A UNIDADE DIVINA É TRINA.

04/09/2012 13:14

 

 

255)  As pessoas divinas são relativas umas às outras. Por não dividir a unidade divina, a distinção

real das pessoas entre si reside unicamente nas relações que as referem umas às outras: "Nos nomes relativos

das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o filho ao Pai, o Espírito Santo aos dois; quando se fala destas três

pessoas considerando as relações, crê-se todavia em uma só natureza ou substância'. Pois "tudo é uno [neles]

l onde não se encontra a oposição de relação. "Por causa desta unidade, o Pai está todo inteiro no Filho,

todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo,

todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho”.

256) Aos Catecúmenos de Constantinopla, São Gregório Nazianzeno, denominado também "o

Teólogo", confia o seguinte resumo da fé trinitária :

Antes de todas as coisas, conservai-me este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual

quero morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de

fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo Eu vo-la confio hoje. É por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos

na água e vos tirar dela. Eu vo-la dou como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma só

Divindade e Poder, que existe Una nos Três, e que contém os Três de maneira distinta. Divindade sem

diferença de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que rebaixe... A

infinita conaturalidade é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro... Deus os

Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, e a Trindade me banha em seu esplendor. Nem

comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim.

IV. AS OBRAS DIVINAS E AS MISSÕES TRINITÁRIAS

257) "O lux beata Trinitas etprincipalis Unitas -  à luz, Trindade bendita. O primordial Unidade”!

Deus é beatitude eterna, vida imortal, luz sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo Livremente,

Deus quer comunicar a glória de sua vida bem-aventurada. Este é o "desígnio" de benevolência (Ef 1,9) que

ele concebeu desde antes da criação do mundo no seu Filho bem-amado predestinando-nos à adoção filial

neste" Ef 1,5), isto é, "a reproduzir a imagem do seu Filho" (Rm 8,29) graças ao "Espírito de adoção filial"

(Rm 8,5). Esta decisão prévia é uma "graça concedida antes de todos os séculos" (2Tm 1,9), proveniente diretamente do amor trinitário. Ele se desdobra na obra da criação, em toda história da salvação após a

queda, nas missões do Filho e do Espírito, prolongadas pela missão da Igreja.

258)  Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas. Pois da mesma forma que a

Trindade não tem senão uma única e mesma natureza, assim também não tem senão uma única e mesma

operação. "O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só princípio".

Contudo cada pessoa divina cumpre a obra comum segundo sua propriedade pessoal. Assim a Igreja

confessa, na linha do Novo Testamento: "Um Deus e Pai do qual são todas as coisas, um Senhor Jesus Cristo

mediante o qual são todas as coisas, um Espírito Santo em quem são todas as coisas”. São sobretudo as

missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as propriedades das

pessoas divinas.

259) Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a Economia divina dá a conhecer tanto a

propriedade das pessoas divinas como sua única natureza. Outrossim, toda a vida cristã é comunhão com

cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum separá-las. Quem rende glória ao Pai o faz pelo Filho

no Espírito Santo; quem segue a Cristo, o faz porque o Pai atrai e o Espírito o impulsiona.

260) O fim último de toda a Economia divina é a entrada das  criaturas na unidade perfeita da

Santíssima Trindade. Mas desde já somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade: "Se alguém

me ama - diz o Senhor -, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e viremos a ele, e faremos nele a

nossa morada" (Jo 14,23):

Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente para firmar-me em Vós,

imóvel e pacifica, como se a minha alma já estivesse na eternidade: que nada consiga perturbar a minha

paz nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada minuto me leve mais  longe na profundidade

do vosso Mistério! Pacificai a minha alma! Fazei dela o vosso céu, vossa amada  morada e o lugar do vosso

repouso. Que nela eu nunca vos deixe só, mas que eu esteja aí, toda inteira, completamente vigilante na

minha fé, toda adorante, toda entregue à vossa ação criadora.

RESUMINDO

261)  O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Só Deus no-lo

pode dar a conhecer, revelado-se como Pai, Filho e Espírito Santo

262) A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial

ao Pai, isto é, que ele é no Pai e com o Pai o mesmo Deus único.

263)  A missão do Espírito Santo, enviado pelo Pai em nome do Filho e pelo Filho "de junto do Pai"

(Jo 15,26), revela que o Espírito  é com eles o mesmo Deus único. "Com o Pai e o Filho é adorado e

glorificado."

264)  "O Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte primeira e, pela doação eterna deste último

ao Filho, do Pai e do Filho em comunhão”.

265)  Pela graça do Batismo "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19) somos

chamados a compartilhar da vida da Santíssima Trindade, aqui na terra, na obscuridade da fé, e para além

da morte, na luz eterna.

