,40).
1933 Este mesmo dever se estende àqueles que pensam ou agem diferentemente de
nós. A doutrina de Cristo vai até o ponto de exigir o perdão das ofensas. Estende o mandamento
do amor, que é o da nova lei, a todos os inimigos. A libertação no espírito do Evangelho é
incompatível com o ódio ao inimigo, como pessoas mas não com o ódio ao mal que este
pratica, como inimigo.
II. IGUALDADE E DIFERENÇAS ENTRE OS HOMENS
1934 Criados à imagem do Deus único, dotados de uma mesma alma racional, todos os
homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos
são convidados a participar na mesma felicidade divina; todos gozam, portanto, de igual
dignidade.
1935 A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal
e aos direitos que daí decorrem.
Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja (essa
discriminação) social ou cultural, ou que se fundamente no sexo, na raça, na cor, na condição
social, na língua ou na religião deve ser superada e eliminada, porque contrária ao plano de
Deus[a79] .
1936 Quando nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao
desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças
ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de
que cada um pôde se beneficiar, à distribuição das riquezas. Os "talentos" não são distribuídos de
maneira igual.
1937 Essas diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do
outro aquilo que precisa e que os que dispõem de "talentos" específicos comuniquem seus
benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à
magnanimidade, à benevolência e à partilha; (essas diferenças) motivam as culturas a se
enriquecerem urnas às outras.
Eu não dou todas as virtudes na mesma medida a cada um (...) Existem virtudes que eu
distribuo desta maneira, ora a um ora a outro. (...) A este a caridade; a outro a justiça; a este a
humildade, àquele uma fé viva. (...) Distribuí muitas graças e virtudes, espirituais e temporais, com
tal diversidade que a ninguém por si só concedi todo o necessário, para serdes obrigados a usar
de caridade uns para com os outros. (...) Quis que todos tivessem necessidade uns dos outros e
fossem meus ministros na distribuição das graças e liberalidades que de mim receberam.
1938 Existem também desigualdades iníquas que atingem milhões de homens e mulheres
e se acham em contradição aberta com o Evangelho:A igual dignidade das pessoas postula que se chegue a condições de vida mais justas e
mais humanas. Pois as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos
da única família humana provocam escândalo e são contrárias à justiça social, à eqüidade, à
dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional.
III. A SOLIDARIEDADE HUMANA
1939 O princípio da solidariedade, enunciado ainda sob o nome de ou "caridade
social'', é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã:
Um erro, "hoje amplamente difundido, é o esquecimento desta lei da solidariedade
humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade
da natureza racional em todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como também
pelo sacrifício redentor oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz a seu Pai celeste, em prol da
humanidade pecadora”
1940 A solidariedade se manifesta antes de mais nada na distribuição dos bens e na
remuneração do trabalho. Supõe também o esforço em favor de uma ordem social mais justa,
na qual as tensões possam ser mais bem resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente sua
solução por consenso.
1941 Os problemas sócio econômicos só podem ser resolvidos com o auxílio de todas as
formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos e dos pobres, dos
trabalhadores entre si, dos empregadores e dos empregados na empresa, solidariedade entre as
nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Em
parte, é da solidariedade que depende a paz mundial.
1942 A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Difundindo os bens
espirituais da fé, a Igreja favoreceu também o desenvolvimento dos bens temporais, aos quais
muitas vezes abriu novos caminhos. Assim foi-se verificando, ao longo dos séculos, a palavra do
Senhor: "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas serão
acrescentadas" (Mt 6,33):
Há dois mil anos vive e persevera na alma da Igreja este sentimento que levou e ainda
leva as almas ao heroísmo caritativo dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos
tratam dos enfermos, dos mensageiros de fé, de civilização, ciência a todas as gerações e a
todos os povos, em vista de criar condições sociais capazes de possibilitar a todos uma vida
digna do homem e do cristão.
RESUMINDO
1943 A sociedade garante a justiça social realizando as condições que permitam às
associações e a cada um obter o que lhes é devido.
1944 O respeito pela pessoa humana considera o outro como um "outro eu mesmo".
Supõe o respeito pelos direitos fundamentais que decorrem da dignidade intrínseca da pessoa.
1945 A igualdade entre os homens assenta sobre sua dignidade pessoal e sobre os
direitos que daí decorrem.
1946 As diferenças entre as pessoas pertencem ao plano de Deus, o qual quer que
todos nós tenhamos necessidade uns dos outros. Essas diferenças devem estimular a caridade.
1947 A dignidade igual das pessoas humanas exige o esforço para reduzir as
desigualdades sociais e econômicas excessivas e leva ao desaparecimento das desigualdades
iníquas.
1948 A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã que pratica a partilha dos
bens espirituais mais ainda que dos materiais.CAPÍTULO III.
A SALVAÇÃO DE DEUS: A LEI E A GRAÇA
1949 Chamado à felicidade, mas ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da
salvação de Deus. O socorro divino lhe é dado, em Cristo, pela lei que o dirige e na graça que o
sustenta:
Trabalhai para vossa salvação com temor e tremor, pois é Deus quem, segundo a sua
vontade, realiza em vós o querer e o fazer (Fl 2,12-13).
ARTIGO I
A LEI MORAL
1950 A lei moral é obra da Sabedoria divina. Pode-se definir a lei moral, no sentido
bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os
caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os
caminhos do mal, que desviam de Deus e de seu amor. E ao mesmo tempo firme em seus
preceitos e amorosa em suas promessas.
1951 A lei é uma regra de comportamento promulgada pela autoridade competente
em vista do bem comum. A lei moral supõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas,
para seu bem e em vista de seu fim, pelo poder, pela sabedoria e pela bondade do Criador.
Toda lei encontra na lei eterna sua verdade primeira e última. A lei é revelada e estabelecida
pela razão como una participação na providência do Deus vivo, Criador e Redentor de todos. "A
esta ordenação da razão dá-se o nome de lei":
Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode gloriar-se de ter sido digno de receber
de Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e discernimento, regulará sua
conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe confiou.
1952 As expressões da lei moral variam muito, e todas se acham coordenadas entre si: a
lei eterna, fonte, em Deus, de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei
Antiga e a Nova Lei (ou Lei evangélica); enfim, as leis civis e eclesiásticas.
1953 A lei moral encontra em Cristo sua plenitude e sua unidade. Jesus Cristo em pessoa
é o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, pois só ele ensina e dá a justiça de Deus. "Porque a
finalidade da lei é Cristo, para a justificação de todo o que crê" (Rm 10,4).
I. A LEI MORAL NATURAL
1954 O homem participa da sabedoria e da bondade do Cria-dor, que lhe confere o
domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. A lei
natural ex-prime o sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o
bem e o mal, a verdade e a mentira.
A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens,
porque ela é a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar. (...) Mas esta
prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão
mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se.
1955 A lei "divina e natural" mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e
atingir seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a vida moral.
Tem como esteio a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo bem, assim como sentir o outro como igual a si mesmo. Está exposta, em seus principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é
denominada natural não em referência à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que
a promulga pertence, como algo próprio, à natureza humana:
Onde é, então, que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se chama
a verdade? Aí está escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre
a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando ai a sua marca, à maneira de um sinete
que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel.
lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela,
conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus a
criação.
1956 Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é
universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a
dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres fundamentais:
Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza, difundida em
todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever; suas proibições
afastam do pecado. (...) E um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido não aplicar
uma de suas disposições; quanto a ab-rogá4a inteiramente, ninguém tem a possibilidade de
fazê-lo.
1957 A aplicação da lei natural varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à
multiplicidade das condições de vida, conforme os lugares, as épocas e as circunstâncias.
Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como uma regra que liga entre si
os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis diferenças, princípios comuns.
1958 A lei natural é imutável e permanente através das varias ações da história; ela
subsiste sob o fluxo das idéias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As regras que
a exprimem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus
princípios, não é possível destruí-la nem arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a
ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades:
O roubo é certamente punido por vossa lei, Senhor, e pela lei escrita no coração do
homem, (lei) que nem mesmo a iniqüidade consegue apagar.
1959 Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os
quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela
assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens.
Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão
que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica.
1960 Os preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e
imediata. Na atual situação, a graça e a revelação nos são necessárias, como pecadores que
somos, para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas "por todos e sem
dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro". A lei natural propicia à lei revelada e à
graça um fundamento preparado por Deus e em concordância com a obra do Espírito.
II. A LEI ANTIGA
1961 Deus, nosso criador e nosso redentor, escolheu para si Israel como seu povo e lhe
revelou sua Lei, preparando, assim, a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime diversas verdades
naturalmente acessíveis à razão. Estas se acham declaradas e autenticadas no interior da
aliança da salvação.
1962 A Lei Antiga é o primeiro estágio da Lei revelação. Suas prescrições morais estão
resumidas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam as bases da vocação do
homem, feito à imagem de Deus; proíbem aquilo que é contrário ao amor de Deus e do próximo e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo
homem, para lhe manifestar o chamamento e os caminhos de Deus e protegê-lo do mal:
Deus escreveu nas tábuas da lei aquilo que os homens não conseguiam ler em seus
corações.
1963 Segundo tradição cristã, a lei santa, espiritual e boa ainda é imperfeita. Como um
pedagogo, ela mostra o que se deve fazer, mas não dá por si mesma a força, a graça do Espírito
para cumpri-la. Por causa do pecado que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão. Conforme
S. Paulo, ela tem principalmente como função denunciar e manifestar o pecado que forma uma
"lei de concupiscência” no coração do homem. No entanto, a lei permanece como a primeira
etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada cristão à conversão e à fé
no Deus salvador. Oferece um ensinamento que subsiste para todo o sempre, como a Palavra de
Deus.
1964 A Lei Antiga é uma preparação para o Evangelho. "A lei é profecia e pedagogia
das realidades futuras.” Profetiza e pressagia a obra da libertação do pecado, que se realizará
com Cristo, e fornece ao Novo Testamento as imagens, os "tipos", os símbolos, para exprimir a
vida segundo o Espírito. A Lei se completa, enfim, pelo ensinamento dos livros sapienciais e dos
profetas que a Orientam para a nova aliança e o Reino dos Céus.
Houve (...), sob o regime da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a graça
do Espírito Santo e aspiravam sobretudo às promessas espirituais e eternas, e deste modo se
ligavam à nova lei. Inversamente, existem também sob a nova aliança homens carnais, ainda
longe da perfeição da nova Lei. Para os estimular às obras virtuosas, foram necessários o temor
do castigo e diversas promessas temporais, até sob a Nova Aliança. Em todo caso, mesmo que a
Lei Antiga prescrevesse a caridade, ela não dava o Espírito Santo pelo qual "o amor de Deus
derramado em nossos corações" (Rm 5,5).
III. A NOVA LEI OU LEI EVANGÉLICA
1965 A Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina, natural e
revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente no Sermão da Montanha. E
também obra do Espírito Santo e, por ele, vem a ser a lei interior da caridade: "Concluirei com a
casa de Israel uma nova aliança. (...) Colocarei minhas leis em sua mente e as inscreverei em seu
coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8,8.10).
1966 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo dada aos fiéis pela fé em Cristo. É operante
pela caridade, serve-se do Sermão do Senhor para nos ensinar o que é preciso fazer e dos
sacramentos para nos comunicar a graça de fazê-lo.
Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o Sermão que Nosso Senhor
pronunciou no monte, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, aí encontrará, sem
sombra de dúvida, a carta magna da vida cristã. (...) Este Sermão contém todos os preceitos
apropriados para guiar a vida cristã.
1967 A Lei evangélica "dá pleno cumprimento" à Lei Antiga, afina-a, ultrapassa-a e
aperfeiçoa-a. Nas "bem-aventuranças”, ela realiza plenamente as promessas divinas, elevandoas e ordenando-as ao "Reino dos Céus". Dirige-se àqueles que se mostram dispostos a acolher
com fé esta esperança nova - os pobres, os humildes, os aflitos, os de coração puro, os
perseguidos por causa de Cristo -, traçando assim os surpreendentes caminhos do Reino.
1968 A Lei evangélica dá pleno cumprimento aos mandamentos da Lei. O Sermão do
Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei Antiga, dela haure as
virtualidades ocultas, faz surgir novas exigências e revela sua verdade divina e humana. Não lhe
acrescenta novos preceitos exteriores, mas vai até o ponto de reformar a raiz dos atos, o
coração, onde o homem faz a opção entre o puro e o impuro, onde se formam a fé, a
esperança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. O Evangelho, deste modo, leva a lei à plenitude, imitando a perfeição do Pai celeste, pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos
perseguidores, seguindo o modelo da divina generosidade.
1969 A Nova Lei pratica os atos da religião - a esmola, a oração e o jejum -, ordenandoos ao "Pai que vê no segredo", em contraste com o desejo "de ser visto pelos homens". Sua
oração é o “Pai-Nosso.”
1970 A Lei evangélica comporta a opção decisiva entre "os dois caminhos" e a prática
das palavras do Senhor; resume-se na regra de ouro: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os
homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a lei e os profetas" (Mt 7,12).
Toda a Lei evangélica se compendia no "mandamento novo" de Jesus, de nos amarmos
uns aos outros como Ele nos amou.
1971 Ao sermão do Senhor convém acrescentar a catequese moral dos ensinamentos
apostólicos, como Rm 12-15; 1 Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-6 etc. Esta doutrina transmite o ensinamento
do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, particularmente pela exposição das virtudes que
decorrem da fé em Cristo e são animadas pela caridade, o principal dom do Espírito Santo. "Que
vosso amor seja sem hipocrisia (...) com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros (...)
alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na oração, tomando parte
nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade" (Rm 12,9-13). Esta
catequese também nos ensina a tratar os casos de consciência à luz de nossa relação com
Cristo e a Igreja.
1972 A Nova Lei é também denominada lei de amor, porque ela leva a agir pelo amor
infundido pelo Espírito Santo e não pelo temor; uma lei de graça, por conferir a força da graça
para agir por meio da fé e dos sacramentos; uma lei de liberdade, pois nos liberta das
observância rituais e jurídicas da Antiga Lei, nos inclina a agir espontaneamente sob o impulso da
caridade, enfim, nos faz passar do estado de servo, não sabe o que seu senhor faz”, para o de
amigo de Cristo, “porque tudo o que eu ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (Jo 15,15), ou
ainda para o de filho-herdeiro.
1973 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta também os conselhos evangélicos. A
distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos se estabelece
em relação à caridade, perfeição da vida cristã. Os preceitos se destinam a afastar tudo o que é
incompatível com a caridade. Os conselhos têm como meta afastar o que, mesmo sem lhe ser
contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da caridade.
1974 Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se
mostra satisfeita, por não poder dar mais. Atestam seu dinamismo e solicitam nossa prontidão
espiritual. A perfeição da Nova Lei consiste essencialmente preceitos do amor a Deus e ao
próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados
conforme a vocação de cada um:
(Deus) não quer que cada pessoa observe todos os conselhos mas apenas aqueles que
são convenientes, conforme a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das forças,
com o exige a caridade; pois ela, como a rainha de todas as virtudes, de todos os
mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as leis e de todas as ações cristãs, a
todos e todas dá seu grau, sua ordem, o tempo e o valor.
RESUMINDO
1975 Segundo a Escritura, a lei é uma instrução paterna de Deus que prescreve ao
homem os caminhos que levam à felicidade prometida e proscreve os caminhos do mal.
1976 "A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele a
quem cabe o governo da comunidade"
1977 Cristo é a finalidade da 1ei. Somente Ele ensina e concede a justiça de Deus.1978 A lei natural é uma participação na sabedoria e na bondade de Deus, pelo
homem formado à imagem de seu criador. A lei natural exprime a dignidade da pessoa humana
e constitui a base de seus direitos e deveres fundamentais.
1979 A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a exprimem
são substancialmente sempre válidas. Ela é uma base necessária para a edificação das regras
morais e para a lei civil.
1980 A Antiga Lei é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas prescrições morais se acham
resumidas nos Dez Mandamentos.
1981 A Lei de Moisés contém diversas verdades naturalmente acessíveis à razão. Deus as
revelou porque os homens não as conseguiam ler em seu coração.
1982 A Antiga Lei é uma preparação para o Evangelho.
1983 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela
caridade. Exprime-se particularmente no Sermão do Senhor na montanha e usa os sacramentos
para comunicar-nos a graça.
1984 A Lei evangélica leva a pleno cumprimento, ultrapassa e conduz à perfeição a
Antiga Lei: suas promessas, por meio das Bem-Aventuranças do Reino dos Céus; seus
mandamentos, por meio da transformação da fonte de suas ações, ou seja, o coração.
1985 A Nova Lei é uma lei de amor, uma lei de graça, uma lei de liberdade.
1986 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta os conselhos evangélicos. "De modo
especial favorecem igualmente a santidade da Igreja os múltiplos conselhos que no Evangelho
Senhor propõe à observância de seus discípulos.”
ARTIGO 2
GRAÇA E JUSTIFICAÇÃO
I. A JUSTIFICAÇÃO
1987 A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, purificar-nos de nossos
pecados e comunicar-nos “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo e pelo batismo.
Mas, se morremos com Cristo, temos fé de que também viveremos com Ele, sabendo que
Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a morte não tem mais domínio sobre
Ele. Porque, morrendo, Ele morreu para o pecado uma vez por todas; vivendo, Ele vive para
Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus
(Rm 6,8-11).
1988 Pelo poder do Espírito Santo, participamos da Paixão de Cristo, morrendo para o
pecado, e da ressurreição, nascendo para uma vida nova; somos os membros de seu Corpo,
que é a Igreja , os sarmentos enxertados na Videira, que é Ele mesmo:
Pelo Espírito, temos parte com Deus. (...) Pela participação Espírito, nós nos tornamos
participantes da natureza divina. (...) Por isso, aqueles em quem o Espírito habita são divinizados.
1989 A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão que opera a justificação
segundo o anúncio de Jesus no princípio do Evangelho: "Arrependei-vos (convertei-vos), porque
está próximo o Reino dos Céus" (Mt 4,17). Sob a moção da graça, o homem se volta para Deus e
se aparta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça do alto. "A justificação comporta a
remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior.”
1990 A justificação aparta o homem do pecado, que contradiz o amor de Deus, e lhe
purifica o coração. A justificação ocorre graças à iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o perdão. A justificação reconcilia o homem com Deus; liberta-o da servidão do pecado e o
cura.
1991 A justificação é, ao mesmo tempo, o acolhimento da justiça de Deus pela fé em
Jesus Cristo. A justiça designa aqui a retidão do amor divino. Com a justificação, a fé, a
esperança e a caridade se derramam em nossos corações e é-nos concedida a obediência à
vontade divina.
1992 A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz
como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação
pelos pecados de toda a humanidade. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento da
fé. Toma-nos conformes à justiça de Deus, que nos faz interiormente justos pelo poder de sua
misericórdia. Tem como alvo a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna:
Agora, porém, independentemente da lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada
pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo, em favor de todos os
que crêem pois não há diferença, sendo que todos pecaram e todos estão privados da glória de
Deus e são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em
Cristo Jesus. Deus o expôs como instrumento de propiciação, por seu próprio sangue, mediante a
fé. Ele queria assim manifestar sua justiça, pelo fato de ter deixado sem punição os pecados de
outrora, no tempo da paciência de Deus; ele queria manifestar sua justiça no tempo presente,
para mostrar-se justo e para justificar aquele que tem fé em Jesus (Rm 3,21-26).
1993 A justificação estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do
homem. Do lado humano, ela se exprime no assentimento da fé à palavra de Deus, que convida
o homem à conversão, e na cooperação da caridade, no impulso do Espírito Santo, que o
previne e guarda.
Quando Deus toca o coração do homem pela iluminação do Espírito Santo, o homem
não é insensível a tal inspiração, que pode, aliás, rejeitar; e, no entanto, ele não pode tampouco,
sem a graça divina, chegar pela vontade livre à justiça diante dele.
1994 A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus, manifestado em Cristo
Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Sto. Agostinho pensa que "a justificação do ímpio é uma
obra maior que a criação dos céus e da terra", pois "os céus e a terra passarão, ao passo que a
salvação e a justificação dos eleitos permanecerão para sempre". Pensa até que a justificação
dos pecadores é uma obra maior que a criação dos anjos na justiça, pelo fato de testemunhar
uma misericórdia maior.
1995 O Espírito Santo é o mestre interior. Gerando "o homem interior , a justificação
implica a santificação de todo o ser:
Como outrora entregastes vossos membros à escravidão da impureza e da desordem
para viver desregradamente, assim entregai agora vossos membros a serviço da justiça, para a
santificação. (...) Mas agora, libertos do pecado e postos a serviço de Deus, tendes, como fruto,
a santificação, e o fim é a vida eterna (Rm 6,19-22).
II. A GRAÇA
1996 Nossa justificação vem da graça de Deus. A graça é favor, o socorro gratuito que
Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes
da natureza divina, da Vida Eterna.
1997 A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida
trinitária. Pelo Batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça da Igreja. Como "filho
adotivo", pode doravante chamar a Deus de "Pai", em união com o Filho único. Recebe a vida
do Espírito, que nele infunde a caridade e forma a Igreja.
1998 Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural. Depende integralmente da
iniciativa gratuita de Deus, pois apenas Ele pode se revelar e dar-se a si mesmo. Esta vocação ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade do homem, como também
de qualquer criatura.
1999 A graça de Cristo é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la; trata-se da graça
santificante ou deificante, recebida no Batismo. Em nós, ela é a fonte da obra santificadora:
Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez
uma realidade nova. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo (2Cor 5,17-
18).
2000 A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural
para aperfeiçoar a própria alma e torná-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor. Deve-se
distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir conforme o chamado divino,
e as graças atuais, que designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no
decorrer da obra da santificação.
2001 A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça. Esta é
necessária para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação
pela caridade. Deus acaba em nós aquilo que Ele mesmo começou, "pois começa, com sua
intervenção, fazendo com que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de nossa
vontade já convertida":
Sem dúvida, operamos também nós, mas o fazemos cooperando com Deus, que opera
predispondo-nos com a sua misericórdia. E o faz para nos curar, e nos acompanhará para que,
quando já curados, sejamos vivificados; predispõe-nos para que sejamos chamados e
acompanha-nos para que sejamos glorificados; predispõe-nos para que vivamos segundo a
piedade e segue-nos para que, com Ele, vivamos para todo o sempre, pois sem Ele nada
podemos fazer.
2002 A livre iniciativa de Deus pede a livre resposta do homem pois Deus criou o homem
à sua imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de conhecê-Lo e amá-Lo. A alma só
pode entrar livremente na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e move diretamente o
coração do homem. Ele colocou no homem uma aspiração à verdade e ao bem que somente
Ele pode satisfazer plenamente. As promessas da "vida eterna" respondem, além de a toda a
nossa esperança, a esta aspiração:
Se Vós, ao cabo de vossas obras excelentes (...) repousastes no sétimo dia, foi para nos
dizer de antemão pela voz de vosso livro que, ao cabo de nossas obras ("que são muito boas",
pelo fato mesmo de terdes sido Vós que no-las destes), também nós no sábado da vida eterna
em Vós repousaremos.
2003 A graça é antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos justifica e nos
santifica. Mas a graça compreende igualmente os dons que o Espírito nos concede, para nos a
associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o
crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. São as graças sacramentais dons próprios dos
diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, chamadas também "carismas",
segundo a palavra grega empregada por S. Paulo e que significa favor, dom gratuito,
benefício[a36] . Seja qual for seu caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou
das línguas, os carismas se ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da
Igreja. Acham-se a serviço da caridade, que edifica a Igreja.
2004 Entre as graças especiais, convém mencionar as graças de estado, que
acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja:
Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom
da profecia, que o exerça segundo a proporção de nossa fé; aquele que tem o dom do serviço,
que o exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem tem o dom da exortação,
exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade; aquele que preside,
com diligência; aquele que exerce misericórdia, com alegria (Rm 12,6-8).2005 Sendo de ordem sobrenatural, a graça escapa à nossa experiência e só pode ser
conhecida pela fé. Não podemos, portanto, nos basear em nossos sentimentos ou em nossas
obras para dai deduzir que estamos justificados e salvos. No entanto, segundo a palavra do
Senhor: "É pelos seus frutos que os reconhecereis" (Mt 7,20), a consideração dos benefícios de
Deus em nossa vida e na dos santos nos oferece uma garantia de que a graça está operando
em nós e nos incita a uma fé sempre maior e a uma atitude de pobreza confiante:
Acha-se uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Sta. Joana d'Arc a
uma pergunta capciosa de seus juizes eclesiásticos: "Interrogada se sabe se está na graça de
Deus, responde: “Se não estou, que Deus me queira pôr nela; se estou, que Deus nela me
conserve”.
III. O MÉRITO
Na assembléia dos santos, vós sois glorificados e, coroando os seus méritos, exaltais os
vossos próprios dons.
2006 O termo "mérito" designa, em geral, a retribuição devida por uma comunidade ou
uma sociedade à ação de um de seus membros, sentida como boa ou má, digna de
recompensa ou castigo. O mérito se relaciona com a virtude da justiça, em conformidade com o
princípio da igualdade que a rege.
2007 Diante de Deus, em sentido estritamente jurídico, não mérito da parte do homem.
Entre Ele e nós a diferença é infinita, pois dele tudo recebemos, dele, que é nosso criador.
2008 O mérito do homem diante de Deus, na vida cristã, provém do fato de que Deus
livremente determinou associar o homem à obra de sua graça. A ação paternal de Deus vem
em primeiro lugar por seu impulso, e o livre agir do homem, em segundo lugar, colaborando com
Ele, de sorte que os méritos das boas obras devem -ser atribuídos à graça de Deus,
primeiramente, e só em segundo lugar ao fiel. O próprio mérito do homem cabe, aliás, a Deus
pois suas boas ações procedem, em Cristo, das inspirações do auxilio do Espírito Santo.
2009 A adoção filial, tomando-nos participantes, por graça, da natureza divina, pode
conferir-nos, segundo a justiça gratuita de Deus, um verdadeiro mérito. Trata-se de um direito por
graça, o pleno direito amor, que nos toma "co-herdeiros" de Cristo e dignos de obter “a herança
prometida da vida eterna. Os méritos de nossas boas obras são dons da bondade divina. "A
graça veio primeiro; agora se entrega aquilo que é devido. (...)Os méritos são dons de Deus."
2010 Como a iniciativa pertence a Deus na ordem da graça, ninguém pode merecer a
graça primeira, na origem da versão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo
e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças úteis
à nossa santificação crescimento da graça e da caridade, e também para ganhar a vida
eterna. Os próprios bens temporais, como a saúde, a amizade, podem ser merecidos segundo a
sabedoria divina. Essas graças e esses bens são o objeto da oração cristã. Esta atende à nossa
necessidade da graça para as ações meritórias.
2011 A caridade de Cristo em nós constitui a fonte de todos os nossos méritos diante de
Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural de nossos
atos e, por conseguinte, seu mérito (desses nossos atos) diante de Deus, como também diante
dos homens. Os santos sempre tiveram viva consciência de que seus méritos eram pura graça.
Após o exílio terrestre, espero ir deleitar-me de vós na Pátria, mas não quero acumular
méritos para o céu, quero trabalhar somente por vosso amor. (...). Ao entardecer desta vida,
comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, que contabilizeis as
minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas a vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me
de vossa própria justiça e receber de vosso amor a posse eterna de vós mesmo...
IV. A SANTIDADE CRISTÃ2012 "E nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam. (...)
Porque os que de antemão Ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos. E os que predestinou,
também os chamou, e os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os
glorificou" (Rm 8,28-30).
2013 "Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da
vida cristã e à perfeição da caridade." Todos são chamados à santidade: "Deveis ser perfeitos
como o vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48):
Com o fim de conseguir esta perfeição, façam os fiéis uso das forças recebidas (...), a fim
de que, cumprindo em tudo a vontade do Pai, se dediquem inteiramente à glória de Deus e ao
serviço do próximo. Assim, a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos,
como se demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos.
2014 O progresso espiritual tende à união sempre mais íntima com Cristo. Esta união
recebe o nome de "mística", pois ela participa no mistério de Cristo pelos sacramentos "os santos
mistérios" e, nele, no mistério da Santíssima Trindade, Deus nos chama a todos a esta íntima união
com Ele, mesmos que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística sejam
concedidos apenas a alguns, em vista de manifestar o dom gratuito feito a todos.
2015 O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e
sem combate espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação, que levam
gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças:
Aquele que vai subindo jamais cessa de progredir de começo em começo, por começos
que não têm fim. Aquele que jamais cessa de desejar aquilo que já conhece.
2016 Os filhos da Santa Igreja, nossa Mãe, esperam justamente a graça da
perseverança final e a recompensa de Deus, seu Pai pelas boas obras realizadas com sua graça,
em comunhão com Jesus. Observando a mesma regra de vida, os fiéis cristãos partilham "a feliz
esperança" daqueles que a misericórdia divina reúne na "Cidade santa, uma Jerusalém nova
que desce do céu de junto de Deus, preparada como uma esposa" (Ap 21,2).
RESUMINDO
2017 A graça do Espírito Santo nos dá a justiça de Deus. Unindo-nos pela fé e pelo
Batismo à Paixão e à Ressurreição de Cristo, o Espírito nos faz participar de sua vida.
2018 A justificação, como a conversão, apresenta duas faces. Sob a moção da graça,
o homem se volta para Deus e se afasta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça que
vêm do alto.
2019 A justificação comporta a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do
homem interior.
2020 A justificação nos foi merecida pela Paixão de Cristo e nos é concedida por meio
do Batismo. Faz-nos conformes à justiça de Deus, que nos torna justos. Tem como meta a glória
de Deus e de Cristo e o dom da Vida Eterna. É a obra mais excelente da misericórdia de Deus.
2021 A graça é o auxílio que Deus nos concede para responder à nossa vocação de
nos tornar seus filhos adotivos. Ela nos introduz na intimidade da vida trinitária.
2022 A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do
homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade humana; chama-a a cooperar
consigo e a aperfeiçoa.
2023 A graça santificante é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida, infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la.
2024 A graça santificante nos faz "agradáveis a Deus". Os carismas, graças especiais do
Espírito Santo, são ordenados à graça santificante e têm como alvo o bem comum da Igreja. Deus opera também por graças atuais múltiplas, que se distinguem da graça habitual,
permanente em nós.
2025 Nosso mérito em face de Deus consiste apenas em seguir seu livre desígnio de
associar o homem à obra de sua graça. O mérito pertence à graça de Deus em primeiro lugar, à
colaboração do homem em segundo lugar. Cabe a Deus o mérito humano.
2026 A graça do Espírito Santo, em virtude de nossa filiação adotiva, pode conferir-nos
um verdadeiro mérito segundo a justiça gratuita de Deus. A caridade constitui, em nós, a fonte
principal do mérito diante de Deus.
2027 Ninguém pode merecer a graça primeira que se acha na origem da conversão.
Sob a moção do Espírito Santo, podemos merecer, para nós mesmos e para os outros, todas as
graças Úteis para chegar à vida eterna, como também os bens temporais necessários.
2028 "O apelo à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Se dirige a todos os
fiéis cristãos[a61] . "A perfeição cristã só tem um limite: ser ilimitada."
2029 "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Mt
16,24).
ARTIGO 3
A IGREJA, MÃE E EDUCADORA
2030 É em Igreja, em comunhão com todos os batizados, que o cristão realiza sua
vocação. Da Igreja recebe a palavra de Deus, que contém os ensinamentos da “lei de Cristo”.
Da Igreja recebe a graça dos sacramentos, que o sustenta "no caminho". Da Igreja aprende o
exemplo da santidade; reconhece a figura e a fonte (da Igreja) em Maria, a Virgem Santíssima;
discerne-a no testemunho autêntico daqueles que a vivem, descobre-a na tradição espiritual e
na longa história dos santos que o precederam que a Liturgia celebra no ritmo do Santoral.
2031 A vida moral é um culto espiritual. "Oferecemos nossos corpos como hóstia viva,
santa e agradável a Deus", no seio do corpo de Cristo que formamos, e em comunhão com a
oferta de sua Eucaristia. Na Liturgia e na celebração dos sacramentos, oração e doutrina se
conjugam com a graça de Cristo, para iluminar e alimentar o agir cristão. Como o conjunto da
vida cristã, da mesma forma a vida moral encontra sua fonte e seu ponto culminante no
sacrifício eucarístico.
I. VIDA MORAL E MAGISTÉRIO DA IGREJA
2032 A Igreja, "coluna e sustentáculo da verdade" 1 Tm 3,15) "recebeu dos Apóstolos o
solene mandamento de Cristo de pregar a verdade da salvação”. "Compete à Igreja anunciar
sempre e por toda parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a
respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa
ou a salvação das almas."
2033 O magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, com o auxílio das obras dos teólogos e dos autores espirituais. Assim
se foi transmitindo, de geração em geração, sob a égide e a vigilância dos pastores, o "depósito"
da moral cristã, composto de um conjunto característico de regras, mandamentos e virtudes que
procedem da fé em Cristo e são vivificados pela caridade. Esta catequese tem tradicionalmente
tomado por base, ao lado do "Credo" e do "Pai-nosso", o Decálogo, que enuncia os princípios da
vida moral, válidos para todos os homens.
2034 O romano pontífice e os Bispos "são os doutores autênticos dotados da autoridade
de Cristo, que pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser crida e praticada". Omagistério ordinário e universal do Papa e dos Bispos em comunhão com ele ensina aos fiéis a
verdade em que se deve crer; a caridade que se deve praticar, a felicidade que se deve
esperar.
2035 O grau supremo da participação na autoridade de Cristo é assegurado pelo
carisma da infalibilidade. Esta tem a mesma extensão que o depósito da revelação divina;
estende-se ainda a todos os elementos de doutrina, incluindo a moral, sem os quais as verdades
salutares da fé não podem ser preservadas, expostas ou observadas.
2036 A autoridade do magistério se estende também aos preceitos específicos da lei
natural, porque sua observância, exigida pelo Criador, é necessária para a salvação.
Recordando as prescrições da lei natural, o magistério da Igreja exerce parte essencial de sua
função profética de anunciar aos homens o que (os homens) são de verdade e recordar-lhes o
que devem ser diante de Deus.
2037 A lei de Deus confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como caminho de vida e
verdade. Os fiéis têm, portanto, o direito de ser instruídos nos preceitos divinos salvíficos que
purificam o juízo e, com a graça, curam a razão humana ferida. Têm o dever de observar as
constituições e os decretos promulgados pela legitima autoridade da Igreja. Mesmo que sejam
disciplinares, tais determinações exigem a docilidade na caridade.
2038 Na obra de ensinar e aplicar a moral cristã, a Igreja necessita do devotamento dos
pastores, da ciência dos teólogos, da contribuição de todos os cristãos e dos homens de boa
vontade. A fé e a prática do Evangelho proporcionam a cada fiel uma experiência da vida "em
Cristo" que o ilumina e o torna capaz de apreciar as realidades divinas e humanas segundo o
Espírito de Deus. Assim é que o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes para iluminar os
sábios e os constituídos na dignidade mais alta.
2039 Os ministérios devem ser exercidos em um espírito de serviço fraterno e dedicação à
Igreja, em nome do Senhor. Ao mesmo tempo, a consciência de cada fiel, em seu julgamento
moral sobre seus atos pessoais, deve evitar encerrar-se em uma consideração individual. Do
melhor modo possível ela deve abrir-se à consideração do bem de todos, tal como se exprime
na lei moral, natural e revelada, e por conseguinte na lei da Igreja e no ensino autorizado do
magistério sobre questões morais. Não convém opor a consciência pessoal e a razão à lei moral
ou ao magistério da Igreja.
2040 Assim se pode desenvolver entre os fiéis cristãos um verdadeiro espírito filial para
com a Igreja. Ele é o resultado normal do crescimento da graça batismal, que nos gerou no seio
Igreja e nos fez membros do Corpo de Cristo. Em sua solicitude materna, a Igreja nos concede a
misericórdia de Deus, que triunfa sobre todos os nossos pecados e age de modo especial no
sacramento da Reconciliação. Como mãe solícita, ela nos prodigaliza também em sua Liturgia,
dia após dia, o alimento da Palavra e da Eucaristia do Senhor.
II. OS MANDAMENTOS DA IGREJA
2041 Os mandamentos da Igreja situam-se nesta linha de uma vida moral ligada à vida
litúrgica e que dela se alimenta. O caráter obrigatória dessas leis positivas promulgadas pelas
autoridades pastorais tem como fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável no espírito de
oração e no esforço moral, no crescimento do amor de Deus e do próximo.
2042 O primeiro mandamento da Igreja ("Participar da missa inteira nos domingos e outras
festas de guarda e abster-se de ocupações de trabalho") ordena aos fiéis que santifiquem o dia
em que se comemora a ressurreição do Senhor e as festas litúrgicas em honra dos mistérios do
Senhor, da santíssima Virgem Maria e dos santos, em primeiro lugar participando da celebração
eucarística, em que se reúne a comunidade cristã, e se abstendo de trabalhos e negócios que
possam impedir tal santificação desses dias.O segundo mandamento ("Confessar-se ao menos uma vez por ano") assegura a
preparação para a Eucaristia pela recepção do sacramento da Reconciliação, que continua a
obra de conversão e perdão do Batismo.
O terceiro mandamento ("Receber o sacramento da Eucaristia ao menos pela Páscoa da
ressurreição") garante um mínimo na recepção do Corpo e do Sangue do Senhor em ligação
com as festas pascais, origem e centro da Liturgia Cristã.
2043 O quarto mandamento ("Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa
Mãe Igreja") determina os tempos de ascese e penitência que nos preparam para as festas
litúrgicas; contribuem para nos fazer adquirir o domínio sobre nossos instintos e a liberdade de
coração.
O quinto mandamento ("Ajudar a Igreja em suas necessidades") recorda aos fiéis que
devem ir ao encontro das necessidades materiais da Igreja, cada um conforme as próprias
possibilidades.
III. VIDA MORAL E TESTEMUNHO MISSIONÁRIO
2044 A fidelidade dos batizados é condição primordial para o anúncio do Evangelho e
para a missão da Igreja no mundo. Para manifestar diante dos homens sua força de verdade e
de irradiação, a mensagem da salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos
cristãos: "O próprio testemunho da vida cristã e as boas obras feitas em espírito sobrenatural
possuem a força de atrair os homens para a fé e para Deus.
2045 Por serem os membros do Corpo cuja Cabeça é Cristo os cristãos contribuem, pela
constância de suas convicção de seus costumes, para a edificação da Igreja. A Igreja aumenta,
cresce e se desenvolve pela santidade de seus fiéis até que "alcancemos todos nós (...) o estado
de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4,13).
2046 Por sua vida segundo Cristo, os cristãos apressam a vinda do Reino de Deus, do
"Reino da justiça, da verdade e da paz". Nem por isso se descuidam de suas obrigações
terrestres; fiéis a seu Senhor e Mestre, eles as cumprem com dão, paciência e amor.
RESUMINDO
2047 A vida moral é um culto espiritual. O agir cristão se nutre da Liturgia e da celebração
dos sacramentos.
2048 Os mandamentos da Igreja se referem à vida moral e cristã unida à Liturgia, e dela se
alimentam.
2049 O Magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, tendo como base o Decálogo, que enuncia os princípios da vida
válidos para todos os homens.
2050 O romano pontífice e os bispos, como doutores autênticos, pregam ao povo de Deus
a fé que deve ser crida e praticada nos costumes. Cabe-lhes igualmente pronunciar-se sobre as
questões morais que caem dentro do âmbito da lei natural e da razão.
2051 A infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos os elementos de
doutrina, incluindo a moral. Sem esses elementos, as verdades salutares da fé não podem ser
guardadas, expostas ou observadas.
OS DEZ MANDAMENTOS
Êxodo 20,2-17 Deuteronômio 5,6-21 Fórmula catequéticaEu sou o Senhor, teu Deus, que
te fez sair da terra do Egito, da
casa da servidão.
Eu sou o Senhor, teu Deus, aquele
que te fez
sair da terra do Egito, da casa da
servidão.
Não terás outros deuses diante
de mim.
Não terás outros deuses além de
mim...
Amar a Deus sobre todas
as coisas.
Não farás para ti imagem
esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em
cima, nos céus, ou embaixo da
terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra.
Não te prostrarás diante esses
deuses e não os servirás, porque
eu, o Senhor, teu Deus, sou um
Deus ciumento, que puno a
iniqüidade dos pais nos filhos,
até a terceira e quarta geração
dos que me odeiam, e faço
misericórdia até a milésima
geração àqueles que me amam
e guardam meus
mandamentos.
Não pronunciarás em vão o
nome do Senhor, teu Deus,
porque o Senhor não deixará
impune aquele que pronunciar
em vãoO seu nome.
Não pronunciarás em vão o nome
do Senhor
teu Deus...
Não tomar seu Santo
Nome em vão.
Lembra-te do dia do Sábado
para santificá-lo.
Guardarás o dia de sábado para
santificá-lo.
Guardar domingos e
festas de guarda
Trabalharás durante seis dias, e
farás todas as tuas obras. O
sétimo dia, porém, é o sábado
do Senhor, teu Deus. Não farás
nenhum trabalho, nem tu, nem
teu filho, nem tua filha, nem teu
escravo, nem tua escrava, nem
teu animal, nem o estrangeiro
que está em tuas portas. Porque
em seis dias o Senhor fez o céu,
a terra, o mar e tudo o que eles
contêm, mas repousou no
sétimo dia; por isso o Senhor
abençoou o dia do sábado e o
santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para
que se prolonguem os teus dias
na terra que o Senhor, teu Deus,
te dá.
Honrar teu pai e tua mãe... Honra pai e mãe.
Não matarás. Não matarás. Não matar.
Não cometerás adultério. Não cometerás adultério. Não pecar contra a
castidade.Não roubarás. Não roubarás. Não furtar.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu
próximo.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu próximo.
Não levantar falso
testemunho.
Não cobiçarás a casa de teu
próximo, não desejarás sua
mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu
jumento, nem coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não cobiçarás a mulher de teu
próximo.
Não desejarás coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não desejar a mulher do
próximo.
Não cobiçar as coisas
alheias.
SEGUNDA SEÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
Mestre, que devo fazer...?"
2052 "Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" Ao jovem que lhe faz esta
pergunta, Jesus responde primeiro invocando a necessidade de reconhecer a Deus como "o
único bom", com o bem por excelência e como a fonte de todo bem. Depois, Jesus diz: "Se
queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos". E cita ao seu interlocutor os preceitos que
se referem ao amor do próximo: "Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás
falso testemunho, honra pai e mãe". Finalmente, Jesus resume estes mandamentos de maneira
positiva: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 19,16-19).
2053 A esta primeira resposta é acrescentada uma segunda: "Se queres ser perfeito, vai,
vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me" (Mt
19,21). Esta não anula a primeira. O seguimento de Jesus Cristo inclui o cumprimento dos
mandamentos. A Lei não foi abolida, mas o homem é convidado a reencontrá-la na pessoa de
seu Mestre, que é o cumprimento perfeito dela. Nos três Evangelhos sinópticos, o apelo de Jesus
dirigido ao jovem rico, de segui-lo na obediência do discípulo e na observância dos preceitos, é
relacionado com o convite à pobreza e à castidade. Os conselhos evangélicos são indissociáveis
dos mandamentos.
2054 Jesus, com efeito, retomou os Dez Mandamentos, mas manifestou a força do Espírito
em ação na letra deles. Pregou a "justiça que supera a dos escribas e fariseus", como também a
dos pagãos. Desenvolveu todas as exigências dos mandamentos. "Ouvistes que foi dito aos
antigos: 'não matarás'... Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão
terá de responder no tribunal" (Mt 5,21-22).
2055 Quando lhe é feita a pergunta: "Qual é o maior mandamento da lei?" (Mt 22,36),
Jesus responde: "Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a
esse: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e
os profetas" (Mt 22,37-40). O Decálogo deve ser interpretado à luz desse duplo e único
mandamento da caridade, plenitude da lei:
Os preceitos - não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e todos
os outros - se resumem nesta sentença: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não
pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a plenitude da lei (Rm 13,9-10).
O DECÁLOGO NA SAGRADA ESCRITURA2056 A palavra "Decálogo" significa literalmente "dez palavras (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4).
Deus revelou essas "dez palavras" a seu povo no monte sagrado. Ele as escreveu "com seu
dedo”, à diferença de outros preceitos escritos por Moisés[. São palavras de Deus de modo
eminente. Foram transmitidas no livro do Êxodo e no do Deuteronômio. Desde o Antigo
Testamento, os livros sagrados se referem às "dez palavras". Mas é em Jesus Crista na nova
aliança, que será revelado seu sentido pleno.
2057 O Decálogo deve ser entendido em primeiro lugar no contexto do êxodo, que é o
grande acontecimento libertador de Deus no centro da Antiga Aliança. Formulados como
mandamentos negativos (proibições), ou à maneira de mandamento positivos (como: "Honra teu
pai e tua mãe"), as "dez palavras indicam as condições de uma vida liberta da escravidão do
pecado. O Decálogo é um caminho de vida:
Se amares teu Deus, se andares em seus caminhos, se observares seus mandamentos, suas
leis e suas normas, viverás e te multiplicarás (Dt 30,16).
Esta força libertadora do Decálogo aparece, por exemplo, no mandamento sobre o
descanso do sábado, destinado igualmente aos estrangeiros e aos escravos:
Lembrai-vos de que fostes escravos numa terra estrangeira. O Senhor vosso Deus vos fez
sair de lá com mão forte e braço estendido (Dt 5,15).
2058 As "dez palavras" resumem e proclamam a lei de Deus: "Tais foram as palavras que,
em alta voz, o Senhor dirigiu a toda a vossa assembléia no monte, do meio do fogo, em meio a
trevas, nuvens e escuridão. Sem nada acrescentar, escreveu--as sobre duas tábuas de pedra e
as entregou a mim" (Dt 5,22). Eis por que estas duas tábuas são chamadas "O Testemunho" (Ex
25,16). Elas contém as cláusulas da aliança entre Deus e seu povo. Essas "tábuas do Testemunho"
(Ex 31,18; 32,15; 34,19) devem ser colocadas "na arca" (Ex 25,16; 40,1-3).
2059 As "dez palavras" são pronunciadas por Deus no contexto de uma teofania ("Sobre
a montanha, no meio do fogo, o Senhor vos falou face a face": Dt 5,4). Pertencem à revelação
que Deus faz de si mesmo e de sua glória. O dom dos mandamentos é dom do próprio Deus e de
sua santa vontade. Ao dar a conhecer as suas vontades, Deus se revela a seu povo.
2060 O dom dos mandamentos e da Lei faz parte da Aliança selada por Deus com os
seus. Segundo o livro do Êxodo, a revelação das "dez palavras" é dada entre a proposta da
Aliança [a20] e sua conclusão, depois que o povo se comprometeu a "fazer" tudo o que o
Senhor dissera e a "obedecer". O Decálogo sempre é transmitido depois de se lembrar a Aliança
("O Senhor nosso Deus concluiu conosco uma aliança no Horeb": Dt 5,2).
2061 Os mandamentos recebem seu pleno significado no íntimo da Aliança. Segundo a
Escritura, o agir moral do homem adquire todo o seu sentido na Aliança e por ela. A primeira das
"dez palavras" lembra o amor primeiro de Deus por seu povo:
Tendo o homem, por castigo do pecado, decaído do paraíso da liberdade para a
escravidão deste mundo, as primeiras palavras do Decálogo, voz primeira dos divinos
mandamentos, aludem à liberdade: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito,
da casa da escravidão" (Ex 20,2; Dt 5,6).
2062 Os mandamentos propriamente ditos vêm em segundo lugar; exprimem as
implicações da pertença a Deus, instituída pela Aliança. A existência moral é resposta à iniciativa
amorosa do Senhor. E reconhecimento, homenagem a Deus e culto de ação de graças. É
cooperação com o plano que Deus executa na história.
2063 A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são ainda confirmados pelo fato de
que todas as obrigações são enuncia das na primeira pessoa ("Eu sou o Senhor...") e dirigidas a
um outro sujeito ("tu...") Em todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal singular que
designa o destinatário. Deus dá a conhecer sua vontade a cada um em particular, ao mesmo
tempo que o faz ao povo inteiro:O Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, a fim
de que o homem não fosse nem injusto nem indigno de Deus. Assim, pelo Decálogo, Deus
preparou o homem para se tornar seu amigo e ter um só coração com o próximo... Da mesma
maneira, as palavras do Decálogo continuam válidas entre nós [cristãos]. Longe de serem
abolidas elas cresceram e se desenvolveram pelo fato da vinda do Senhor na carne.
O DECÁLOGO NA TRADIÇÃO DA IGREJA
2064 Fiel à Escritura e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2065 Desde Sto. Agostinho, os "dez mandamentos" têm um lugar preponderante na
catequese dos futuros batizados e dos fiéis. No século XV, adotou-se o costume de exprimir os
preceitos do Decálogo em fórmulas rimadas, fáceis de memorizar, e positivas, que ainda estão
em uso hoje. Os catecismos da Igreja com freqüência têm exposto a moral cristã seguindo a
ordem dos "dez mandamentos".
2066 A divisão e a numeração dos mandamentos têm variado no decorrer da história. O
presente catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Sto. Agostinho e que se
tornou tradicional na Igreja católica. É também a das confissões luteranas. Os padres gregos
fizeram uma divisão um tanto diferente, que se encontra nas Igrejas ortodoxas e nas
comunidades reformadas.
2067 Os dez mandamentos enunciam as exigências do amor de Deus e do próximo. Os
três primeiros se referem mais ao amor de Deus, e os outros sete ao amor do próximo.
Como a caridade abrange dois preceitos com os quais o Senhor relaciona toda a Lei e os
profetas (...) assim os próprios dez preceitos estão divididos em duas tábuas. Três foram escritos
numa tábua e sete na outra.
2068 O Concílio de Trento ensina que os dez mandamentos obrigam os cristãos e que o
homem justificado ainda está obrigado a observá-los. E o Concílio Vaticano II afirma a mesma
doutrina:
"Como sucessores dos Apóstolos, os Bispos recebem do Senhor (...)a missão de ensinar a
todos os povos e pregar o Evangelho a toda criatura, a fim de que os homens todos, pela fé,
pelo Batismo e pela observância dos mandamentos, alcancem a salvação"
A UNIDADE DO DECÁLOGO
2069 O Decálogo forma um todo inseparável. Cada "palavra" remete a cada uma das
outras e a todas; elas se condicionam 2 reciprocamente. As duas tábuas se esclarecem
mutuamente, formam uma unidade orgânica. Transgredir um mandamento, é infringir todos os
outros. Não se pode honrar os outros sem bendizer a Deus, seu criador. Não se pode adorar a
Deus sem amar a todos os homens, suas criaturas. O Decálogo unifica a vida teologal e a vida
social do homem.
O Decálogo e a Lei Natural
2070 Os dez mandamentos pertencem à revelação de Deus. Ao mesmo tempo, ensinamnos a verdadeira humanidade do homem. Iluminam os deveres essenciais e, portanto,
indiretamente, os direitos humanos fundamentais, inerentes à natureza da pessoa humana. O
Decálogo contém uma expressão privilegiada da "lei natural":
Desde o começo, Deus enraizara no coração dos homens os preceitos da lei natural.
Inicialmente Ele se contentou em lhos recordar. Foi o Decálogo.2071 Embora acessíveis à razão, os preceitos do Decálogo foram revelados. Para chegar
a um Conhecimento completo certo das exigências da lei natural, a humanidade pecador tinha
necessidade desta revelação:
Uma explicação completa dos mandamentos do Decálogos e tornou necessária no
estado de pecado, por causa do obscureci mento da luz da razão e do desvio da vontade
Conhecemos os mandamentos de Deus pela Revelação divina que nos é proposta na
Igreja e por meio da consciência moral.
A obrigatoriedade do Decálogo
2072 Visto que exprimem os deveres fundamentais do homem para com Deus e para
com o próximo, os dez mandamento revelam, em seu conteúdo primordial, obrigações graves.
São essencialmente imutáveis, e sua obrigação vale sempre e em toda parte. Ninguém pode
dispensar-se deles. Os dez mandamentos estão gravados por Deus no coração do ser humano.
2073 A obediência aos mandamentos implica, ainda, obrigações cuja matéria é, em si
mesma, leve. Assim, a injúria por palavra está proibida pelo quinto mandamento, mas só poderia
ser falta grave em função das circunstancias ou da intenção daquele que a profere.
"Sem mim, nada podeis fazer"
2074 Jesus diz: "Eu sou a videira, e vós, os ramos. Aquele que permanece em mim e eu
nele produz muito fruto, porque, sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5). O fruto indicado nesta
palavra é a santidade de uma vida fecundada pela união a Cristo. Quando cremos em Jesus
Cristo, comungamos de seus mistérios e guardamos seus mandamentos, o Salvador mesmo vem
amar em nós seu Pai e seus irmãos, nosso Pai e nossos irmãos. Sua pessoa se toma, graças ao
Espírito, a regra viva e interior de nosso agir. "Este é o meu mandamento: Amai--vos uns aos outros
como eu vos amei" (Jo 15,12).
RESUMINDO
2075 "Que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" - "Se queres entrar para a vida,
guarda os mandamentos" (Mt 19,16-17).
2076 Por sua prática e por sua pregação, Jesus atestou a perenidade do Decálogo.
2077 O dom do Decálogo é concedido no contexto da Aliança celebrada por Deus
com seu povo. Os mandamentos de Deus recebem seu verdadeiro significado nessa Aliança e
por meio dela.
2078 Fiel à Escritura, e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2079 O Decálogo forma uma unidade orgânica, em que cada "palavra ou
mandamento" remete a todo o conjunto. Transgredir um mandamento é infringir toda a Lei.
2080 O Decálogo contém uma expressão privilegiada da lei natural. Conhecemo-lo
pela revelação divina e pela razão humana.
2081 Os Dez Mandamentos enunciam, em seu conteúdo fundamental, obrigações
graves. Todavia, a obediência a esses preceitos implica também obrigações cuja matéria é, em
si mesma, leve.
2082 O que Deus manda, torna-o possível por sua graça.
CAPÍTULO I"AMARÁS O SENHOR, TEU DEUS, DE TODO O CORAÇÃO, DE TODA A ALMA E DE TODO
O ENTENDIMENTO"
2083 Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus com estas palavras: "Amarás o
Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento" (Mt 22,37);
Estas palavras são um eco imediato do apelo solene: "Escuta; Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único" (Dt 6,4-5).
Deus amou primeiro. O amor do Deus único é lembrado na primeira das "dez palavras". Em
seguida, os mandamento. explicitam a resposta de amor que o homem é chamado a da a seu
Deus.
ARTIGO 1
O PRIMEIRO MANDAMENTO
Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não
terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses, e não os servirás. (Ex 20,25).
Está escrito: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto" (Mt 4,10).
I. "ADORARÁS O SENHOR, TEU DEUS, E O SERVIRÁS"
2084 Deus se faz conhecer recordando sua ação todo-poderosa, benigna e libertadora
na história daquele a quem se dirige: "Eu te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravidão" (Dt
6,13-14). A primeira palavra contém o primeiro mandamento da lei: "Adorarás o Senhor, teu Deus,
e o servirás. (...) Não seguireis outros deuses" (Dt 6,13-14). O primeiro apelo e a exigência justa de
Deus é que o homem o acolha e o adore.
2085 O Deus único e verdadeiro revela sua glória primeiramente a Israel. A revelação da
vocação e da verdade do homem está ligada à revelação de Deus. O homem tem a vocação
de manifestar Deus agindo em conformidade com sua criação "à imagem e semelhança de
Deus" (Gn 1,26):
Jamais haverá outro Deus, Trifão, nem houve outro, desde sempre (...) além daquele que
fez e ordenou o universo. Nós não pensamos que nosso Deus seja diferente do vosso. É Ele o
mesmo que fez vossos pais saírem do Egito "com sua mão poderosa e seu braço estendido". Não
pomos as nossas esperanças em algum outro pois outro não existe , mas no mesmo que vós, o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.
2086 "O primeiro preceito abrange a fé, a esperança e a caridade. Com efeito, quando
se fala de Deus, fala-se de um ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel, perfeitamente justo.
Daí decorre que nós devemos necessariamente aceitar suas palavras e ter nele uma fé e uma
confiança plenas. Ele é Todo-Poderoso, clemente, infinitamente inclinado a fazer o bem. Quem
poderia deixar de pôr nele todas as suas esperanças? E quem poderia deixar de amá-lo,
contemplando os tesouros de bondade e de ternura que Ele derramou sobre nós? Daí esta
fórmula que Deus emprega na Sagrada Escritura, quer no começo, quer no fim de seus preceitos:
'Eu sou o Senhor'."
A FÉ2087 Nossa vida moral encontra sua fonte na fé em Deus, que nos revela seu amor. S.
Paulo fala da "obediência da fé" como da primeira obrigação. Ele vê no "desconhecimento de
Deus" o princípio e a explicação de todos os desvios morais. Nosso dever em relação a Deus
consiste em crer nele e em dar testemunho dele.
2088 O primeiro mandamento manda-nos alimentar e guardar com prudência e
vigilância nossa fé e rejeitar tudo o que se lhe opõe. Há diversas maneiras de pecar contra a fé.
A dúvida voluntária sobre a fé negligencia ou recusa ter como verdadeiro o que Deus
revelou e que a Igreja propõe para crer. A dúvida involuntária designa a hesitação em crer, a
dificuldade de superar as objeções ligadas à fé ou, ainda, a ansiedade suscitada pela
obscuridade da fé. Se for deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do
espírito.
2089 A incredulidade é a negligência da verdade revelada ou a recusa voluntária de
lhe dar o próprio assentimento. "Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do
Batismo, de qual-quer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a
respeito dessa verdade; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa de sujeição ao
Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos."
A ESPERANÇA
2090 Quando Deus se revela e chama o homem, este não pode responder plenamente
ao amor divino por suas próprias forças. Deve esperar que Deus lhe dê a capacidade de
corresponder a este amor e de agir de acordo com os mandamentos da caridade. A esperança
é o aguardar confiante da bênção divina e da visão beatifica de Deus; é também o temor de
ofender c amor de Deus e de provocar o castigo.
2091 O primeiro mandamento visa também aos pecados contra a esperança, que são o
desespero e a presunção.
Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus sua salvação pessoal, os auxílios para
alcançá-la ou o perdão de seus pecados. O desespero opõe-se à bondade de Deus, à sua
justiça porque o Senhor é fiel a suas promessas e à sua misericórdia.
2092 Há duas espécies de presunção. Ou o homem presume de suas capacidades
(esperando poder salvar-se sem a ajuda do alto), ou então presume da onipotência ou da
misericórdia de Deus (esperando obter seu perdão sem conversão e a glória sem mérito).
A CARIDADE
2093 A fé no amor de Deus envolve o apelo e a obrigação de responder à caridade
divina por um amor sincero. O primeiro mandamento nos ordena que amemos a Deus acima de
tudo e' acima de todas as criaturas, por Ele mesmo e por causa dele.
2094 Pode-se pecar de diversas maneiras contra o amor de Deus: a indiferença
negligencia ou recusa a consideração da caridade divina, menospreza a iniciativa (de Deus em
nos amar) e nega sua força. A ingratidão omite ou se recusa a reconhecer a caridade divina e a
pagar amor com amor. A tibieza é uma hesitação ou uma negligência em responder ao amor
divino, podendo implicar a recusa de se entregar ao dinamismo da caridade. A acídia ou
preguiça espiritual chega a recusar até a alegria que vem de Deus e a ter horror ao bem divino.
O ódio a Deus vem do orgulho. Opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade nega, e atreve-se a
maldizê-lo como aquele que proíbe os pecados e inflige as penas.
II. "SÓ A ELE PRESTARÁS CULTO"2095 As virtudes teologais da fé, esperança e caridade dão forma às virtudes morais e as
vivificam. Assim, a caridade nos leva a dar a Deus aquilo que em toda justiça lhe devemos
enquanto criaturas. A virtude da religião nos dispõe a esta atitude.
A ADORAÇÃO
2096 A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo
como Deus, como o Criador e o Salvador, o Senhor e o Dono de tudo o que existe, o Amor
infinito e misericordioso. "Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele prestarás culto" (Lc 4,8), diz Jesus,
citando o Deuteronômio (6,13).
2097 Adorar a Deus é, no respeito e na submissão absoluta, reconhecer "o nada da
criatura", que não existe a não ser por Deus. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-
lo, exaltá-lo e humilhar-se a si mesmo, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas e
que seu nome é santo. A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar em si mesmo,
da escravidão do pecado e da idolatria do mundo.
A ORAÇÃO
2098 Os atos de fé, de esperança e de caridade ordenados pelo primeiro mandamento
cumprem-se na oração. A elevação do espírito para Deus é expressão da adoração que lhe
rendemos: prece de louvor e de ação de graças, de intercessão e de súplica. A oração é uma
condição indispensável para poder obedecer aos mandamentos de Deus. "É preciso orar
sempre. sem jamais esmorecer" (Lc 18,1).
O SACRIFÍCIO
2099 É justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de adoração e de reconhecimento, de
súplica e de comunhão: "E verdadeiro sacrifício toda ação feita para se unir a Deus em santa
comunhão e poder ser feliz."
2100 Para ser verídico, o sacrifício exterior deve ser a expressão do sacrifício espiritual:
"Meu sacrifício é um espírito compungido..." (Sl 51,19). Os profetas da Antiga Aliança
denunciaram com freqüência os sacrifícios feitos sem participação interior ou sem ligação com o
amor do próximo. Jesus recorda a palavra do profeta Oséias: "E misericórdia que eu quero, e não
sacrifício" (Mt 9,13; 12,7). O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total
oblação ao amor do Pai e para nossa salvação. Unindo-nos a seu sacrifício, podemos fazer de
nossa vida um sacrifício a Deus.
PROMESSAS E VOTOS
2101 Em várias circunstâncias, o cristão é convidado a fazer promessas a Deus. O Batismo
e a Confirmação, o Matrimônio e a Ordenação sempre as contêm. Por devoção pessoal, o
cristão pode também prometer a Deus este ou aquele ato, oração, esmola, peregrinação etc. A
fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade
divina e do amor para com o Deus fiel.
2102 "O voto, isto é, a promessa deliberada e livre de um bem possível e melhor feita a
Deus, deve ser cumprido a título da virtude de religião.” O voto é um ato de devoção no qual o
cristão se consagra a Deus ou lhe promete uma obra boa. Pelo cumprimento de seus votos, o
homem dá a Deus o que lhe prometeu e consagrou. Os Atos dos Apóstolos nos mostram S. Paulo
preocupado em cumprir os votos que fizera.
2103 A Igreja atribui um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos evangélicos:A Mãe Igreja alegra-se ao encontrar em seu seio muitos homens e mulheres que seguem
mais estreitamente a exinanição do Salvador e mais claramente a demonstram, aceitando a
pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando às próprias vontades; submetem-se eles
aos homens por causa de Deus, em matéria de perfeição, além da medida do preceito, para
que mais plenamente se conformem a Cristo obediente.
Em certos casos a Igreja pode, por motivos adequados, dispensar dos votos e das
promessas.
O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
2104 "Todos os homens estão obrigados a procurar a verdade, sobretudo naquilo que diz
respeito a Deus e à sua Igreja e, depois de conhecê-la, a abraçá-la e praticá-la." Este dever
decorre da "própria natureza dos homens" e não contraria um "respeito sincero" para com as
diversas religiões que "refletem lampejos daquela verdade que ilumina a todos os homens[a88] ",
nem a exigência da caridade que insta os cristãos a "tratar com amor, prudência e paciência os
homens que vivem no erro ou na ignorância acerca da fé".
2105 O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem individual e
socialmente. Esta é "a doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das
sociedades em relação à verdadeira religião e à única Igreja de Cristo". Evangelizando sem
cessar os homens, a Igreja trabalha para que estes possam "penetrar de espírito cristão as
mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem". O dever
social dos cristãos é respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Exige
que levem a conhecer o culto da única religião verdadeira, que subsiste na Igreja católica e
apostólica[a93] . Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. Assim, a Igreja manifesta a
realeza de Cristo sobre toda a criação e particularmente sobre as sociedades humanas.
2106 "Em matéria religiosa, ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência,
nem impedido de agir, dentro dos justos limites, de acordo com ela, em particular ou em público,
só ou associado a outrem." Este direito funda-se na própria natureza da pessoa humana, cuja
dignidade a faz aderir livremente à verdade divina que transcende a ordem temporal. Por isso,
este direito "continua a existir ainda para aqueles que não satisfazem à obrigação de procurar a
verdade e de aderir a ela"
2107 "Se, em razão de circunstâncias particulares dos povos, for conferida a uma única
comunidade religiosa o especial reconhecimento civil na organização jurídica da sociedade,
será necessário que ao mesmo tempo se reconheça e se observe em favor de todos os cidadãos
e das comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa.”
2108 O direito à liberdade religiosa não significa nem a per-missão moral de aderir ao erro
nem um suposto direito ao erro, mas um direito natural da pessoa humana à liberdade civil, quer
dizer, à imunidade de coação externa nos justos limites, em matéria religiosa, da parte do poder
político. Este direito natural deve ser reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade, de tal
maneira que constitua um direito civil.
2109 O direito à liberdade religiosa não pode ser em si ilimitado, nem limitado apenas por
uma "ordem pública" entendida de maneira positivista ou naturalista. Os "justos limites" que lhe
são inerentes devem ser determinados para cada situação social pela prudência política,
segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela autoridade civil segundo "normas
jurídicas, de acordo com a ordem moral objetiva".
III. "NÃO TERÁS OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM"
2110 O primeiro mandamento proíbe prestar honra a outros afora o único Senhor que se
revelou a seu povo. Proscreve a superstição e a irreligião. A superstição representa de certo modo um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por deficiência à virtude da
religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111 A superstição é o desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Pode
afetar também o culto que prestamos ao verdadeiro Deus, por exemplo, quando atribuímos uma
importância de alguma maneira mágica a certas práticas, em si mesmas legítimas ou
necessárias. Atribuir eficácia exclusivamente à materialidade das orações ou dos sinais
sacramentais, sem levar em conta as disposições interiores que elas exigem, é cair na
superstição.
A IDOLATRIA
2112 O primeiro mandamento condena o politeísmo. Exige que o homem não acredite
em outros deuses afora Deus, que não venere outras divindades afora a única. A escritura lembra
constantemente esta rejeição de "ídolos, ouro e prata, obras das mãos dos homens", os quais
"têm boca e não falam, têm olhos e não vêem..." Esses ídolos vãos tornam as pessoas vãs:
"Como eles serão os que o fabricaram e quem quer que ponha neles a sua fé" (Sl 115,4-
5.8). Deus, pelo contrário, é o "Deus vivo" (Jo 3,10) que faz viver e intervém na história.
2113 A idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma
tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus. Existe idolatria quando o
homem presta honra e veneração a uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou
de demônios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do
Estado, do dinheiro etc. "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro", diz Jesus (Mt 6,24). Numerosos
mártires morreram por não adorar "a Besta", recusando-se até a simular seu culto. A idolatria
nega o senhorio exclusivo de Deus; é, por-tanto, incompatível com a comunhão divina.
2114 A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o
único Senhor simplifica o homem e o livra de uma dispersão infinita. A idolatria é uma perversão
do sentimento religioso inato do homem. O idólatra é aquele que "refere a qualquer coisa que
não seja Deus a sua indestrutível noção de Deus”.
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115 Deus pode revelar o futuro a seus profetas ou a outros santos. Todavia, a atitude
cristã correta consiste em entregar-se com confiança nas mãos da providência no que tange ao
futuro, e em abandonar toda curiosidade doentia a este respeito. A imprevidência pode ser uma
falta de responsabilidade.
2116 Todas as formas de adivinhação hão de ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos
demônios, evocação dos mortos ou outras práticas que erroneamente se supõe "descobrir" o
futuro. A consulta aos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e
da sorte, os fenômenos de visão, o recurso a médiuns escondem uma vontade de poder sobre o
tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, ao mesmo tempo que um desejo de
ganhar para si os poderes ocultos. Essas práticas contradizem a honra e o respeito que, unidos ao
amoroso temor, devemos exclusivamente a Deus.
2117 Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende
domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural
sobre o próximo - mesmo que seja para proporcionar a este a saúde - são gravemente contrárias
à virtude da religião. Essas práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas de
uma intenção de prejudicar a outrem, ou quando recorrem ou não à intervenção dos demônios.
O uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica freqüentemente práticas de
adivinhação ou de magia. Por isso a Igreja adverte os fiéis a evitá-lo. O recurso aos assimchamados remédios tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes maléficos nem a
exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118 O primeiro mandamento de Deus reprova os principais pecados de irreligião: a
ação de tentar a Deus em palavras ou em atos, o sacrilégio e a simonia.
2119 A ação de tentar a Deus consiste em pôr â prova, em palavras ou em atos, sua
bondade e sua onipotência. Foi assim que Satanás quis conseguir que Jesus se atirasse do alto do
templo e obrigasse Deus, desse modo, a agir. Jesus opõe-lhe a Palavra de Deus: "Não tentarás o
Senhor teu Deus" (Dt 6,16). O desafio contido em tal "tentação de Deus" falta com o respeito e a
confiança que devemos a nosso Criador e Senhor. Inclui sempre uma dúvida a respeito de seu
amor, sua providência e seu poder.
2120 O sacrilégio consiste em profanar ou tratar indignamente os sacramentos e as
outras ações litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O
sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando cometido contra a Eucaristia, pois neste
sacramento o próprio Corpo de Cristo se nos torna substancialmente presente.
2121 A simonia é definida como a compra ou a venda de realidades espirituais. A
Simão, o mago, que queria comprar o poder espiritual que via em ação nos Apóstolos, Pedro
responde: "Pereça o teu dinheiro, e tu com ele, porque julgaste poder comprar com dinheiro o
dom de Deus" (At 8,20). Desta maneira, Pedro obedecia à Palavra de Jesus: "De graça
recebestes, dai de graça" (Mt 10,8). É impossível apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se
em relação a eles como um possuidor ou um dono, pois a fonte deles é Deus. Só se pode
recebê-los gratuitamente dele.
2122 "Além das ofertas estabelecidas pela autoridade competente, o ministro nada
peça pela administração dos sacramentos, tomando cuidado sempre que os necessitados não
sejam privados da ajuda dos sacramentos por causa de sua pobreza." A autoridade competente
fixa estas "ofertas" em virtude do princípio de que o povo cristão deve cuidar do sustento dos
ministros da Igreja. "O operário é digno de seu sustento" (Mt 10,10).
O ATEÍSMO
2123 "Muitos de nossos contemporâneos não percebem de modo algum esta união intima
e vital com Deus, ou explicitamente a rejeitam, a ponto de o ateísmo figurar entre os mais graves
problemas de nosso tempo."
2124 O termo ateísmo abrange fenômenos muito diversos. Uma forma freqüente é o
materialismo prático, de quem limita suas necessidades e suas ambições ao espaço e ao tempo.
O humanismo ateu considera falsamente que o homem é "seu próprio fim e o único artífice e
demiurgo de sua própria história". Outra forma de ateísmo contemporâneo espera a libertação
do homem pela via econômica e social, sendo que "a religião, por sua própria natureza,
impediria esta libertação, na medida em que, ao estimular a esperança do homem numa
quimérica vida futura, o desviaria da construção da cidade terrestre".
2125 Na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado
contra a virtude da religião. A imputabilidade desta falta pode ser seriamente diminuída em
virtude das intenções e das circunstâncias. Na gênese e difusão do ateísmo, "grande parcela de
responsabilidade pode caber aos crentes, na medida em que, negligenciando a educação da
fé, ou por uma exposição enganosa da doutrina, ou por deficiência em sua vida religiosa, moral
e social, se poderia dizer deles que mais escondem do que manifestam o rosto autêntico de
Deus e da religião"
2126 Muitas vezes o ateísmo se funda em uma concepção falsa da autonomia humana,
que chega a recusar toda dependência em relação a Deus. Contudo, "o reconhecimento de Deus não se opõe de modo algum à dignidade do homem, já que esta dignidade se
fundamenta e se aperfeiçoa no próprio Deus". "A Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem
se coaduna com as aspirações mais intimas do coração humano."
O AGNOSTICISMO
2127 O agnosticismo se reveste de muitas formas. Em certos casos, o agnóstico se recusa
a negar a Deus; ao contrário, postula a existência de um ser transcendente, que não poderia
revelar-se e sobre o qual ninguém seria capaz de dizer nada! Em outros casos, o agnóstico não
se pronuncia sobre a existência de Deus, declarando que é impossível prová-la e até afirmá-la ou
negá-lo.
2128 O agnosticismo pode, às vezes, conter certa busca de Deus, mas pode igualmente
representar um indiferentismo, uma fuga da pergunta última sobre a existência e uma preguiça
da consciência moral. Com muita freqüência o agnosticismo equivale a um ateísmo prático.
IV. "Não Farás Para Ti Imagem Esculpida De Nada..."
2129 O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por
mão do homem. O Deuteronômio explica: "Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que
Senhor vos falou no Horeb, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem
esculpida em forma de ídolo..." (Dt 4,15-16). Eis aí o Deus absolutamente transcendente que se
revelou a Israel. "Ele é tudo", mas, ao mesmo tempo, ele está "acima de todas as suas obras" (Eclo
43,27-28). Ele é "a própria fonte de toda beleza criada" (Sb 1 3,3).
2130 No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de
imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são
Serpente de Bronze, a Arca da Aliança e os Querubins.
2131 Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que (sétimo Concílio
ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de
Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho
de Deus inaugurou uma nova "economia" das imagens.
2132 O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe
os ídolos. De fato, "a hora prestada a uma imagem se dirige ao modelo Original, e "quem venera
uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é
uma "veneração respeitosa", e não uma adoração, que só compete a Deus:
Oculto da religião não se dirige às imagens em si como realidades, mas as considera em
seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que
se dirige à imagem enquanto tal não termina nela, mas tende para a realidade da qual é
imagem.
RESUMINDO
2133 "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
todas as tuas forças" (Dt 6,5).
2134 O primeiro mandamento convida o homem a crer em Deus, a esperar nele e a
amá-lo acima de tudo.
2135 "Adorarás o Senhor teu Deus" (Mt 4,]O). Adorar a Deus, orar a Ele, oferecer-lhe o
culto que lhe é devido, cumprir as promessas e os votos que foram fritos a Ele são os atos da
virtude de religião que nascem da obediência ao primeiro mandamento.
2136 O dever de prestar um culto autêntico a Deus incumbe ao homem, tanto
individualmente como em sociedade.2137 O homem deve "poder professar livremente a religião, tanto em particular como
em público. "
2138 A superstição é um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus. Ela se mostra
particularmente na idolatria, assim como nas diferentes formas de adivinhação e de magia.
2139 A ação de tentar a Deus, em palavras ou em atos, o sacrilégio, a simonia são
pecados de irreligião proibidos pelo primeiro mandamento.
2140 Enquanto rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra o
primeiro mandamento.
2141 O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do
Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento.TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
ARTIGO 2
O SEGUNDO MANDAMENTO
Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão (Ex 20,7).
Foi dito aos antigos: "Não perjurarás"... Eu, porém, vos digo não jureis em hipótese alguma
(Mt 5,33-34).
I. O nome do Senhor é santo
2142 "Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão' (Ex 20,7). O segundo
mandamento pertence, como o primeiro ao âmbito da virtude da religião e regula mais
particularmente o uso que fazemos da palavra nas coisas santas.
2143 Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do
nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêem nele; revela-se-lhes em seu mistério
pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. "O nome do Senhor é
santo." Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória num silêncio de
adoração amorosa. Não fará uso dele a não ser para bendizê-lo, louvá-lo e glorificá-lo.
2144 A deferência para com o nome de Deus exprime o respeito que é devido ao
mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado faz
parte do âmbito da religião:
Os sentimentos de temor e do sagrado são ou não sentimentos cristãos? Ninguém pode
em sã razão duvidar disso. São sentimentos que teríamos, em grau intenso, se tivéssemos a visão
do Deus soberano. São sentimentos que teríamos se nos apercebêssemos claramente de sua
presença. Na medida em que cremos que Ele está presente, devemos tê-los. Não tê-los é não
perceber, não crer que Ele está presente.
2145 O fiel deve testemunhar o nome do Senhor, confessando sua fé sem ceder ao
medo. O ato da pregação e o ato da catequese devem estar penetrados de adoração e de
respeito pelo nome de Nosso Senhor, Jesus Cristo.
2146 O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de Deus, isto é, todo uso
inconveniente do nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os santos.
2147 As promessas feitas a outrem em nome de Deus empenham a honra, a fidelidade,
a veracidade e a autoridade divinas. Devem, pois, em justiça, ser respeitadas. Ser-lhes infiel é
abusar do nome de Deus e, de certo modo, fazer de Deus um mentiroso.
2148 A blasfêmia opõe-se diretamente ao segundo mandamento. Ela consiste em
proferir contra Deus interior ou exteriormente - palavras de ódio, de ofensa, de desafio, em falar
mal de Deus, faltar-lhe deliberadamente com o respeito ao abusar do nome de Deus. São Tiago
reprova "os que blasfemam contra o nome sublime (de Jesus) que foi invocado sobre eles" (Tg
2,7). A proibição da blasfêmia se estende às palavras contra a Igreja de Cristo, os santos, as
coisas sagradas. É também blasfemo recorrer ao nome de Deus para encobrir práticas
criminosas, reduzir povos à servidão, torturar ou matar. O abuso do nome de Deus para cometer
um crime provoca a rejeição da religião.
A blasfêmia é contrária ao respeito devido a Deus e a seu santo nome. E em si um pecado
grave.
2149 As pragas, que fazem intervir o nome de Deus, sem intenção de blasfêmia, são
uma falta de respeito para com o Senhor.
O segundo mandamento proíbe também o uso mágico do nome divino.O nome de Deus é grande lá onde for pronunciado com o respeito devido à sua
grandeza e à sua majestade. O nome de Deus é santo lá onde for proferido com veneração e
com temor de ofendê-lo.
II. O NOME DO SENHOR PRONUNCIADO EM VÃO
2150 O segundo mandamento proíbe o juramento falso. Fazer juramento ou jurar é
invocar a Deus como testemunha do que se afirma. E invocar a veracidade divina como
garantia de nossa própria veracidade. O juramento empenha o nome do Senhor. "E ao Senhor
teu Deus que temerás, a Ele servirás e pelo seu nome jurarás" (Dt 6,13).
2151 Abster-se de jurar falsamente é um dever para com Deus. Como Criador e Senhor,
Deus é a regra de toda verdade. A palavra humana está de acordo com Deus ou em oposição
a Ele, que é a própria verdade. Quando é verídico e legítimo, o juramento põe à luz a relação
da palavra humana com a verdade de Deus. O juramento falso invoca Deus para ser
testemunha de uma mentira.
2152 E perjuro aquele que, sob juramento, faz uma promessa que não tem intenção de
manter ou que, depois de ter prometido algo sob juramento, não o cumpre. O perjúrio constitui
uma grave falta de respeito para com o Senhor de toda palavra. Comprometer-se por juramento
a praticar uma obra má contrário à santidade do nome divino.
2153 Jesus expôs o segundo mandamento no Sermão da Montanha: "Ouvistes o que foi
dito aos antigos: 'Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor'. Eu,
porém, vos digo: não jureis em hipótese nenhuma... Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não. O
que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,33~34.37). Jesus ensina que todo juramento implica uma
referência a Deus e que a presença de Deus e de sua verdade deve ser honrada em toda
palavra. A discrição em recorrer a Deus na linguagem caminha de mãos dadas com a atenção
respeitosa à sua presença, testemunhada ou desprezada, em cada uma de nossas afirmações.
2154 Seguindo S. Paulo, a Tradição da Igreja entendeu que as palavras de Jesus não se
opõem ao juramento quando é feito por uma causa grave e justa (por exemplo, perante um
tribunal). "O juramento, isto é, a invocação do nome de Deus com testemunha da verdade, não
se pode fazer, a não ser na verdade, no discernimento e na justiça."
2155 A santidade do nome divino exige que não se recorra a ele para coisas fúteis e
não se preste juramento em circunstâncias suscetíveis de interpretá-lo como uma aprovação do
po-der que o exigisse injustamente. Quando o juramento é exigi-do por autoridades civis
ilegítimas, pode-se recusá-lo. Deve ser recusado quando é pedido para fins contrários à
dignidade das pessoas ou à comunhão da Igreja.
III. O NOME CRISTÃO
2156 O sacramento do Batismo é conferido "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"
(Mt 28,19). No Batismo, o nome do Senhor santifica o homem, e o cristão recebe seu próprio
nome na Igreja. Este pode ser o de um santo, isto é, de um discípulo que viveu uma vida de
fidelidade exemplar a seu Senhor. O "nome de Batismo" pode também exprimir um mistério
cristão ou uma virtude cristã. "Cuidem os pais, os padrinhos e o pároco para que não se
imponham nomes alheios ao senso cristão."
2157 O cristão começa seu dia, suas orações e suas ações com o sinal-da-cruz, "em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém". O batizado dedica a jornada à glória de Deus
e invoca a graça do Salvador, que lhe possibilita agir no Espírito como filho do Pai. O sinal-da-cruz
nos fortifica nas tentações e nas dificuldades.
2158 Deus chama a cada um por seu nome. O nome de todo homem é sagrado. O
nome é o ícone da pessoa. Exige respeito, em sinal da dignidade de quem o leva.2159 O nome recebido é um nome eterno. No Reino, o caráter misterioso e único de
cada pessoa marcada com o nome de Deus resplandecerá em plena luz. "Ao vencedor... darei
uma pedrinha branca na qual está escrito um nome novo, que ninguém conhece, exceto
aquele que o recebe" (Ap 2,17). "Tive esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o Monte
Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e o
nome de seu Pai" (Ap 14,1).
RESUMINDO
2160 "Senhor, nosso Deus, quão poderoso é teu nome em toda terra" (Sl 8,11).
2161 O segundo mandamento prescreve respeitar o nome do Senhor. O nome do Senhor
é santo.
2162 O segundo mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus. A
blasfêmia consiste em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de
maneira injuriosa.
2163 O juramento falso invoca Deus como testemunha de uma mentira. O perjúrio é
uma falta grave contra o Senhor, sempre fiel a suas promessas.
2164 "Não jurar nem pelo Criador, nem pela criatura, se não for com verdade,
necessidade e reverência."
2165 No Batismo, o cristão recebe seu nome na Igreja. Os pais, os padrinhos e o pároco
cuidarão para que lhe seja dado um nome cristão. O patrocínio de um santo oferece um
modelo de caridade e um intercessor seguro.
2166 O cristão começa suas orações e suas ações pelo sinal-da-cruz, "em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo. Amém"
2167 Deus chama cada um por seu nome.
ARTIGO 3
O TERCEIRO MANDAMENTO
Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias e farás todas
as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nenhum trabalho
(Ex 20,8-l0). O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, de modo que o
Filho do Homem é senhor até do sábado (Mc 2,27-28).
I. O Dia do Sábado
2168 O terceiro mandamento do Decálogo lembra a santidade do sábado: "O sétimo
dia é sábado; repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2169 A propósito dele, a Escritura faz memória da criação: "Porque em seis dias o Senhor
fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia. Por isso o
Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou" (Ex 20,11).
2170 No dia do Senhor, a Escritura revela ainda um memorial da libertação de Israel da
escravidão do Egito: "Recorda que foste escravo na terra do Egito e que o Senhor, teu Deus, te
fez sair de lá com a mão forte e o braço estendido. E por isso que o Senhor teu Deus te ordenou
guardar o dia de sábado" (Dt 5,15).
2171 Deus confiou o sábado a Israel, para que ele pudesse guardá-lo em sinal da
aliança inquebrantável[a30] . O sábado é, para o Senhor, santamente reservado ao louvor de
Deus, de sua obra de criação e de suas ações salvíficas em favor de Israel.2172 O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus "retomou o fôlego" no sétimo
dia (Ex 31,17), também o homem deve "folgar" e deixar que os outros, sobretudo os pobres,
"retomem fôlego". O sábado faz cessar os trabalhos cotidianos e concede uma pausa. E um dia
de protesto contra as escravidões do trabalho e o culto do dinheiro.
2173 O Evangelho relata numerosos incidentes em que Jesus é acusado de violar a lei
do sábado. Mas Jesus nunca profana a santidade desse dia[a35] . Dá-nos com autoridade sua
autêntica interpretação: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc
2,27). Movido por compaixão, Cristo se permite, no "dia de sábado, fazer o bem de preferência
ao mal, salvar uma vida de preferência a matar. O sábado é o dia do Senhor das misericórdias e
da honra de Deus. "O Filho do Homem é senhor até do sábado" (Mc 2,28).