266)  "Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur,

neque confundentes personas, neque substantiam separantes: alia enim est persona Patris, alia Filii, alia

Spiritus Sancti; sed Patris et Fuji et Spiritus Sancti est una divinitas, aequalis gloria, coaeterna majestas – A fé

católica é esta: que veneremos o único Deus na Trindade, e a Trindade na unidade, não confundindo as

pessoas, nem   separando a substância: pois uma é a pessoa do Pai, outra, a do Filho, outra, a do Espírito

Santo; mas uma só é a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, igual a glória, co-eterna a majestade”

267) Inseparáveis naquilo que são, da mesma forma o são naquilo que fazem. Mas na única

operação divina cada uma delas manifesta o que lhe é próprio na Trindade, sobretudo nas missões divinas

da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo.

PARÁGRAFO 3 - O TODO-PODEROSO268) De todos os atributos divinos, só a onipotência de Deus é mencionada no Símbolo: confessá-la é

de grande importância para nossa vida. Nós cremos que ela é universal, pois Deus que criou tudo, governa

tudo e pode tudo, é também de amor, pois Deus é nosso Pai; e é misteriosa, pois somente a fé pode discernila, quando (a onipotência divina) "se manifesta na fraqueza" (2Cor 12,9).

"ELE FAZ TUDO O QUE QUER" (Sl 115,3)

269) As Sagradas Escrituras professam reiteradas vezes o poder universal de Deus. Ele é chamado "o

Poderoso de Jacó" (Gn 49,24; Is 1,24 e.o.), "o Senhor dos exércitos", "o Forte, o Valente” (Sl 24,8-10). Se

Deus é Todo-Poderoso "no céu e na terra" (Sl 135,6), é porque os fez. Por isso, nada lhe é impossível, e Ele

dispõe à vontade de sua obra; Ele é o Senhor do universo, cuja ordem estabeleceu, ordem esta que lhe

permanece inteiramente submissa e disponível; Ele é o Senhor da história: governa os corações e os

acontecimentos à vontade. "Teu grande poder está sempre a teu serviço, e quem pode resistir à força de teu

braço?" (Sb 11,21).

"TU TE COMPADECES DE TODOS, PORQUE TUDO PODES" (SB 11,23)

270) Deus é o Pai Todo-Poderoso. Sua paternidade e seu poder iluminam-se mutuamente. Com

efeito, ele mostra sua onipotência paternal pela maneira como cuida de nossas necessidades, pela adoção

filial que nos outorga ("Serei para vós um pai, e sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso":

2Cor 6,18), e finalmente por sua misericórdia infinita, pois mostra seu poder no mais alto grau, perdoando

livremente os pecados.

271) A onipotência divina de modo algum é arbitrária. "Em Deus o poder e a essência, a vontade e

a inteligência, a sabedoria e a justiça são uma só e mesma coisa, de sorte que nada pode estar no poder

divino que não possa estar na vontade justa de Deus ou em sua inteligência sábia".

MISTÉRIO DA APARENTE IMPOTÊNCIA DE DEUS

272)  A fé em Deus Pai Todo-Poderoso pode ser posta à prova pela experiência do mal  e do

sofrimento. Por vezes, Deus pode parecer ausente e incapaz de impedir o mal. Ora, Deus Pai revelou sua

Onipotência da maneira mais misteriosa no rebaixamento voluntário e na Ressurreição de seu Filho, pelos

quais venceu o mal. Assim, Cristo crucificado é "poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de

Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens" (1Cor

1,25). Foi na Ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai "desdobrou o vigor de sua força" e manifestou

"que extraordinária grandeza reveste seu poder para nós, os que cremos" (Ef 1,19-22).

273)  Somente a fé pode aderir aos caminhos misteriosos onipotência de Deus. Esta fé gloria-se de

suas fraquezas a fim de atrair sobre si o poder de Cristo, Desta fé, a Virgem Maria é o modelo supremo,

ela que acreditou que "nada impossível a Deus" (Lc 1,37) e que pôde engrandecer o Senhor. "O TodoPoderoso fez grandes coisas em meu favor, seu nome é Santo" (Lc 1,49).

274) "Por isso, nada é mais adequado para consolidar nossa Fé e nossa esperança do que a

convicção profundamente gravada em nossas almas de que nada é impossível a Deus. Pois tudo o que [o

Credo] a seguir nos propor a crer  - as maiores coisas, as mais incompreensíveis, bem como as que mais

ultrapassam as leis ordinárias da natureza, desde que nossa: razão tenha pelo menos idéia da onipotência

divina, ela admitirá facilmente e sem qualquer hesitação".

RESUMINDO

275) Juntamente com Jó, o justo, nós confessamos: "Reconheço que tudo podes e que nenhum dos teus

desígnios fica frustrado" (Jó 42,2).