II. O Dia do Senhor
Este é o dia que o Senhor fez, exultemos e alegremo-nos nele (Sl 117,24).
O DIA DA RESSURREIÇÃO: A NOVA CRIAÇÃO
2174 Jesus ressuscitou dentre os mortos "no primeiro dia da semana" (Mc 16,2[a39] ).
Enquanto "primeiro dia", o dia da Ressurreição de Cristo lembra a primeira criação. Enquanto
"oitavo dia", que segue ao sábado, significa a nova criação inaugurada com a Ressurreição de
Cristo. Para os cristãos, ele se tomou o primeiro de todos os dias, a primeira de todas as festas, o
dia do Senhor ("Hé kyriaké hemera", "dies dominica "), o "domingo":
Reunimo-nos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia (após sábado dos judeus, mas
também o primeiro dia) em que Deus extraindo a matéria das trevas, criou o mundo e, nesse
mesmo dia Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos] .
O DOMINGO - PLENITUDE DO SÁBADO
2175 O domingo se distingue expressamente do sábado, ao qual sucede
cronologicamente, a cada semana, e cuja prescrição espiritual substitui, para os cristãos. Leva à
plenitude, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judeu e anuncia o repouso
eterno do homem em Deus. Pois o culto da lei preparava o mistério de Cristo e o que nele se
praticava prefigurava, de alguma forma, algum aspecto de Cristo:
Aqueles que viviam segundo a ordem antiga das coisas volta-ram-se para a nova
esperança não mais observando o sábado, mas sim o dia do Senhor, no qual a nossa vida é
abençoada por Ele e por sua morte.
2176 A celebração do domingo observa a prescrição moral naturalmente inscrita no
coração do homem de "prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular sob o signo de
seu beneficio universal para com os homens”. O culto dominical cumpre o preceito moral da
Antiga Aliança, cujo ritmo e espírito retoma ao celebrar cada semana o Criador e o Redentor de
seu povo.
A EUCARISTIA DOMINICAL
2177 A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida
da Igreja. "O domingo, dia em que por tradição apostólica se celebra o Mistério Pascal, deve ser
guardado em toda a Igreja como dia de festa de preceito por excelência."
"Devem ser guardados igualmente o dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, da
Epifania, da Ascensão e do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, de Santa Maria, Mãe de Deus,
de sua Imaculada Conceição e Assunção, de São José, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e,
por fim, de Todos os Santos.2178 Esta prática da assembléia cristã data dos inícios da era apostólica[a50] . A Epístola
aos Hebreus lembra: "Não deixemos as nossas assembléias, como alguns costumam fazer.
Procure-mos animar-nos sempre mais" (Hb 10,25).
A Tradição guarda a lembrança de uma exortação sempre atual: "Vir cedo à Igreja,
aproximar-se do Senhor e confessar seus pecados, arrepender-se na oração...Participar da santa
e divina liturgia terminar a oração e não sair antes da despedida... Dissemos muitas vezes: este
dia vos é dado para a oração e o repouso. E o dia que o Senhor fez. Exultemos e alegremo-nos
nele[a51] "
2179 "Paróquia é uma determinada comunidade de fiéis, constituída de maneira estável
na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco, como a seu pastor próprio,
sob autoridade do bispo diocesano." E o lugar onde todos os fiéis podem ser congregados pela
celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da
vida litúrgica, reúne-o nesta celebração, ensina a doutrina salvífica de Cristo, pratica a caridade
do Senhor nas obras boas e fraternas.
Não podes rezar em casa como na Igreja, onde se encontra o povo reunido, onde o grito
é lançado a Deus de um só coração. Há ali algo mais, a união dos espíritos, a harmonia das
almas o vínculo da caridade, as orações dos presbíteros.
A OBRIGAÇÃO DO DOMINGO
2180 O mandamento da Igreja determina e especifica a lei do Senhor: "Aos domingos e
nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da missa". "Satisfaz ao
preceito de participar da missa quem assiste à missa celebrada segundo o rito católico no
próprio dia de festa ou à tarde do dia anterior.
2181 A Eucaristia do domingo fundamenta e sanciona toda a prática cristã. Por isso os
fiéis são obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser por motivos muito
sérios (por exemplo, uma doença, cuidado com bebês) ou se forem dispensados pelo próprio
pastor[a59] . Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem pecado grave.
2182 A participação na celebração comunitária da Eucaristia dominical é um
testemunho de pertença e de fidelidade a Cristo e à sua Igreja. Assim, os fiéis atestam sua
comunhão na fé e na caridade. Dão simultaneamente testemunho da santidade de Deus e de
sua esperança na salvação, reconfortando-se mutua-mente sob a moção do Espírito Santo.
2183 "Por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, se a participação na
celebração eucarística se tornar impossível, recomenda-se vivamente que os fiéis participem da
liturgia da Palavra, se houver, na igreja paroquial ou em outro lugar sagrado, celebrada segundo
as prescrições do Bispo diocesano, ou então se dediquem à oração durante um tempo
conveniente, a sós ou em família, ou em grupos de famílias, de acordo com a oportunidade."
DIA DE GRAÇA E DE INTERRUPÇÃO DO TRABALHO
2184 Como Deus "descansou no sétimo dia, depois de toda a obra que fizera" (Gn 2,2),
a vida humana é ritmada pelo trabalho e pelo repouso. A instituição do dia do Senhor contribui
para que todos desfrutem do tempo de repouso e de lazer suficiente que lhes permita cultivar
sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2185 Durante o domingo e os outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão de se
entregar aos trabalhos ou atividades que impedem o culto devido a Deus, a alegria própria ao
dia do Senhor, a prática das obras de misericórdia e o descanso conveniente do espírito e do
corpo[a65] . As necessidades familiares ou uma grande utilidade social são motivos legítimos
para dispensa do preceito do repouso dominical. Os fiéis cuidarão para que dispensas legítimas
não acabem introduzindo hábitos prejudiciais à religião, à vida familiar e à saúde.
O amor da verdade busca o santo ócio, a necessidade do amor acolhe o trabalho justo.2186 Os cristãos que dispõem de lazer devem lembrar-se de seus irmãos que têm as
mesmas necessidades e os mesmos direito mas não podem repousar por causa da pobreza e da
miséria. O domingo é tradicionalmente consagrado pela piedade cristã às boas obras e aos
humildes serviços de que carecem os doentes, os enfermos, os idosos. Os cristãos santificarão
ainda o domingo dispensando à sua família e aos parentes o tempo e a atenção que
dificilmente podem dispensar nos outros dias da semana. O domingo é um tempo de reflexão,
de silêncio, de cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da vida interior cristã.
2187 Santificar os domingos e dias de festa exige um esforço o comum. Cada cristão
deve evitar impor sem necessidades a outrem o que o impediria de guardar o dia do Senhor.
Quando os costumes (esporte, restaurantes etc.) e as necessidades sociais (serviços públicos etc.)
exigem de alguns um trabalho dominical, cada um assuma a responsabilidade de encontrar um
tempo suficiente de lazer. Os fiéis cuidarão, com temperança e caridade, de evitar os excessos e
violências causadas às vezes pelas diversões de massa. Apesar das limitações econômicas, os
poderes públicos cuidarão de assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao
culto divino. Os patrões têm uma obrigação análoga com respeito a seus empregados.
2188 Dentro do respeito à liberdade religiosa e ao bem comum de todos, os cristãos
precisam envidar esforços no sentido de que os domingos e dias de festa da Igreja sejam feriados
legais. A todos têm de dar um exemplo público de oração, de respeito e de alegria e defender
suas tradições como uma contribuição preciosa para a v ida espiritual da sociedade humana. Se
a legislação do país ou outras razões obrigarem a trabalhar no domingo, que, apesar disso este
dia seja vivido como o dia de nossa libertação, que nos faz participar desta "reunião de festa",
desta "assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus" (Hb 12,22-23).
RESUMINDO
2189 "Guardarás o dia de sábado para santificá-lo" (Dt 5,12). "No sétimo dia se fará
repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2190 O sábado, que representava o término da primeira criação, é substituído pelo
domingo, que lembra a criação nova, inaugurada com a Ressurreição de Cristo.
2191 A Igreja celebra o dia da Ressurreição de Cristo no oitavo dia, que é corretamente
chamado dia do Senhor, ou domingo.
2192 "O domingo (...)deve ser guardado em toda a Igreja como o dia de festa de
preceito por excelência." "No domingo e em outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a
obrigação de participar da missa."
2193 "No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão das
atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do
Senhor e o devido descanso da mente e do corpo."
2194 A instituição do domingo contribui para que "todos tenham tempo de repouso e
de lazer suficiente para lhes permitir cultivar sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2195 Todo cristão deve evitar impor sem necessidade aos outros aquilo que os impediria
de guardar o dia do Senhor.
CAPÍTULO II
"AMARÁS O PRÓXIMO COMO A TI MESMO"
Jesus disse a seus discípulos: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,34).
2196 Em resposta à pergunta feita acerca do primeiro dos mandamentos, Jesus diz: "O
primeiro é: 'Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todo o teu espírito, e com toda a tua força'. O
segundo é este: 'Amarás O teu próximo como a ti mesmo'. Não existe outro manda-mento maior
do que estes" (Mc 12,29-31).
O apóstolo S. Paulo o recorda: "Quem ama o outro cumpriu a lei. De fato, os preceitos 'não
cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás' e todos os Outros se resumem
nesta sentença: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o
próximo. Portanto a caridade é a plenitude da lei" (Rm 13,8-10).
ARTIGO 4
O QUARTO MANDAMENTO
Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias terra que o Senhor, teu
Deus, te dá (Ex 20,12).
Era-lhes submisso (Lc 2,51).
O próprio Senhor Jesus recorda a força desse "mandamento de Deus" O Apóstolo ensina:
"Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isso é justo. 'Honra teu pai e tua mãe' é primeiro
mandamento com promessas: 'para seres feliz e teres uma longa vida sobre a terra"' (Ef 6,1-3).
2197 O quarto mandamento encabeça a segunda tábua. Indica ordem da caridade.
Deus quis que, depois dele mesmo, honrássemos nossos pais, a quem devemos a vida e que nos
transmitiram o conhecimento de Deus. Devemos honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para
o nosso bem, revestiu de sua autoridade.
2198 Esse preceito está expresso sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os
mandamentos que seguem e que se referem a um respeito particular pela vida, pelo
casamento, pelos bens terrestres, pela palavra dada. Constitui um dos fundamentos da doutrina
social da Igreja.
2199 O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos em suas relações com
seu pai e sua mãe, porque esta relação é a mais universal. Diz respeito também as relações de
parentesco com Os membros do grupo familiar. Manda prestar honra, afeição e
reconhecimento aos avós e aos antepassados. Estende-se, enfim, aos deveres dos alunos para
com seu professor, dos empregados para com seus patrões, dos subordinados para com seus
chefes, dos cidadãos para com sua pátria e para com os que a administram ou a governam.
Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes,
magistrados, governantes, de todos os que exercem uma autoridade sobre outros ou sobre uma
comunidade.
2200 A observância do quarto mandamento acarreta sua recompensa: "Honra teu pai e
tua mãe para teres uma longa vida na terra, que o Senhor Deus te dá" (Ex 20,12). O respeito a
esse mandamento alcança, juntamente com os frutos espirituais, frutos temporais de paz e de
prosperidade. Ao contrário, a não observância desse mandamento acarreta grandes danos
para as comunidades e para as pessoas.
I. A FAMÍLIA NO PLANO DE DEUS
NATUREZA DA FAMÍLIA
2201 A comunidade conjugal está fundada no consentimento dos esposos. O casamento
e a família estão ordenados para o bem dos esposos, a procriação e a educação dos filhos. O
amor dos esposos e a geração dos filhos instituem entre os membros de uma mesma família
relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202 Um homem e uma mulher unidos em casamento formam com seus filhos uma
família. Esta disposição precede todo reconhecimento por parte da autoridade pública; impõe-se a ela (isto é, não depende da autoridade civil para se constituir) e deve ser considerada
como a referência normal, em função da qual devem ser avaliadas as diversas formas de
parentesco.
2203 Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a de sua
constituição fundamental. Seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum
de seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de
direitos e de deveres.
A FAMÍLIA CRISTÃ
2204 "Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela
família cristã, que também, por isso, se pode e deve chamar igreja doméstica." E uma
comunidade de fé, de esperança e de caridade; na Igreja ela tem uma importância singular,
como se vê no Novo Testamento.
2205 A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sua atividade procriadora e educadora é o reflexo da obra
criadora do Pai. Ela é chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração
cotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortificam nela a caridade. A família cristã é
evangelizadora e missionária.
2206 As relações dentro da família acarretam uma afinidade de sentimentos, de afetos
e de interesses, afinidade essa que provém sobretudo do respeito mútuo entre as pessoas. A
família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar "uma carinhosa abertura recíproca
de alma entre os cônjuges e também uma atenta cooperação dos pais na educação dos
filhos[a16] ".
II. A FAMÍLIA E A SOCIEDADE
2207 A família é a célula originária da vida social. E a sociedade natural na qual o homem
e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade
e a vida de relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da
fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a infância se podem
assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em
família é iniciação para a vida em sociedade.
2208 A família deve viver de maneira que seus membros aprendam a cuidar e a
responsabilizar-se pelos jovens e pelos velhos pelos doentes ou deficientes e pelos pobres. São
numerosas as famílias que, em certos momentos, não são capazes de proporcionar essa ajuda.
Cabe então a outras pessoas, a outras famílias e, subsidiariamente, à sociedade prover às suas
necessidades: "A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os
órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).
2209 A família deve ser ajudada e defendida pelas medidas sociais apropriadas.
Quando as famílias não são capazes de desempenhar suas funções, outros organismos sociais
têm o dever de ajudá-las e de apoiar a instituição familiar. De acordo com o princípio da
subsidiariedade, as comunidades mais amplas cuidarão de não usurpar seus poderes ou de
interferir na vida da família.
2210 A importância da família para a vida e o bem-estar da sociedade acarreta uma
responsabilidade particular desta última no apoio e no fortalecimento do casamento e da
família. Que o poder civil considere como dever grave "reconhecer e proteger a verdadeira
natureza do casamento e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade
dos lares".
2211 A comunidade política tem o dever de honrar a família, de assisti-la, de lhe garantir
sobretudo: ü O direito de se constituir, de ter filhos e de educá-los de
ü acordo com suas próprias convicções morais e religiosas;
ü a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
ü a liberdade de professar a própria fé, de transmiti-la, de educar nela os filhos, com os
meios e as Instituições necessárias;
ü o direito à propriedade privada, à liberdade de empreendimento, ao trabalho, à
moradia, à emigração;
ü de acordo com as instituições dos países, o direito à assistência médica, à assistência
aos idosos, aos abonos familiares;
ü a proteção da segurança e da saúde, sobretudo em relação aos perigos, como
drogas, pornografia, alcoolismo etc.;
ü a liberdade de formar associações com outras famílias e, assim, serem representadas
junto às autoridades civis.
2212 O quarto mandamento ilumina as outras relações na sociedade. Em nossos irmãos e
irmãs vemos os filhos de nossos pais; em nossos primos, os descendentes de nossos avós; em
nossos concidadãos, os filhos de nossa pátria; nos batizados, os filhos de nossa mãe, a Igreja; em
toda pessoa humana, um filho ou filha daquele que quer ser chamado "nosso Pai". Assim, nossas
relações com o nosso próximo são reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um
"indivíduo" da coletividade humana; ele é "alguém" que, por suas origens conhecidas, merece
atenção e respeito individuais.
2213 As comunidades humanas são compostas de pessoas. Seu bom governo não se
limita à garantia dos direitos e ao cumpri mento dos deveres, assim como à fidelidade aos
contratos. Relações justas entre patrões e empregados, governantes e cidadãos supõem o
mútuo e natural bem-querer que convém à dignidade das pessoas humanas preocupadas com
a justiça e a fraternidade.
III. DEVERES DOS MEMBROS DA FAMÍLIA
DEVERES DOS FILHOS
2214 A paternidade divina é a fonte da paternidade humana; é o fundamento da honra
devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo pai e pela mãe alimenta-se da
afeição natural nascida do vínculo que os une e é exigido pelo preceito divino.
2215 O respeito pelos pais (piedade filial) é produto do reconhecimento para com
aqueles que, pelo dom da vida, por seu amor e por seu trabalho puseram seus filhos no mundo e
permitiram que crescessem em estatura, em sabedoria e graça. "Honra teu pai de todo o
coração e não esqueças as dores de tua mãe. Lembra-te que foste gerado por eles. O que lhes
darás pelo que te deram?" (Eclo 7,27-28).
2216 O respeito filial se revela pela docilidade e pela obediência verdadeiras. "Meu filho,
guarda os preceitos de teu pai, não rejeites a instrução de tua mãe... Quando caminhares, te
guiarão; quando descansares, te guardarão; quando despertares, te falarão" (Pr 6,20-22). "Um
filho sábio ama a correção do pai, e o zombador não escuta a reprimenda" (Pr 13,1).
2217 Enquanto o filho viver na casa de seus pais, deve obedecer a toda solicitação dos
pais que vise ao seu bem ou ao da família. 'Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, pois isso é
agradável ao Senhor" (Cl 3,20). Os filhos têm ainda de obedecer às prescrições razoáveis de seus
educadores e de todos aqueles aos quais os pais os confiaram. Mas, se o filho estiver convicto
em consciência de que é moralmente mau obedecer a tal ordem, que não a siga.
Quando crescerem, os filhos continuarão a respeitar seus pais. Antecipar-se-ão aos desejos
deles, solicitarão de bom grado seus conselhos e aceitarão suas justas admoestações. Aobediência aos pais cessa com a emancipação dos filhos, mas o respeito, que sempre lhes é
devido, não cessará de modo algum, pois (tal respeito) tem sua raiz no temor de Deus, um dos
dons do Espírito Santo.
2218 O quarto mandamento lembra aos filhos adultos suas responsabilidades para com
os pais. Enquanto puderem, devem dar-lhes ajuda material e moral nos anos da velhice e
durante o tempo de doença, de solidão ou de angústia. Jesus lembra este dever de
reconhecimento.
O Senhor glorificou o pai nos filhos e fortaleceu a autoridade da mãe sobre a prole.
Aquele que respeita o pai obtém o perdão dos pecados; o que honra sua mãe é como quem
junta um tesouro. Aquele que respeita o pai encontrará alegria nos filhos e no dia de sua oração
será atendido. Aquele que honra o pai viverá muito, e o que obedece ao Senhor alegrará sua
mãe (Eclo 3,2-6).
Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se seu entendimento
faltar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor... E como um
blasfemador aquele que despreza seu pai, e um amaldiçoado pelo Senhor aquele que irrita sua
mãe (Eclo 3,12.16).
2219 O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar e diz respeito também
às relações entre irmãos e irmãs. O respeito aos pais ilumina todo o ambiente familiar. "Coroa dos
anciãos são os netos" (Pr 17,6). "Suportai-vos uns aos outros na caridade, em toda humildade,
doçura e paciência" (Ef 4,2).
2220 Os cristãos devem uma gratidão especial àqueles de quem receberam o dom da
fé, a graça do Batismo e a vida na Igreja Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família,
dos avós. dos pastores, dos catequistas, de outros professores ou amigos. "Evoco a lembrança da
fé sem hipocrisia que há em ti, a mesma -que habitou primeiramente em tua avó Lóide e em tua
mãe Eunice e que, estou convencido, reside também em ti" (2 Tm 1,5).
DEVERES DOS PAIS
2221 A fecundidade do amor conjugal não se reduz só à procriação dos filhos, mas deve
se estender à sua educação moral e formação espiritual. "O papel dos pais na educação é tão
importante que é quase impossível substituí-los." O direito e o devei de educação são primordiais
e inalienáveis para os pais.
2222 Os pais devem considerar seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como
pessoas humanas. Educar os filhos no cumprimento da Lei de Deus, mostrando-se eles mesmos
obedientes à vontade do Pai dos Céus.
2223 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Dão testemunho
desta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o
respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a
educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do
domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar
"as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais." Dar bom exemplo aos filhos
é uma grave responsabilidade para os pais. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios
defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los:
"Aquele que ama o filho usará com freqüência o chicote; aquele que educa seu filho terá
motivo de satisfação" (Eclo 30,1-2). "E vós, pais, não deis a vossos filhos motivo de revolta contra
vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor" (Ef 6,4).
2224 O lar constitui um ambiente natural para a iniciação do ser humano na solidariedade
e nas responsabilidades comunitárias. Os pais ensinarão os filhos a se precaverem dos
comprometimentos e das desordens que ameaçam as sociedades humanas.2225 Pela graça do sacramento do matrimônio, os pais recebe-ram a responsabilidade e
o privilégio de evangelizar os filhos. Por isso os iniciarão desde tenra idade nos mistérios da fé, da
qual são para os filhos os "primeiros arautos". Associá-los-ão desde a primeira infância à vida da
Igreja. A experiência da vida em família pode alimentar as disposições afetivas que por toda a
vida constituirão autênticos preâmbulos e apoios de uma fé viva.
2226 A educação para a fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra
infância. Ocorre já quando os membros da família se ajudam a crescer na fé pelo testemunho
de uma vida cristã de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e
enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a orar
e a descobrir sua vocação de filhos de Deus. A paróquia é a comunidade eucarística e o centro
da vida litúrgica das famílias cristãs; ela é um lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos
pais.
2227 Os filhos, por sua vez, contribuem para o crescimento de seus pais em
santidade[a44] . Todos e cada um se darão generosamente e sem se cansar o perdão mútuo
exigido pelas ofensas, pelas rixas, pelas injustiças e pelos abandonos. Sugere-o a mútua afeição.
Exige-o a caridade de Cristo.
2228 Durante a infância, O respeito e a afeição dos pais se traduzem inicialmente pelo
cuidado e pela atenção que dedicam em educar seus filhos, em prover suas necessidades
físicas e espirituais. Na fase de crescimento, o mesmo respeito e a mesma dedicação levam os
pais a educá-los no reto uso da razão e da liberdade.
2229 Como primeiros responsáveis pela educação dos filhos, os pais têm o direito de
escolher para eles uma escola que corresponda as suas próprias convicções. Este direito é
fundamental. Os pais têm, enquanto possível, o dever de escolher as escolas que melhor possam
ajudá-los em sua tarefa de educadores cristãos. Os poderes públicos têm o dever de garantir
esse direito dos pais e de assegurar as condições reais de seu exercício.
2230 Quando se tornam adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher sua
profissão e seu estado de vida. Assumirão essas novas responsabilidades na relação confiante
com os pais, cujas opiniões e conselhos pedirão e receberão de boa vontade. Os pais cuidarão
de não constranger seus filhos nem na escolha de uma profissão nem na de um consorte. Este
dever de discrição não os impede, muito ao contrário, de ajudá-los com conselhos prudentes,
particularmente quando estes têm em vista constituir uma família.
2231 Alguns não se casam, para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs, para se dedicar
mais exclusivamente a uma profissão ou por outros motivos louváveis. Podem contribuir muito
para o bem da família humana.
IV. A FAMÍLIA E O REINO
2232 Embora os vínculos familiares sejam importantes, não são absolutos. Da mesma
forma que a criança cresce para sua maturidade e autonomia humanas e espirituais, assim
também sua vocação singular, que vem de Deus, se consolida com mais clareza e força. Os pais
respeitarão este chamamento e favorecerão a resposta dos filhos em segui-lo. É preciso
convencer-se de que a primeira vocação do cristão é a de seguir Jesus. "Aquele que ama pai ou
mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim
não é digno de mim" (Mt 10,37).
2233 Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite de pertencer à família de Deus, de
viver conforme a sua maneira de viver: "Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos
Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mt 12,50).
Os pais aceitarão e respeitarão com alegria e ação de graças o chamamento do Senhor
a um de seus filhos de segui-lo na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério
sacerdotal.V. AS AUTORIDADES NA SOCIEDADE CIVIL
2234 O quarto mandamento ordena também que honremos todos aqueles que, para
nosso bem, receberam de Deus uma autoridade na sociedade. Este mandamento ilumina os
deveres daqueles que exercem a autoridade, bem como os daqueles que por esta são
beneficiados.
DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS
2235 Aqueles que são investidos de autoridade devem exercê-la como um serviço.
"Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve" (Mt 20,26). O exercício de
uma autoridade é moralmente limitado por sua origem divina, por sua natureza racional e por
seu objeto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que é contrário à dignidade das
pessoas e à lei natural.
2236 O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a
fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Que os superiores
exerçam a justiça distributiva com sabedoria, levando em conta as necessidades e a
contribuição de cada um e tendo em vista a concórdia e a paz. Zelem para que as regras e
disposições que tomarem não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da
comunidade.
2237 Os poderes políticos devem respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Exercerão humanamente a justiça no respeito pelo direito de cada um, principalmente das
famílias e dos deserdados.
Os direitos políticos ligados à cidadania podem e devem ser concedidos segundo as
exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo
legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos destinado ao bem comum da nação
e da comunidade humana.
DEVERES DOS CIDADÃOS
2238 Aqueles que estão sujeitos à autoridade considerarão seus superiores como
representantes de Deus, que os instituiu ministros de seus dons: "Sujeitai-vos a toda instituição
humana por causa do Senhor... Comportai-vos como homens livres não usando a liberdade
como cobertura para o mal, mas c servos de Deus" (1 Pd 2,13.16). A leal colaboração dos
cidadãos inclui o direito, e às vezes o dever, de apresentar suas justas reclamações contra o que
lhes parece prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.
2239 É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade,
num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço à pátria
derivam do dever de gratidão e da ordem de caridade. A submissão às autoridades legítimas e
o serviço do bem comum exigem que os cidadãos cumpram seu papel na vida da comunidade
política.
2240 A submissão à autoridade e a co-responsabilidade pelo bem comum exigem
moralmente o pagamento de impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país:
Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida;
a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida (Rm 13,7).
Os cristãos residem em sua própria pátria, mas como residentes estrangeiros. Cumprem
todos os seus deveres de cidadãos e suportam todas as suas obrigações, mas de tudo
desprendidos, como estrangeiros... Obedecem às leis estabelecidas, e sua maneira de viver vai
muito além das leis... Tão nobre é o posto que lhes foi por Deus outorgado, que não lhes é
permitido desertar.O Apóstolo nos exorta a fazer orações e ações de graça pelos reis e por todos os que
exercem autoridade, "a fim de que levemos uma vida calma e serena, com toda piedade e
dignidade" (1 Tm 2,2).
2241 As nações mais favorecidas devem acolher, na medida do possível, o estrangeiro
em busca da segurança e dos recursos vitais que não pode encontrar em seu país de origem. Os
poderes públicos zelarão pelo respeito do direito natural que põe o hóspede sob a proteção
daqueles que o recebem.
Em vista do bem comum de que estão encarregadas, as autoridades políticas podem
subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, principalmente
com respeito aos deveres dos migrantes para com o país de adoção. O migrante é obrigado a
respeitar com gratidão o patrimônio material e espiritual do país que o acolhe, a obedecer às
suas leis e a dar sua contribuição financeira.
2242 O cidadão é obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades
civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos
fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às
autoridades ci-vis, quando suas exigências são contrárias às da reta consciência, funda--se na
distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política, "Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). 'E preciso obedecer antes a Deus que aos homens"
(At 5,29):
Se a autoridade pública, exorbitando de sua competência, oprimir os cidadãos, estes não
recusem o que é objetivamente exigido pelo bem comum; contudo, é lícito defenderem os seus
direitos e os de seus concidadãos contra os abusos do poder, guardados os limites traçados pela
lei natural e pela lei evangélica.
2243 A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas,
salvo se ocorrerem conjuntamente as seguintes condições:
1) em caso de violações certas, graves prolongadas dos direitos fundamentais;
2) depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3) sem provocar desordens piores;
4) que haja uma esperança fundada de êxito;
5) se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.
A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA
2244 Toda instituição se inspira, ainda que implicitamente, numa visão do homem e de
seu destino, da qual deduz os critérios de seus juízos, sua hierarquia de valores, sua linha de
conduta. A maior parte das sociedades tem referido suas instituições a um certa preeminência
do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada reconheceu claramente em Deus,
Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a
referir seu julgamento e suas decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o
homem:
As sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome de sua
independência em relação a Deus são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma
ideologia os seus referenciais e os seu objetivos e, não admitindo que se defenda um critério
objetivo do bem e do mal, arrogam a si, sobre o homem e sobre seu destino, um poder
totalitário, declarado ou dissimulado, como mostra a história.
2245 A Igreja, que em razão de seu múnus e de sua competência, não se confunde de
modo algum com a comunidade política, é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda do caráter
transcendente da pessoa humana. "A Igreja respeita e promove a liberdade política e a
responsabilidade dos cidadãos."2246 Faz parte da missão da Igreja "emitir juízo moral também sobre as realidades que
dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a
salvação das almas, empregando todos os recursos - e somente estes - que estão de acordo
com o Evangelho e com o bem de todos, conforme a diversidade dos tempos e das situações.
RESUMINDO
2247 "Honra teu pai e tua mãe" (Dt 5,16; Mc 7,8).
2248 De acordo com o quarto mandamento, Deus quis que, depois dele, honrássemos
nossos pais e os que Ele, para nosso bem, investiu de autoridade.
2249 A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos.
O casamento e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges, a procriação e a
educação dos filhos.
2250 "A salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao
bem-estar da comunidade conjugal e familiar."
2251 Os filhos devem a seus pais respeito, gratidão, justa obediência e ajuda. O respeito
filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.
2252 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos na fé, na
oração e em todas as virtudes. Têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades
físicas e espirituais de seus filhos.
2253 Os pais devem respeitar e favorecer a vocação de seus filhos. Lembrem e ensinem
que a primeira vocação do cristão consiste em seguir a Jesus.
2254 A autoridade pública deve respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e
as condições de exercício de sua liberdade.
2255 É dever dos cidadãos trabalhar com os poderes civis para a edificação da
sociedade num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade.
2256 O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das
autoridades civis, quando contrárias às exigências da ordem moral. "É preciso obedecer antes a
Deus que aos homens" (At 5,29).
2257 Toda sociedade baseia seus juízos e sua conduta numa visão do homem e de seu
destino. Sem as luzes do Evangelho a respeito de Deus e do homem, as sociedades facilmente se
tornam totalitárias.
ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
NÃO MATARÁS (EX 20,13).
Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de responder ao
tribunal". Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder
no tribunal (Mt 5,21-22).
2258 "A vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora
de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só
Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode
reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente."I. O RESPEITO Â VIDA HUMANA
O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259 A Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim, revela, desde o
começo da história humana, a presença da cólera e da cobiça no homem, conseqüências do
pecado original. O homem se tornou inimigo de seu semelhante. Deus expressa a atrocidade
deste fratricídio: "Que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim. Agora, és
maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão o sangue de teu
irmão" (Gn 4,10-11).
2260 A aliança entre Deus e a humanidade está cheia de lembranças do dom divino da
vida humana e da violência assassina do homem:
Pedirei contas do sangue de cada um de vós...Quem derramar o sangue do homem, pelo
homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito (Gn 9,5-6).
O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da vida[a5] . A
necessidade deste ensinamento é para todos os tempos.
2261 A Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: "Não
matarás o inocente nem o justo" (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente
contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o
proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte.
2262 No Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: "Não matarás" (Mt 5,21), e
acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seu discípulo
que ofereça a outra face e ame seus inimigos. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que
deixasse a espada na bainha.
A LEGÍTIMA DEFESA
2263 A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de
matar o inocente, que constitui o homicídio voluntário. "A ação de defender-se pode acarretar
um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor.. Só se quer
o primeiro; o outro, não."
2264 O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto,
é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de
homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor:
Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será
ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a
salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de
outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida.
2265 A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para
aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que
o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da
autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são
responsáveis.
2266 Corresponde a uma exigência de tutela do bem comum c esforço do Estado
destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras
fundamentais de convivência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de
infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a
desordem introduzida pela culpa, Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado
tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública c de tutelar asegurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à
correção do culpado.
2267 O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a
identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via
praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.
Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e
para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses
meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais
conformes à dignidade da pessoa humana.
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268 O quinto mandamento proscreve como gravemente pecaminoso o homicídio direto
e voluntário. O assassino e os que cooperam voluntariamente com o assassinato cometem um
pecado que clama ao céu por vingança.O infanticídio[a22] , o fratricídio, o parricídio e o
assassinato do cônjuge são crimes particularmente graves, devido aos laços naturais que
rompem. Preocupações de eugenismo ou de higiene pública não podem justificar nenhum
assassinato, mesmo a mando dos poderes públicos.
2269 O quinto mandamento proíbe que se faça algo com a intenção de provocar
indiretamente a morte de uma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém a um risco mortal sem
razão grave, bem como recusar ajuda a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de condições de miséria que levem à própria morte
sem se esforçar por remediar a situação constitui uma injustiça escandalosa e uma falta grave.
Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provoquem a
fome e a morte de seus irmãos (homens) comete indiretamente um homicídio, que lhe é
imputável.
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não está isento de falta grave
quem, sem razões proporcionais, agiu de maneira a provocar a morte, ainda que sem a
intenção de causá-la.
O ABORTO
2270 A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do
momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver
reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à
vida.
Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio,
eu te consagrei (Jr 1,5). Meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em segredo,
tecido na terra mais profunda (Sl 139,15).
2271 Desde o século I, a Igreja afirmou a maldade moral de todo aborto provocado.
Este ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, quer dizer, querido como um
fim ou como um meio, é gravemente contrário à lei moral:
NÃO MATARÁS O EMBRIÃO POR ABORTO E NÃO FARÁS PERECER O RECÉM-NASCIDO.
Deus, senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo d preservar a vida, para ser
exercido de maneira condigna ao homem Por isso a vida deve ser protegida com o máximo
cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos.2272 A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona
com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. "Quem provoca
aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae" "pelo próprio fato de
cometer o delito" e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer restringir o
campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável
causado ao 'inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade.
O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento
constitutivo da sociedade civil e de sua legislação:
"Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade
civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem
dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado pertencem à
natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina. Entre
estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de todo se
humano, desde a concepção até a morte."
2273 "No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da
proteção que a legislação civil lhes deve dar, o estado nega a igualdade de todos perante a lei.
Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos,
particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão
ameaçados... Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à
criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas
para toda violação deliberada dos direitos dela."
Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a concepção, o embrião deverá ser
defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como qualquer outro
ser humano.
2274 O diagnóstico pré-natal é moralmente licito "se respeitar a vida e a integridade do
embrião e do feto humano, e se está orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual...
Está gravemente em oposição com a lei moral quando prevê, em função dos resultados, a
eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não deve ser o equivalente de uma
sentença de morte".
"Devem ser consideradas lícitas as intervenções sobre o embrião humano quando
respeitam a vida e a integridade do embrião e não acarretam para ele riscos
desproporcionados, mas visam à sua cura, à melhora de suas condições de saúde ou à sua
sobrevivência individual."
"É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material
biológico disponível."
2275 "Certas tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético
não são terapêuticas, mas tendem à produção de seres humanos selecionados segundo o sexo
ou outras qualidades preestabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal
do ser humano, à sua integridade e à sua identidade" única, não reiterável.
A EUTANÁSIA
2276 Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito
especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para levar uma vida tão
normal quanto possível.
2277 Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à
vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.
Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de
suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não
muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser condenado e excluído.
2278 A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou
desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da "obstinação
terapêutica". Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. As
decisão devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso;
caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os
interesses legítimos do paciente.
2279 Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a
uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O emprego de analgésicos
para aliviar os sofrimentos moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser
moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem
como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem
uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280 Cada um é responsável por sua vida diante de Deus, que "lha deu e que dela é
sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la
para honra dele e salvação de nossas almas. Somos os administradores e não os proprietários da
vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.
2281 O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a
própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do
próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar,
nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do
Deus vivo.
2282 Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os
jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao
suicídio é contrária à lei moral.
Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou
da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283 Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode,
por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora
pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
II. O RESPEITO Â DIGNIDADE DAS PESSOAS
O RESPEITO À ALMA DO OUTRO: O ESCÂNDALO
2284 O escândalo é a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal.
Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. Atenta contra a virtude e a retidão;
pode arrastar seu irmão à morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou
omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave.
2285 O escândalo se reveste de uma gravidade particular em virtude da autoridade dos
que o causam ou da fraqueza dos que o sofrem. Foi o que inspirou a Nosso Senhor a seguinte
maldição "Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem ao
pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar" (Mt,18,6). O escândalo é
grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os
outros. Jesus censura os escribas e os fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros. 2286 O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela
opinião.
Tomam-se, portanto, culpados de escândalo aqueles que instituem leis ou estruturas
sociais que levam à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa ou a "condições
sociais que, voluntariamente ou não, tomam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã
conforme aos mandamentos". O mesmo vale para chefes de empresas que fazem regulamentos
que incitam à fraude, para professores que "exasperam" os alunos ou para aqueles que,
manipulando a opinião pública, a afastam dos valores morais.
2287 Quem usa os poderes de que dispõe de tal maneira que induzam ao mal torna-se
culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. "E
inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar" (Lc 17,1).
O RESPEITO Á SAÚDE
2288 A vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas
com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado com a saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para obter as
condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimento, roupa, moradia,
cuidado da saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289 Se a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz desta um valor absoluto,
insurgindo-se contra uma concepção neopagã que tende a promover o culto do corpo, a tudo
sacrificar-lhe, a idolatrar a perfeição física e o êxito esportivo. Em razão da escolha seletiva que
faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290 A virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da
comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou
por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas
estradas, no mar ou no ar, tomam-se gravemente culpáveis.
2291 O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo indicações
estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas
são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a
práticas gravemente contrárias à lei moral.
O RESPEITO À PESSOA E À PESQUISA CIENTÍFICA
2292 As experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos
podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.
2293 A pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma
expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são
recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em
benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do progresso
humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e
seu crescimento; por-tanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua
finalidade e a consciência de seus limites.
2294 É ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas
aplicações. Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples
eficácia técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos outros, e
muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem, por seu próprio
significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade; devem
estar a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e
integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.2295 As pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si
mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos sujeitos
não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é moralmente legítima se fizer a vida
ou a integridade física e psíquica do sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A
experiência em seres humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem
o consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.
2296 O transplante de órgãos é conforme à lei moral se os riscos e os danos físicos e
psíquicos a que se expõe o doador são proporcionais ao bem que se busca para o destinatário.
A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e merece ser encorajado como
manifestação de generosa solidariedade. O transplante de órgãos não é moralmente aceitável
se o doador ou seus representante legais não tiverem dado seu expresso consentimento para tal.
Além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente mutilação que venha a tornar
alguém inválido ou provocar diretamente a morte, mesmo que seja para retardar a morte de
outras pessoas.
O RESPEITO À INTEGRIDADE CORPORAL
2297 Os seqüestros e a tomada de reféns fazem reinar o terror e, pela ameaça, exercem
pressões intoleráveis sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e
mata sem discriminação; isso é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa
de violência física ou moral para arrancar confissões, castigar culpados, amedrontar opositores,
satisfazer o ódio, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. Fora das
indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações de
esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes contrárias à lei moral.
2298 Em tempos passados, práticas cruéis foram comumente utilizadas por governos
legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, os quais
adotaram eles em mesmos, em seus próprios tribunais, prescrições do direito romano sobre a
tortura. Ao lado destes fatos lamentáveis, a Igreja sempre ensinou o dever de demência e
misericórdia: proibiu aos clérigos derramarem sangue. Em tempos recentes, ficou evidente que
essas práticas cruéis não eram nem necessárias para a ordem pública nem estavam de acordo
com os direitos legítimos da pessoa humana. Ao contrário, essas práticas conduzem às piores
degradações. E preciso trabalhar por sua abolição. E preciso orar pelas vitimas e por seus
algozes.
O RESPEITO AOS MORTOS
2299 Deve-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos, para ajudá-los a viver seus
últimos momentos na dignidade e na paz. Devem também ser ajudados pela oração dos
familiares. Estes cuidarão para que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que
preparam para o encontro com o Deus vivo.
2300 Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na
esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra
os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301 A autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de
investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é
legítima e pode ser meritória.
A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na
ressurreição dos corpos.
III. A SALVAGUARDA DA PAZA PAZ
2302 Ao lembrar o preceito "Tu não matarás" (Mt 5,21), Nosso Senhor pede a paz do
coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio. A cólera é um desejo de
vingança. "Desejar a vingança para o mal daquele que é preciso punir é ilícito, mas é louvável
impor uma reparação "para a correção dos vícios e a conservação da justiça". Se a cólera
chega ao desejo deliberado de matar o próximo ou de feri-lo com gravidade, atenta
gravemente contra a caridade, constituindo pecado mortal. O Senhor disse: "Todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal" (Mt 5,22).
2303 O ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando
o homem quer deliberadamente seu mal. O ódio ao próximo é um pecado grave quando se lhe
deseja deliberadamente um grave dano. "Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos e orai pelos
que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que esta nos céus..." (Mt 5 ,44-
45).
2304 O respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é
somente ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz não
pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre comunicação
entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, a prática assídua da
fraternidade. E a "tranqüilidade da ordem", "obra da justiça" (Is 32,17) e efeito da caridade.
2305 A paz terrestre é imagem e fruto da paz de Cristo, o Príncipe da paz" messiânica (Is
9,5). Pelo sangue de sua cruz, Ele “matou a inimizade na própria carne", reconciliou os homens
com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano de sua união com
Deus. "Ele é a nossa paz" (Ef 2,14). Declara "bem-aventurados os que promovem a paz" (Mt 5,9).
2306 Aqueles que renunciam à ação violenta e para proteger os direitos do homem,
recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos testemunham a caridade evangélica,
contanto que isso seja feito sem lesar os direitos e as obrigações dos outros homens e das
sociedades. Atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência,
com seu cortejo de mortes e ruínas.
EVITAR A GUERRA
2307 O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa
dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para
que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra.
2308 Cada cidadão e cada governante deve agir de modo a evitar as guerras.
Enquanto, porém, "houver perigo de guerra, sem que exista uma autoridade internacional
competente e dotada de forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação
pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa.
2309 É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela
força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral.
É preciso ao mesmo tempo que:
ü o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável,
grave e certo;
ü todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou
ineficazes;
ü estejam reunidas as condições sérias de êxito;
ü o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a
eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.
Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da "guerra justa".A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudencial daqueles
que estão encarregados do bem comum.
2310 Os poderes públicos tomarão as justas providências com relação ao caso
daqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar, isto e, estão a serviço da
segurança e da liberdade dos povos. Se desempenham corretamente sua tarefa, concorrem
verdadeiramente para o bem comum da nação e para manter a paz.
2311 Os poderes públicos devem prever eqüitativamente o caso daqueles que recusam
o emprego das armas por motivos de consciência, mas que continuam obrigados a servir sob
outra forma à comunidade humana.
2312 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. "Quando, por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito
entre as partes inimigas."
2313 E preciso respeitar e tratar com humanidade os não-combatentes, os soldados
feridos e os prisioneiros.
Os atos deliberadamente contrários ao direito dos povos e a seus princípios universais,
como as ordens que os determinam, constituem crimes. Uma obediência cega não é suficiente
para escusar os que se submetem a esses atos e ordens. Portanto, o extermínio de um povo, de
uma nação ou uma de minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. Deve-se
moralmente resistir às ordens que impõem um genocídio.
2314 "Qualquer ação bélica que tem em vista a destruição indiscriminadamente nada
de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o
próprio homem a ser condenado com firmeza e sem hesitações." Um dos riscos da guerra
moderna é dar ocasião aos possuidores de armas científicas, principalmente atômicas,
biológicas ou químicas, de cometerem tais crimes.
2315 A acumulação de armas parece a muitos urna maneira paradoxal de dissuadir da
guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz
entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos
armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agravá-
las. O dispêndio de riquezas fabulosas na fabricação de n ovas armas sempre impede de
socorrer as populações indigentes e entrava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento
multiplica as razões de conflitos e aumenta o risco de esses conflitos se multiplicarem.
2316 A produção e o comércio de armas afetam o bem comum das nações e da
comunidade internacional. Por isso as autoridades públicas têm o direito e o dever de
regulamentá-los. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar
empreendimentos que fomentem a violência e os conflitos entre as nações e que comprometam
a ordem jurídica internacional.
2317 As injustiças, as desigualdades excessivas de ordem econômica ou social, a inveja,
a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações ameaçam sem cessar
paz e causam as guerras. Tudo o que for feito para vencer essas desordens contribui para
edificar a paz e evitar a guerra:
Pecadores que são, os homens vivem em perigo de guerra, e este perigo os ameaçará
até a volta de Cristo. Mas, na medida em que, unidos pela caridade, superem o pecado,
superarão igualmente as violências, até que se cumpra a palavra: "De suas espadas eles forjarão
relhas de arado, e de suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e
já não se adestrarão para a guerra" (Is 2,4).
RESUMINDO
2318 "Deus tem em seu poder a alma de todo ser vivo e o espírito de todo homem carnal"
(Jó 12,10).2319 Toda vida humana, desde o momento da concepção até a morte, é sagrada,
porque a pessoa humana foi querida por si mesma à imagem e à semelhança do Deus vivo e
santo.
2320 O assassinato de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da pessoa e
à santidade do Criador.
2321 A proibição de matar não ab-roga o direito de tirar a um opressor injusto a
possibilidade de prejudicar. A legítima defesa é um dever grave para quem é responsável pela
vida alheia ou pelo bem comum.
2322 Desde a concepção, a criança tem o direito à vida. O aborto direto, isto é, o que
se quer como um fim ou como um meio, é uma pratica infame" , gravemente contrária à lei
moral. A Igreja condena com pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana.
2323 Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a sua concepção, o embrião
deve ser defendido em sua integridade, cuidado e curado como qualquer outro ser humano.
2324 A eutanásia voluntária, sejam quais forem as formas e os motivos, constitui um
assassinato. E gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo,
seu Criador.
2325 O suicídio é gravemente contrario a Justiça, à esperança e à caridade. É proibido
pelo quinto mandamento.
2326 O escândalo constitui uma falta grave quando, por ação ou por omissão, leva
deliberadamente o outro a pecar gravemente.
2327 Por causa dos males e injustiças que toda guerra acarreta, devemos fazer tudo o
que for razoavelmente possível para evitá-la. A Igreja ora: "Da fome, da peste e da guerra livrainos, Senhor".
2328 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. As práticas de1iberadamente contrárias ao direito dos povos e a seus
princípios universais constituem crimes.
2329 "A corrida armamentista é uma praga extremamente grave da humanidade e lesa
os pobres de maneira intolerável.
2330 "Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de
Deus" (Mt 5,9).
ARTIGO 6
O SEXTO MANDAMENTO
"NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO" (Ex 20, 14[a1] )
Ouvistes o que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, vos digo: todo aquele que
olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt
5,27-28).
I . "Homem e mulher os criou..."
2331 "Deus é amor e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor.
Criando-a à sua imagem... Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e,
assim a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão.”
"Deus criou o homem à sua imagem... homem e mulher ele os criou" (Gn 1,27); "Crescei e
multiplicai-vos" (Gn 1,28); "No dia em que Deus criou o homem, Ele o fez à semelhança de Deus.
Homem e mulher Ele os criou, abençoou-os e lhes deu o nome 'homem', no dia em que foram
criados" (Gn 5,1-2).2332 A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, em sua unidade de
corpo e alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar
e, de uma maneira mais geral, à aptidão a criar vínculos de comunhão com os outros.
2333 Cabe a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar sua identidade sexual. A
diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do
casamento e para o desabrochar da vida familiar. A harmonia do casal e da sociedade
depende, em parte, da maneira como se vivem entre os sexos a complementaridade, a
necessidade e o apoio mútuos.
2334 "Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de modo
igual ao homem e à mulher." "O homem é uma pessoa, e isto na mesma medida para o homem
e para a mulher, pois ambos são criados à imagem e à semelhança de um Deus pessoal."
2335 Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de maneira diferente,
imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no casamento é uma
maneira de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador: "O homem deixa seu
pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tomam uma só carne" (Gn 2,24). Dessa união
procedem todas as gerações humanas.
2336 Jesus veio restaurar a criação na pureza de sua origem. No Sermão da Montanha,
Ele interpreta de maneira rigorosa o plano de Deus: "Ouvistes o que foi dito: 'Não cometerás
adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já
cometeu adultério com ela em seu coração" (Mt 5,27-28). O homem não deve separar o que
Deus uniu.
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto da
sexualidade humana.
II. A VOCAÇÃO À CASTIDADE
2337 A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e, com isso, a
unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a
pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente
humana quando é integrada na relação de pessoa a pessoa, na doação mútua integral e
temporalmente ilimitada do homem e da mulher.
A virtude da castidade comporta, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da
doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA
2338 A pessoa casta mantém a integridade das forças vitais de amor depositadas nela.
Esta integridade garante a unidade da pessoa e se opõe a todo comportamento que venha ferila; não tolera nem a vida dupla nem a linguagem dupla.
2339 A castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si que é uma pedagogia
da liberdade humana. A alternativa é clara ou o homem comanda suas paixões e obtém a paz,
ou se deixa subjugar por elas e se torna infeliz. "A dignidade do homem exige que ele possa agir
de acordo com uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e
não por força de um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa. O homem
consegue esta dignidade quando, libertado de todo cativeiro das paixões, caminha para o seu
fim pela escolha livre do bem procura eficazmente os meios aptos com diligente aplicação."
2340 Aquele que quer permanecer fiel às promessas do Batismo e resistir às tentações
empenhar-se-á em usar os meios: o conhecimento de si, a prática de uma ascese adaptada às
situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes
morais e a fidelidade à oração. "A castidade nos recompõe, reconduzindo-nos a esta unidade
que tínhamos perdido do quando nos dispersamos na multiplicidade."2341 A virtude da castidade é comandada pela virtude cardeal da temperança, que
tem em vista fazer depender da razão a paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342 O domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado
definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida[a23] .
O esforço necessário pode ser mais intenso em certas épocas, por exemplo, quando se forma a
personalidade, durante a infância e a adolescência.
2343 A castidade tem leis de crescimento. Este crescimento passa por graus, marcados
pela imperfeição e muitas vezes pelo pecado. "Dia a dia o homem virtuoso e casto se constrói
por meio de opções numerosas e livres. Assim, ele conhece, ama e realiza o bem moral seguindo
as etapas de um crescimento."
2344 A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal. Mas implica também
um esforço cultural, porque "o homem desenvolve-se em todas as suas qualidades mediante a
comunicação com os outros". A castidade supõe o respeito pelos direitos da pessoa,
particularmente o de receber uma informação e uma educação que respeitem as dimensões
morais e espirituais da vida humana.
2345 A castidade é uma virtude moral. É também um dom de Deus, uma graça, um
fruto da obra espiritual. O Espírito Santo concede o dom de imitar a pureza de Cristo àquele que
foi regenerado pela água do Batismo.
A INTEGRALIDADE DA DOAÇÃO DE SI MESMO
2346 A caridade é a forma de todas as virtudes. Influenciada por ela, a castidade
aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si mesmo está ordenado para
a doação de si mesmo. A castidade leva aquele que a pratica a tornar-se para o próximo uma
testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
2347 A virtude da castidade desabrocha na amizade. Mostra ao discípulo como seguir e
imitar Aquele que nos escolheu como seus próprios amigos, se doou totalmente a nós e nos faz
Participar de sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.
A castidade se expressa principalmente na amizade ao próximo. Desenvolvida entre
pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um grande bem para
todos e conduz à comunhão espiritual.
AS DIVERSAS FORMAS DE CASTIDADE
2348 Todo batizado é chamado à castidade. O cristão "se vestiu de Cristo", modelo de
toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta segundo seu
específico estado de vida. No momento do Batismo, o cristão se comprometeu a viver sua
afetividade na castidade.
2349 "A castidade há de distinguir as pessoas de acordo com seus diferentes estados de
vida: umas na virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de se dedicar mais
facilmente a Deus com um coração indiviso; outras, da maneira como a lei moral determina,
conforme forem casados ou celibatários." As pessoas casadas são convidadas a viver a
castidade conjugal; os outros praticam a castidade na continência:Existem três formas da virtude
da castidade: a primeira, dos esposos; a segunda, da viuvez; a terceira, da virgindade. Nós não
louvamos uma delas excluindo as outras. Nisso a disciplina da Igreja é rica.
2350 Os noivos são convidados a viver a castidade na continência. Nessa provação eles
verão uma descoberta do respeito mútuo, urna aprendizagem da fidelidade e da esperança de
se receberem ambos da parte de Deus. Reservarão para o tempo do casamento as
manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na
castidade.AS OFENSAS À CASTIDADE
2351 A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado do prazer venéreo. O
prazer sexual é moralmente desordenado quando é buscado por si mesmo, isolado das
finalidades de procriação e de união.
2352 Por masturbação se deve entender a excitação voluntária dos órgãos genitais, a fim
de conseguir um prazer venéreo. "Na linha de uma tradição constante, tanto o magistério da
Igreja como o senso moral dos fiéis afirmaram sem hesitação que a masturbação é um ato
intrínseca e gravemente desordenado." Qualquer que seja o motivo, o uso deliberado da
faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz sua finalidade. Aí o prazer sexual
é buscado fora da "relação sexual exigida pela ordem moral, que realiza, no contexto de um
amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana".
Para formar um justo juízo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos e orientar a ação
pastoral, dever-se-á levar em conta a imaturidade afetiva, a força dos hábitos contraídos, o
estado de angústia ou outros fatores psíquicos ou sociais que minoram ou deixam mesmo
extremamente atenuada a culpabilidade moral.
2353 A fornicação é a união carnal fora do casamento entre um homem e uma mulher
livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade humana, naturalmente
ordenada para o bem dos esposos, bem como para a geração e a educação dos filhos. Além
disso, é um escândalo grave quando há corrupção de jovens.
2354 A pornografia consiste em retirar os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade
dos parceiros para exibi-los a terceiros de maneira deliberada. Ela ofende a castidade porque
desnatura o ato conjugal, doação íntima dos esposos entre si. Atenta gravemente contra a
dignidade daqueles que a praticam (atores, comerciantes, público), porque cada um se torna
para o outro objeto de um prazer rudimentar e de um proveito ilícito, Mergulha uns e outros na
ilusão de um mundo artificial. E uma falta grave. As autoridades civis devem impedir a produção
e a distribuição de materiais pornográficos.
2355 A prostituição vai contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida, assim,
ao prazer venéreo que dela se obtém. Aquele que paga peca gravemente contra si mesmo;
viola a castidade à qual se comprometeu em seu Batismo e mancha seu corpo, templo do
Espírito Santo. A prostituição é um flagelo social. Envolve comumente mulheres, mas homens,
crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, ao pecado soma-se um escândalo). Se é
sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição, a miséria, a chantagem e a pressão
social podem atenuar a imputabilidade da falta.
2356 O estupro designa a penetração à força, com violência, na intimidade sexual de
uma pessoa. Fere a justiça e a caridade. O estupro lesa profundamente o direito de cada um ao
respeito, à liberdade, à integridade física e moral. Provoca um dano grave que pode marcar a
vítima por toda a vida. E sempre um ato intrinsecamente mau. Mais grave ainda é o estupro
cometido pelos pais (cf. incesto) ou educadores contra as criança que lhes são confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens e mulheres que sentem
atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade se
reveste de formas muito variáveis ao longo dos séculos e das culturas. Sua gênese psíquica
continua amplamente inexplicada. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como
depravações graves, a tradição sempre declarou que "os atos de homossexualidade são
intrinsecamente desordenados". São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da
vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum
podem ser aprovados.2358 Um número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente enraizadas. Esta inclinação objetivamente desordenada constitui,
para a maioria, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza.
Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a
reali-zar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor
as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição.
2359 As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pe-las virtudes de
autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem se aproximar, gradual
e resolutamente, da perfeição cristã.
III. O AMOR ENTRE OS ESPOSOS
2360 A sexualidade está ordenada para o amor conjugal entre o homem e a mulher. No
casamento, a intimidade corporal dos esposos se torna um sinal e um penhor de comunhão
espiritual. Entre os batizados, os vínculos do matrimônio são santificados pelo sacramento.
2361 "A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com
os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz
respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Ela só se realiza de maneira
verdadeiramente humana se for parte integral do amor com o qual homem e mulher se
empenham totalmente um para com o outro até a morte"
Tobias levantou-se do leito e disse a Sara: "Levanta-te, minha irmã, oremos e peçamos a
nosso Senhor que tenha compaixão de nós e nos salve". Ela se levantou e começaram a orar e a
pedir para obterem a salvação. Ele começou dizendo: "Bendito sejas tu, Deus de nossos pais... Tu
criaste Adão e para ele criaste Eva, sua mulher, para ser seu sustentáculo e amparo, e para que
de ambos derivasse a raça humana. Tu mesmo disseste: 'Não é bom que o homem fique só;
façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. E agora não é por desejo impuro que tomo esta
minha irmã, mas com reta intenção. Digna de ter piedade de mim e dela e conduzir-nos juntos a
uma idade avançada". E disseram em coro: "Amém, amém". E se deitaram para passar a noite
(Tb 8,4-9).
2362 "Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e
dignos. Quando realizados de maneira verdadeiramente humana, significam e favorecem a
mútua doação pela qual os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido." A
sexualidade é fonte de alegria e de prazer:
O próprio Criador... estabeleceu que nesta função (i.é, de geração) os esposos sentissem
prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal em
pro-curar este prazer e em gozá-lo. Eles aceitam o que o Criador lhes destinou. Contudo, os
esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa.
2363 Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimônio: o bem dos cônjuges e
a transmissão da vida. Esses dois significados ou valores do casamento não podem ser separados
sem alterar a vida espiritual do casal e sem comprometer os bens matrimoniais e o futuro da
família. Assim, o amor conjugal entre o homem e a mulher atende à dupla exigência da
fidelidade e da fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364 O casal de cônjuges forma "uma íntima comunhão de vida e de amor que o
Criador fundou e dotou com suas leis. Ela é instaurada pelo pacto conjugal, ou seja, o
consentimento pessoal irrevogável ". Os dois se doam definitiva e totalmente um ao outro. Não
são mais dois, mas formam doravante uma só carne. A aliança contraída livremente pelosesposos lhes impõe a obrigação de a manter una e indissolúvel . "O que Deus uniu, o homem não
separe" (Mc 10,9).
2365 A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O
sacramento do Matrimônio faz o homem e a mulher entrarem na fidelidade de Cristo à sua
Igreja. Pela castidade conjugal, eles testemunham este mistério perante o mundo.
S. João Crisóstomo sugere aos homens recém-casados que falem assim à sua esposa:
"Tomei-te em meus braços, amo-te, prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida presente não é
nada, e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de maneira que estejamos certos de não
sermos separados na vida futura que nos está reservada... Ponho teu amor acima de tudo, e
nada me seria mais penoso que não ter os mesmos pensamentos que tu tens”.
A FECUNDIDADE DO MATRIMÔNIO
2366 A fecundidade é um dom, enfim do Matrimônio, porque o amor conjugal tende
naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora acrescentar-se ao amor mútuo dos esposos;
surge no próprio âmago dessa doação mútua, da qual é fruto e realização. A Igreja, que "está
do lado da vida", ensina que "qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão
da vida". "Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, está fundada na conexão
inseparável, que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois
significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador."
2367 Chamados a dar vida, os esposos participam do poder criador e da paternidade de
Deus. "Os cônjuges sabem que, no oficio de transmitir a vida e de serem educadores o qual deve
ser considerado como missão própria deles - são cooperadores do amor de Deus criador e como
que seus intérpretes. Por isso desempenharão seu múnus com responsabilidade cristã e humana."
2368 Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da
procriação. Por razões justas , os esposos podem querer espaçar os nascimentos de seus filhos.
Cabe-lhes verificar que seu desejo não provém do egoísmo, mas está de acordo com a justa
generosidade de uma paternidade responsável. Além disso, regularão seu comportamento
segundo os critérios objetivos da moral.
A moralidade da maneira de agir, quando se trata de harmonizar o amor conjugal com a
transmissão responsável da vida, não depende apenas da intenção sincera e da reta
apreciação dos motivos, mas deve ser determinada segundo critérios objetivos tirados da
natureza da pessoa e de seus atos, critérios esses que respeitam o sentido integral da doação
mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor. Tudo isso é impossível se a
virtude da castidade conjugal não for cultivada com sinceridade.
2369 "Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal
conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e sua ordenação para a altíssima
vocação do homem para a paternidade."
2370 A continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na
auto-observação e no recurso aos períodos infecundos estão de acordo com os critérios
objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, animam a ternura entre
eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica. Em compensação, é
intrinsecamente má "toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua
realização, ou também durante o desenvolvimento de suas conseqüências naturais, se
proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação"
"À linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges a contracepção
impõe uma linguagem objetivamente contraditória, a do não se doar ao outro. Deriva daqui não
somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interior
do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal." Esta diferença antropológica e
moral entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos "envolve duas concepções da
pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si.2371 "Estejam todos certos de que a vida dos homens e a missão de transmiti-la não se
confinam ao tempo presente nem se podem medir ou entender por esse tempo apenas, mas
estão sempre relacionadas com a destinação eterna dos homens."
2372 O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. Por isso, é legítimo que ele
intervenha para orientar a demografia da população. Pode fazer isso mediante uma informação
objetiva e respeitosa, mas nunca por via autoritária e por coação. O Estado não pode
legitimamente substituir a iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e
educação de seus filhos. O Estado não está autorizado a intervir neste campo, com meios
contrários à lei moral.
O DOM DO FILHO
2373 A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas um
sinal da bênção divina e da generosidade dos pais.
2374 É grande o sofrimento de casais que descobrem que são estéreis. "Que me darás?",
pergunta Abrão a Deus. "Continuo sem filho..." (Gn 15,2). "Faze-me ter filhos também, ou eu
morro", disse Raquel a seu marido Jacó (Gn 30,1).
2375 As pesquisas que visam diminuir a esterilidade humana devem ser estimuladas, sob
a condição de serem postas "a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu
bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus[a82] "
2376 As técnicas que provocam uma dissociação do parentesco, pela intervenção de
uma pessoa estranha ao casal (doação de esperma ou de óvulo, empréstimo de útero), são
gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais heterólogas) lesam
o direito da criança de nascer de um pai e uma mãe conhecidos dela e ligados entre si pelo
casamento. Elas traem "o direito exclusivo de se tornar pai e mãe somente um por meio do
outro[a83] "
2377 Praticadas entre o casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais
homólogas) são talvez menos claras a um juízo imediato, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador. O ato fundante da existência dos filhos já
não é um ato pelo qual duas pessoas se doam uma à outra, mas um ato que remete a vida e a
identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos, e instaura um domínio da técnica
sobre a origem e a destinação da pessoa humana. Tal relação de dominação é por si contrária
à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos". "A procriação é
moralmente privada de sua perfeição própria quando não é querida como o fruto do ato
conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos... Somente o respeito ao vínculo que
existe entre os significados do ato conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite
uma procriação de acordo com a dignidade da pessoa."
2378 O filho não é algo devido, mas um dom. O "dom mais excelente do matrimônio" e
uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado corno objeto de propriedade, a que
conduziria o reconhecimento de um pretenso "direito ao filho". Nesse campo, somente o filho
possui verdadeiros direitos: o "de ser o fruto do ato específico do amor conjugal de seus pais, e
também o direito de ser respeitado como pessoa desde o momento de sua concepção”.
2379 O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos
que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade unirse-ão à Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar sua generosidade
adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em favor do próximo.
IV. AS OFENSAS Á DIGNIDADE DO MATRIMÔNIO
2380 O adultério. Esta palavra designa a infidelidade conjugal. Quando dois parceiros,
dos quais ao menos um é casado, estabelecem entre si uma relação sexual, mesmo efêmera, cometem adultério. Cristo condena o adultério mesmo de simples desejo . O sexto mandamento
e o Novo Testamento proscrevem absolutamente o adultério . Os profetas denunciam sua
gravidade. Vêem no adultério a figura do pecado de idolatria .
2381 O adultério é uma injustiça. Quem o comete falta com seus compromissos. Fere o
sinal da Aliança que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e prejudica a
instituição do casamento, violando o contrato que o fundamenta. Compromete o bem da
geração humana e dos filhos, que têm necessidade da união estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382 O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um casamento
indissolúvel. Ab-roga as tolerâncias que se tinham introduzido na Lei antiga.
Entre batizados, o matrimonio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum
poder humano nem por nenhuma causa, exceto a morte".
2383 A separação dos esposos com a manutenção do vínculo matrimonial pode ser
legítima em certos casos previstos pelo Direito canônico (cf. CIC, cân. 1151-1155).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, o
cuidado dos filhos ou a defesa do patrimônio, pode ser tolerado sem constituir uma falta moral.
2384 O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato livremente
consentido pelos esposos de viver um com o outro até a morte. O divórcio lesa a Aliança de
salvação da qual o matrimônio sacramental é o sinal. O fato de contrair nova união, mesmo que
reconhecida pela lei civil, aumenta a gravidade da ruptura; o cônjuge recasado passa a
encontrar-se em situação de adultério público e permanente:
Se o marido, depois de se separar de sua mulher, se aproximar de outra mulher, se torna
adúltero, porque faz essa mulher cometer adultério; e a mulher que habita com ele é adúltera,
porque atraiu a si o marido de outra.
2385 O caráter imoral do divórcio deriva também da desordem que introduz na célula
familiar e na sociedade. Esta desordem acarreta graves danos: para o cônjuge que fica
abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação dos pais, e muitas vezes disputados
entre eles (cada um dos cônjuges querendo os filhos para si); e seu efeito de contágio, que faz
dele urna verdadeira praga social.
2386 Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio decidido
pela lei civil; neste caso, ele não viola o preceito moral. Existe uma diferença considerável entre o
cônjuge que se esforçou sinceramente por ser fiel ao sacramento do Matrimônio e se vê
injustamente abandonado e aquele que, por uma falta grave de sua parte, destrói um
casamento canonicamente válido.
OUTRAS OFENSAS Á DIGNIDADE DO CASAMENTO
2387 É compreensível o drama de quem, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê
obrigado a repudiar uma ou várias mulheres com as quais viveu anos de vida conjugal. Contudo,
a poligamia não se coaduna com a lei moral. "Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal,
pois nega diretamente o plano de Deus tal como nos foi revelado nas origens, porque contrária à
igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um amor
total e por isso mesmo único e exclusivo." O cristão que foi polígamo está gravemente obrigado
por justiça a honrar as obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres, bem como
para com os filhos.
2388 O incesto designa relações íntimas entre parentes ou pessoas afins, em grau que
proíba entre eles o casamento . S. Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: "É geral
ouvir-se falar de mau comportamento entre vós... um dentre vós vive com a mulher de seu pai... E preciso que, em nome Senhor Jesus... entreguemos tal homem a Satanás para a perda de sua
carne..." (1 Cor 5,1.3-5). O incesto corrompe as relações familiares e indica como que uma
regressão à animalidade.
2389 Podemos ligar ao incesto os abusos sexuais perpetrados por adultos contra
crianças ou adolescentes confiados à sua guarda. A falta é acrescida, então, de um dano
escandaloso causado à integridade física e moral dos jovens, que ficarão marcados por toda a
vida, e de uma violação da responsabilidade educativa.
2390 Existe união livre quando o homem e a mulher se recusam a dar uma forma jurídica
e pública a uma ligação que implica intimidade sexual.
A expressão é enganosa: com efeito, que significado pode ter uma união na qual as
pessoas não se comprometem mutuamente e revelam, assim, uma falta de confiança na outra,
em si mesma ou no futuro?
A expressão abrange situações diferentes: concubinato, recusa do casamento enquanto
tal, incapacidade de assumir compromissos a longo prazo. Todas essas situações ofendem a
dignidade do matrimônio, destroem a própria idéia da família, enfraquecem o sentido da
fidelidade. São contrárias à lei moral. O ato sexual deve ocorrer exclusivamente no casamento;
fora dele, é sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
2391 Muitos reclamam hoje uma espécie de "direito à experiência" quando há intenção
de se casar. Qualquer que seja a firmeza do propósito dos que se envolvem em relações sexuais
prematuras, "estas não permitem garantir em sua sinceridade e fidelidade a relação inter-pessoal
de um homem e uma mulher e, principalmente, protegê-los contra as fantasias e os caprichos". A
união carnal não é moralmente legítima, a não ser quando se instaura uma comunidade de vida
definitiva entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera a "experiência". Ele exige urna
doação total e definitiva das pessoas entre si .
RESUMINDO
2392 "O amor é a vocação fundamental e originária do ser humano ."
2393 Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de uma
maneira igual a ambos. Cada um, homem e mulher, deve chegar a reconhecer e aceitar sua
identidade sexual.
2394 Cristo é o modelo da castidade. Todo batizado é chamado a levar uma vida casta,
cada um segundo seu estado de vida próprio.
2395 A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Inclui a
aprendizagem do domínio pessoal.
2396 Entre os pecados gravemente contrários à castidade é preciso citar a masturbação,
a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
2397 A aliança que os esposos contraíram livremente implica um amor fiel. Impõe-lhes a
obrigação de guardar seu casamento indissolúvel.
2398 A fecundidade é um bem, um dom, um fim do casamento. Dando a vida, os esposos
participam da paternidade de Deus.
2399 A regulação da natalidade representa um dos aspectos da paternidade e da
maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não justifica o recurso a
meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização direta ou a contracepção).
2400 O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à dignidade
do casamento.ARTIGO 7
O SÉTIMO MANDAMENTO
Não roubarás (Ex 20,15; Cf Dt 5,19).
NÃO ROUBARÁS (Mt 19,18).
2401 O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou
lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos
bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à
destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar
para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.
I. A DESTINAÇÃO UNIVERSAL E A PROPRIEDADE PRIVADA DOS BENS
2402 No começo, Deus confiou a terra e seus recursos à administração comum da
humanidade, para que cuidasse dela, a dominasse por seu trabalho e dela desfrutasse . Os bens
da criação são destinados a todo o gênero humano. A terra está, contudo, repartida entre os
homens para garantir a segurança de sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência.
A apropriação dos bens é legítima para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, para
ajudar cada um a prover suas necessidades fundamentais e as daqueles de quem está
encarregado. Deve também permitir que se manifeste uma solidariedade natural entre os
homens.
2403 O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de modo justo, não abole a
doação original da terra ao conjunto da humanidade. A destinação universal dos bens continua
primordial, mesmo se a promoção do bem comum exige o respeito pela propriedade privada,
pelo respectivo direito e exercício.
2404 Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as
deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser
úteis não somente a ele, mas também aos outros ." A propriedade de um bem faz de seu
detentor um administrador da Providência, para fazê-los frutificar e para repartir os benefícios
dessa administração a outros, a seus parentes, em primeiro lugar.
2405 Os bens de produção materiais ou imateriais - como terras ou fábricas, competências
ou profissões, requerem os cuidados de quem os Possui para que sua fecundidade aproveite ao
maior número possível. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem usá-los com
moderação, reservando a melhor parte ao hóspede, ao doente e ao pobre.
2406 A autoridade política tem o direito e o dever de regulamentar, em função do bem
comum, o exercício legítimo do direito de propriedade.
II. O RESPEITO ÀS PESSOAS E AOS SEUS BENS
2407 Em matéria econômica, o respeito à dignidade humana exige a prática da virtude
da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para
preservar o direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra
áurea e segundo a liberalidade do Senhor, que "se fez pobre, embora fosse rico, para nos
enriquecer com sua pobreza".
O RESPEITO AOS BENS DO OUTRO2408 O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem de outro contra
a vontade razoável do proprietário. Não há roubo se o consentimento pode ser presumido ou se
recusa é contrária à razão e à destinação universal dos bem. É o caso da necessidade urgente e
evidente. em que o único meio de acudir às necessidades imediatas e essenciais (ali mento,
abrigo, roupa...) é dispor e usar dos bens do outro.
2409 Toda maneira de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não
contrarie as disposições da lei civil, é contrária ao sétimo mandamento. Assim, também, reter
deliberadamente os bens emprestados ou objetos perdidos, defraudar no comércio, pagar
salários injustos, elevar os preços especulando sobre a ignorância ou a miséria alheia.
São ainda moralmente ilícitos a especulação, pela qual se faz variar artificialmente a
avaliação dos bens, visando levar vantagem em detrimento do outro; a corrupção, pela qual se
"compra" o julgamento daqueles que devem tomar decisões de acordo com o direito; a
apropriação e uso privados dos bens sociais de uma empresa; os trabalhos malfeitos; a fraude
fiscal; a falsificação de cheques e de faturas; os gastos excessivos; o desperdício. Infligir
voluntariamente um prejuízo aos proprietários privados ou públicos é contrário à lei moral e exige
reparação.
241 0 As promessas devem ser mantidas, e os contratos, rigorosamente observados, na
medida em que o compromisso assumido for moralmente justo. Uma parte notável da vida
econômica e social depende do valor dos contratos entre pessoas físicas ou morais. E o caso dos
contratos comerciais de venda ou compra, os contratos de locação ou de trabalho. Todo
contrato deve ser feito e executado de boa-fé.
2411 Os contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as trocas entre as
pessoas e entre as instituições no pleno respeito aos seus direitos. A justiça comutativa obriga
estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e o
cumprimento das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra
forma de justiça é possível.
Distingue-se a justiça comutativa da justiça legal, que se refere àquilo que o cidadão deve
eqüitativamente à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve
aos cidadãos proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.
2412 Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a
restituição do bem furtado a seu proprietário:
Jesus abençoa Zaqueu por causa de seu compromisso: "Se defraudei a alguém, restituolhe o quádruplo" (Lc 19,8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apossaram de um bem
alheio têm obrigação de o restituir ou de devolver o equivalente em natureza ou em espécie, se
a coisa desapareceu, bem como os frutos e lucros que seu proprietário legitimamente teria
auferido. São igualmente obrigados a restituir, proporcionalmente à sua responsabilidade e ao
benefício auferido, todos os que participaram de alguma maneira do roubo, ou tiraram proveito
dele com conhecimento de causa, como, por exemplo, Os mandantes, os que ajudaram ou
encobriram o roubo.
2413 Os jogos de azar (jogos de cartas etc.) ou as apostas em si não são contrários à
justiça. Tomam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é
necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se
transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui
matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno aquele que o sofre não possa
razoavelmente considerá-lo significativo.
2414 O sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão
que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a
desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias.
É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las, pela
violência, a um valor de uso ou a uma fonte lucro. S. Paulo ordenava a um patrão cristão que tratasse seu escravo cristão "não mais corno escravo, mas como um irmão..., como um homem,
no Senhor" (Fm 16).
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
2415 O sétimo mandamento manda respeitar a integridade da criação. Os animais, como
as plantas e os seres inanimados, estão naturalmente destinados ao bem comum da
humanidade passada, presente e futura. O uso dos recursos minerais. vegetais e animais do
universo não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O domínio dado pelo
Criador ao homem sobre os seres inanimados e os seres vivos não é absoluto; é medido por meio
da preocupação pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um
respeito religioso pela integridade da criação.
2416 Os animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude
providencial[a23] . Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória. Também os
homens lhes devem carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como S. Francisco de
Assis ou S. Filipe de Neri, tratavam os animais.
2417 Deus confiou os animais à administração daquele que criou à sua imagem. E,
portanto, legitimo servir-se dos animais para a alimentação e a confecção das vestes. Podem ser
domesticados, para ajudar o homem em seus trabalhos e lazeres. Os experimentos médicos e
científicos em animais são práticas moralmente admissíveis, se permanecerem dentro dos limites
razoáveis e contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.
2418 É contrário à dignidade humana, fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar
suas vidas. E igualmente indigno gastar com eles o que deveria prioritariamente aliviar a miséria
dos homens. Pode-se amar os animais, porém não se deve orientar para eles o afeto devido
exclusivamente às pessoas.
III. A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
2419 "A revelação cristã leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social."
A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre
sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade
própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de
acordo com a sabedoria divina.
2420 A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os
direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas". Na ordem da moralidade, tem uma
missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos
temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura
inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas.
2421 A doutrina social da Igreja se desenvolveu no século XIX, por ocasião do encontro do
Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens
de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas
de trabalho e de propriedade. o desenvolvimento da doutrina da Igreja, em matéria econômica
e social, atesta valor o permanente do ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, o sentido
verdadeiro de sua Tradição sempre viva e ativa.
2422 O ensinamento social da Igreja abrange um corpo de doutrina na que se articula à
medida que a Igreja interpreta os acontecimentos ao longo da história, à luz do conjunto da
palavra revelada por Jesus Cristo, com a assistência do Espírito Santo. Este ensinamento se torna
mais aceitável aos homens de boa vontade quanto mais profundamente inspira a conduta dos
fiéis.2423 A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão apresenta critérios de juízo,
orienta para a ação. Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente
determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus
atos.
2424 Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade
econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de
produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a
ordem social. Um sistema que "sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à
organização coletiva da produção" é contrário à dignidade do homem. Toda prática que reduz
as pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem,
conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. "Não podeis servir ao mesmo
tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc 16,13).
2425 A Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos
modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo”. Além disso, na prática do "capitalismo", ela
recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano[a40]
. A regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado perverte
na base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a
justiça social, "pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado".
É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas econômicas,
de acordo com uma justa hierarquia de valores e em vista do bem comum.
IV. A ATIVIDADE ECONÔMICA E A JUSTIÇA SOCIAL
2426 O desenvolvimento das atividades econômicas e o crescimento da produção estão
destinados a servir às necessidades dos seres humanos. A vida econômica não visa somente
multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; antes de tudo, ela está ordenada
ao serviço das pessoas, do homem em sua totalidade e de toda a comunidade humana.
Conduzida segundo seus métodos próprios, a atividade econômica deve ser exercida dentro dos
limites da ordem moral, segundo a justiça social, a fim de corresponder ao plano de Deus acerca
do homem.
2427 O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de
Deus e chamadas a prolongar, ajudando-se mutuamente, a obra da criação, dominando a
terra. O trabalho é, pois, um dever: "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2Ts
3,10. ). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor.
Suportando a pena . do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário,
o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus em sua obra redentora. Mostra-se
discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar[a48] . O
trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito
de Cristo.
2428 No trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capacidades inscritas em
sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e
destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho. Cada um deve
poder tirar do trabalho os meios para sustentar-se, a si e aos seus, bem como para prestar serviço
à comunidade humana.
2429 Cada um tem o direito de iniciativa econômica, cada um usará legitimamente de
seus talentos para contribuir para uma abundância que seja de proveito para todos e para
colher os justos frutos de seus esforços. Cuidará de seguir as prescrições emanadas das
autoridades legitimas, tendo em vista o bem comum.
2430 A vida econômica abrange interesses diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim
se explica o surgimento dos conflitos que a caracterizam. Deve haver empenho no sentido de
minimiza estes últimos pela negociação que respeite os direitos e os deveres de cada parceiro social: os responsáveis pelas empresas, os representantes dos assalariados, por exemplo, as
organizações sindicais e, eventualmente, os poderes públicos.
2431 A responsabilidade do Estado. "A atividade econômica, sobretudo a da economia
de mercado, não pode desenvolver-se num vazio institucional, jurídico e político. Ela supõe que
sejam asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem esquecer uma
moeda estável e serviços públicos eficazes. O dever essencial do Estado, no entanto, é assegurar
essas garantias, para que aqueles que trabalham possam gozar do fruto de seu trabalho e,
portanto, sentir-se estimulados a realizá-lo com eficácia e honestidade... O Estado tem o dever
de vigiar e conduzir a aplicação dos direitos humanos no setor econômico; nessa esfera, porém,
a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas às instituições e aos diversos grupos e
associações que compõem a sociedade.”
2432 Os responsáveis pelas empresas têm, perante a sociedade a responsabilidade
econômica e ecológica por suas operações. Têm o dever de considerar o bem das pessoas e
não apenas aumento dos lucros. Entretanto, estes são necessários, pois permitem realizar os
investimentos que garantem o futuro das empresas, garantindo o emprego.
2433 O acesso ao trabalho e à profissão deve estar aberto a todos, sem discriminação
injusta: homens e mulheres, normais e excepcionais ou deficientes, autóctones e migrantes. Em
função das circunstâncias, também a sociedade deve ajudar os cidadãos a conseguir um
trabalho e um emprego.
2434 O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo pode constituir uma
grave injustiça. Para se avaliar a remuneração eqüitativa, e preciso levar em conta ao mesmo
tempo as necessidades e as contribuições de cada um. "Levando-se em consideração as
funções e a produtividade, a situação da empresa e o bem comum, a remuneração do trabalho
deve garantir ao homem e a seus familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano
material, social, cultural e espiritual.” O acordo das partes não é suficiente para justificar
moralmente o montante do salário.
2435 A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e
mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável
quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não
diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.
2436 E injusto não pagar aos organismos de seguridade social as cotas estipuladas pelas
autoridades legítimas. A privação do trabalho por causa do desemprego é quase sempre, para
quem a sofre, um atentado à dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Além do prejuízo
pessoal para o desempregado, corre também inúmeros riscos o seu 1ar.
V. JUSTIÇA E SOLIDARIEDADE ENTRE AS NAÇÕES
2437 No plano internacional, a desigualdade dos recursos e dos meios econômicos é tão
grande que provoca entre as nações um verdadeiro "fosso". De um lado, estão os que detêm e
desenvolvem os meios de crescimento e, de outro, os que acumulam as dívidas.
2438 Diversas causas, de natureza religiosa, política, econômica e financeira, conferem
hoje a questão social uma dimensão mundial". A solidariedade é necessária entre as nações
cujas políticas já são interdependentes. E ainda mais indispensável quando se toma preciso deter
"os mecanismos perversos" que impedem o desenvolvimento dos países menos avançados[. Urge
substituir os sistemas financeiros abusivos e mesmo usurários, as relações comerciais iníquas entre
as nações e a corrida armamentista por um esforço comum no sentido de mobilizar os recursos e
objetivos de desenvolvimento moral, cultural e econômico, "redefinindo as prioridades e as
escalas de valores".
2439 As nações ricas têm uma responsabilidade moral grave para com aquelas que não
podem garantir sozinhas os próprios meios de seu desenvolvimento ou foram impedidas de fazê-
lo por trágicos acontecimentos históricos. E um dever de solidariedade e caridade; é igualmente uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provém de recursos naturais não
foram eqüitativamente pagos.
2440 A ajuda direta representa uma resposta apropriada a necessidades imediatas,
extraordinárias, causadas por catástrofes naturais, epidemias etc., mas não basta para reparar os
graves prejuízos que resultam de situações de miséria nem para prover permanentemente às
necessidades. É necessário também reformar as instituições econômicas e financeiras
internacionais, para que elas promovam melhor as relações eqüitativas com os países menos
desenvolvidos. E preciso apoiar o esforço dos países pobres trabalhando para seu
desenvolvimento e libertação. Esta doutrina deve ser aplicada de maneira muito especial no
âmbito do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo dos países menos desenvolvidos,
constituem a massa preponderante dos pobres.
2441 Aumentar o senso de Deus e o conhecimento de si mesmo é a base de todo
desenvolvimento completo da sociedade humana. Este desenvolvimento completo multiplica os
bens materiais e os põe a serviço da pessoa e de sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração
econômicas. Faz crescer o respeito pelas; identidades culturais e a abertura para a
transcendência.
2442 Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na
organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por
própria iniciativa com seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de
caminhos concretos. Terá sempre em vista o bem comum e se conformará com a mensagem
evangélica e com a doutrina da Igreja. Cabe aos fiéis leigos "animar as realidades temporais
com um zelo cristão e comportar-se como artesãos da paz e da justiça".
VI . O AMOR AOS POBRES
2443 Deus abençoa aqueles que ajudam os pobres e reprova aqueles que se afastam
deles: "Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado" (Mt 5,42). "De
graça recebestes, de graça dai" (Mt 10,8). Jesus Cristo reconhecerá seus eleitos pelo que tiverem
feito pelos pobres. Temos o sinal da presença de Cristo quando "os pobres são evangelizados" (Mt
11,53)
2444 "O amor da Igreja pelos pobres... faz parte de sua tradição constante." Inspira-se no
Evangelho das bem-aventuranças, na pobreza de Jesus e em sua atenção aos pobres. O amor
aos pobres é também um dos motivos do dever de trabalhar, "para se ter o que partilhar com
quem tiver necessidade. Não se estende apenas à pobreza material, mas também às numerosas
formas de pobreza cultural e religiosa.
2445 O amor aos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou o uso
egoísta delas: Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão
para vos sobrevir. Vossa riqueza apodreceu e vossas vestes estão carcomidas pelas traças. Vosso
ouro e vossa prata estão enferrujados, e sua ferrugem testemunhará contra vós e devorará
vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai-vos de que o salário,
do qual privastes os trabalhadores que ceifaram vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros
chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Viveste faustosamente na terra e vos regalastes;
vós vos saciastes no dia matança. Condenastes o justo e o pusestes à morte: ele não resiste (Tg
5,1-6).
2446 São João Crisóstomo lembra essa verdade em termos vigorosos: "Não deixar os
pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Nós não detemos nossos bens,
mas os deles." "É preciso satisfazer acima de tudo as exigências da justiça, para que não
ofereçamos como dom da caridade aquilo que já é devido por justiça." Quando damos aos
pobres as coisas indispensáveis, não praticamos com eles grande generosidade pessoal, mas
lhes devolvemos o que é deles. Cumprimos um dever de justiça e não tanto um ato de caridade.2447 As obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo
em suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de
misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de
misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a
quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e
prisioneiros, sepultar os mortos. Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é
um dos principais testemunhos da caridade fraterna. E também uma prática de justiça que
agrada a Deus. Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, quem tiver o que
comer, faça o mesmo (Lc 3,11). Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós (Lc
11,41). Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a
subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser "Ide paz, aquecei-vos e saciai-vos, e
não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso? (Tg 2, 15-16[a97] ).
2448 "Sob suas múltiplas formas - extrema privação material, opressão injusta,
enfermidades físicas e psíquicas e, por fim, a morte -, a miséria humana é o sinal manifesto da
condição natural da fraqueza em que o homem se encontra após o primeiro pecado e da
necessidade de uma salvação. É por isso que ela atrai a compaixão de Cristo Salvador, que quis
assumi-la sobre si, identificando-se com os 'mais pequeninos entre seus irmãos'. É também por isso
que todos aqueles que ela atinge são objeto de um amor preferencial por parte da Igreja, que,
desde as suas origens, apesar das falhas de muitos de seus membros, não deixou nunca de
trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los. Ela o faz por meio de inúmeras obras de
beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda parte, indispensáveis."
2449 Já no Antigo Testamento, todas as medidas jurídicas (ano de perdão, proibição de
empréstimo a juros e da manutenção de penhora, obrigação do dízimo, pagamento cotidiano
ao trabalhador diarista, direito de rebusca nas vinhas e respiga nos campos) são uma resposta à
exortação do Deuteronômio: "Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te
ordeno: abre a mão em favor de teu irmão que é humilhado e pobre em tua terra" (Dt 15,11).
Jesus faz suas essas palavras: "Sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis" (Jo
12,8). Dessa forma, ele não deixa caducar a veemência dos oráculos antigos contra aqueles que
"compram o fraco com prata e o indigente por um par de sandálias..." (Am 8,6), mas Ele nos
convida a reconhecer sua presença nos pobres, que são seus irmãos: No dia em que sua mãe a
repreendeu por manter em casa pobres e doentes, Santa Rosa de Lima lhe replicou: "Quando
servimos aos pobres e doentes, servimos a Jesus. Não nos devemos cansar de ajudar o próximo,
porque neles é a Jesus que servimos".
RESUMINDO
2450 "Não roubarás" (Dt 5,19). "Nem os ladrões, nem os avarentos... nem os rapinadores
herdarão o Reino de Deus" (1 Cor 6,10).
2451 O sétimo mandamento prescreve a prática da justiça e da caridade na
administração dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.
2452 Os bens da criação são destinados a todo o gênero humanos. O direito à
propriedade privada não abole a destinação universal dos bens.
2453 O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de
outrem contra a vontade razoável do proprietário;
2454 Toda forma de apropriação e uso injusto dos bens de outrem é contrária ao sétimo
mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do
bem roubado.
2455 A lei moral proíbe os atos que, visando a fins mercantis ou totalitários, conduzem à
servidão dos seres humanos, à sua compra, venda e troca como mercadorias.2456 O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais
do universo não pode ser separado do respeito às obrigações morais, inclusive para com as
gerações futuras.
2457 Os animais são confiados à administração do homem, que lhes deve
benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.
2458 A Igreja emite um juízo em matéria econômica e social quando os direitos
fundamentais da pessoa ou a salvação das almas exigem. Preocupa-se com o bem comum
temporal dos homens em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último.
2459 O próprio homem é o autor, o centro e o fim de toda a vida econômica e social. O
ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos de fato cheguem a
todos conforme a justiça e com a ajuda da caridade.
2460 O valor primordial do trabalho depende do próprio homem, que é seu autor e
destinatário. Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da criação. Unido a Cristo, o
trabalho pode ser redentor.
2461 O verdadeiro desenvolvimento abrange o homem inteiro. O que importa é fazer
crescer a capacidade de cada pessoa de responder à sua vocação, portanto, ao chamamento
de Deus.
2462 A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma
prática de justiça que agrada a Deus.
2463 Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto, sem terra, como não
reconhecer Lázaro, mendigo faminto da parábola? Como não ouvir Jesus, que diz: "Foi a mim
que o deixastes de fazer" (Mt 25,45)?
ARTIGO 8
O OITAVO MANDAMENTO
NÃO APRESENTARÁS UM FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO (EX 20,16).
Ouvistes também o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus
juramentos para com o Senhor (Mt 5,33).
2464 O oitavo mandamento proíbe falsear a verdade nas relações com os outros. Essa
prescrição moral decorre da vocação do povo santo a ser testemunha do; seu Deus, que é e
quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou atos, uma recusa de abraçar a
retidão moral: são infidelidades fundamentais a Deus e, neste sentido, minam as bases da
Aliança.
I. VIVER NA VERDADE
2465 O Antigo Testamento atesta: Deus é fonte de toda verdade. Sua Palavra é verdade.
Sua lei é verdade. "Sua fidelidade continua de geração em geração" (Sl 119,90). Uma vez que
Deus é "veraz" (Rm 3,4), os membros de seu Povo são chamados a viver na verdade.
2466 Em Jesus Cristo, a verdade de Deus se manifestou plenamente. "Cheio de graça e
verdade, Ele é a "luz do mundo" (Jo 8,12), é a Verdade.".. para que aquele que crê em mim não
permaneça nas trevas." O discípulo de Jesus "permanece em sua palavra" para conhecer "a
verdade que liberta" (Jo 8,32) e santifica. Seguir a Jesus é viver do "Espírito da verdade" que o Pai
envia em seu nome e conduz "à verdade plena" (Jo 16,13). Jesus ensina a seus discípulos o amor
incondicional da verdade: "Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não" (Mt 5,37).2467 O homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a honrá-la e testemunhá-
la: "É postulado da própria dignidade que os homens todos, por serem pessoas... se sintam por
natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne à
religião. São obrigados também a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda a vida segundo
as exigências da verdade"
2468 A verdade como retidão do agir e da palavra humana tem o nome de veracidade,
sinceridade ou franqueza. A verdade ou a veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se
verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia.
2469 Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, quer
dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros." A virtude da verdade devolve ao outro o
que lhe é devido. A veracidade observa um justo meio entre aquilo que deve ser expresso e o
segredo que deve ser guardado; implica a honestidade e a discrição. Por justiça, "um homem
deve honestamente a outro a manifestação da verdade".
2470 O discípulo de Cristo aceita "viver na verdade", isto é, na simplicidade de uma vida
conforme o exemplo do Senhor permanecendo em sua verdade. "Se dissermos que estamos em
comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade" (1 Jo 1,6).
II. "DAR TESTEMUNHO DA VERDADE"
2471 Diante de Pilatos, Cristo proclama que "veio ao mundo para dar testemunho da
verdade" O cristão não "se envergonha de dar testemunho do Senhor" (2 Tm 1,8). Nas situações
que requerem a declaração da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, a exemplo de S.
Paulo diante de seus juizes. Ele deve manter "uma consciência irrepreensível, constantemente,
diante de Deus e diante dos homens" (At 24,16).
2472 O dever dos cristãos de tomar parte na vida da Igreja leva-os a agir como
testemunhas do Evangelho e das obrigações dele decorrentes. Esse testemunho é transmissão da
fé em palavras e atos. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou dá a conhecer a
verdade: Todos os cristãos, onde quer que vivam, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da
palavra, devem manifestar o novo homem que pelo Batismo vestiram e a virtude do Espírito
Santo que os revigorou pela confirmação.
2473 O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um
testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual
está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a
morte num ato de fortaleza. "Deixai-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido
chegar até Deus."
2474 Com o maior cuidado, a Igreja recolheu as lembranças daqueles que foram até o
fim para testemunhar a fé. São as "Atas dos Mártires" (Acta Martyrum). Constituem os arquivos da
Verdade escritos em letras de sangue: De nada me servirão os encantos do mundo e dos remos
deste século. Melhor para mim é morrer (para me unir) a Cristo Jesus do que reinar até as
extremidades da terra. É a Ele, que morreu por nós, que eu procuro; é a Ele, que ressuscitou por
nós, que eu quero. Aproxima-se o momento em que serei gerado... .
Eu vos bendigo por me terdes julgado digno desse dia e dessa hora, digno de ser contado
no número dos vossos mártires... Guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade.
Por essa graça e por todas as coisas, eu vos louvo, vos bendigo e vos glorifico pelo eterno e
celeste sumo sacerdote, Jesus Cristo vosso Filho bem-amado. Por Ele, que está convosco e com o
Espírito, vos seja dada glória, agora e por todos os séculos. Amém.
III. AS OFENSAS À VERDADE2475 Os discípulos de Cristo "revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus, na
justiça e santidade da verdade" (Ef 4,24). "Livres da mentira" (Ef 4,25), devem "rejeitar toda
maldade, toda mentira, todas as formas de hipocrisia, de inveja c maledicência" (l Pd 2,1).
2476 Falso testemunho e perjúrio. Quando emitida publicamente, uma afirmação
contrária à verdade assume uma gravidade particular. Diante de um tribunal, torna-se um falso
testemunho[a30] . Quando está sob juramento, trata-se de perjúrio. Essas formas de agir
contribuem para condenar um inocente para inocentar um culpado ou para aumentar a
sanção em que incorre o acusado. Elas comprometem gravemente exercício da justiça e a
eqüidade da sentença pronunciada pelos juizes.
2477 O respeito à reputação das pessoas proíbe qualquer atitude e palavra capazes de
causar um prejuízo injusto. Torna-se culpado:
ü de juízo temerário aquele que, mesmo tacitamente, admite como verdadeiro, sem
fundamento suficiente, um defeito moral no próximo.
ü de maledicência aquele que, sem razão objetivamente válida, revela a pessoas que
não sabem os defeitos e faltas de outros.
ü de calúnia aquele que, por palavras contrárias à verdade, prejudica a reputação dos
outros e dá ocasião a falsos juízos a respeito deles.
2478 Para evitar o juízo temerário, todos hão de cuidar de interpretar de modo favorável
tanto quanto possível os pensamentos, as palavras e as ações do próximo. Todo bom cristão
deve estar mais inclinado a desculpar as palavras do próximo do que a condená-las. Se não é
possível desculpá-las, deve-se perguntar-lhe como as entende; e se ele as entende mal, que seja
corrigido com amor; e, se isso não bastar, que se procurem todos os meios apropriados para que,
compreendendo-as corretamente, se salve.
2479 Maledicência e calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra
é o testemunho social prestado à dignidade humana. Todos gozam de um direito natural à honra
do próprio nome, à sua reputação e ao seu respeito. Dessa forma, a maledicência e a calúnia
ferem as virtudes da justiça e da caridade.
2480 Deve-se proscrever qualquer palavra ou atitude que, por bajulação, adulação ou
complacência, encoraje e confirme o outro na malícia de seus atos e na perversidade de sua
conduta. A adulação é uma falta grave quando cúmplice de vícios ou de pecados graves. O
desejo de prestar serviço ou a amizade não justificam uma duplicidade da linguagem. A
adulação é um pecado venial quando deseja somente ser agradável, evitar um mal, remediar
uma necessidade, obter vantagens legítimas.
2481 A jactância ou fanfarronice constitui uma falta contra a verdade. O mesmo vale
para a ironia, que visa depreciar alguém caricaturando, de modo malévolo, um ou outro
aspecto de seu comportamento.
2482 "A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar." O Senhor
denuncia na mentira uma obra diabólica: "Vós sois do diabo, vosso pai, . . nele não há verdade:
quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,44).
2483 A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contra a verdade
para induzir em erro. Ferindo a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira
ofende a relação fundante do homem e de sua palavra com o Senhor.
2484 A gravidade da mentira se mede segundo a natureza da verdade que ela
deforma, de acordo com as circunstâncias, as intenções daquele que a comete, os prejuízos
sofridos por aqueles que são suas vítimas. Embora a mentira, em si, não constitua senão um
pecado venial, torna-se mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade.
2485 A mentira é condenável em sua natureza. E uma profanação da palavra que tem
por finalidade comunicar a outros a verdade conhecida. O propósito deliberado de induzir o
próximo em por palavras contrárias à verdade constitui uma falta à justiça e à caridade. A culpabilidade é maior quando a intenção de enganar acarreta o risco de conseqüências
funestas para aqueles são desviados da verdade.
2486 A mentira (por ser uma violação da virtude da veracidade) é uma verdadeira
violência feita ao outro porque o fere em sua capacidade de conhecer, que é a condição de
todo juízo e de decisão. Contém em germe a divisão dos espíritos e todos os males que ela
suscita. A mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os homens e rompe
o tecido das relações sociais.
2487 Toda falta cometida contra a justiça e a verdade impõe o dever de reparação,
mesmo que seu autor tenha sido perdoado. Quando se toma impossível reparar um erro
publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não pode ser
diretamente indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moralmente, em nome da caridade. Esse
dever de reparação se refere também às faltas cometidas contra a reputação de outrem. Essa
reparação, moral e às vezes material, será avaliada na proporção do dano causado e obriga
em consciência.
IV. O RESPEITO À VERDADE
2488 O direito à comunicação da verdade não é incondicional. Cada um deve
conformar sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno. Este requer, nas situações
concretas, que se avalie se é conveniente ou não revelar a verdade àquele que a pede.
2489 A caridade e o respeito à verdade devem ditar a resposta a todo pedido de
informação ou de comunicação. O bem e a segurança do outro, o respeito à vida privada, o
bem comum são razões suficientes para se calar aquilo que não deve ser conhecido ou para se
usar uma linguagem discreta. O dever de evitar o escândalo impõe muitas vezes uma estrita
discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de conhecê-La .
2490 O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser traído sob
nenhum pretexto. "O sigilo sacramental é inviolável; por isso, não é lícito ao confessor revelar o
penitente, com palavras, ou de qualquer outro modo, por nenhuma causa."
2491 Os segredos profissionais por exemplo, de políticos, militares, médicos, juristas ou as
confidências feitas sob sigilo devem ser guardados, salvo casos excepcionais em que a retenção
do segredo causasse àquele que os confia, àquele que os recebe ou a um terceiro prejuízos
muito graves e somente evitáveis pela divulgação da verdade. Ainda que não tenham sido
confiadas sob sigilo, as informações privadas prejudiciais a outros não podem ser divulgadas sem
uma razão grave e proporcionada.
2492 Cada um deve manter a justa reserva acerca da vida privada das pessoas. Os
responsáveis pela comunicação devem manter uma justa proporção entre as exigências do
bem comum e o respeito dos direitos particulares. A ingerência da informação na vida privada
de pessoas comprometidas numa atividade política ou pública é condenável na medida em
que ela viola sua intimidade e liberdade.
V. O USO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
2493 Na sociedade moderna, os meios de comunicação social exercem um papel
primordial na informação, na promoção cultural e na formação. O papel cresce em razão dos
avanços técnicos, com a amplitude e a diversidade das notícias transmitidas, com a influência
exercida sobre a opinião pública.
2494 A informação dos meios de comunicação social está a serviço do bem comum. A
sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a liberdade, a justiça e a
solidariedade:
O correto exercício desse direito exige que a comunicação seja, quanto ao objeto,
sempre verídica e completa, dentro do respeito às exigências da justiça e da caridade; que ela seja, quanto ao modo, honesta e conveniente, quer dizer, que na aquisição e difusão das
notícias observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem.
2495 "É indispensável que todos os membros da sociedade cumpram também neste
particular os deveres de justiça e verdade. Hão de empregar os meios de comunicação social a
fim de cooperar para a formação e a difusão da reta opinião pública." A solidariedade aparece
como conseqüência de uma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das idéias
que favoreçam o conhecimento e o respeito aos outros.
2496 Os meios de comunicação social (especialmente a mídia) podem gerar certa
passividade entre os usuários, tornando-os consumidores pouco criteriosos a respeito das
mensagens e dos espetáculos, Os usuários hão de se impor moderação e disciplina quanto à
mídia. Hão de formar em si uma consciência esclarecida e correta, para resistir mais facilmente
às influências menos honestas.
2497 Os responsáveis pela imprensa, exatamente por sua profissão têm o dever, na
difusão da informação, de servir à verdade e não ofender a caridade. Hão de se esforçar por
respeitar, com igual cuidado, a natureza dos fatos e os limites do juízo crítico a respeito dai
pessoas. Devem evitar ceder à difamação.
2498 "Cabem às autoridades civis deveres especiais em razão do bem comum. Os
poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação."
Publicando leis e cuidando de sua aplicação, os poderes públicos cuidarão para que o mau uso
dos meios de comunicação não "cause graves prejuízos aos costumes públicos aos progressos da
sociedade". Estabelecerão sanções contra a violação dos direitos de cada pessoa à reputação
e ao segredo da vida privada. Darão no momento oportuno e honestamente as informações
que dizem respeito ao bem comum e respondem às inquietações fundadas da população.
Nada pode justificar o recurso a falsas informações para se manipular a opinião pública pelos
meios de comunicação. Essas intervenções não ferirão a liberdade dos indivíduos e dos grupos.
2499 A moral denuncia o flagelo dos estados totalitários que falsificam sistematicamente a
verdade, exercem mediante os meios de comunicação uma dominação política da opinião,
"manipulam" os acusados e as testemunhas de processos públicos e imaginam assegurar sua
tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram "delitos de opinião".
VI. VERDADE, BELEZA E ARTE SACRA
2500 A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza
moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A
verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da
realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade
também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo
quando se trata de evocar o que ela contém de indizível, as profundezas do coração humano,
as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de
verdade, Deus se lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua
Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista descobrem ,
"a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação de seu Autor" (Sb
13,5), "pois foi a própria fonte da beleza que as criou" (Sb 13,3).
A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do TodoPoderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido
da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol,
supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à
noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua
formosura (Sb 8,2).
2501 "Criado à imagem de Deus", o homem exprime também a verdade de sua relação
com o Deus Criador pela beleza de suas obras artísticas. A arte de fato é uma forma deexpressão própria mente humana; acima da procura das necessidades vitais, com a todas as
criaturas vivas, ela é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Nascendo
de um talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é um forma de
sabedoria prática, que une conhecimento e perícia para dar forma à verdade de uma
realidade na linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança cor a
atividade de Deus na criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor das criaturas.
Como qualquer outra até atividade humana, a arte não tem um fim absoluto em si mesma mas
é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem.
2502 A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por sua forma, à sua
vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente de Deus,
beleza excelsa invisível de verdade e amor, revelada em Cristo, "resplendor de sua glória,
expressão de seu Ser" (Hb 1,3), em quem "habita corporalmente toda a plenitude da divindade"
(Cl 2,9), beleza espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, nos anjos santos. A
arte sacra verdadeira leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus Criador e
Salvador, Santo e Santificador.
2503 Por isso devem os bispos, por si ou por delegação, cuidar de promover a arte
sacra, antiga e nova, sob todas as formas, e afastar, com o me mo zelo religioso, da liturgia e dos
edifícios do culto, tudo o que não harmoniza com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte
sacra.
RESUMINDO
2504 "Não levantarás falso testemunho contra teu próximo" (Ex 20,16 Os discípulos de Cristo
"revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e santidade da verdade" (Ef
4,24).
2505 A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no
agir e no falar, fugindo da duplicidade, dê simulação e da hipocrisia.
2506 O cristão não deve "se envergonhar de dar testemunho de Nosso Senhor" (2Tm 1,8)
em atos e palavras. O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé.
2507 O respeito à reputação e à honra das pessoas proíbe toda atitude ou palavra de
maledicência ou calúnia.
2508 A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar o próximo.
2509 Toda falta cometida contra a verdade exige reparação.
2510 A regra de ouro ajuda a discernir, nas situações concretas, se convém ou não
revelar a verdade àquele que a pede.
2511 "O sigilo sacramental é inviolável. " Os segredos profissionais devem ser guardados. As
confidências prejudiciais a outros não devem ser divulgadas.
2512 A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e
na justiça. É conveniente que se imponham moderação e disciplina no uso dos meios de
comunicação social.
2513 As artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, "por natureza, exprimir de
alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e
sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de contribuir poderosamente
para encaminhar os corações humanos a Deus."
ARTIGO 9
O NONO MANDAMENTONão cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (Ex 20,17).
Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em
seu coração (Mt 5,28).
2514 São João distingue três espécies de cobiça ou concupiscência: a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Conforme a tradição catequética
católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; o décimo proíbe a
concupiscência dos bens alheios.
2515 No sentido etimológico, a "concupiscência" pode designar qualquer forma
veemente de desejo humano. A teologia cristã lhe deu o sentido particular de moção do apetite
sensível que se opõe aos ditames da razão humana. O Apóstolo Paulo a identifica com a revolta
que a carne provoca contra o “espírito”. Provém da desobediência do primeiro pecado.
Transtorna as faculdades morais do homem e, sem se pecado em si mesma, inclina-o a cometê-
lo.
2516 Já no homem, tratando-se de um ser composto, espírito corpo, existe certa tensão,
desenrola-se certa luta de tendência entre o "espírito" e a carne . Mas essa luta, de fato,
pertence à herança do pecado, é uma conseqüência dele e, ao mesmo tempo, uma
confirmação, e faz parte da experiência do combate espiritual: Para o Apóstolo, não se trata de
discriminar e condenar o corpo que, juntamente com a alma espiritual, constitui a natureza c
homem e sua subjetividade pessoal. Ele quis tratar sobretudo das obras, ou melhor, das
disposições estáveis virtudes vícios moralmente boas ou más, que são fruto da submissão (no
primeiro caso) ou, pelo contrário, de resistência (no segui do caso) à ação salvífica do Espírito
Santo. Por isso o Apóstolo escreve: "Se, portanto, vivemos pelo espírito, caminhemos também
segundo o espírito" (Gl 5,25).
I. A PURIFICAÇÃO DO CORAÇÃO
2517 O coração é a sede da personalidade moral: "É do coração que procedem más
intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações" (Mt
15,19). A luta contra a concupiscência da carne passa pela purificação do coração e a prática
da temperança:
Conserva-te na simplicidade, na inocência, e serás como a criancinhas, que ignoram o
mal destruidor da vida dos homens.
2518 A sexta bem-aventurança proclama: "Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus" (Mt 5,8). A expressão "puros de coração" designa aqueles que entregaram
o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus, principalmente em três campos:
a caridade, a castidade ou a retidão sexual, o amor à verdade e à ortodoxia da fé. Existe um
laço de união entre a pureza do coração, do corpo e da fé:
Os fiéis devem crer nos artigos do símbolo, "para que, crendo, obedeçam a Deus;
obedecendo, vivam corretamente; vivendo corretamente, purifiquem seu coração; e,
purificando o coração, compreendam o que crêem".
2519 Aos "puros de coração esta prometido ver a Deus face a face e ser semelhantes a
Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo
Deus, receber o outro como um "próximo"; permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o
do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.
II. A LUTA PELA PUREZA2520 O Batismo confere àquele que o recebe a graça da purificação de todos os
pecados. Mas o batizado deve continuar a lutar contra a concupiscência da carne e as cobiças
desordenadas. Com a graça de Deus, alcançará a pureza de coração:
ü pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um
coração reto e indiviso;
ü pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o fim verdadeiro do homem;
com uma atitude simples, o batizado procura encontrar e realizar a vontade de Deus em todas
as coisas;
ü pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentimentos e da
imaginação; pela recusa de toda complacência nos pensamentos impuros que tendem a
desviar do caminho dos mandamentos divinos: "A desperta a paixão dos insensatos" (Sb 15,5);
ü pela oração:
Eu julgava que a continência dependia de minhas próprias forças... forças que eu não
conhecia em mim. E eu era tão insensato que não sabia que ninguém pode ser continente, se
vos lho concedeis. E sem dúvida mo teríeis concedido, se com gemidos interiores vos ferisse os
ouvidos e, com firme fé, pusesse em vós minha preocupação.
2521 A pureza exige o pudor. Este é uma parte integrante da esperança. O pudor
preserva a intimidade da pessoa. Consiste na recusa de mostrar aquilo que deve ficar
escondido. Está ordenado castidade, exprimindo sua delicadeza. Orienta os olhares e os gestos
em conformidade com a dignidade das pessoas e de sua união.
2522 O pudor protege o mistério das pessoas e de seu amor. Convida à paciência e à
moderação na relação amorosa; pede que sejam cumpridas as condições da doação e do
compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira o modo de
vestir. Mantém o silêncio ou certa reserva quando se entrevê o risco de uma curiosidade malsã.
Torna-se discrição.
2523 Existe um pudor dos sentimentos, como existe o do corpo. O pudor, por exemplo,
protesta contra a exploração do corpo humano em função de uma curiosidade doentia (como
em certo tipo de publicidade), ou contra a solicitação de certos meios de comunicação ir longe
demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite
resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.
2524 As formas revestidas pelo pudor variam de uma cultura a outra. Em toda parte,
porém, ele permanece como o pressentimento de uma dignidade espiritual própria do homem.
O pudor nasce pelo despertar da consciência do sujeito. Ensinar o pudor a crianças e
adolescentes é despertá-los para o respeito à pessoa humana.
2525 A pureza cristã requer uma purificação do clima social. Exige dos meios de
comunicação social uma informação que não ofenda o respeito e a modéstia. A pureza do
coração liberta a pessoa do erotismo tão difuso e afasta-a dos espetáculos que favorecem o
“voyeurismo” e a ilusão.
2526 O que se costuma chamar permissividade dos costumes se apóia numa
concepção errônea da liberdade humana; para se edificar, esta última tem necessidade de se
deixar educar previamente pela lei moral. Convém exigir dos responsáveis pela educação que
dêem à juventude um ensino respeitoso da verdade, das qualidades do coração e da
dignidade moral e espiritual do homem.
2527 "A Boa Nova de Cristo restaura constantemente a vida e a cultura do homem
decaído, combate e remove os erros e os males decorrentes da sempre ameaçadora sedução
do pecado. Purifica e eleva incessantemente os costumes dos povos. Com as riquezas do alto
ela fecunda, como que por dentro, as qualidades do espírito e os dotes de cada povo e de
cada idade; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo."RESUMINDO
2528 "Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu
adultério com ela em seu coração" (Mt 5,28).
2529 O nono mandamento adverte contra a cobiça ou concupiscência carnal.
2530 A luta contra a cobiça carnal passa pela purificação do coração e pela prática
da temperança.
2531 A pureza do coração nos permitirá ver a Deus e nos permite desde já ver todas as
coisas segundo Deus.
2532 A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza da
intenção e do olhar.
2533 A pureza do coração exige o pudor, que é paciência, modéstia e discrição. O
pudor preserva a intimidade da pessoa.
ARTIGO 10
O DÉCIMO MANDAMENTO
NÃO COBIÇARÁS... COISA ALGUMA QUE PERTENÇA A TEU PRÓXIMO (EX 20,17).
Tu não desejarás para ti a casa de teu próximo, nem seu campo, nem seu escravo, nem
sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, qualquer coisa que pertença a teu próximo (Dt
5,21).
Onde está o teu tesouro, aí estará também teu coração (Mt 6,21).
2534 O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que se refere à
concupiscência da carne. Proíbe a cobiça dos bens dos outros, raiz do roubo, da rapina e da
fraude, que o sétimo mandamento proíbe. A "concupiscência dos olhos" (1 Jo 2,16) leva à
violência e à injustiça, proibidas pelo quinto preceito. A cupidez tem sua origem, como a
fornicação, na idolatria proibida nas três primeiras prescrições da 1ei. O décimo mandamento se
refere à intenção do intenção do coração e resume, junto com o nono, todos os preceitos da
Lei.
I. A DESORDEM DAS CONCUPISCÊNCIAS
2535 O apetite sensível nos faz desejar as coisas agradáveis que não temos. Por exemplo,
desejar comer quando temos fome, ou aquecer-nos quando estamos com frio. Esses desejos são
bons em si mesmos, mas muitas vezes não respeitam a medida da razão e nos levam a cobiçar
injustamente o que não nos cabe e pertence, ou é devido a outra pessoa.
2536 O décimo mandamento proíbe a avidez e o desejo de uma apropriação
desmedida dos bens terrenos; proíbe a cupidez desmedida nascida da paixão imoderada das
riquezas e de seu poder. Proíbe ainda o desejo de cometer uma injustiça pela qual se
prejudicaria o próximo em seus bens temporais:
Quando a Lei nos diz: "Não cobiçarás", ordena-nos, em outros termos, que afastemos
nossos desejos de tudo aquilo que não nos pertence. Pois a sede dos bens do próximo é imensa,
infinita e nunca saciada, como está escrito: "Quem ama o dinheiro nunca se de dinheiro" (Ecl
5,9).
2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo,
contanto que seja por meios justos. A catequese tradicional indica com realismo "aqueles que mais devem lutar contra suas concupiscências criminosas e, portanto, que e preciso "exortar o
mais possível à observância deste preceito": São os .. comerciantes que desejam a carestia ou os
preços excessivos das mercadorias, que vêem com pesar que não são os únicos a comprar e a
vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar ao preço mínimo; os que desejam que
seus semelhantes fiquem na miséria, para tirarem lucro, quer vendendo para eles, quer
comprando deles... Os médicos que desejam que haja doentes, os legistas que desejam causas
e processos importantes e numerosos....
2538 O décimo mandamento exige banir a inveja do coração humano. Quando o profeta
Natã quis estimular o arrependimento do rei Davi, contou-lhe a história do pobre que possuía
uma única ovelha, tratada como sua própria filha, e do rico que, apesar da multidão de seus
rebanhos, invejava o primeiro e acabou roubando-lhe a ovelha. A inveja pode levar às piores
ações. E pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo: Nós nos combatemos
mutuamente, e é a inveja que nos arma uns contra os outros... Se todos procuram por todos os
meios abalar o Corpo onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo...
Declaramo-nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras.
2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do
desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um grave mal ao
próximo, é um pecado mortal: Sto. Agostinho via na inveja "o pecado diabólico por excelência”.
"Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do
próximo e o desprazer causado por sua prosperidade."
2540 A inveja representa uma das formas de tristeza e, portanto, uma recusa da
caridade; o batizado lutará contra ela mediante a benevolência. A inveja provém muitas vezes
do orgulho o batizado se exercitará no caminho da humildade: Quereríeis ver Deus glorificado
por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos de vosso irmão e imediatamente Deus será
glorificado por vós. Deus será louvado dirão, porque seu servo soube vencer a inveja, colocando
alegria nos méritos dos outros.
II. OS DESEJOS DO ESPÍRITO
2541 A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens ambição e da inveja e
o inicia no desejo do Sumo Bem; instrui-o nos desejos do Espírito Santo, que sacia o coração do
homem. O Deus das promessas desde sempre advertiu o homem contra a sedução daquilo que,
desde as origens, aparece como "bom ao apetite, agradável aos olhos, desejável para adquirir
ciência" (cf. Gn 3,6).
2542 A Lei confiada a Israel jamais bastou para justificar aqueles que lhe eram sujeitos;
antes, tomou-se mesmo o instrumento da “cobiça[a45] ”. A inadequação entre o querer e o
fazer [a46] indica o conflito entre a lei de Deus, que é a "lei da razão", e outra lei, "que me
acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros" (Rm 7,23).
2543 "Agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus,
testemunhada pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo em
favor de todos os crêem" (Rm 3,21-22). Por isso os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas
paixões e concupiscências" (Gl 5,24); eles conduzidos pelo Espírito [a48] e seguem os desejos do
Espírito.
III . A POBREZA DE ORAÇÃO
2544 Jesus ordena a seus discípulos que O prefiram a tudo e dos e lhes propõe que
"renunciem a todos os bens" por causa dele e do Evangelho. Pouco antes de sua paixão, deulhes como exemplo a pobre viúva de Jerusalém que, de sua indigência, deu tudo o que possuía
para viver[a54] . O preceito do desprendimento das riquezas é obrigatório para se entrar no
Reino dos céus.2545 Todos os fiéis de Cristo "devem dirigir retamente seus afetos para que, por causa do
uso das coisas mundanas, por causa do apego às riquezas contra o espírito da pobreza
evangélica, não sejam impedidos de tender à perfeição da caridade".
2546 Bem-aventurados os pobres em espírito" (M t 5,3). As bem-aventuranças revelam uma
ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, a
quem já pertence o Reino[a58] : O Verbo chama "pobreza em espírito" â humildade voluntária
de um espírito humano e sua renúncia; o Apóstolo nos dá como exemplo a pobreza de Deus
quando diz: "Ele se fez pobre por nós" (2 Cor 8,9).
2547 O Senhor se queixa dos ricos porque encontram na profusão dos bens o seu consolo
(Lc 6,24). "O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito busca o Reino
dos Céus." O abandono nas mãos da Providência do Pai do Céu liberta da preocupação do
amanhã. A confiança em Deus predispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a
Deus.
IV. "QUERO VER A DEUS"
2548 O desejo da felicidade verdadeira liberta o homem do apego imoderado aos bens
deste mundo, (felicidade) que se realizará na visão e na bem-aventurança de Deus. "A promessa
de ver a Deus ultra-passa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que Vê
a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar.
2549 Ao povo santo de Deus resta lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que
Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam sua concupiscência
e superam, com a graça de Deus, as seduções do gozo e do poder.
2550 Por esse caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam aquele que os ouve à
comunhão perfeita com Deus. Aí haverá a verdadeira glória; ninguém será louvado então por
engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem,
nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois só quem é digno
será admitido. Aí reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à oposição nem de si
mesmo nem dos outros. Da virtude, o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e se
prometeu a si mesmo como a recompensa (para ela) melhor e maior que possa existir: "Eu serei o
seu Deus e eles serão o meu povo" (Lv 26,12)... É também o sentido das palavras do Apóstolo:
"Para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele
que contemplaremos sem fim, amaremos sem sociedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom,
essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos.
RESUMINDO
2551 "Onde está teu tesouro, aí estará teu coração" (Mt 6,21).
2552 O décimo mandamento proíbe a ambição desregrada, nascida paixão
imoderada das riquezas e de seu poder.
2553 A inveja é a tristeza sentida diante do bem de outrem e o desejo imoderado de
dele se apropriar. E um vício capital.
2554 O batizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo
abandono nas mãos da Providência divina.
2555 Os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas paixões concupiscências" (Gl
5,24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos dele.
2556 O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos Céus. "Bemaventurados os pobres de coração."
2557 Eis o verdadeiro desejo do homem: "Quero ver a Deus A sede de Deus é saciada
pela água da Vida Eterna.QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
PRIMEIRA SEÇÃO
A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ
2558 "Grande é o Mistério da fé." A Igreja o professa no Símbolo dos Apóstolos (Primeira
parte) e o celebra na Liturgia sacramental (Segunda parte), para que a vida dos fiéis seja
conforme a Cristo no Espírito Santo para a glória de Deus Pai (Terceira parte). Esse Mistério exige,
pois, que os fiéis nele creiam, celebrem-no e dele vivam numa relação viva e pessoal com o
Deus vivo e verdadeiro. Essa relação é a oração.
O QUE É A ORAÇÃO?
Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um
grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria.
A oração como dom de Deus
2559 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes[a3] . De onde falamos nós, ao rezar? Das alturas de nosso orgulho e vontade
própria, ou das "profundezas" (Sl 130,1) de um coração humilde e contrito? Quem se humilha será
exaltado. A humildade é o fundamento da oração. "Nem sabemos o que seja conveniente
pedir" (Rm 8,26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o
homem é um mendigo de Deus.
2560 "Se conhecesses o dom de Deus!" (Jo 4,10). A maravilha da oração se revela
justamente aí, à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao
encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar, e é Ele que pede de beber. Jesus tem
sede, seu pedido vem das profundezas do Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou
não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede
dele[a6] .
2561 "És tu que lhe pedirias e Ele te daria água viva" (Jo 4,10). Nossa oração de pedido é,
paradoxalmente, uma resposta. Resposta à queixa do Deus vivo: "Eles me abandonaram a mim a
fonte de água viva, para cavar para si cisternas furadas!" ( 2,13), resposta de fé à promessa
gratuita da salvação, resposta de amor à sede do Filho único.
A ORAÇÃO COMO ALIANÇA
2562 De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração
(gestos e palavras), é o homem todo quem reza. Mas, para designar o lugar de onde brota a
oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil
vezes). E o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vá.
2563 O coração é a casa em que estou, onde moro (segundo expressão semítica ou
bíblica: aonde eu "desço"). Ele é nosso centro escondido, inatingível pela razão e por outra
pessoa; só o Espírito de Deus pode sondá-lo e conhecê-lo. Ele é o lugar da decisão, no mais
profundo de nossas tendências psíquicas. E o lugar da verdade, onde escolhemos a vida ou a
morte. E o lugar do encontro, pois, à imagem de Deus, vivemos em relação; é o lugar da Aliança.
2564 A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É
ação de Deus e do homem; brota do Espírito Santo e de nós, totalmente dirigida para o Pai, em
união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.A ORAÇÃO COMO COMUNHÃO
2565 Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai
infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com o Espírito Santo. A graça do Reino é a
"união de toda a Santíssima Trindade com o espírito pleno”. A vida de oração desta forma
consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes Santo e em comunhão com Ele.
Esta comunhão de vida é sempre possível, porque, pelo Batismo, nos tomamos um mesmo ser
com Cristo. A oração é cristã enquanto comunhão com Cristo e cresce na Igreja que é seu
Corpo. Suas dimensões são as do Amor de Cristo.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO DA ORAÇÃO.
VOCAÇÃO UNIVERSAL Ã ORAÇÃO
2566 O homem está à procura de Deus. Pela criação, Deus chama todo ser do nada à
existência. "Coroado de glória e esplendor”, o homem é, depois dos anjos, capaz de reconhecer
que "é poderoso o Nome do Senhor em toda a terra”. Mesmo depois de ter perdido a
semelhança com Deus por seu pecado, o homem continua sendo um ser feito à imagem de seu
Criador. Conserva o desejo daquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham
essa procura essencial dos homens.
2567 Deus é o primeiro a chamar o homem. Ainda que o homem esqueça seu Criador
ou se esconda longe de sua Face, ainda que corra atrás de seus ídolos ou acuse a divindade de
tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro
misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a
atitude do homem é sempre resposta a esse amor fiel. A medida que Deus se revela e revela o
homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança. Por
meio das palavras e dos atos, esse drama envolve o coração e se revela através de toda a
história da salvação.
ARTIGO I
NO ANTIGO TESTAMENTO
2568 A revelação da oração no Antigo Testamento se insere entre a queda e a elevação
do homem, entre o chamado doloroso de Deus a seus primeiros filhos: "Onde estás?... Que
fizeste?" (Gn 3,9.13), e a resposta do Filho único ao entrar no mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó Deus,
para fazer a tua vontade[a20] ”. A oração, dessa forma, está ligada à história dos homens, é a
relação com Deus nos acontecimentos da história.
A CRIAÇÃO - FONTE DA ORAÇÃO
2569 É sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração. Os nove
primeiros capítulos do Gênesis descrevem essa relação com Deus como oferenda dos
primogênitos rebanho de Abel, como invocação do nome divino por Enós, como "caminhada
com Deus". A oferenda de Noé é "agradável" a Deus, que o abençoa e, por meio dele, abençoa
toda a criação, porque seu coração é justo e íntegro; também ele caminha com Deus" (Gn 6,9).
Essa qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões. Em sua
Aliança indefectível com os seres vivos, Deus sempre convida os homens a orar. Mas é sobretudo
a partir nosso pai Abraão que a oração é revelada no Antigo Testamento.
A PROMESSA E A ORAÇÃO DA FÉ2570 Assim que Deus o chama, Abraão parte, "como lhe disse o Senhor" (Gn 12,4); seu
coração se mostra "submisso à Palavra” ele obedece. A escuta do coração que se decide
segundo Deus é essencial à oração; as palavras lhe são relativas. Mas a oração de Abraão se
exprime primeiro por atos: como homem de silêncio, ele constrói, a cada etapa, um altar ao
Senhor. Somente mais tarde aparece sua primeira oração com palavras: uma queixa velada que
lembra a Deus suas promessas que parecem não se realizar. Desde o começo aparece assim um
dos aspectos do drama da oração: a provação da fé na fidelidade de Deus.
2571 Tendo acreditado em Deus, caminhando em sua presença e em aliança com ele, o
patriarca está disposto a acolher em sua tenda o hóspede misterioso: é a admirável
hospitalidade de Mambré, prelúdio da anunciação do verdadeiro Filho da Promessa. Por isso,
tendo-lhe Deus confiado seu plano, o coração de Abraão está sintonizado com a compaixão de
seu Senhor pelos homens, e ele ousa interceder por eles com audaciosa confiança.
2572 Como última purificação de sua fé, requer-se do "depositário das promessas" (Hb
11,17) que sacrifique o filho que Deus lhe dera. Sua fé não esmorece: "E Deus que proverá o
cordeiro para o holocausto" (Gn 22,8), "pois Deus, pensava ele, é capaz também de ressuscitar os
mortos" (Hb 11,19). Dessa forma, o pai dos que crêem se configurou ao Pai que não há de
poupar seu próprio Filho, mas o entregará por todos nós. A oração restaura o homem à
semelhança de Deus e o faz participar do poder do amor de Deus que salva a multidão.
2573 Deus renova sua promessa a Jacó, pai das doze tribos de Israel. Antes de enfrentar
seu irmão Esaú, ele luta uma noite inteira com "alguém" misterioso que se recusa a revelar-lhe o
nome, mas o abençoa antes de o deixar ao despontar da aurora. A tradição espiritual da Igreja
reteve dessa história o símbolo da oração como combate da fé e vitória da perseverança.
MOISÉS E A ORAÇÃO DO MEDIADOR
2574 Logo que começa a se realizar a Promessa (a Páscoa, o Êxodo, a entrega da Lei e a
conclusão da Aliança), a oração de Moisés é a figura surpreendente da oração de intercessão
que se realizará no “único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus" (1 Tm 2,5).
2575 Também aqui Deus vem primeiro. É Ele quem chama Moisés do meio da sarça
ardente. Esse acontecimento será sempre uma das figuras primordiais da oração na tradição
espiritual judaica e cristã. De fato, se "o Deus de Abraão, Isaac e Jacó" chama seu servo Moisés,
é porque Ele é o Deus Vivo que quer a vida dos homens. Ele se revela para salvá-los, mas não
sozinho, nem apesar deles; chama Moisés para enviá-lo, para associá-lo sua compaixão, à sua
obra de salvação. Há, por assim dizer, uma imploração divina nesta missão, e Moisés, depois de
longo debate, conformará sua vontade com a de Deus salvador. Mas, nesse diálogo em que
Deus se confia, Moisés também aprende a orar esquiva-se, objeta e principalmente pede. E é em
resposta a sei pedido que o Senhor lhe confia seu Nome inefável, que se revelará em seus
grandes feitos.
2576 "Deus falava com Moisés face a face, como um homem fala com outro" (Ex 33,11).
A oração de Moisés é típica da oração contemplativa graças à qual o servo de Deus é fiel à sua
missão. Moisés "conversa" muitas vezes e longamente com o Senhor, subindo à montanha para
ouvi-lo e implorá-lo, e descendo ao povo para lhe repetir as palavras de seu Deus e guiá-lo.
"Toda minha casa lhe está confiada. Falo-lhe face a face, claramente e não em enigmas" (Nm
12,7-8), pois "Moisés era um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na
terra" (Nm 12,3).
2577 Dessa intimidade com o Deus fiel, lento para a cólera e cheio de amor[a45] ,
Moisés tirou a força e a tenacidade de sua intercessão. Não ora por si, mas pelo povo que Deus
adquiriu. Já durante o combate com os amalecitas[a46] , ou para obter a cura de Míriam, Moisés
intercede. Mas é sobretudo depois da apostasia do povo que "ele se posta na brecha", diante
de Deus (Sl 106,23), para salvar o povo. Os argumentos de si oração (a intercessão também é um
combate misterioso) inspirarão a audácia dos grandes orantes do povo judeu e da Igreja: Deus é amor, por isso é justo e fiel; não se pode contradizer, deve lembrar-se de suas ações
maravilhosas, sua Glória está em jogo, não pode abandonar o povo que traz seu nome.
DAVI E A ORAÇÃO DO REI
2578 A oração do povo de Deus florescerá à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e, mais tarde, do Templo. São principalmente os guias do povo os pastores e os profetas -
que o ensinarão a orar. Samuel, menino, teve de aprender de sua mãe Ana como "se portar
diante do Senhor”, e do sacerdote Eli, como ouvir Sua Palavra: "Fala, Senhor, que teu servo ouve"
(1Sm 3,9-10). Mais tarde, também ele conhecerá o preço e o peso da intercessão: "Quanto a
mim, longe de mim esteja que eu venha a pecar contra o Senhor, deixando de orar por vós e de
vos mostrar o bem e o reto caminho" (1Sm 12,23).
2579 Davi é por excelência o rei "segundo o coração de Deus", o pastor que ora por seu
povo e em seu nome, aquele cuja submissão à vontade de Deus, cujo louvor e arrependimento
serão o modelo da oração do povo. Como ungido de Deus, sua oração é adesão fiel à
promessa divina, confiança cheia de amor e alegria naquele que é o único Rei e Senhor. Nos
Salmos, Davi, inspirado pelo Espírito Santo, é o primeiro profeta da oração judaica e cristã. A
oração de Cristo, verdadeiro Messias e filho de Davi, revelará e realizará o sentido dessa oração.
2580 O Templo de Jerusalém, a casa de oração que Davi queria construir, será a obra
de seu filho Salomão. A oração da Dedicação do Templo se apóia na Promessa de Deus e em
sua Aliança, na presença ativa de seu nome entre o povo e a lembrança dos grandes feitos do
Êxodo. O rei levanta então as mãos ao céu e suplica ao Senhor por si, por todo o povo, pelas
gerações futuras, pelo perdão dos pecados, pelas necessidades de cada dia, para que todas as
nações saibam que Ele é o único Deus e para que o coração de seu povo seja inteiramente
dele.
ELIAS, OS PROFETAS E A CONVERSÃO DO CORAÇÃO
2581 O Templo devia ser para o povo de Deus o lugar de sua educação à oração: as
peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oferenda da tarde, o incenso, os pães da "proposição",
todos esses sinais da Santidade e da Glória de Deus, Altíssimo e tão próximo, eram apelos e
caminhos da oração. Mas o ritualismo. arrastava muitas vezes o povo para um culto por demais
exterior. Faltava a educação da fé, a conversão do coração. Foi a missão dos profetas, antes e
depois do Exílio.
2582 Elias é o pai dos profetas, "da geração dos que procuram Deus, dos que buscam sua
face[a55] ”. Seu nome, "O Senhor é me Deus", anuncia o clamor do povo em resposta à sua
oração no monte Carmelo. S. Tiago nos remete a Elias para nos incitar à oração: "A oração
fervorosa do justo tem grande poder".
2583 Depois de ter aprendido a misericórdia em seu retiro á margem da torrente do Carit,
ensina à viúva de Sarepta a fé na palavra de Deus, fé que ele confirma por sua oração insistente:
Deus devolve à vida o filho da viúva. Por ocasião do sacrifício no monte Carmelo, prova decisiva
para a fé do povo de Deus, foi por sua súplica que o fogo do Senhor consumiu o holocausto, "na
hora em que se apresenta a oferenda da tarde": "Responde-me, Senhor, responde-me!", são as
mesmas palavras de Elias que as Liturgias orientais repetem na Epiclese eucarística[a60] . Por fim,
retomando o caminho do deserto para o lugar em que o Deus vivo e verdadeiro se revelou a seu
povo, Elias se escondeu, como Moisés, "na fenda do rochedo", até que "passasse" a Presença
misteriosa de Deus. Mas somente na montanha da Transfiguração se revelará Aquele cuja Face
buscam; o conhecimento da Glória de Deus está na face Cristo crucificado e ressuscitado.
2584 No "face a face" com Deus, os profetas haurem luz e força para sua missão. Sua
oração não é uma fuga do mundo infiel, mas uma escuta da Palavra de Deus, às vezes um
debate ou uma queixa, sempre uma intercessão que aguarda e prepara a intervenção do Deus
salvador, Senhor da história.OS SALMOS, ORAÇÃO DA ASSEMBLÉIA
2585 Desde Davi até a vinda do Messias, os Livros Sagrados contêm textos de oração que
atestam o aprofundamento cada vez maior da oração por si mesmo e pelos outros. Os salmos
foram pouco a pouco reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou "Louvores"), obraprima da oração no Antigo Testamento.
2586 Os Salmos alimentam e exprimem a oração do povo de Deus como assembléia, por
ocasião das grandes festas em Jerusalém e cada sábado nas sinagogas. Esta oração é
inseparavelmente pessoal e comunitária; refere-se aos que oram e a todos os homens; sobe da
Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abrange toda a criação; lembra os
acontecimentos salvíficos do passado e se estende até a consumação da história; recorda as
promessas de Deus já realizadas e aguarda o Messias que as realizará definitivamente. Rezados e
realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja.
2587 O Saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos
outros livros do Antigo Testamento, as palavras proclamam as obras" (de Deus em favor dos
homens) "e elucidam o mistério nelas contido”. No Saltério, as palavras do salmista exprimem,
cantando-as a Deus, suas obras de salvação. O mesmo Espírito inspira a obra de Deus e a
resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. Nele, os salmos nos ensinam continuamente a orar.
2588 As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma tanto na liturgia do
Templo como no coração do homem. Quer se trate de um hino, de uma oração de aflição ou
de ação de graças, de uma súplica individual ou comunitária, de canto de aclamação ao rei ou
de um cântico de peregrinação, ou ainda de uma meditação sapiencial, os Salmos são o
espelho das maravilhas de Deus na história de seu povo e das situações humanas vividas pelo
salmista. Um Salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade tão
grande que pode ser rezado na verdade pelos homens de qualquer condição e em qualquer
tempo.
2589 Os Salmos são marcados por características constantes: a simplicidade e a
espontaneidade da oração, o desejo do próprio Deus através de e com tudo o que é bom em
sua criação, a situação desconfortável do crente que, em seu amor preferencial ao Senhor, está
exposto a uma multidão de inimigos e tentações e, na expectativa do que fará o Deus fiel, a
certeza de seu amor e a entrega à sua vontade. A oração dos Salmos é sempre motivada pelo
louvor, e por isso o título desta coletânea convém perfeitamente ao que ela nos oferece: "Os
Louvores". Feita para o culto da Assembléia, ela anuncia o convite à oração e canta-lhe a
resposta: "Hallelu-Ya"! (Aleluia), "Louvai o Senhor"!
Haverá algo melhor do que um Salmo? É por isso que Davi diz muito acertadamente:
"Louvai o Senhor, pois o Salmo é uma coisa boa: a nosso Deus, louvor suave e belo!" E é verdade.
Pois o Salmo é bênção pronunciada pelo povo, louvor de f pela assembléia, aplauso de todos,
palavra dita pelo universo voz da Igreja, melodiosa profissão de fé..
RESUMINDO
2590 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes[a74] .”
2591 Deus chama incansavelmente toda pessoa ao encontro misterioso com Ele. A
oração acompanha toda a história da salvação como um apelo recíproco entre Deus e o
homem.
2592 A oração de Abraão e de Jacó se apresenta como um combate da fé apoiada
na confiança na fidelidade de Deus e na certeza da vitória prometida à perseverança.
2593 A oração de Moisés responde à iniciativa do Deus vivo para a salvação de seu
povo. Prefigura a oração de intercessão do único mediador, Jesus Cristo.2594 A oração do povo de Deus floresce à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e do Templo, sob a direção dos pastores, principalmente do rei Davi, e dos profetas.
2595 Os profetas chamam à conversão do coração e, buscando ardentemente a face
de Deus, como Elias, intercedem pelo povo.
2596 Os Salmos constituem a obra-prima da oração no Antigo Testamento. Apresentam
dois componentes inseparáveis; o pessoal e o comunitário. Estendem-se a todas as dimensões da
história, comemorando as promessas de Deus já realizadas e esperando a vinda do Messias.
2597 Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são um elemento essencial e
permanente da oração de sua Igreja e são adequados aos homens de qualquer condição e
tempo.
ARTIGO 2
NA PLENITUDE DO TEMPO
2598 O evento da oração nos é plenamente revelado no Verbo que se fez carne e habita
entre nós. Procurar compreender sua oração, por meio daquilo que suas testemunhas nos
anunciam dela no Evangelho, é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça ardente:
primeiro contemplá-lo na oração, depois ouvir como Ele nos ensina a orar, para conhecer, enfim,
como Ele atende nossa prece.
JESUS ORA
2599 O [§75] Filho de Deus que se tomou Filho da Virgem aprendeu também a rezar
segundo seu coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com sua mãe, que
conservava e meditava em seu coração todas as "grandes coisas" feitas pelo TodoPoderoso[a76] . Aprendeu nas palavras e ritmos da oração de seu povo, na sinagoga de Nazaré
e no Templo. Mas sua oração brota de uma fonte bastante secreta, como deixa prever com a
idade de doze anos: "Eu devo estar na casa de meu Pai" (Lc 2,49). Aqui começa a se revelar a
novidade da oração na plenitude dos tempos: a oração filial, que o Pai esperava de seus filhos,
será enfim vivida pelo próprio Filho único em sua humanidade, com os homens e para os
homens.
2600 O [§77] Evangelho segundo S. Lucas destaca a ação do Espírito Santo e o sentido
da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos decisivos de sua missão: antes
de o Pai dar testemunho dele por ocasião do Batismo [a78] e da Transfiguração [a79] e antes de
realizar por sua Paixão o plano de amor do Pai[a80] . Ora também antes dos momentos decisivos
que darão início à missão dos Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze[a81] , antes que
Pedro o confesse como "Cristo de Deus [a82] e para que a fé do chefe dos Apóstolos não
desfaleça na tentação[a83] . A oração de Jesus antes das ações salvíficas que realiza a pedido
do Pai é uma entrega, humilde e confiante, de sua vontade humana à vontade amorosa do Pai.
2601 "Estando [§84] em certo lugar, orando, ao terminar, um de se discípulos pediu-lhe:
Senhor, ensina-nos a orar" (Lc 11,1). Não é antes de tudo contemplando seu mestre a orar que o
discípulo de Cristo deseja orar? Pode então aprender a orar que o Mestre da oração. É
contemplando e ouvindo o Filho que filhos aprendem a orar ao Pai.
2602 Jesus [§85] muitas vezes se retira, na solidão, na montanha, de preferência à noite,
para orar[a86] . Em sua oração, leva consigo os homens, pois, assumindo a humanidade em sua
Encarnação, oferece-os ao Pai, oferecendo-se a si mesmo. Ele, o Verbo que "assumiu a carne",
em sua oração humana participa de tudo o que vivem "seus irmãos[a87] "; Ele se compadece de
fraquezas para livrá-los delas[a88] . Foi para isso que o Pai o enviou. Suas palavras e obras
aparecem então como a manifestação visível de sua oração "em segredo".2603 De [§89] Cristo, durante seu ministério, os evangelistas conservaram duas orações
mais explícitas, que começam ambas com uma ação de graças. Na primeira[a90] , Jesus
glorifica o Pai, agradece-lhe e o bendiz porque escondeu os mistérios do Reino aos que se julgam
doutos e revelou-os aos "pequeninos" (os pobres das Bem--aventuranças). Sua exclamação
emocionada, "Sim, Pai!", exprime o fundo de seu coração, sua adesão ao "beneplácito" do Pai,
como num eco ao "Fiat" de Sua Mãe em sua concepção e como prelúdio àquele sim que dirá
ao Pai em sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa de seu coração de
homem ao "mistério da vontade" do Pai[a91] .
2604 A [§92] segunda oração é referida por São João [a93] antes da ressurreição de
Lázaro. A ação de graças precede o acontecimento: "Pai, eu te dou graças por me teres
ouvido", o que implica que o Pai escuta sempre seu pedido, e Jesus logo acrescenta: "Eu sabia
que sempre me ouves". Isso implica que, de sua parte, Jesus pede de modo constante. Dessa
forma, motivada pela ação de graças, a oração de Jesus nos revela como pedir: Antes que o
dom seja feito, Jesus adere Àquele que nos dá seus dons. O Doador é mais precioso do que o
dom concedido, Ele é o "Tesouro", e nele é que está o coração de seu Filho; o dom é dado "por
acréscimo[a94] ”.
A oração "sacerdotal" de Jesus [a95] ocupa um lugar único na economia da salvação.
Será meditada no final da primeira seção. Revela com efeito a oração sempre atual de nosso
Sumo Sacerdote e, ao mesmo tempo, contém o que Ele nos ensina em nossa oração a nosso Pai,
que será desenvolvida na segunda seção.
2605 Ao [§96] chegar a Hora de realizar o plano de amor do Pai, Jesus deixa entrever a
profundidade insondável de sua oração filial, não apenas antes de se entregar livremente
("Abba... não seja feita a minha vontade, mas a tua": Lc 22,42), mas também em suas últimas
palavras na Cruz, quando orar e entregar-se são um só e mesmo ato: "Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem” (Lc 23,34); "Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo Paraíso"
(Lc 23,43); "Mulher, eis aí teu filho"; "Eis tua mãe" (Jo 19,26-27); "Tenho sede!" (Jo 19,28); "Meu Deus,
por que me abandonaste[a97] ?”; "Tudo está consumado" (Jo 19,30); "Pai, c tuas mãos entrego
meu espírito" (Lc 23,46), até aquele grande grito, quando Ele expira, entregando o espírito[a98] .
2606 Todas [§99] as misérias da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e
da morte, todos os pedidos e intercessões história da salvação estão recolhidos neste Grito do
Verbo encarnado. Eis que o Pai os acolhe e, indo além de todas as esperanças, ouve-os,
ressuscitando seu Filho. Dessa forma se realiza e se consuma o evento da oração na Economia
da criação e da salvação. Sua chave de interpretação nos é dada pelo Saltério em Cristo. E no
Hoje da Ressurreição que o Pai diz: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede, e eu te darei as
nações como herança, os confins da terra como propriedade[a100]
A Epístola aos Hebreus exprime em termos dramáticos como a oração de Jesus opera a
vitória da salvação. "É ele que, nos dias de sua vida terrestre, apresentou pedidos e súplicas, com
veemente clamor e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte; e foi atendido por causa de
sua submissão. E, embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento; e,
levado à perfeição, se tomou para todos os que lhe obedecem princípio de salvação eterna" (1
Hb 5,7-9)
JESUS ENSINA A ORAR
2607 Ao [§101] orar, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal de nossa oração é a
oração a seu Pai. Mas o Evangelho nos dá um ensinamento explícito de Jesus sobre a oração.
Como pedagogo, ele nos toma onde estamos e, progressivamente, nos conduz ao Pai. Dirigindose às multidões que o seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem da oração, conforme
a Antiga Aliança, e as abre para a novidade do Reino que vem. Depois lhes revela em parábolas
essa novidade. Enfim, falará abertamente do Pai e do Espírito Santo a seus discípulos, que
deverão ser pedagogos da oração em sua Igreja.2608 No [§102] Sermão da Montanha, Jesus insiste na conversão do coração: a
reconciliação com o irmão antes de apresentar uma oferenda no altar[a103] , o amor aos
inimigos e a oração pelos perseguidores[a104] , a oração ao Pai "em segredo" (Mt 6,6), a nãomultiplicação das palavras[a105] , o perdão do fundo do coração na oração, a pureza do
coração [a106] e a busca do Reino[a107] . Essa conversão é inteiramente orientada para o Pai; é
filial.
2609 O [§108] coração assim decidido a se converter aprende a orar na fé. A fé é uma
adesão filial a Deus, acima daquilo que sentimos e compreendemos. Tomou-se possível porque o
Filho bem-amado nos abre as portas para o Pai. Este pode pedir-nos que "procuremos" e
"batamos", uma vez que Ele mesmo é a porta e o caminho[a109] .
2610 Assim [§110] como Jesus ora ao Pai e dá graças antes de receber seus dons, Ele
nos ensina essa audácia filial: "Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já recebestes" (Mc
11,24). "Tudo é possível para quem crê" (Mc 9,23), com uma fé "que não hesita[a111] ”. tal é a
força da oração. Se por um lado Jesus se entristece pela "falta de fé" de seus parentes (Mc 6,6) e
pela "fraqueza na fé" de seus discípulos[a112] , por outro lado fica admirado com a "grande fé"
do centurião romano [a113] e da cananéia[a114] .
2611 A [§115] oração de fé não consiste apenas em dizer "Senhor, Senhor", mas em levar o
coração a fazer a vontade do Pai[a116] . Jesus convida os discípulos a terem, na oração, a
preocupação de cooperarem com o plano divino[a117] .
2612 Em [§118] Jesus, "o Reino de Deus está próximo" (Mc 1,15) e convoca à conversão e
à fé, como também, à vigilância. Na oração, o discípulo vigia atento Aquele que É e que Vem
na memó-ria de sua primeira Vinda na humildade da carne e na esperança de sua segunda
Vinda na Glória[a119] . Em comunhão com o Mestre a oração dos discípulos é um combate, e é
vigiando na prece que não se cai em tentação[a120] .
2613 Três [§121] parábolas principais sobre a oração nos são transmitida por S. Lucas. A
primeira, "o amigo importuno[a122] ”, convida a uma oração persistente: "Batei e se vos abrirá".
Àquele que assim ora, o Pai do céu "dará tudo o que precisa", sobretudo o Espírito Santo, que
contém todos os dons. A segunda, "a viúva importuna[a123] ”, focaliza uma das qualidades da
oração: é preciso rezar sempre sem esmorecimento, com a paciência fé. "Mas, quando vier o
Filho do homem, acaso encontrará fé na terra? A terceira parábola, "o fariseu e o
publicano[a124] ”, refere-se à humildade do coração que reza. "Meu Deus, tem piedade de
mim, pecador.” Essa oração a Igreja constantemente toma sua: "Kyrie eleison!"
2614 Quando [§125] Jesus confia abertamente a seus discípulos o ministério da oração ao
Pai, revela-lhes qual deverá ser sua oração, e a nossa, quando Ele voltar para o Pai, em sua
Humanidade glorificada. A novidade agora é "pedir em seu Nome[a126] ”. A fé nele introduz os
discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). A
fé produz seus frutos no amor: guardar sua Palavra, seus mandamentos, permanecer com Ele no
Pai, que nele nos ama a ponto de permanecer em nós. Nessa Aliança nova, a certeza de sermos
ouvidos em nossos pedidos se fundamenta na oração de Jesus[a127] .
2615 Mais [§128] ainda, o que o Pai nos dá quando nossa oração está unida à de Jesus
é o "outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre o Espírito da Verdade" (Jo
14,16-17). Essa novidade da oração e de suas condições aparece no discurso de
despedida[a129] . No Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o Pai, não
apenas por Cristo, mas também nele: "Até agora nada pedistes em meu Nome. Pedi e
recebereis, e vossa alegria será perfeita" (Jo 16,24).
JESUS OUVE A ORAÇÃO
2616 A [§130] oração a Jesus é ouvida por Ele já durante seu ministério, por meio dos
sinais que antecipam o poder de sua Morte e Ressurreição: Jesus ouve a oração de fé, expressa
em palavras (o leproso[a131] , Jairo[a132] , a cananéia[a133] , o bom ladrão[a134] ), ou em silêncio (os carregadores do paralítico[a135] , a hemorroíssa que lhe toca as vestes[a136] , as
lágrimas e o perfume da pecadora[a137] ). O pedido insistente dos cegos: "Filho de Davi, tem
compaixão de nós" (Mt 9,27)ou "Filho de Davi, tem compaixão de mim" (Mc 10,47) foi retomado
na tradição da Oração a Jesus: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim,
pecador!" Quer na cura das enfermidades, quer na remissão dos pecados, Jesus responde
sempre à oração que implora com fé: "Vai em paz, tua fé te salvou!"
Sto. Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração de Jesus (cf. 2667):
"Ele ora por nós como nosso sacerdote, ora em nós como nossa cabeça, e a Ele sobe nossa
oração como ao nosso Deus. Reconheçamos pois, nele, os nossos clamores e em nós os seus
clamores[a138] ".
A ORAÇÃO DA VIRGEM MARIA
2617 A oração de Maria nos é revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da
Encarnação do Filho de Deus e antes da efusão do Espírito Santo, sua oração coopera de
maneira única com o plano benevolente do Pai; na Anunciação para a concepção de
Cristo[a140] , em Pentecostes para a formação da Igreja, Corpo de Cristo. Na fé de sua humilde
serva, o Dom de Deus encontra o acolhimento que esperava desde o começo dos tempos.
Aquela que o Todo-Poderoso tornou "cheia de graça" responde pela oferenda de todo seu ser:
"Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra". Fiat, esta é a oração cristã: ser
todo dele porque Ele é todo nosso.
2618 O Evangelho nos revela como Maria ora e intercede na fé: em Caná, a mãe de
Jesus pede a seu filho pelas necessidades de um banquete de núpcias, sinal de outro Banquete,
o das núpcias do Cordeiro, que dá seu Corpo e Sangue a pedido da Igreja, sua Esposa. E é na
hora da nova Aliança, ao pé da Cruz, que Maria é ouvida como a Mulher, a nova Eva, a
verdadeira "mãe dos vivos”.
2619 Por isso o cântico de Maria (o Magnificat latino ou o Megalynário bizantino) é ao
mesmo tempo o cântico da Mãe de Deus e o da Igreja, cântico da Filha de Sião e do novo Povo
de Deus, cântico de ação de graças pela plenitude de graças distribuídas na Economia da
salvação, cântico dos "pobres", cuja esperança é satisfeita pela realização das promessas feitas
a nossos pais "em favor de Abraão e de sua descendência para sempre".
RESUMINDO
2620 No Novo Testamento, o modelo perfeito da oração encontra-se na prece filial de
Jesus. Feita muitas vezes na solidão, no segredo, a oração de Jesus implica uma adesão
amorosa à vontade do Pai até a cruz e uma confiança absoluta de ser ouvido.
2621 Jesus ensina seus discípulos a orar com um coração purificado, uma fé viva e
perseverante, uma audácia filial. Incita-os à vigilância e convida-os a apresentar a Deus seus
pedidos em seu Nome. Jesus Cristo atende pessoalmente às orações, que lhe são dirigidas.
2622 A oração da Virgem Maria, em seu "Fiat" e em seu "Magnificat”, caracteriza-se pela
oferta generosa de todo seu ser na fé.
ARTIGO 3
NO TEMPO DA IGREJA
2623 No [§147] dia de Pentecostes, o Espírito da promessa foi derramado sobre os
discípulos, "reunidos no mesmo lugar" (At 2,1), esperando-o, "todos unânimes, perseverando na oração" (At 1,14). O Espírito, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse[a148] , vai
também formá-la para a vida de oração.
2624 Na [§149] primeira comunidade de Jerusalém, os fiéis se mostravam "assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações" (At 2,42). A
seqüência é típica da oração da Igreja: fundada na fé apostólica e autenticada pela caridade,
ela é alimentada na Eucaristia.
2625 Essas [§150] orações são, sobretudo, as que os fiéis ouvem e lêem nas Escrituras,
atualizando-as, porém, principalmente as dos Salmos, a partir de sua realização em Cristo[a151] .
O Espírito Santo, que assim lembra Cristo à sua Igreja orante, também a conduz à Verdade plena
e suscita formulações novas que exprimirão o insondável Mistério de Cristo atuando na vida, nos
sacramentos e na missão de sua Igreja. Essas formulações se desenvolverão nas grandes
tradições litúrgicas e espirituais. As formas da oração, como nos são reveladas pelas Escrituras
apostólicas canônicas, serão normativas da oração cristã.
1. A BENÇÃO E A ADORAÇÃO
2626 A [§152] bênção exprime o movimento de fundo da oração; é o encontro de Deus e
do homem; nela o dom de Deus e a acolhida do homem se chamam e se unem. A oração de
bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do
homem pode bendizer Aquele que é a fonte de toda bênção.
2627 Duas [§153] formas fundamentais exprimem esse movimento da bênção: ora ela
sobe, levada no Espírito Santo por Cristo ao Pai (nós o bendizemos por nos ter abençoado[a154]
); ora ela implora a graça do Espírito Santo, que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos
abençoa[a155] ).
2628 A [§156] adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante
de seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos fez [a157] e a onipotência do Salvador que
nos liberta do mal. É prosternação do Espírito diante do "Rei da glória[a158] ” e o silêncio
respeitoso diante do Deus "sempre maior[a159] ”. A adoração do Deus três vezes santo e
sumamente amável nos enche de humildade e dá garantia a nossas súplicas.
II. A ORAÇÃO DE SÚPLICA
2629 O[§160] vocabulário referente à súplica tem muitos matizes no Novo Testamento:
pedir, implorar, suplicar com insistência, invocar, clamar, gritar e mesmo "lutar na oração[a161] ".
Mas sua forma mais habitual, por ser a mais espontânea, é o pedido: é pela oração de súplica
que exprimimos a consciência de nossa relação com Deus: como criaturas, não somos nem
nossa origem, nem senhores das adversidades, nem nosso fim último. Mas, como pecadores,
sabemos, na qualidade de cristãos, nos afastamos de nosso Pai. O pedido já é uma volta para
Ele.
2630 O[§162] Novo Testamento contém poucas orações de lamentação, freqüentes no
Antigo Testamento. Agora, em Cristo ressuscitado, o pedido da Igreja é sustentado pela
esperança, embora estejamos ainda na expectativa e devamos nos converter cada dia. Brota
de outra profundeza o pedido cristão, que S. Paulo chama de gemidos, os da criação, em "dores
de parto" (Rm 8,22), os nossos, também "à espera da redenção de nosso corpo, pois nossa
salvação é objeto de esperança" (Rm 8,23-24), enfim, "os gemidos inefáveis do próprio Espírito
Santo que "socorre nossa fraqueza, pois nem sequer sabemos o que seja conveniente pedir" (Rm
8,26).
2631 O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de súplica (cf. o publicano:
"Tem piedade de mim, pecador": Lc 18,13). É a condição prévia de uma oração justa e pura. A
humildade confiante nos repõe na luz da comunhão com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo, e uns com os outros: "Então tudo o que lhe pedimos recebemos dele" (1 Jo 3,22). O pedido de é a
perdão condição prévia da liturgia eucarística, como da oração pessoal.
2632 A súplica cristã está centrada no desejo e na procura do Reino que vem, de
acordo com o ensinamento de Jesus". Existe uma hierarquia nos pedidos: primeiro o Reino, depois
o que é necessário para acolhê-lo e cooperar para sua vinda. Essa cooperação com a missão
de Cristo e do Espírito Santo, que é agora a da Igreja, é o objeto da oração da comunidade
apostólica. E a oração de Paulo, o apóstolo por excelência, que nos revela como o cuidado
divino por todas as Igrejas deve animar a oração cristã. Pela oração, todo batizado trabalha
para a Vinda do Reino.
2633 Quando participamos, assim, do amor salvador de Deus, compreendemos que
toda necessidade pode vir a ser objeto de pedido. Cristo, que tudo assumiu para resgatar tudo,
é glorificado pelos pedidos que oferecemos ao Pai em seu Nome. E com essa garantia que Tiago
e Paulo nos exortam a orar em todo tempo.
III. A ORAÇÃO DE INTERCESSÃO
2634 A intercessão é uma oração de pedido que nos conforma de perto com a oração
de Jesus. Ele é o único Intercessor junto do Pai em favor de todos os homens, dos pecadores,
sobretudo. Ele é "capaz de salvar de modo definitivo aqueles que por meio dele se aproximam
de Deus, visto que Ele vive para sempre para interceder por eles" (Hb 7,25). O próprio Espírito
Santo "intercede por nós... pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm 8,26-27).
2635 Interceder, pedir em favor de outro, desde Abraão, é próprio de um coração que
está em consonância com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a intercessão cristã
participa da de Cristo; é a expressão da comunhão dos santos. Na intercessão, aquele que ora
"não procura seus próprios interesses, mas pensa sobretudo nos dos outros" (Fl 2,4) e reza por
aqueles que lhe fazem mal.
2636 As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente forma de partilha. O
Apóstolo Paulo as faz participar assim de seu ministério do Evangelho, mas intercede também por
elas. A intercessão dos cristãos não conhece fronteiras: "Por todos os homens, pelos que detêm a
autoridade" (1 Tm 2,1), pelos que perseguem pela salvação daqueles que recusam o Evangelho.
IV. A ORAÇÃO DE AÇÃO DE GRAÇAS
2637 A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, celebrando a Eucaristia,
manifesta e se torna mais aquilo que ela é. Com efeito, na obra da salvação, Cristo liberta a
criação do pecado e da morte para consagrá-la de novo e fazê-la retornar ao Pai, para sua
Glória. A ação de graças dos membros do Corpo participa da de sua Cabeça.
2638 Como na oração de súplica, todo acontecimento e toda necessidade podem se
tornar oferenda de ação de graças. As cartas de S. Paulo começam e terminam
freqüentemente uma ação de graças, e o Senhor Jesus sempre está presente. “Por tudo dai
graças, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito, em Cristo Jesus" (l Ts 5,18). "Perseverai na
oração, vigilantes, com ação de graças" (Cl 4,2).
V. A ORAÇÃO DE LOUVOR
2639 O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que
Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por
aquilo que Ele É. Participa da bem-aventurança dos corações puros que o amam na fé antes de
o verem na Glória. Por ela, o Espírito se associa nosso espírito para atestar que somos filhos de
Deus, dando testemunho ao Filho único, em quem somos adotados e por quem glorificamos o
Pai. O louvor integra as outras formas de oração e as levar Àquele que é sua fonte e termo final:
"O único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos feitos" (1 Cor 8,6).2640 São Lucas menciona muitas vezes em seu Evangelho a admiração e o louvor diante
das maravilhas de Cristo. Chama a atenção também para as ações do Espírito Santo, que são os
Atos dos Apóstolos: a comunidade de Jerusalém, o paralítico curado por Pedro e João, a
multidão que com isso glorifica a Deus e os pagãos da Pisídia que, "alegres, glorificam a Palavra
do Senhor" (At 13,).
2641 Recitai uns com os outros "salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando o
Senhor em vosso coração" (Ef 5,19[a190] ). Como os escritores do Novo Testamento, as primeiras
comunidades cristãs relêem o livro dos Salmos, cantando nele o Mistério de Cristo. Na novidade
do Espírito, elas compõem também hinos e cânticos a partir do Acontecimento inaudito que
Deus realizou em seu Filho: a Encarnação, a Morte vitoriosa da morte, a Ressurreição e Ascensão
à sua direita. É dessa "maravilha" de toda a economia da salvação que brota a doxologia, o
louvor de Deus.
2642 A Revelação "daquilo que deve acontecer em breve", o Apocalipse, é comunicada
pelos cânticos da Liturgia celeste, mas também pela intercessão das "testemunhas" (mártires) Os
profetas e os santos, todos os que foram degolados na terra em testemunho de Jesus[, a
multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos precederam no Reino, cantam
o louvor de glória daquele que está sentado no Trono e do Cordeiro. Em comunhão com eles, a
Igreja da terra canta também esses cânticos, na fé e na provação. No pedido e na intercessão,
a fé espera contra toda esperança e dá graças ao "Pai das luzes, do qual desce toda dádiva
perfeita". A fé é assim um puro louvor.
2643 A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração. É "a oferenda pura" de
todo o Corpo de Cristo "para a glória de seu Nome”; segundo as tradições do Oriente e do
Ocidente, ela é "o sacrifício de louvor".
RESUMINDO
2644 O Espírito Santo, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse, educa-a
também para a vida de oração, suscitando expressões que se renovam dentro de formas
permanentes: benção, súplica, intercessão, ação de graças e louvor.
2645 Porque Deus o abençoa é que o coração do homem pode bendizer por sua vez
Aquele que é a fonte de toda bênção.
2646 A oração de pedido tem por objeto o perdão, a procura do Reino, como também
toda verdadeira necessidade.
2647 A oração de intercessão consiste num pedido em favor de outrem. Não conhece
fronteiras e se estende até os inimigos.
2648 Toda alegria e todo sofrimento, todo acontecimento e toda necessidade podem ser
a matéria da ação de graças que, participando da ação de graças de Cristo, deve dar
plenitude a toda a vida: "Por tudo dai graças (1Ts 5,18).
2649 A oração de louvor, totalmente desinteressada, dirige-se a Deus. Canta-o pelo que
Ele; dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele É.CAPÍTULO II
A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO
2650 A oração não se reduz ao surgir espontâneo de um impulso interior; para rezar é
preciso querer. Não basta saber o que as Escrituras revelam sobre a oração; também é
indispensável aprender a rezar. E é por uma transmissão viva (a sagrada Tradição) que o Espírito
Santo, na "Igreja crente e orante", ensina os filhos de Deus a rezar.
2651 A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé,
sobretudo pela contemplação e pelo estudo dos difíceis, que guardam em seu coração os
acontecimentos e as palavras da Economia da salvação, e pela penetração profunda das
realidades espirituais que eles experimentam.
ARTIGO 1
NAS FONTES DA ORAÇÃO
2652 O[§5] Espírito Santo é "a água viva" que, no coração orante, “jorra para a Vida
eterna[a6] ". É Ele que nos ensina a haurir essa água na própria fonte: Cristo. Ora, existem na vida
cristã fontes em que Cristo nos espera para nos dessedentar com o Espírito Santo.
A PALAVRA DE DEUS
2653 A [§7] Igreja "exorta todos os fiéis cristãos, com veemência e de modo peculiar... a
que pela freqüente leitura das divinas Escrituras aprendam 'a eminente ciência de Jesus Cristo'
Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração,
a fim de que se estabeleça o colóquio entre Deus e o homem; pois 'a Ele falamos quando
rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos[a8] ”.
2654 Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7,7, resumem assim as disposições do
coração alimentado pela Palavra de Deus na oração: "Procurai pela leitura, e encontrareis
medi-tando; batei orando, e vos será aberto pela contemplação[a9] "
A LITURGIA DA IGREJA
2655 A [§10] missão de Cristo e do Espírito Santo, que, na liturgia sacramental da Igreja,
anuncia, atualiza e comunica o Mistério da salvação, prolonga-se no coração de quem reza. Os
Padres espi-rituais comparam às vezes o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a
Liturgia durante e após sua celebração. Mesmo quando é vivida "no segredo" (Mt 6,6), a oração
é sem-pre oração da Igreja, comunhão com a Santíssima Trindade[a11] .
AS VIRTUDES TEOLOGAIS
2656 Entramos na oração como entramos na Liturgia: pela porta estreita da fé. Por meio
dos sinais de sua Presença, procuramos e desejamos a Face do Senhor, e é sua Palavra que
que-remos ouvir e guardar.
2657 O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a Liturgia na expectativa da volta de
Cristo, nos educa a orar na esperança. Por sua vez, a oração da Igreja e a oração pessoal
alimentam em nós a esperança. Especialmente os salmos, com sua linguagem concreta e
variada, nos ensinam a fixar nossa esperança em Deus: "Esperei ansiosamente pelo Senhor, Ele se
inclinou para mim e ouviu o meu grito" (Sl ,2). "Que o Deus da esperança vos cumule de toda alegria e paz em vossa fé, a fim de que pela ação do Espírito Santo a vossa esperança
transborde" (Rm 15,13).
2658 "A [§13] esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em
nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado" (Rm 5,5). A oração, formada pela vida
litúrgica, tudo haure do Amor com que somos amados em Cristo e que nos concede responderlhe, amando como Ele nos amou. O Amor é a fonte de oração; quem dela bebe atinge o cume
da oração: Meu Deus, eu vos amo, e meu único desejo é amar-vos até o último suspiro de minha
vida. Meu Deus infinitamente amável, eu vos amo e preferiria morrer amando-vos a viver sem vos
amar. Senhor, eu vos amo, e a única graça que vos peço é amar--vos eternamente... Meu Deus,
se minha língua não pode dizer a cada instante que eu vos amo, quero que meu coração vo-lo
repita tantas vezes quantas eu respiro[a14] .
"HOJE"
2659 Aprendemos [§15] a rezar em certos momentos ouvindo a Pa-lavra do Senhor e
participando de seu Mistério pascal, mas é em todos os tempos, nos acontecimentos de cada
dia, que seu Espírito nos é oferecido para fazer jorrar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a
oração a nosso Pai está na mesma linha que o ensinamento sobre a Providência[a16] . O tempo
está nas mãos do Pai; no presente é que nós o encontramos, nem ontem, nem amanhã, mas
hoje: "Oxalá ouvísseis hoje a sua voz! Não endureçais vossos corações" (Sl 95,8).
2660 Orar [§17] nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos
do Reino revelados aos "pequeninos", aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. E
justo e bom orar para que a vinda do Reino de justiça e de paz influa na marcha da história, mas
é também importante modelar pela oração a massa das humildes situações do cotidiano. Todas
as formas de oração podem ser esse fermento ao qual o Senhor compara o Reino[a18] .
RESUMINDO
2661 É por uma transmissão viva, a Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos
de Deus a orar.
2662 A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, esperança e caridade são
fontes da oração.
ARTIGO 2
O CAMINHO DA ORAÇÃO
2663 Na [§19] tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos fiéis, segundo o contexto
histórico, social e cultural, a linguagem de Jesus na sua oração: palavras, melodias, gestos,
iconografia. Cabe ao Magistério [a20] discernir a fidelidade desses caminhos de oração à
tradição da fé apostólica, e compete aos pastores e aos catequistas explicar seu sentido,
sempre relacionado com Jesus Cristo.
A ORAÇÃO AO PAI
2664 Não [§21] existe outro caminho da oração cristã senão Cristo. Seja a nossa oração
comunitária ou pessoal, vocal ou interior, ela só tem acesso ao Pai se orarmos "em nome" de
Jesus. A santa humanidade de Jesus é, portanto, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina
a orar a Deus, nosso Pai.A ORAÇÃO A JESUS
2665 A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus, e a celebração da Liturgia
nos ensinam a orar ao Senhor Jesus. Ainda que seja dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas
as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo. Certos Salmos, conforme sua
atualização na Oração da Igreja, e o Novo Testamento põem em nossos lábios e gravam em
nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor,
Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho bem-amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida,
nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens...
2666 Mas [§23] o Nome que contém tudo é o que o Filho de Deus recebe em sua
Encarnação: JESUS. O Nome divino é indizível pelos lábios humanos [a24] , mas, assumindo nossa
humanidade, o Verbo de Deus no-lo entrega e podemos invocá-lo: “Jesus", Javé salva'[a25] . O
Nome de Jesus contém tudo: Deus e homem e toda a economia da criação e da salvação. Orar
a "Jesus" e invocá-lo, chamá-lo em nós. Seu Nome é o único que contém a Presença que
significa. Jesus é Ressuscitado, todo aquele que invoca seu nome acolhe o Filho de Deus que o
amou e por ele se entregou.
2667 Esta invocação de fé muito simples foi desenvolvida na tradição da oração em
várias formas no Oriente e no Ocidente. A formulação mais comum, transmitida pelos monges do
Sinai, da Síria e do monte Athos é a invocação: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade
de nós, pecadores!" Esta associa o hino cristológico de (Fl 2,6-11 com o pedido do publicano e
dos mendigos da luz. Por ela, o coração se põe em consonância com a miséria dos homens e
com a Misericórdia de seu Salvador.
2668 A invocação do santo nome de Jesus é o caminho mais simples oração contínua.
Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, ela não se dispersa numa torrente
de palavras (Mc 6,7), mas "conserva a Palavra e produz fruto pela perseverança. É possível "em
todo tempo", pois não é uma ocupação ao lado de outra, mas a única ocupação, a de amar a
Deus, que anima e transfigura toda ação em Cristo Jesus.
2669 A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, como invoca o seu
Santíssimo nome. Adora o Verbo encamado e seu Coração, que por nosso amor se deixou
traspassar por nossos pecados. A oração cristã gosta de seguir o caminho da cruz (Via-Sacra),
seguindo o Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao Túmulo, marcam o caminho de
Jesus, que resgatou o mundo por sua santa Cruz.
"VINDE, ESPÍRITO SANTO"
2670 "Ninguém pode dizer 'Jesus é Senhor' a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). Cada
vez que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, por sua graça proveniente, nos atrai
ao caminho da oração. Se Ele nos ensina a orar recordando-nos Cristo, como não orar a Ele
mesmo? Por isso, a Igreja nos convida a implorar cada dia o Espírito Santo, sobretudo no início e
no fim de toda ação importante. Se o Espírito não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza
pelo Batismo? E se Ele deve ser adorado, não deve ser o objeto de um culto particular?
2671 A forma tradicional para pedir a vinda do Espírito Santo é invocar o Pai por Cristo,
nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador[a34] . Jesus insiste nesse pedido em seu
nome exata-mente no momento em que promete o dom do Espírito de Verdade[a35] . Mas a
oração mais simples e mais direta é também tradicional: "Vinde, Espírito Santo", e cada tradição
litúrgica a desenvolveu em antífonas e hinos: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de vossos
fiéis e acendei neles o fogo de vosso amor[a36] . Rei celeste, Espírito Consolador, Espírito de
Verdade, presente em toda parte e plenificando tudo, tesouro de todo bem e fonte da Vida,
vinde, habitai em nós, purificai-nos e salvai-nos, ó Vós, que sois bom!
2672 O Espírito Santo, cuja Unção impregna todo o nosso ser, é o Mestre interior da
oração cristã. E o artífice da tradição viva da oração. Sem dúvida, existem tantos caminhos na oração quantos orantes, mas é o mesmo Espírito que atua em todos e com todos. Na comunhão
do Espírito Santo, a oração cristã se torna oração da Igreja.
EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS
2673 Na oração, o Espírito Santo nos une à Pessoa do Filho Único, em sua humanidade
glorificada. Por ela e nela, nossa oração filial entra em comunhão, na Igreja, com a Mãe de
Jesus[a40] .
2674 A partir do consentimento dado na fé por ocasião da Anunciação e mantido sem
hesitação sob a cruz, a maternidade de Maria se estende aos irmãos e às irmãs de seu Filho "que
ainda são peregrinos e expostos aos perigos e às misérias[a42] ”. Jesus, o único Mediador, é o
Caminho de nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele. Maria
"mostra o Caminho" ("Hodoghitria"), é seu "sinal” conforme a iconografia tradicional no Oriente e
no Ocidente.
2675 A partir dessa cooperação singular de Maria com a ação do Espírito Santo, as
Igrejas desenvolveram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na Pessoa de Cristo
manifestada em seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas que exprimem essa oração,
alternam-se geralmente dois movimentos: um "exalta" o Senhor pelas "grandes coisas" que fez
para sua humilde serva e, por meio dela, por todos os seres humanos; o outro confia à Mãe de
Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois ela conhece agora humanidade que nela é
desposada pelo Filho de Deus.
2676 Esse duplo movimento da oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na
oração da Ave-Maria:
"Ave, Maria (alegra-te, Maria)." A saudação do anjo Gabriel abre a oração da Ave-Maria.
E o próprio Deus que, por intermédio de seu anjo, saúda Maria. Nossa oração ousa retomar a
saudação de Maria com o olhar que Deus lançou sobre sua humilde serva, alegrando-nos com a
mesma alegria que Deus encontra nela.
"Cheia de graça, o Senhor é convosco." As duas palavras de saudação do anjo se
esclarecem mutuamente. Maria é cheia de graça porque o Senhor está com ela. A graça com
que ela é cumulada é a presença daquele que é a fonte de toda graça. "Alegra-te, filha de
Jerusalém... o Senhor está no meio de ti" (Sf 3,14.17a). Maria, em quem vem habitar o próprio
Senhor, é em pessoa a filha de Sião, a Arca da Aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor:
ela é "a morada de Deus entre os homens" (Ap 21,3). "Cheia de graça", e toda dedicada àquele
que nela vem habitar e que ela vai dar ao mundo.
"Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus." Depois da
saudação do anjo, tornamos nossa a palavra de Isabel. "Repleta do Espírito Santo" (Lc 1,41),
Isabel é a primeira na longa série das gerações que declaram Maria bem-aventurada[a49] : "Feliz
aquela que creu..." (Lc 1,45): Maria é "bendita entre as mulheres" porque acreditou na realização
da palavra do Senhor. Abraão, por sua fé, se tomou uma bênção para "todas as nações da
terra" (Gn 12,3). Por sua fé, Maria se tomou a mãe dos que crêem, porque, graças a ela, todas as
nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: "Bendito é o fruto do vosso
ventre, Jesus".
2677 "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós..." Com Isabel também nós nos admiramos:
"Donde me vem que a mãe de meu Senhor me visite?" (Lc 1,43). Porque nos dá Jesus, seu filho,
Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos lhe confiar todos os nossos cuidados e pedidos: ela
reza por nós como rezou por si mesma: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com ela à vontade de Deus: "Seja feita a vossa
vontade".
"Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte." Pedindo a Maria que reze
por nós, reconhecemo-nos como pobres pecadores e nos dirigimos à "Mãe de misericórdia", à
Toda Santa. Entregamo-nos a ela "agora", no hoje de nossas vidas. E nossa confiança aumenta para desde já entregar em suas mãos "a hora de nossa morte". Que ela esteja então presente,
como na morte na Cruz de seu Filho, e que na hora de nossa passagem ela nos acolha como
nossa Mãe, para nos conduzir a seu Filho, Jesus, no Paraíso.
2678 A piedade medieval do Ocidente desenvolveu a oração do Rosário como
alternativa popular à Oração das Horas. No Oriente, a forma litânica da oração "Acatisto" e da
Paráclise ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições
armênia, copta e siríaca preferiram os hinos e os cânticos populares à Mãe de Deus. Mas na AveMaria, nos "theotokia", nos hinos de Sto. Efrém ou de S. Gregório de Narek, a tradição da oração
é fundamentalmente a mesma.
2679 Maria é a Orante perfeita, figura da Igreja. Quando rezamos a ela, aderimos com ela
ao plano do Pai, que envia seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo bem-amado,
acolhemos em nossa casa [a55] a Mãe de Jesus, que se tornou a mãe de todos os vivos.
Podemos rezar com ela e a ela. A oração da Igreja é acompanhada pela oração de Maria, que
lhe está unida na esperança[a56] .
RESUMINDO
2680 A oração é dirigida sobretudo ao Pai; também é dirigida ~ Jesus, sobretudo pela
invocação de seu santo nome: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós,
pecadores!"
2681 "Ninguém pode dizer: 'Jesus é Senhor', a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). A
Igreja nos convida a invocar o Espírito Santo como o Mestre interior da oração cristã.
2682 Em virtude da cooperação singular da Virgem Maria com a ação do Espírito Santo, a
Igreja gosta de rezar em comunhão com ela, para exaltar com ela as grandes coisas que Deus
realizou nela e para confiar-lhe súplicas e louvores.
ARTIGO 3
GUIAS PARA A ORAÇÃO
UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS
2683 As testemunhas que nos precederam no Reino[a58] , especialmente as que a Igreja
reconhece como "santos", participam da tradição viva da oração pelo exemplo modelar de sua
vida, pela transmissão de seus escritos e por sua oração hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e
não deixam de velar por aqueles que deixaram na terra. Entrando "na alegria" do Mestre, eles
foram "postos sobre o muito". Sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao plano de
Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e pelo mundo inteiro.
2684 Na [§60] comunhão dos santos, desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas,
diversas espiritualidades. O carisma pessoal de uma testemunha do Amor de Deus aos homens
pôde ser transmitido, como "o espírito" de Elias a Eliseu” e a João Batista, para que alguns
discípulos tenham parte nesse espírito . Há uma espiritualidade igualmente na confluência de
outras correntes, litúrgicas e teológicas, atestando a inculturação da fé num meio humano e em
sua história. As espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são guias
indispensáveis para os fiéis, refletindo, em sua rica diversidade, a pura e única Luz do Espírito
Santo. O Espírito é de fato o lugar dos santos, e o santo é para o Espírito um lugar próprio, pois se
oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo.
SERVIDORES DA ORAÇÃO2685 A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada sobre o
sacramento do matrimônio, ela é "a Igreja doméstica", onde os filhos de Deus aprendem a orar
"como Igreja" e a perseverar na oração. Para as crianças, particularmente, a oração familiar
cotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja reavivada pacientemente pelo
Espírito Santo.
2686 Os ministros ordenados também são responsáveis pela formação para a oração de
seus irmãos e irmãs em Cristo. Servidores do bom Pastor que são, eles são ordenados para guiar o
povo de Deus às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o Hoje de
Deus nas situações concretas.
2687 Muitos religiosos consagraram toda a vida à oração. Desde o deserto do Egito,
eremitas, monges e monjas consagraram seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão por seu
povo. A vida consagrada não se mantém e não se propaga sem a oração; esta é uma das
fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.
2688 A catequese das crianças, dos jovens e adultos procura fazer com que a Palavra de
Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo
tempo, a fim de produzir seu fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que
a piedade popular pode ser avaliada e educada. A memorização das orações fundamentais
oferece um apoio indispensável à vida de oração, mas importa grandemente fazer com que
saboreie o sentido das mesmas.
2689 Os grupos de oração, e mesmo as "escolas de oração", são hoje um dos sinais e
molas da renovação da oração na Igreja, contanto que se beba nas fontes autênticas da
oração cristã. O cuidado com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.
2690 O Espírito Santo dá a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento em vista
do bem comum que é a oração (direção espiritual). Aqueles e aquelas que têm esses dons são
verdadeiros servidores da tradição viva da oração: Por isso, se a alma deseja avançar na
perfeição, conforme o conselho de S. João da Cruz, deve "considerar bem em que mãos se
entrega, pois, conforme o mestre, assim será o discípulo; conforme o pai, assim será o filho". E
ainda: "O diretor deve não somente ser sábio e prudente, mas também experimentado... Se o
guia espiritual não tem a experiência da vida espiritual, é incapaz de nela conduzir as almas que
Deus chama, e nem sequer as compreenderá".
LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO
2691 A Igreja, casa de Deus, é o lugar próprio para a oração litúrgica da comunidade
paroquial. E também o lugar privilegiado da adoração da presença real de Cristo no Santíssimo
Sacramento. A escolha de um lugar favorável é importante para a verdade da oração:
ü para a oração pessoal, pode ser um "recanto de oração", com as Sagradas Escrituras
e imagens sagradas, para aí estar "no segredo" diante do Pai. Numa família cristã, essa espécie
de peque no oratório favorece a oração em comum;
ü nas regiões onde existem mosteiros, a vocação dessas comunidades é favorecer a
partilha da Oração das Horas com os fiéis e permitir a solidão necessária a uma oração pessoal
mais intensa;
ü as peregrinações evocam nossa caminhada pela terra em direção ao céu. São
tradicionalmente tempos fortes de renovação da oração. Os santuários são para os peregrinos,
em busca de suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver "como Igreja" as formas da
oração cristã.
RESUMINDO
2692 Na oração, a Igreja peregrina é associada à dos santos, cuja intercessão solicita.2693 As diferentes espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são
guias preciosos para a vida espiritual.
2694 A família cristã é o primeiro lugar da educação à oração.
2695 Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração e a
"direção espiritual" garantem na Igreja uma ajuda à oração.
2696 Os lugares mais favoráveis à oração são o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros,
os santuários de peregrinações e, sobretudo, a igreja, que é lugar próprio da oração litúrgica
para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.
CAPÍTULO III.
A VIDA DE ORAÇÃO
2697 A oração é a vida do coração novo e deve nos animar a cada momento. Nós,
porém, esquecemo-nos daquele que é nossa Vida e nosso Tudo. Por isso os Padres espirituais, na
tradição do Deuteronômio e dos profetas, insistem na oração como "recordação de Deus",
como um despertar freqüente da "memória do coração": "E preciso se lembrar de Deus com mais
freqüência do que se respira". Mas não se pode orar "sempre", se não se reza em certos
momentos, por decisão própria: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e
duração.
2698 A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a nutrir a oração
continua. Alguns são cotidianos: a oração da manhã e da tarde, antes e depois das refeições, a
Liturgia das Horas. O domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração.
O ciclo do ano litúrgico e suas grandes festas são os ritmos fundamentais da vida de oração dos
cristãos.
2699 O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e na maneira que lhe agradam.
Cada fiel responde ao Senhor segundo a determinação de seu coração e as expressões pessoais
de sua oração. Entretanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de
oração: a oração vocal, a meditação, a oração contemplativa. Uma característica
fundamental lhes é comum: o recolhimento do coração. Esta vigilância em guardar a Palavra e
em permanecer na presença de Deus faz dessas três expressões tempos fortes da vida de
oração.
ARTIGO 1
AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO
I. A ORAÇÃO VOCAL
2700 Deus fala ao homem por sua Palavra. É por palavras, mentais ou vocais, que nossa
oração cresce. Mas o mais importante é a presença do coração naquele a quem falamos na
oração. "Que a nossa oração seja ouvida depende não da quantidade das palavras, mas do
fervor de nossas almas."
2701 A oração vocal é um dado indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela
oração silenciosa do Mestre, este ensina uma oração vocal: o "Pai-Nosso". Jesus não só rezou as
orações litúrgicas da sinagoga; os Evangelhos O mostram elevando a voz para exprimir sua
oração pessoal, da bênção exultante do Pai até a angústia do Getsêmani.2702 Essa necessidade de associar os sentidos à oração interior responde a uma exigência
de nossa natureza humana. Somos corpo e espírito, e sentimos a necessidade de traduzir
exteriormente nossos sentimentos. É preciso rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica
todo o poder possível.
2703 Essa necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura
adoradores em Espírito e Verdade e, por conseguinte, a oração que sobe viva das profundezas
da alma. Ele também quer a expressão exterior que associa o corpo à oração interior, pois ela
Lhe traz esta homenagem perfeita de tudo aquilo a que Ele tem direito.
2704 Sendo exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é por excelência a
oração das multidões. Mas também a oração mais interior não pode menosprezar a oração
vocal. A oração se torna interior na medida em que tomamos consciência daquele "com quem
falamos[". Então a oração vocal é uma primeira forma da oração contemplativa.
II. A MEDITAÇÃO
2705 A meditação é sobretudo uma procura. O espírito procura compreender o porquê
e o como da vida cristã, a fim de aderir e responder ao que o Senhor pede. Para tanto, é
indispensável uma atenção difícil de ser disciplinada. Geralmente, utiliza-se um livro, e os cristãos
dispõem de muitos: as Sagradas Escrituras, especialmente o Evangelho, as imagens sacras, os
textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade,
o grande livro da criação e o da história, a página do "Hoje" de Deus.
2706 Meditando no que lê, o leitor se apropria do conteúdo lido, confrontando-o consigo
mesmo. Neste particular, outro livro está aberto: o da vida. Passamos dos pensamentos à
realidade. Conduzidos pela humildade e pela fé, descobrimos os movimentos que agitam o
coração e podemos discerni-los. Trata-se de fazer a verdade para se chegar à luz: "Senhor, que
queres que eu faça?"
2707 Os métodos de meditação são tão diversos quanto os mestres espirituais. Um cristão
deve querer meditar regularmente. Caso contrario, assemelha-se aos três primeiros terrenos da
parábola do semeador[a90] . Mas um método é apenas um guia; o importante é avançar, com
o Espírito Santo, pelo único caminho da oração: Jesus Cristo.
2708 A meditação mobiliza o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Essa
mobilização é necessária para aprofundar as convicções de fé, suscitar a conversão do coração
e fortificar a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã procura meditar de preferência "os
mistérios de Cristo", como na "lectio (leitura) divina" ou no Rosário. Esta forma de reflexão orante é
de grande valor, mas a oração cristã deve procurar ir mais longe: ao conhecimento de amor do
Senhor Jesus, à união com Ele.
III. A ORAÇÃO MENTAL
2709 O que é a oração mental? Sta. Teresa responde: "A oração mental, a meu ver, é
apenas um relacionamento íntimo de amizade em que conversamos muitas vezes a sós com
esse Deus por quem nos sabemos amados". A oração mental busca "aquele que meu coração
ama". É Jesus e, nele, o Pai. Ele é procurado porque desejá-lo é sempre o começo do amor, e é
procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Na oração, podemos ainda
meditar; contudo, o olhar se fixa no Senhor.
2710 A escolha do tempo e da duração da oração mental depende de uma vontade
determinada, reveladora dos segredos do coração. Não fazemos oração quando temos tempo:
reservamos um tempo para sermos do Senhor, com a firme determinação de, durante o
caminho, não o tomarmos de volta enquanto caminhamos, quaisquer que sejam as provações e
a aridez do encontro. Nem sempre se pode meditar, mas sempre se pode estar em oração, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O coração é o lugar da
busca e do encontro, na pobreza e na fé.
2711 Entrar em oração é algo análogo ao que ocorre na Liturgia Eucarística: reunir" o
coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na morada do Senhor
(e esta morada somos nós), despertar a fé, para entrar na Presença daquele que nos espera,
fazer cair nossas máscaras e voltar nosso coração para o Senhor que nos ama, a fim de nos 0
entregar a Ele como uma oferenda que precisa ser purificada e transformada.
2712 A oração é a prece do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em
acolher o amor com que é amado e que quer responder-lhe amando mais ainda. Esse pecador
perdoado sabe, porém, que o amor com que responde é precisamente o que o Espírito derrama
em seu coração, pois tudo é graça da parte de Deus. A oração é a entrega humilde e pobre à
vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com seu Filho bem-amado.
2713 Dessa forma, a oração mental é a expressão mais simples do mistério da prece. A
oração é um dom, uma graça; não pode ser acolhida senão na humildade e na pobreza. A
oração é uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo de nosso ser. A oração é
comunhão: a Santíssima Trindade, nesta relação, conforma o homem, imagem de Deus, "a sua
semelhança".
2714 A oração mental é também um tempo forte por excelência da prece. Na oração,
o Pai nos "arma de poder por seu Espírito, para que se fortifique em nós o homem interior, para
que Cristo habite em nossos corações pela fé e sejamos arraigados e fundados no amor".
2715 A contemplação é olhar de fé fito em Jesus. "Eu olho para Ele e Ele olha para mim",
dizia, no tempo de seu santo pároco, o camponês de Ars em oração diante do Tabernáculo .
Essa atenção a Ele é renúncia ao "eu". Seu olhar purifica o coração; A luz do olhar de Jesus
ilumina os olhos de nosso coração; ensina-nos a ver tudo na luz de sua verdade e de sua
compaixão por todos os homens. A contemplação considera também os mistérios da vida de
Cristo, proporcionando-nos "o conhecimento íntimo do Senhor", para mais O amar e seguir
2716 A oração mental é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, essa escuta é
a obediência da fé, acolhida incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do
"sim" do Filho que se tornou Servo e do "Fiat" de sua humilde serva.
2717 A oração mental é silêncio, este "símbolo do mundo que vem ou "amor silencioso. As
palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o fogo do amor. É neste
silêncio, insuportável ao homem "exterior", que o Pai nos diz seu Verbo encarnado, sofredor,
morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar na oração de Jesus.
2718 A oração mental é união â prece de Cristo na medida em nos faz participar de seu
Mistério. O Mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia, e o Espírito o faz viver na
oração para que esse Mistério seja manifestado pela caridade em ato.
2719 A oração mental é uma comunhão de amor portadora de Vida para a multidão,
na medida em que ela é consentimento a habitar na noite da fé. A Noite pascal da Ressurreição
passa pela da agonia e do túmulo. São esses três tempos fortes da Hora de Jesus que, seu Espírito
(e não a "carne, que é fraca") faz viver na oração. E preciso consentir em "vigiar uma hora com
ele".
RESUMINDO
2720 A Igreja convida os fiéis a uma oração regular: orações diárias, Liturgia das Horas,
Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.
2721 A tradição cristã compreende três expressões maiores da vida de oração: a oração
vocal, a meditação e a oração mental. Estas têm em comum o recolhimento do coração.2722 A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana,
associa o corpo á oração interior do coração, a exemplo de Cristo, que reza a seu Pai e ensina o
"Pai-Nosso" a seus discípulos.
2723 A meditação é uma busca orante que põe em ação o pensamento, a imaginação,
a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do assunto meditado,
confrontado com a realidade de nossa vida.
2724 A oração mental é a expressão simples do mistério da oração. E um olhar de fé fito
em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um silencioso amor. Realiza a união à oração de
Cristo na medida em que nos faz participar de seu Mistério.
ARTIGO 2
O COMBATE DA ORAÇÃO
2725 A oração é um dom da graça e uma resposta decidida de nossa parte. Supõe
sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, como também a Mãe
de Deus e os santos com Ele, nos ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós
mesmos e contra os embustes do Tentador, que tudo faz para desviar o homem da oração, da
união com seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não quisermos
habitualmente agir segundo o Espírito de Cristo, também não poderemos habitualmente rezar
em seu Nome. O "combate espiritual" da vida nova do cristão é inseparável do combate da
oração.
I. AS OBJEÇÕES À ORAÇÃO
2726 No combate da oração, devemos enfrentar, em nós mesmos e à nossa volta,
concepções errôneas da oração. Algumas vêem nela uma simples operação psicológica;
outras, um esforço de concentração para se chegar ao vazio mental. Algumas a codificam em
atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação
incompatível com tudo o que eles devem fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus pela
oração desanimam depressa, porque ignoram que a oração também procede do Espírito Santo
e não apenas deles.
2727 Devemos também enfrentar mentalidades "deste mundo" que nos contaminam se
não formos vigilantes, por exemplo: a afirmação de que o verdadeiro seria apenas o que é
verificado pela razão e pela ciência (rezar, pelo contrário, é um mistério que ultrapassa nossa
consciência e nosso inconsciente); os valores de produção e rendimento (a oração, sendo
improdutiva, é inútil); o sensualismo e o bem-estar material, considerados como critério da
verdade, do bem e da beleza (a oração, porém, "amor da Beleza" [filocalia, é enamorada da
glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação contra o ativismo, a oração é apresentada como
fuga do mundo (a oração cristã, no entanto, não é um sair da história nem está divorciada da
vida).
2728 Enfim, nosso combate deve enfrentar aquilo que sentimos como nossos fracassos na
oração: desânimo diante de nossa aridez, tristeza por não ter dado tudo ao Senhor, por ter
''muitos bens", decepção por não ser atendidos segundo nossa vontade própria, insulto ao nosso
orgulho (o qual não aceita nossa indignidade de pecadores), alergia à gratuidade da oração
etc. A conclusão é sempre a mesma: para que rezar? Para superar esses obstáculos é preciso
lutar para ter a humildade, a confiança, a perseverança.
II. A HUMILDE VIGILÂNCIA DO CORAÇÃODIANTE DAS DIFICULDADES DA ORAÇÃO
2729 A dificuldade comum de nossa oração é a distração. Esta pode referir-se às palavras
e ao seu sentido, na oração vocal. Pode, porém, referir-se mais profundamente àquele a quem
oramos, na oração vocal (1itúrgica ou pessoal), na meditação e na oração mental. Perseguir
obsessivamente as distrações seria cair em suas armadilhas, já que e suficiente o voltar ao nosso
coração: uma distração nos revela aquilo a que estamos amarrados, e essa tomada de
consciência humilde diante do Senhor deve despertar nosso amor preferencial por Ele,
oferecendo-lhe resolutamente nosso coração, para que Ele o purifique. Aí se situa o combate: a
escolha do Senhor a quem servir.
2730 Positivamente, o combate contra nosso "eu" possessivo e dominador é a vigilância, a
sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, ela está sempre relacionada com
Ele, com sua vinda, com o último dia e com cada dia: "hoje". O Esposo vem no meio da noite; a
luz que não deve ser extinta é a da fé: "Meu coração diz a teu respeito: 'Procurai a sua face"' (Sl
27,8).
2731 Outra dificuldade, especialmente para aqueles que querem sinceramente orar, é a
aridez. Esta acontece na oração, quando o coração está desanimado, sem gosto com relação
aos pensamentos, às lembranças e aos sentimentos, mesmo espirituais. E o momento da fé pura
que se mantém fielmente com Jesus na agonia e no túmulo. "Se o grão de trigo que cai na terra
morrer, produzirá muito fruto" (Jo 12,24). Se a aridez é causada pela falta de raiz, porque a
Palavra caiu sobre as pedras, o combate deve ir na linha da conversão.
DIANTE DAS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO
2732 A tentação mais comum, mais oculta, é nossa falta de fé, que se exprime não tanto
por uma incredulidade declarada quanto por uma opção de fato. Quando começamos a orar,
mil trabalhos ou cuidados, julgados urgentes, apresentam-se como prioritários; de novo, é o
momento da verdade do coração e de seu amor preferencial. Com efeito, voltamo-nos para o
Senhor como o último recurso: mas de fato acreditamos nisso? As vezes tomamos o Senhor como
aliado, mas o coração ainda está na presunção. Em todos os casos, nossa falta de fé revela que
não estamos ainda na disposição do coração humilde: "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5).
2733 Outra tentação, cuja porta é aberta pela presunção, é a acídia (chamada também
"preguiça"). Os Padres espirituais entendem esta palavra como uma forma de depressão devida
ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. "O espírito
está pronto, mas a carne é fraca" (Mt 26,). Quanto mais alto se sobe, tanto maior a queda. O
desânimo doloroso é o inverso da presunção. Quem é humilde não se surpreende com sua
miséria Passa então a ter mais confiança, a perseverar na constância.
III. A CONFIANÇA FILIAL
2734 A confiança filial é experimentada - e se prova - na tribulação[a123] . A dificuldade
principal se refere à oração de súplica por si ou pelos outros, na intercessão. Alguns deixam até
de orar porque, pensam eles, seu pedido não é ouvido. Aqui surgem duas questões: por que
pensamos que nosso pedido não foi ouvido? De que maneira é atendida, ou é "eficaz", nossa
oração?
POR QUE NOS LAMENTAR POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?
2735 Um fato deveria provocar admiração em nós. Quando louvamos a Deus ou lhe
damos graças pelos benefícios em geral, pouco nos preocupamos em saber se nossa oração lhe
é agradável. Em compensação, temos a pretensão de ver o resultado de nosso pedido. Qual é, pois, a imagem de Deus que nos motiva à oração? Um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo?
2736 Estamos acaso convencidos de que "nem sabemos o que convém pedir" (Rm
8,26)? Pedimos a Deus "os bens convenientes"? Nosso Pai sabe do que precisamos, antes de lho
pedirmos, mas espera nosso pedido porque a dignidade de seus filhos está precisamente em sua
liberdade. Mas é preciso rezar com seu Espírito de liberdade para poder conhecer na verdade o
seu desejo.
2737 "Não possuís porque não pedis. Pedis, mas não recebeis, porque pedis mal, com o
fim de gastardes nos vossos prazeres" (Tg 4,2-3). Se pedimos com um coração dividido, "adúltero"
Deus não nos pode ouvir, porque deseja nosso bem, nossa vida. "Ou julgais que é em vão que a
Escritura diz: Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós (Tg 4,5)?" Nosso Deus é
"ciumento" de nós, o que é o sinal da verdade de seu amor. Entremos no desejo de seu Espírito e
seremos ouvidos: Não te aflijas se não recebes imediatamente de Deus o que lhe pedes: pois Ele
quer fazer-te um bem ainda maior por tua perseverança em permanecer com Ele na oração. Ele
quer que nosso desejo seja provado na oração. Assim Ele nos prepara para receber aquilo que
Ele está pronto a nos dar.
DE QUE MANEIRA É EFICAZ NOSSA ORAÇÃO?
2738 A revelação da oração na economia da salvação nos ensina que a fé se apóia na
ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada por sua ação por excelência: a Paixão e
a Ressurreição de seu Filho. A oração cristã é cooperação com sua Providência, com seu plano
de amor para os homens.
2739 Em S. Paulo, esta confiança é audaciosa, fundada na oração do Espírito em nós e
no amor fiel do Pai, que nos deu seu Filho único. A transformação do coração que reza é a
primeira resposta a nosso pedido.
2740 A oração de Jesus faz da oração cristã uma súplica eficaz. É Ele o seu modelo.
Jesus reza em nos e conosco. Já que o coração do Filho não busca senão o que agrada ao Pai,
como haveria (o coração dos filhos adotivos) de apegar-se mais aos dons do que ao Doador?
2741 Jesus também reza por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos
pedidos foram recolhidos uma vez por todas em seu Grito na Cruz e ouvidos pelo Pai em sua
Ressurreição, e por isso Ele não deixa de interceder por nós junto do Pai. Se nossa oração está
resolutamente unida à de Jesus, na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedimos
em seu nome; bem mais do que pequenos favores, receberemos o próprio Espírito Santo, que
possui todos os dons.
IV. PERSEVERAR NO AMOR
2742 “Orai sem cessar" (1 Ts 5,17), "sempre e por tudo dando graças a Deus Pai, em nome
de nosso Senhor, Jesus Cristo" (Ef 5,20), "com orações e súplicas de toda sorte, orai em todo
tempo, no Espírito e, para isso, vigiai com toda perseverança e súplica por todos os santos" (Ef
6,18). "Não nos foi prescrito que trabalhemos, vigiemos e jejuemos constantemente, enquanto,
para nós, é lei rezar sem cessar." Esse ardor incansável só pode provir do amor. Contra nossa
pesada lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e
perseverante. Esse amor abre nossos corações para três evidências de fé, luminosas e
vivificantes:
2743 Orar é sempre possível: o tempo do cristão é o de Cristo ressuscitado que "esta
conosco todos os dias" (Mt 28,20), apesar de todas as tempestades. Nosso tempo está nas mãos
de Deus: É possível até no mercado ou num passeio solitário fazer uma oração freqüente e
fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo, ou mesmo cozinhando.2744 Orar é uma necessidade vital. A prova contrária não é menos convincente: se não
nos deixarmos levar pelo Espírito, cairemos de novo na escravidão do pecado. Como o Espírito
Santo pode ser "nossa Vida", se nosso coração está longe dele? Nada se compara em valor à
oração; ela toma possível o que é impossível, fácil o que é difícil. E impossível que caia em
pecado o homem que reza.
QUEM REZA CERTAMENTE SE SALVA; QUEM NÃO REZA CERTAMENTE SE CONDENA[A145] .
2745 Oração e vida cristãs são inseparáveis, pois se trata do mesmo amor e da mesma
renúncia que procede do amor. Trata-se da mesma conformidade filial e amorosa ao plano de
amor do Pai; da mesma união transformadora no Espírito Santo, a qual nos conforma sempre
mais a Cristo Jesus; trata-se do mesmo amor por todos os homens, aquele amor com que Jesus
nos amou. "Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome Ele vos dará. Isto vos mando: amai-vos
uns aos outros" (Jo 15,16-17).
Ora sem cessar aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Somente dessa
forma podemos considerar como realizável o principio de orar sem cessar.
V. A ORAÇÃO DA HORA DE JESUS
2746 Quando chega sua Hora, Jesus ora ao Pai. Sua oração, a mais longa transmitida
pelo Evangelho, abarca toda a economia da criação e da salvação, como sua Morte e
Ressurreição. A oração da Hora de Jesus é sempre a sua, assim como sua Páscoa, acontecida
"uma vez por todas", estará sempre presente na Liturgia de sua Igreja.
2747 A tradição cristã a chama com toda propriedade a oração "sacerdotal" de Jesus. E
a oração de nosso Sumo Sacerdote, inseparável de seu Sacrifício, de sua "passagem" [páscoa]
para o Pai, onde Ele é "consagrado" inteiramente ao Pai.
2748 Nessa oração pascal, sacrifical, tudo é "recapitulado" nele: Deus e o mundo, o
Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o trai, os
discípulos presentes e aqueles que crerão nele por meio da palavra deles, a humilhação e a
glória. E a oração da Unidade.
2749 Jesus realizou toda a obra do Pai, e sua oração, como seu Sacrifício, se estende até
a consumação dos tempos. A oração da Hora enche os últimos tempos e os leva até sua
consumação. Jesus, o Filho a quem o Pai deu tudo, está todo entregue ao Pai e, ao mesmo
tempo, se exprime com uma liberdade soberana, em virtude do poder que o Pai lhe deu sobre
toda carne. O Filho, que se tomou Servo, é o Senhor, o Pantocrátor (o Todo-Poderoso). Nosso
Sumo Sacerdote, que por nós reza é também aquele que ora em nós e o Deus que nos ouve.
2750 E entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, interiormente, a
oração que Ele nos ensina: "Pai nosso!” Sua oração sacerdotal inspira os grandes pedidos do PaiNosso: a solicitude pelo nome do Pai, a paixão por seu Reino (a glória), [a157] o cumprimento da
vontade do Pai, de seu plano de salvação, e a libertação do mal.
2751 Por fim, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o "conhecimento"
indissociável do Pai e do Filho, que é o próprio mistério da Vida de oração.
RESUMINDO.
2752 A oração supõe um esforço e uma luta contra nós mesmos e contra os embustes
do Tentador. O combate da oração é inseparável do "combate espiritual" necessário para agir
habitualmente segundo o Espírito de Cristo: reza-se como se vive, porque se vive como se reza.
2753 No combate da oração devemos enfrentar concepções errôneas, diversas
correntes de mentalidade, a experiência de nossos fracassos. A essas tentações que lançam dúvida sobre a utilidade ou a própria possibilidade da oração convém responder pela
humildade, confiança e perseverança.
2754 As dificuldades principais no exercício da oração são a distração e a aridez. O
remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.
2755 Duas tentações freqüentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acídia, que é
uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, que leva ao desânimo.
2756 A confiança filial é posta â prova quando temos o sentimento de não ser sempre
ouvidos. O Evangelho nos convida a nos interrogar sobre a conformidade de nossa oração com
o de-sejo do Espírito.
2757 "Orai sem cessar" (1 Ts 5,17). Rezar sempre é possível. É mesmo uma necessidade
vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.
2758 A oração da Hora de Jesus, chamada com propriedade "oração sacerdotal,
recapitula toda a Economia da criação e da salvação e inspira os grandes pedidos do "PaiNosso".
QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
SEGUNDA SEÇÃO
A ORAÇÃO DO SENHOR: "PAI NOSSO!"
2759 "Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos
pediu-lhe: 'Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos"' (Lc 11,1). E em
resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã
fundamental. S. Lucas traz um texto breve (de cinco pedidos); S. Mateus, uma versão mais
desenvolvi da (de sete pedidos). A tradição litúrgica da Igreja conservou o texto de S. Mateus:
Pai nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso nome;
venha a nós o vosso reino;
seja feita a vossa vontade,
assim na terra como no céu;
pão nosso de cada dia nos dai hoje;
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido;
e não nos deixeis cair em tentação.
mas livrai-nos do mal.
2760 Bem cedo, o uso litúrgico concluiu a Oração do Senhor com uma doxologia. Na
Didaché (8,2): "Pois vosso é o poder e a glória para sempre[a4] ". As Constituições Apostólicas
(7,24,1) acrescentam no começo: “o reino” , e é esta a fórmula conservada hoje na oração
ecumênica. A tradição bizantina, logo em seguida à "glória”, acrescenta "Pai, Filho e Espírito
Santo". O missal romano desdobra o último pedido na perspectiva explícita da expectativa da "bem-aventurada esperança" e da Vinda de Jesus Cristo, nosso Senhor vindo em seguida a
aclamação da assembléia, que retoma a doxologia das Constituições Apostólicas.
ARTIGO 1
"O RESUMO DE TODO O EVANGELHO"
2761 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho." "Depois de nos
ter legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: 'Pedi e vos será dado' (Jo 16,24).
Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas
começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental."
1. NO CENTRO DAS ESCRITURAS
2762 Depois de mostrar como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e
convergem nos pedidos do Pai-Nosso, Sto. Agostinho conclui: Percorrei todas as orações que se
encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja
incluído na oração do Senhor.
2763 Todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os Salmos) se realizam em Cristo. O Evangelho
é esta "Boa nova". Seu primeiro anúncio é resumido por S. Mateus no Sermão da Montanha. Ora,,
a oração ao Nosso Pai encontra-se no centro deste anúncio. E este contexto que ilumina cada
pedido da oração que o Senhor nos deixou:
A Oração dominical é a mais perfeita das orações... Nela, não só pedimos tudo quanto
podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De
modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos.
2764 O Sermão da Montanha é doutrina de vida, a Oração do Senhor é oração, mas em
ambos o Espírito do Senhor dá forma nova aos nossos desejos, isto é, a estas moções interiores
que animam nossa vida. Jesus nos ensina esta vida nova por suas palavras e nos ensina a pedi-la
pela oração. Da retidão de nossa oração dependerá a retidão de nossa vida em Cristo.
II- "A ORAÇÃO DO SENHOR"
2765 A tradicional expressão "Oração dominical" [ou seja, "Oração do Senhor"] significa
que a oração ao nosso Pai nos foi ensinada e dada pelo Senhor Jesus. Esta oração que nos vem
de Jesus é realmente única: ela é "do Senhor". Com efeito, por um lado, mediante as palavras
desta oração, o Filho único nos dá as palavras que o Pai lhe deu; Ele é o Mestre de nossa oração.
Por outro lado, como Verbo encarnado, Ele conhece em seu coração de homem as
necessidades de seus irmãos e irmãs humanos e no-las revela; é o Modelo de nossa oração.
2766 Jesus, no entanto, não nos deixa uma fórmula a ser repetida maquinalmente. Como
vale em relação a toda oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina aos
filhos de Deus como rezar a seu Pai. Jesus nos dá não só as palavras de nossa oração filial, mas
também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós "espírito e vida" (Jo 6,).
Mais ainda: a prova e a possibilidade de nossa oração filial consiste no fato de que o Pai "enviou
aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" ( 4,6). Já que nossa oração
interpreta nossos desejos diante de Deus, é ainda "aquele que perscruta os corações", o Pai,
quem "sabe qual é o desejo do Espírito; pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm
8,27). A oração a Nosso Pai insere-se na missão misteriosa de Filho e do Espírito.
III. A ORAÇÃO DA IGREJA
2767 A Igreja recebeu e viveu desde as origens este dom indissociável das palavras do
Senhor e do Espírito Santo, que a elas dá vida no coração dos crentes. As primeiras comunidades rezam a Oração do Senhor "três vezes ao dia", em lugar das "Dezoito bênçãos" em uso na
piedade judaica.
2768 Segundo a Tradição apostólica, a Oração do Senhor está essencialmente arraigada
na oração litúrgica.
O Senhor nos ensina a rezar nossas orações em comum por todos os nossos irmãos. Pois
não diz "meu Pai" que estás nos céus, mas "nosso" Pai, a fim de que nossa oração seja, com um só
coração e uma só alma, por todo o Corpo da Igreja.
Em todas as tradições litúrgicas, a Oração do Senhor é parte integrante das grandes horas
do Ofício Divino. Mas é sobretudo nos três sacramentos da iniciação cristã que seu caráter
eclesial aparece claramente.
2769 No Batismo e na Confirmação, a entrega ["traditio"] da Oração do Senhor significa o
novo nascimento para a vida divina. Já que a oração cristã consiste em falar a Deus com a
própria Palavra de Deus, os que são "regenerados mediante a Palavra do Deus vivo" (l Pd 1,23)
aprendem a invocar seu Pai mediante a única Palavra que ele sempre atende. E já podem
invocá-lo desde agora, pois o Selo da Unção do Espírito Santo foi-lhes gravado, indelevelmente,
sobre o coração, os ouvidos, os lábios, sobre todo o seu ser filial. É por isso que a maioria dos
comentários patrísticos do Pai-Nosso são dirigidos aos catecúmenos e aos neófitos. Quando a
Igreja reza a Oração do Senhor, é sempre o povo dos "renascidos" que reza e obtém
misericórdia.
2770 Na Liturgia Eucarística, a Oração do Senhor aparece como a oração de toda a
Igreja. Nela revela-se seu sentido pleno e sua eficácia. Situada entre a Anáfora (Oração
eucarística) e a Liturgia da comunhão, ela recapitula por um lado todos os pedidos e
intercessões expressos no movimento da Epiclese e, por outro, bate à porta do Festim do Reino
que a Comunhão sacramental vai antecipar.
2771 Na Eucaristia, a Oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico de seus
pedidos. E a oração própria dos "últimos tempos", dos tempos da salvação que começaram com
a efusão do Espírito Santo e que terminarão com a Volta do Senhor. Os pedidos ao nosso Pai, ao
contrário das orações da Antiga Aliança, apóiam-se sobre o mistério da salvação já realizada,
uma vez por todas, em Cristo crucificado e ressuscitado.
2772 Desta fé inabalável brota a esperança que anima cada um dos sete pedidos. Estes
exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual
"ainda não se manifestou o que nós seremos" (1 Jo 3,2). A Eucaristia e o Pai-Nosso apontam para
a vinda do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26).
RESUMINDO
2773 Atendendo ao pedido de seus discípulos ("Senhor, ensina-nos a orar": Lc 11,1), Jesus
lhes confia a oração cristã fundamental do Pai-Nosso.
2774 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho", "a mais perfeita
das orações" Está no centro das Escrituras.
2775 É chamada "Oração dominical" porque nos vem do Senhor; Jesus, Mestre e Modelo
de nossa oração.
2776 A Oração dominical é a oração da Igreja por excelência. É parte integrante das
grandes Horas do Oficio Divino e dos sacramentos da iniciação cristã: Batismo, Confirmação e
Eucaristia. Integrada na Eucaristia, ela manifesta o caráter "escatológico" de seus pedidos, na
esperança do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26):
ARTIGO 2"PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU"
I. "OUSAR APROXIMAR-NOS COM TODA A CONFIANÇA"
2777 Na liturgia romana, a assembléia eucarística é convidada a rezar o Pai-Nosso com
ousadia filial; as liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: "Ousar com toda a
segurança", "torna-nos dignos de". Diante da sarça ardente, foi dito a Moisés: "Não te aproximes
daqui; tira as sandálias" (Ex 3,5). Este limiar da Santidade divina só Jesus podia transpor, Ele que,
"depois de ter realizado a purificação dos pecados" (Hb 1,3), nos introduz diante da Face do Pai:
"Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu" (Hb 2,13).
A consciência que temos de nossa situação de escravos nos faria desaparecer debaixo
da terra, nossa condição terrestre se reduziria a pó, se a autoridade de nosso Pai e o Espírito de
seu Filho não nos levassem a clamar: "Abba, Pai!" (Rm 8,15)... Quando ousaria a fraqueza de um
mortal chamar a Deus seu Pai, senão apenas quando o íntimo do homem é animado pela Força
do a1to[a32] ?
2778 Esta força do Espírito que nos introduz na Oração do Senhor traduz-se nas liturgias
do Oriente e do Ocidente pela bela expressão tipicamente cristã: "parrhesia", simplicidade sem
rodeios, confiança filial, jovial segurança, audácia humilde, certeza de ser amado.
II. "PAI!"
2779 Antes de fazer nossa esta primeira invocação da Oração do Senhor, convém
purificar humildemente nosso coração de certas imagens falsas a respeito "deste mundo". A
humildade nos faz reconhecer que "ninguém conhece o Pai senão o Filho ele a quem o Filho o
quiser revelar" (Mt 11 ,27), isto e, aos pequeninos" (Mt 11,25). A purificação do coração diz
respeito às imagens paternas ou maternas oriundas de nossa história pessoal e cultural e que
influenciam nossa relação com Deus. Deus nosso Pai transcende as categorias do mundo criado.
Transpor para Ele, ou contra Ele, nossas idéias neste campo seria fabricar ídolos, para adorar ou
para demolir. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou:
A expressão "Deus Pai" nunca fora revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés
perguntou a Deus quem Ele era, ouviu outro nome. A nós este nome foi revelado no Filho, pois
este nome novo implica o nome novo de Pai.
2780 Podemos invocar a Deus como "Pai", porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito
homem e porque seu Espírito no-lo faz conhecer. Aquilo que o homem não pode conceber nem
as potências angélicas podem entrever, isto é, a relação pessoal do Filho com o Pai, eis que o
Espírito do Filho nos faz participar nela (nessa relação pessoal), nós, que cremos que Jesus é o
Cristo e (cremos) que somos nascidos de Deus.
2781 Quando rezamos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com seu Filho, Jesus
Cristo. E então que o conhecemos e o reconhecemos num maravilhamento sempre novo. A
primeira palavra da Oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica.
Pois a Glória de Deus é que nós o reconheçamos como "Pai", Deus verdadeiro. Rendemo-lhe
graças por nos ter revelado seu Nome, por nos ter concedido crer nele e por sermos habitados
por sua Presença.
2782 Podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para sua Vida, adotando-nos
como filhos em seu Filho único: pelo Batismo, Ele nos incorpora no Corpo de seu Cristo e, pela
Unção de seu Espírito, que se derrama da Cabeça para os membros, faz de nós "cristos" (isto é,
"ungidos"). Deus, que nos predestinou à adoção de filhos, tomou-nos conformes ao Corpo
glorioso de Cristo. Doravante, portanto, como participantes do Cristo, vós sois com justa razão
chamados "cristos". O homem novo, renascido e restituído a seu Deus pela graça, diz, antes de
mais nada, "Pai!", porque se tornou filho2783 Assim, portanto, pela Oração do Senhor, somos revelados a nós mesmos ao mesmo
tempo que o Pai nos é revelado: Ó homem, não ousavas levantar teu rosto ao céu, baixav as os
olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os teus pecados te foram
perdoados. De servo mau te tomaste um bom filho... Levanta, pois, os olhos para o Pai que te
resgatou por seu Filho e dize: Pai nosso... Mas não exijas nenhum privilégio. Somente de Cristo Ele
é Pai, de modo especial; para nós é Pai em comum, porque gerou somente a Ele; a nós, ao
invés, Ele nos criou. Dize, portanto, também tu, pela graça: Pai Nosso, a fim de mereceres ser seu
filho.
2784 Este dom gratuito da adoção exige de nossa parte uma conversão contínua e uma
vida nova. Rezar a nosso Pai deve desenvolver em nós, duas disposições fundamentais: O desejo
e a vontade de assemelhar-se a Ele. Criados à sua imagem, é por graça que a semelhança nos
é dada e a ela devemos responder. Quando chamamos a Deus de "nosso Pai", precisamos
lembrar-nos de que devemos comportar-nos como filhos de Deus .
Não podeis chamar de vosso Pai ao Deus de toda bondade, se conservais um coração
cruel e desumano; pois nesse caso já não tendes mais em vós a marca da bondade do Pai
celeste[a49] .
É preciso contemplar sem cessar a beleza do Pai e com ela impregnar nossa alma[a50] .
2785 Um coração humilde e confiante que nos faz "retornar à condição de crianças" (Mt
18,3), porque e aos pequeninos que o Pai se revela (Mt 11,25):
É um olhar sobre Deus tão-somente, um grande fogo de amor.
A alma nele se dissolve e se abisma na santa dileção, e se entretém com Deus como com
seu próprio Pai, bem familiarmente, com ternura de piedade toda particular.
Nosso Pai: este nome suscita em nós, ao mesmo tempo, o amor, a afeição na oração, (...)
e também a esperança de alcançar o que vamos pedir... Com efeito, o que poderia Ele recusar
ao pedido de seus olhos, quando já antes lhes permitiu ser seus filhos.
III. PAI "NOSSO"
2786 Pai "Nosso" refere-se a Deus. De nossa parte, este adjetivo não exprime uma posse,
mas uma relação inteiramente nova com Deus.
2787 Quando dizemos Pai "nosso", reconhecemos primeiramente que todas as suas
promessas de amor anunciadas pelos profetas se cumprem na nova e eterna Aliança em Cristo:
nós nos torna-mos seu Povo e Ele é, doravante, "nosso" Deus. Esta relação nova é uma pertença
mútua dada gratuitamente: é pelo amor e pela fidelidade que devemos responder "à graça e à
verdade" que nos são dadas em Jesus Cristo.
2788 Como a Oração do Senhor é a de seu Povo nos "últimos tempos", este "nosso" exprime
também a certeza de nossa esperança na última promessa de Deus; na Jerusalém nova, dirá Ele
ao vencedor: "Eu serei seu Deus e ele será meu filho" (Ap 21,7).
2789 Rezando ao "nosso" Pai, é ao Pai 4e Nosso Senhor Jesus Cristo que nos dirigimos
pessoalmente. Não dividimos a divindade, porque o Pai é dela "a fonte e a origem", mas
confessamos, com isso, que eternamente o Filho é gerado por Ele e que dele procede o Espírito
Santo. Tampouco confundimos as Pessoas, porque confessamos que nossa comunhão é com o
Pai e seu Filho, Jesus Cristo, em seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é consubstancial e
indivisível. Quando rezamos ao Pai, nós o adoramos e o glorificamos com o Filho e o Espírito
Santo.
2790 Gramaticalmente, nosso qualifica uma realidade comum a vários. Não há senão um
só Deus, e Ele é reconhecido como Pai pelos que, mediante a fé em seu Filho único, renasceram
dele pela água e pelo Espírito. A Igreja é esta nova comunhão entre Deus e os homens; unida ao
Filho único tornado "o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8,29), ela está em comunhão com um só e mesmo Pai, em um só e mesmo Espírito Santo. Rezando ao "nos- Pai, cada batizado reza
nesta Comunhão: "A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma" (At 4,32).
2791 Por isso, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao "nosso" Pai continua sendo o
bem comum e um apelo urgente para todos os batizados. Em comunhão mediante a fé em
Cristo e mediante o Batismo, devem eles participar na oração de Jesus para a unidade de seus
discípulos.
2792 Enfim, se rezamos verdadeiramente ao "Nosso Pai", saímos do individualismo, pois o
Amor que acolhemos nos liberta (do individualismo). O "nosso" do início da Oração do Senhor,
como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em
verdade[a64] , nossas divisões e oposições devem ser superadas.
2793 Os batizados não podem rezar ao Pai "nosso" sem levar para junto dele todos aqueles
por quem Ele entregou seu Filho bem-amado. O amor de Deus é sem fronteiras; nossa oração
também deve sê-lo. Rezar ao "nosso" Pai abre-nos para as dimensões de Seu amor manifestado
no Cristo: rezar com e por todos os homens que ainda não O conhecem, a fim de que sejam
"congregados na unidade". Esta solicitude divina por todos os homens e por toda a criação
animou todos os grandes orantes e deve dilatar nossa oração em amplidão de amor quando
ousamos dizer Pai "nosso".
IV. "QUE ESTAIS NO CÉU"
2794 Esta expressão bíblica não significa um lugar ["o espaço], mas uma maneira de ser;
não o afastamento de Deus, mas sua majestade. Nosso Pai não está "em outro lugar", Ele está
"para além de tudo" quanto possamos conceber a respeito de sua Santidade. Porque Ele é três
vezes Santo, está bem próximo do coração humilde e contrito:
É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos
justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver
morar em si aquele que ele invoca.
Os "céus" poderiam muito bem ser também aqueles que trazem a imagem do mundo
celeste, nos quais Deus habita e passeia.
2795 O símbolo dos céus nos remete ao mistério da Aliança que vivemos quando rezamos
ao nosso Pai. Ele está nos céus que são sua Morada; a Casa do Pai é, portanto, nossa "pátria". Foi
da terra da Aliança que o pecado nos exilou e é para o Pai, para o céu, que a conversão do
coração nos faz voltar. Ora, é no Cristo que o céu e a terra são reconciliados, pois o Filho "desceu
do céu", sozinho, e para lá nos faz subir com ele, por sua Cruz, sua Ressurreição e Ascensão.
2796 Quando a Igreja reza "Pai nosso que estais nos céus", professa que somos o Povo de
Deus já assentados nos céus, em Cristo Jesus", "escondidos com Cristo em Deus" e, ao mesmo
tempo, "gememos pelo desejo ardente de revestir por cima de nossa morada terrestre a nossa
habitação celeste" (2Cor 5,2)
Os cristãos estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam sua vida na terra,
mas são cidadãos do céu.
RESUMINDO
2797 A confiança simples e fiel, a segurança humilde e alegre são as disposições que
convêm a quem reza o Pai-Nosso.
2798 Podemos invocar a Deus como "Pai" porque o Filho de Deus feito homem no-lo
revelou, Ele, em quem, pelo Batismo, somos incorporados e adotados como filhos de Deus.
2799 A oração do Senhor nos põe em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo, ela nos revela a nós mesmos.800 Rezar ao Pai "nosso" deve desenvolver em nós a vontade de nos assemelhar a Ele e
(fazer crescer em nós) um coração humilde e confiante.
2801 Dizendo Pai Nosso, invocamos a Nova Aliança em Jesus Cristo, a comunhão com a
Santíssima Trindade e a caridade divina que se estende, pela igreja, às dimensões do mundo.
2802 "Que estais nos céus" não designa um lugar, mas a majestade de Deus e sua
presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria para onde
nos dirigimos e à qual já pertencemos.
ARTIGO 3
OS SETE PEDIDOS
2803 Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo, amá-lo e
bendizê-lo, o Espírito filial faz subir de nossos corações sete pedidos, sete bênçãos. Os três
primei-ros, mais teologais, nos atraem para a Glória do Pai; os quatro últimos, como caminhos
para Ele, oferecem nossa miséria à sua Graça. "Um abismo grita a outro abismo" (Sl 42,8).
2804 A primeira série de pedidos nos leva em direção a Ele, para Ele: vosso Nome, vosso
Reino, vossa Vontade! E próprio do amor pensar primeiro naquele que amamos. Em cada um
destes três pedidos não nos mencionamos, mas o que se apodera de nós é "o desejo ardente", "a
angústia" até, do Filho bem-amado para a Glória de seu Pai: "Seja santificado... Venha... Seja
feita...": essas três súplicas já foram atendidas pelo Sacrifício do Cristo Salvador, mas se elevam
doravante, na esperança, para seu cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em
todos.
2805 A segunda série de pedidos desenrola-se no ritmo de certas Epicleses eucarísticas: é
apresentação de nossas expectativas e atrai o olhar do Pai das misericórdias. Sobe de nós e nos
diz respeito desde agora, neste mundo: "Dai-nos... perdoai--nos... não nos deixeis... livrai-nos". O
quarto e o quinto pedi-dos referem-se à nossa vida, como tal, seja para alimentá-la, seja para
curá-la do pecado; os dois últimos referem-se ao nosso combate pela vitória da Vida, o combate
da própria oração.
2806 Mediante os três primeiros pedidos, somos confirmados na fé, repletos de esperança
e abrasados pela caridade. Criaturas e ainda pecadores, devemos pedir por nós, estendendo
este "nós" até as dimensões do mundo e da história que oferecemos ao amor sem medida de
nosso Deus. Porque é pelo Nome de seu Cristo e pelo Reino de seu Espírito Santo que nosso Pai
realiza seu plano de salvação, por nós e pelo mundo inteiro.
I Santificado seja vosso Nome
2807 O termo "santificar" deve ser entendido aqui não primeiramente em seu sentido
causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num sentido estimativo: reconhecer
como santo, tratar de maneira santa. E assim que, na adoração, esta invocação é às vezes
compreendida como um louvor e uma ação de graças. Mas este pedido, um nos é ensinado por
Jesus como um optativo: um pedido, um desejo e uma espera em que Deus e o homem estão
empenhados. Desde o primeiro pedido a nosso Pai, somos mergulhados no mistério íntimo de sua
Divindade e no evento da salvação de nossa humanidade. Pedir-lhe que seu nome seja
santificado nos envolve na "decisão prévia que lhe aprouve tomar" (Ef 1,9) para "ser santos e
irrepreensíveis diante dele no amor" (Ef 1,4).
2808 Nos momentos decisivos de sua economia, Deus revela seu Nome, mas revela-o
realizando sua obra. Ora, esta obra só se realiza para nós e em nós se seu nome for santificado
por nós e em nós.
2809 A Santidade de Deus é o centro inacessível de seu ministério eterno. Ao que, deste
mistério, está manifestado na criação e na história, a Escritura chama de Glória, a irradiação de sua majestade. Ao criar o homem "à sua imagem e semelhança" (Gn 1,26), Deus "o coroa de
glória'', mas, pecando, o homem é "privado da Glória de Deus". Sendo assim, Deus vai manifestar
sua Santidade revelando e dando seu Nome, a fim de restaurar o homem "segundo a imagem
de seu Criador" (Cl 3,10).
2810 Na promessa a Abraão, e no juramento que a acompanha, Deus empenha a si
mesmo, mas sem revelar seu Nome. É a Moisés que começa a revelá-lo, e o manifesta aos olhos
de todo o povo, salvando-o dos egípcios: "Ele se vestiu de glória" (Ex 15,1). A partir da Aliança do
Sinai, este povo é "seu" e deve ser uma "nação santa" (ou consagrada: é a mesma palavra em
hebraico) porque o nome de Deus habita nele.
2811 Ora, apesar da Lei santa que o Deus Santo lhe dá e torna a dar, e embora o Senhor,
"em consideração a seu nome", use de paciência, o povo se desvia do Santo de Israel e "profana
seu nome entre as nações". Foi por isso que os justos da Antiga Aliança, os pobres que retornaram
do exílio e os profetas, ficaram abrasados pela paixão do Nome.
2812 Por fim, em Jesus, o Nome do Deus Santo nos é revelado e dado, na carne, como
Salvador: revelado, por aquilo que Ele E, por sua Palavra e por seu Sacrifício. E o cerne de sua
oração sacerdotal: "Pai santo... por eles a mim mesmo me santifico, para que sejam santificados
na verdade" (Jo 17,19). E por "santificar" Ele mesmo o seu nome que Jesus nos manifesta" o Nome
do Pai. Ao final de sua Páscoa, o Pai lhe dá então o nome que está acima de todo nome: Jesus
é Senhor para a glória de Deus Pai.
2813 Na água do Batismo fomos "lavados, santificados, justificados em nome do Senhor
Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus" (1 Cor 6,11). Durante toda nossa vida, nosso Pai "nos
chama à santidade" (l Ts 4,7). E, já que é "por ele que vós sois em Cristo Jesus, que se tornou para
nós santificação" (1 Cor 1,30), contribui para sua Glória e para nossa vida o fato de seu nome ser
santificado em nós e por nós. Essa é a urgência de nosso primeiro pedido. Quem poderia
santificar a Deus, já que é Ele mesmo quem santifica? Mas, inspirando-nos nesta palavra: "Sede
santos porque eu sou Santo" (Lv 11,44), nós pedimos que, santificado pelo Batismo, perseveremos
naquilo que começamos a ser. pedimo-lo todos os dias, porque cometemos faltas todos os dia e
devemos purificar-nos de nossos pecados por uma santificação retomada sem cessar...
Recorremos, portanto, à oração para esta santidade permaneça em nós.
2814 Depende, inseparavelmente, de nossa vida e de nossa oração que seu Nome seja
santificado entre as nações: Pedimos a Deus que santifique seu Nome, porque é pela santidade
que Ele salva e santifica toda a criação... Trata-se do Nome que dá a salvação ao mundo
perdido, mas pedimos que Nome de Deus seja santificado em nós por nossa vida. Pois, se
vivermos bem, o Nome divino é bendito; mas, se vivermos mal, ele é blasfemado, segundo a
palavra do Apóstolo: "O Nome de Deus está sendo blasfemado por vossa causa entre os
pagãos” (Rm 2,24). Rezamos, portanto, para merecer ter em nossas almas tanta santidade
quanto é santo o Nome de nosso Deus. Quando dizemos "santificado seja o vosso Nome",
pedimos que ele seja santificado em nós que estamos nele, mas também nos outros que a
graça de Deus ainda aguarda, a fim de conformar-nos aos preceito, que nos obriga a rezar por
todos, mesmo por nossos inimigos. E por isso que não dizemos expressamente: vosso Nome seja
santificado "em nós", porque pedimos que ele o seja em todos os homens.
2815 Este pedido, que contém todos os pedidos, é atendido pela oração de Cristo, como
os seis outros que seguem. A oração ao nosso Pai é nossa oração se for rezada "no Nome” de
Jesus. Jesus pede em sua oração sacerdotal: "Pai sai guarda em teu Nome os que me deste" (Jo
17,11).
II. Venha a nós o vosso Reino
2816 No Novo Testamento o mesmo termo "Basiléia" pode ser traduzido por realeza (nome
abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus existe antes de
nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, é anunciado ao longo de todo o Evangelho, veio na morte e na Ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa Ceia e na Eucaristia: ele
está no meio de nós. O Reino virá na glória quando Cristo o restituir a seu Pai:
O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas
súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa
Ressurreição, pois nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois nele nós
reinaremos.
2817 Este pedido é o "Marana Tha", o grito do Espírito e da Esposa: "Vem, Senhor Jesus":
Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino,
nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas
esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: "Até
quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?" (Ap 6,10).
Eles devem, com efeito, obter justiça no fim dos tempos. Senhor, apressa portanto a vinda de teu
reinado.
2818 Na Oração do Senhor, trata-se principalmente da vinda final do Reinado de Deus
mediante o retorno de Cristo. Mas este desejo não desvia a Igreja de sua missão neste mundo,
antes a empenha ainda mais nesta missão. Pois a partir de Pentecostes a vinda do Reino é obra
do Espírito do Senhor "para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra".
2819 "O Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14,17). Os últimos
tempos, que estamos vivendo, são os tempos da efusão do Espírito Santo. Trava-se, por
conseguinte, um combate decisivo entre "a carne" e o Espírito:
Só um coração puro pode dizer com segurança: "Venha a nós o vosso Reino". E preciso ter
aprendido com Paulo para dizer: "Portanto, que o pecado não impere mais em vosso corpo
mortal" (Rm 6,12). Quem se conserva puro em suas ações, em seus pensamentos e em suas
palavras pode dizer a Deus: "Venha o vosso Reino["
2820 Num trabalho de discernimento segundo o Espírito, devem os cristãos distinguir entre
o crescimento do Reino de Deus e o progresso da cultura e da sociedade em que estão
empenhados. Esta distinção não é separação. A vocação do homem para a vida eterna não
suprime, antes reforça seu dever de acionar as energias e os meios recebidos do Criador para
servir neste mundo à justiça e à paz.
2821 Este pedido está contido e é atendido na oração de Jesus, presente e eficaz na
Eucaristia; produz seu fruto na vida nova segundo as Bem-aventuranças.
III. SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
2822 É Vontade de nosso Pai "que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). Ele “usa de paciência, porque não quer que ninguém se
perca" (2Pd 3,9). Seu mandamento, que resume todos os outros, e que nos diz toda a sua
vontade, é que "nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou”.
2823 "Deu-nos a conhecer o mistério de sua vontade, conforme decisão prévia que lhe
aprouve tomar: .. .a de em Cristo encabeçar todas as coisas... Nele, predestinados pelo propósito
daquele que tudo opera segundo o conselho de sua Vontade, fomos feitos sua herança" (Ef 1,9-
11). Pedimos que se realize plenamente este desígnio amoroso na terra, como já acontece no
céu.
2824 No Cristo, e por sua vontade humana, a Vontade do Pai foi realizada completa e
perfeitamente e uma vez por todas. Jesus disse ao entrar neste mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó
Deus, para fazer a tua vontade" (Hb 10,7). Só Jesus pode dizer: “Faço sempre o que lhe agrada"
(Jo 8,29). Na oração de sua agonia, ele consente totalmente com esta vontade: "Não a minha
vontade mas a tua seja feita!" (Lc 22,42). É por isso que Jesus “se entregou a si mesmo por nossos
pecados, segundo a vontade de Deus" (Gl 1,4). "Graças a esta vontade é que somos santificados
pela oferenda do corpo de Jesus Cristo" (HB 10,10).2825 Jesus, "embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento" (Hb
5,8). Com maior razão, nós, criaturas e pecadores, que nos tornamos nele filhos adotivos,
pedimos ao nosso Pai que una nossa vontade à de seu Filho para realizar sua Vontade, seu plano
de salvação para a vida do mundo. Somos radicalmente incapazes de fazê-lo; mas, unidos a
Jesus e com a força de seu Espírito Santo, podemos entregar-lhe nossa vontade e decidir-nos a
escolher o que seu Filho sempre escolheu: fazer o que agrada ao Pai. Aderindo a Cristo,
podemos tornar-nos um só espírito com ele, e com isso realizar sua Vontade; dessa forma ela será
cumprida perfeitamente na terra como no céu. Considerai como Jesus Cristo nos ensina a ser
humildes, ao fazer-nos ver que nossa virtude não depende só de nosso trabalho, mas da graça
de Deus. Ele ordena aqui, a cada fiel que reza, que o faça universalmente, isto é, por toda a
terra. Pois não diz "seja feita a vossa vontade" em mim ou em vós, mas em toda a terra", a fim de
que dela seja banido o erro, nela reine a verdade, o vício seja destruído, a virtude floresça
novamente, e que a terra não mais seja diferente do céu.
2826 Pela oração é que podemos "discernir qual é a vontade de Deus" e obter "a
perseverança para cumpri-la". Jesus nos ensina que entramos no Reino dos céus não por
palavras, mas praticando a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7,21).
2827 "Se alguém faz a vontade de Deus, a este Deus escuta" (Jo 9,31). Tal é a força da
oração da Igreja em Nome de seu Senhor, sobretudo na Eucaristia; é comunhão de intercessão
com a Santíssima Mãe de Deus e com todos os santos que foram "agradáveis" ao Senhor por não
terem querido fazer senão a sua Vontade:
Podemos ainda, sem ferir a verdade, traduzir estas palavras: “Seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu" por estas: na Igreja, como em nosso Senhor, Jesus Cristo; na Esposa
que Ele desposou, como no Esposo que realizou a Vontade do Pai.
IV. O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
2828 "Dai-nos": é bela a confiança dos filhos que tudo esperam de seu Pai. "Ele faz nascer o
seu sol igualmente sobre maus e bons e cair chuva sobre justos e injustos" (Mt 5,45) e dá a todos
os seres vivos "o alimento a seu tempo" (Sl 104,27). Jesus nos ensina a fazer este pedido, que
glorifica efetivamente nosso Pai, porque reconhece como Ele é Bom para além de toda
bondade.
2829 "Dai-nos" é ainda expressão da Aliança: pertencemos a Ele e Ele pertence a nós, age
em nosso favor. Mas esse “nós” o reconhece também como o Pai de todos os homens e nós lhe
pedimos por todos eles, em solidariedade com suas necessidades e sofrimentos.
2830 "O pão nosso." O Pai, que nos dá a vida, não pode deixar de nos dar o alimento
necessário à vida, todos os bens "úteis”, materiais e espirituais. No Sermão da Montanha, Jesus
insiste nesta confiança filial que coopera com a Providência de nosso Pai. Não nos exorta a
nenhuma passividade, mas quer libertar-nos de toda inquietação e de toda preocupação. É
esse o abandono filial dos filhos de Deus:
Aos que procuram o Reino e a justiça de Deus, ele promete dar tudo por acréscimo. Com
efeito, tudo pertence a Deus: a quem possui Deus, nada lhe falta, se ele próprio não falta a Deus.
2831 A presença dos que têm fome por falta de pão, no entanto, revela outra
profundidade deste pedido. O drama da fome no mundo convoca os cristãos que rezam em
verdade para uma responsabilidade efetiva em relação a seus irmãos, tanto nos
comportamentos pessoais como em sua solidariedade com a família humana. Este pedido da
Oração do Senhor não pode ser isolado das parábolas do pobre Lázaro [a157] e do Juízo Final.
2832 Como o fermento na massa, a novidade do Reino deve ele-var o mundo pelo Espírito
de Cristo. Deve manifestar-se pela instauração da justiça nas relações pessoais e sociais,
econômicas e internacionais, sem jamais esquecer que não existe estrutura justa sem seres
humanos que queiram ser justos.2833 Trata-se de "nosso" pão, "um" para "muitos". A pobreza das bem-aventuranças é a
virtude da partilha que convoca a comunicar e partilhar os bens materiais e espirituais, não por
coação, mas por amor, para que a abundância de uns venha em socorro das necessidades dos
outros.
2834 "Reza e trabalha." "Rezai como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se
tudo dependesse de vós." Tendo realizado nosso trabalho, o alimento fica sendo um dom de
nosso Pai; convém pedi-lo e disso render-lhe graças. É esse o sentido da bênção da mesa numa
família cristã.
2835 Este pedido e a responsabilidade que ele implica valem também para outra fome
da qual os homens padecem: "O homem não vive apenas de pão, mas de tudo aquilo que
procede da boca de Deus" (Mt 4,4), isto é, sua Palavra e seu Sopro. Os cristãos devem envidar
todos os seus esforços para "anunciar o Evangelho aos pobres". Há uma fome na terra, "não fome
de pão, nem sede de água, mas de ouvir a Palavra de Deus" (Am 8,11). Por isso, o sentido
especificamente cristão desse quarto pedido refere-se ao Pão de Vida: a Palavra de Deus a ser
acolhida na fé, o Corpo de Cristo recebido na Eucaristia.
2836 "Hoje" é também uma expressão de confiança. O no-lo ensina; nossa presunção
não podia inventá-la. Como se trata sobretudo de sua Palavra e do Corpo de seu Filho, este
"hoje não é só o de nosso tempo mortal: é o Hoje de Deus:
Se recebes o pão cada dia, cada dia é para ti hoje. Se Cristo es ao teu dispor hoje, todos
os dias Ele ressuscita para ti. Como dá isso? "Tu és meu filho, eu hoje te gerei" (Sl 2,7). Hoje, isto é,
quando Cristo ressuscita.
2837 "De cada dia." Esta palavra, "epiousios" (pronuncie: epiússios), não é usada em
nenhum outro lugar no Novo Testamento. Tomada em um sentido temporal, é uma retomada
pedagógica de "hoje" para nos confirmar numa confiança “sem reserva". Tomada em sentido
qualitativo, significa o necessário à vida, e, em sentido mais amplo, todo bem suficiente para a
subsistência. Literalmente (epiousios: "supersubstancial"), designa diretamente o Pão de Vida, o
Corpo de Cristo, "remédio de imortalidade", sem o qual não temos a Vida em nós. Enfim, ligado
ao que precede, o sentido celeste é evidente: "este Dia” é o Dia do Senhor, o do Banquete do
Reino, antecipado na Eucaristia que é já o antegozo do Reino que vem. Por isso convém que a
Liturgia eucarística seja celebrada "cada dia.
A Eucaristia é nosso pão cotidiano. A virtude própria deste alimento divino é uma força de
união que nos vincula ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros, a fim de que nos
transformemos naquilo que recebemos... Este pão cotidiano está ainda nas leituras que ouvis
cada dia na Igreja, nos hinos que são cantados e que vós cantais. Tudo isso é necessário à nossa
peregrinação.
O Pai do céu nos exorta a pedir, como filhos do céu, o Pão do céu. Cristo "é Ele mesmo o
pão que, semeado na Virgem, levedado na carne, amassado na Paixão, cozido no forno do
sepulcro, colocado em reserva na Igreja, levado aos altares, proporciona cada dia aos fiéis um
alimento celeste".
V. PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS, ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS AOS QUE NOS TÊM
OFENDIDO
2838 Este pedido é surpreendente. Se comportasse apenas o primeiro membro da frase
"Perdoai-nos as nossas ofensas" - poderia ser incluído, implicitamente, nos três primeiros pedidos
da Oração do Senhor, pois o Sacrifício de Cristo é "para a remissão dos pecados". Mas, de
acordo com um segundo membro da frase, nosso pedido não será atendido, a não ser que
tenhamos antes correspondido a uma exigência. Nosso pedido é voltado para o futuro, nossa
resposta deve tê-lo precedido; uma palavra os liga: "Como". PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS
2839 Com audaciosa confiança, começamos a rezar a nosso Pai. Ao suplicar-lhe que seu
nome seja santificado, lhe pedimos a graça de sempre mais sermos santificados. Embora
revestidos da veste batismal, nós não deixamos de pecar, de desviar-nos de Deus. Agora, neste
novo pedido, nós nos voltamos a ele, como o filho pródigo, e nos reconhecemos pecadores,
diante dele, como o publicano. Nosso pedido começa por uma "confissão", na qual declaramos,
ao mesmo tempo, nossa miséria e sua Misericórdia. Nossa esperança é firme, porque, em seu
Filho, "temos a redenção, a remissão dos pecados" (Cl 1,14). Encontramos o sinal eficaz e
indubitável de seu perdão nos sacramentos de sua Igreja .
2840 Ora, e isso é tremendo, este mar de misericórdia não pode penetrar em nosso
coração enquanto não tivermos perdoado aos que nos ofenderam. O amor, como o Corpo de
Cristo, é indivisível: não podemos amar o Deus que não vemos, se não amamos o irmão, a irmã,
que vemos. Recusando-nos a per-doar nossos irmãos e irmãs, nosso coração se fecha, sua dureza
o torna impermeável ao amor misericordioso do Pai confessando nosso pecado, nosso coração
se abre à sua graça.
2841 Este pedido é tão importante que é o único ao qual o Senhor volta e que desenvolve
no Sermão da Montanha. Esta exigência crucial do mistério da Aliança é impossível para o
homem. Mas "tudo é possível a Deus" (Mt 19,26).
...ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO
2842 Este "como" não é único no ensinamento de Jesus: "Deveis ser perfeitos 'como'
vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48); "Sede misericordiosos 'como' vosso Pai é misericordioso" (Lc
6,36); "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros 'como' eu vos amei" (Lc
13,34). Observar o mandamento do Senhor é impossível se quisermos imitar, de fora, o modelo
divino. Trata-se de participar, de forma vital e "do fundo do coração", na Santidade, na
Misericórdia, no Amor de nosso Deus. Só o Espírito que é "nossa Vida" (Gl 5,25) pode fazer "nossos"
os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus. Então torna-se possível a unidade do perdão,
"perdoando-nos mutuamente 'como Deus em Cristo nos perdoou" (Ef 4,32).
2843 Assim adquirem vida as palavras do Senhor sobre o perdão, esse Amor que ama
até o extremo do amor. A parábola do servo desumano, que coroa o ensinamento do Senhor
sobre a comunhão eclesial, termina com esta palavra: "Eis como meu Pai celeste agirá
convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, o seu irmão". Com efeito, é "no fundo
do coração" que tudo se faz e se desfaz. Não está em nosso não mais sentir e esquecer a ofensa;
mas o coração que entrega ao Espírito Santo transforma a ferida em compaixão purifica a
memória, transformando a ofensa em intercessão.
2844 A oração cristã chega até o perdão dos inimigos. Transforma o discípulo,
configurando-o a seu Mestre. O perdão é um ponto alto da oração cristã; o dom da oração não
pode ser recebido a não ser num coração em consonância com a com-paixão divina. O perdão
dá também testemunho de que, em nosso mundo, o amor é mais forte que o pecado. Os
mártires, de ontem e de hoje, dão este testemunho de Jesus. O perdão é a condição
fundamental da Reconciliação [a196] dos filhos de Deus com seu Pai e dos homens entre si.
2845 Não há limite nem medida a esse perdão essencialmente divino. Tratando-se de
ofensas ("pecados", segundo Lc 11,4), ou "dívidas", segundo Mt 6,12), de fato somos sempre
deve-dores: "Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo" (Rm 13,8). A Comunhão da
Santíssima Trindade é a fonte e o critério da verdade de toda relação. Esta comunhão é vi-vida
na oração, sobretudo na Eucaristia: Deus não aceita o sacrifício dos que fomentam a desunião;
Ele ordena que se afastem do altar para primeiro se reconciliarem com seus irmãos: Deus quer ser
pacificado com orações de paz. Para Deus, a mais bela obrigação é nossa paz, nossa
concórdia, a unidade no Pai, no Filho e no Espírito Santo de todo o povo fiel.VI. NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
2846 Este pedido atinge a raiz do precedente, pois nossos pecados são fruto do
consentimento na, tentação. Pedimos ao nosso Pai que não nos "deixe cair" nela. E difícil traduzir,
com uma palavra só, a expressão grega "me eisenegkes" (pronuncie: "me eissenenkes"), que
significa "não permitas entrar em", "não nos deixeis sucumbir à tentação". "Deus não pode ser
tentado pelo mal e a ninguém tenta" (Tg 1,13); Ele quer, ao contrário, dela nos livrar. Nós lhe
pedimos que não nos deixe enveredar pelo caminho que conduz ao pecado. Estamos
empenhados no combate "entre a carne e o Espírito". Este pedido implora o Espírito de
discernimento e de fortaleza.
2847 O Espírito Santo nos faz discernir entre a provação, necessária ao crescimento do
homem interior em vista de uma "virtude comprovada", e a tentação, que leva ao pecado e à
morte. Devemos também discernir entre "ser tentado e consentir" na tentação. Por fim, o
discernimento desmascara a mentira da tentação: aparentemente, seu objeto é "bom, sedutor
para a vista, agradável” (Gn 3,6), ao passo que, na realidade, seu fruto é a morte. Deus não quer
impor o bem, ele quer seres livres... Para alguma coisa a tentação serve. Todos, com exceção de
Deus, ignoram o que nossa alma recebeu de Deus, até nós mesmos. Mas a tentação o
manifesta, para nos ensinar a conhecer-nos e, com isso, descobrir-nos nossa miséria e nos obrigar
a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou.
2848 "Não cair em tentação" envolve uma decisão do coração". Onde está o teu tesouro,
aí estará também teu coração... Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6,21.24). "Se vivemos
pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também nossa conduta" (Gl 5,25). Neste consentimento"
dado ao Espírito Santo, o Pai nos dá a força. "As tentações que vos acometeram tiveram medida
humana. Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima de vossas forças. Mas, com a
tentação, Ele vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar" (1 Cor 10,13).
2849 Ora, tal combate e tal vitória não são possíveis senão na oração. Foi por sua oração
que Jesus venceu o Tentador, desde o começo e no último combate de sua agonia. E a seu
combate e à sua agonia que Cristo nos une neste pedido a nosso Pai. A vigilância do coração é
lembrada com insistência em comunhão com a de Cristo. A vigilância consiste em "guardar o
coração", e Jesus pede ao Pai que "nos guarde em seu nome[”. O Espírito Santo procura manternos sempre alerta para essa vigilância. Esse pedido adquire todo seu sentido dramático no
contexto da tentação final de nosso combate na terra; pede a perseverança final "Eis que venho
como um ladrão: feliz aquele que vigia!" (Ap 16,15).
VII. MAS LIVRAI-NOS DO MAL
2850 O último pedido ao nosso Pai aparece também na oração de Jesus: "Não te peço
que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (Jo 17,15). Diz respeito a cada um de nós
pessoalmente, mas somos sempre "nós" que rezamos em comunhão com toda a Igreja e pela
libertação de toda a família humana. A Oração do Senhor não cessa de abrir-nos para as
dimensões da economia da salvação. Nossa interdependência no drama do pecado e da
morte se transforma em solidariedade no Corpo de Cristo, na "comunhão dos santos".
2851 Neste pedido, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o
Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O "diabo" ("diabolos") é aquele que "se atira no meio" do
plano de Deus e de sua "obra de salvação" realizada em Cristo.
2852 "Homicida desde o princípio, mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,), "Satanás, sedutor
de toda a terra habitada" (Ap 12,9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo e é
por sua derrota definitiva que a criação toda será "liberta da corrupção do pecado e da morte".
"Nós sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca; o Gerado por Deus se preserva e
o Maligno não o pode atingir. Nós sabemos que Somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o
poder do Maligno" (1 Jo 5,18-19). O Senhor, que arrancou vosso pecado e perdoou vossas faltas,
tem poder para vos proteger e vos guardar contra os ardis do Diabo que Vos combate, a fim de que o inimigo, que costuma engendrar a falta, não vos surpreenda. Quem se entrega a Deus
não teme o Demônio. "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8,31).
2853 A vitória sobre o "príncipe deste mundo" foi alcançada, de unia vez por todas, na
Hora em que Jesus se entregou livremente à morte para nos dar sua vida. É o julgamento deste
mundo, e o príncipe deste mundo é "lançado fora", "Ele põe-se a perseguir a Mulher", mas não
tem poder sobre ela: a nova Eva, "cheia de graça" por obra do Espírito Santo, é preservada do
pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da Santíssima Mãe de
Deus, Maria, sempre virgem). "Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear
contra o resto de seus descendentes" (Ap 12,17). Por isso o Espírito e a Igreja rezam: "Vem, Senhor
Jesus" (Ap 22,17.20), porque a sua Vinda nos livrará do Maligno.
2854 Ao pedir que nos livre do Maligno, pedimos igualmente que sejamos libertados de
todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Neste última
pedido, a Igreja traz toda a miséria do mundo diante do Pai. Com a libertação dos males que
oprimem a humanidade, ela implora o dom precioso da paz e a graça de esperar
perseverantemente o retorno de Cristo. Rezando dessa forma, ela antecipa, na humildade da fé,
a recapitulação de todos e de tudo naquele que "detém as chaves da Morte e do Hades" (Ap
1,18), "o Todo-Poderoso, Aquele que é, Aquele que era Aquele que vem" (Ap 1,8):
Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados por vossa
misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto,
vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador.
A DOXOLOGIA FINAL
2855 A doxologia final: "Pois vosso é o reino, o poder e a glória" retoma, mediante inclusão,
os três primeiros pedidos a nosso Pai: a glorificação de seu Nome, a vinda de seu Reino e o poder
de sua Vontade salvífica. Mas esta retomada ocorre então em forma de adoração e de ação
de graças, como na Liturgia celeste. O príncipe deste mundo atribuíra a si mentirosamente estes
três títulos de realeza, de poder e de glória; Cristo, o Senhor, os restitui a seu Pai e nosso Pai, até
entregar-lhe o Reino, quando será definitivamente consumado o Mistério da salvação e Deus
será tudo em todos.
2856 "Em seguida, terminada a oração, tu dizes 'Amém', corroborando por este Amém,
que significa 'Que isto se faça' tudo quanto está contido na oração que Deus nos ensinou."
RESUMINDO
2857 No "Pai-Nosso", os três primeiros pedidos têm por objeto a Glória do Pai: a santificação
do Nome, a vinda do Reino e o cumprimento da Vontade divina. Os quatro seguintes
apresentam-lhe nossos desejos: esses pedidos concernem à nossa vida, para nutri-la ou para
curá-la do pecado, e se relacionam com nosso combate visando à vitória do Bem sobre o Mal.
2858 Ao pedir: "Santificado seja o vosso Nome" entramos no plano de Deus, a santificação
de seu Nome - revelado a Moisés, depois em Jesus - por nós e em nós, bem como em todas as
nações e em cada ser humano.
2859 Com o segundo pedido, a Igreja tem em vista principalmente a volta de Cristo e a
vinda final do Reino de Deus, rezando também pelo crescimento do Reino de Deus no "hoje" de
nossas vidas.
2860 No terceiro pedido rezamos ao nosso Pai para que una nossa vontade à de seu Filho,
a fim de realizar seu plano de salvação na vida do mundo.
2861 No quarto pedido, ao dizer "Dai-nos", exprimimos, em comunhão com nossos irmãos,
nossa confiança filial em nosso Pai do céu. "Pão Nosso" designa o alimento terrestre necessário à
subsistência de todos nós e significa também o Pão de Vida: Palavra de Deus e Corpo de Cristo. É recebido no "Hoje" de Deus como o alimento indispensável, (super) essencial do Banquete do
Reino que a Eucaristia antecipa.
2862 O quinto pedido implora a misericórdia de Deus para nossas ofensas, misericórdia
que só pode penetrar em nosso coração se soubermos perdoar nossos inimigos, a exemplo e
com a ajuda de Cristo.
2863 Ao dizer "Não nos deixeis cair em tentação", pedimos a Deus que não nos permita
trilhar o caminho que conduz ao pecado. Este pedido implora o Espírito de discernimento e de
fortaleza; solicita a graça da vigilância e a perseverança final.
2864 No último pedido, "mas livrai-nos do mal", o cristão pede a Deus, com a Igreja, que
manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o "Príncipe deste mundo", sobre Satanás, o
anjo que se opõe pessoalmente a Deus e a seu plano salvação.
2865 Pelo "Amém" final exprimimos nosso 'fiat" em relação aos sete pedidos: "Que assim seja!"