276) Fiel ao testemunho da Escritura, a Igreja dirige com freqüência sua prece ao "Deus TodoPoderoso e eterno" ("omnipotens sempiterne Deus..."), crendo firmemente que "nada é impossível a Deus" (Lc

1,37)277) Deus manifesta sua onipotência convertendo-nos dos nossos pecados e restabelecendo-nos em

sua amizade pela graça ("Deus, qui omnipotentiam tuam parcendo maxime et miserando manifestas... - O

Deus, que manifestais o vosso poder sobretudo na misericórdia".

278) Se não crermos que o amor de Deus é Todo-Poderoso, como crer que o Pai pôde nos criar, o

Filho, remir-nos, o Espírito, santificar-nos?

PARÁGRAFO 4 - O CRIADOR

279) "No princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1). Com essas solenes palavras  inicia-se a

Sagrada Escritura. O Símbolo da fé retoma estas palavras confessando Deus Pai Todo-Poderoso como "O

Criador do céu e da terra", "de todas as coisas visíveis e invisíveis". Por isso, falaremos primeiro do Criador,

em seguida de sua criação e, finalmente, da queda no pecado, do qual Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio

resgatar-nos.

280)  A criação é o fundamento de "todos os desígnios salvíficos de Deus", "o começo da história da

salvação", que culmina em Cristo. Inversamente, o mistério de Cristo é a luz decisiva sobre o mistério da

criação; ele revela o fim em vista do qual, "no princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1): desde o início,

Deus tinha em vista a glória da nova criação em Cristo.

281)  É por isso que as leituras da Vigília Pascal, celebração da criação nova em Cristo, começam

pelo relato da criação; da mesma forma, na liturgia bizantina, o relato da criação constitui sempre a

primeira leitura das vigílias das grandes festas do Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a instrução

dos catecúmenos para o batismo segue o mesmo caminho.

I. A CATEQUESE SOBRE A CRIAÇÃO

282) A catequese sobre a criação se reveste de uma importância capital. Ela diz respeito aos

próprios fundamentos da vida humana e cristã, pois explicita a resposta da fé cristã à pergunta elementar

feita pelos homens de todas as épocas: "De onde viemos?" "Para onde vamos?" "Qual é a nossa origem?"

"Qual é o nosso fim?" "De onde vem e para onde vai tudo o que existe?" As duas questões, a da origem e a

do fim, são inseparáveis. São decisivas para o sentido e a orientação de nossa vida e de nosso agir.

283)A questão das origens do mundo e do homem é objeto de numerosas pesquisas científicas que

enriqueceram magnificamente nossos conhecimentos sobre a idade e as dimensões do cosmo, o devir das

formas vivas, o aparecimento do homem. Essas descobertas nos convidam a admirar tanto mais a grandeza

do Criador, a render-lhe graças por todas as suas obras, pela inteligência e pela sabedoria que dá aos

estudiosos e aos pesquisadores. Com Salomão, estes últimos podem dizer: "Ele me deu um conhecimento

infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos... pois a Sabedoria,

artífice do mundo, mo ensinou" (Sb 7,17.22[a28] ).

284)  O grande interesse reservado a essas pesquisas é fortemente estimulado por uma questão de

outra ordem e que ultrapassa o âmbito próprio das ciências naturais. Não se trata somente de saber quando

e como surgiu materialmente o cosmo, nem quando o homem apareceu, mas, antes, de descobrir qual é o

sentido de tal origem: se ela é governada pelo acaso, um destino cego, uma necessidade anônima, ou por

um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E, se o mundo provém da sabedoria e da bondade

de Deus, por que existe o mal? De onde vem? Quem é o responsável por ele? Haverá como libertar-se dele?

285) Desde os inícios, a fé‚ cristã tem-se confrontado com respostas diferentes da sua no que diz

respeito à questão das origens. Assim, encontram-se nas religiões e nas culturas antigas numerosos mitos

acerca das origens. Certos filósofos afirmaram que tudo‚ é Deus, que o mundo é Deus, ou que o devir do

mundo é o devir de Deus (panteísmo); outros afirmaram que o mundo é uma emanação necessária de Deus,

emanação esta que deriva dessa fonte e volta a ela; outros ainda afirmaram a existência de dois princípios

eternos, o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, em luta permanente entre si (dualismo, maniqueísmo); segundo

algumas dessas concepções, o mundo (pelo menos o mundo material) seria mau, produto  de uma queda, e

portanto deve ser rejeitado ou superado (gnose); outros admitem que o mundo tenha sido feito por Deus,

mas à maneira de um relojoeiro que, uma vez terminado o serviço, o teria abandonado a si mesmo (deísmo);

outros, finalmente, não aceitam nenhuma origem transcendente do mundo, vendo neste o mero jogo de uma matéria que teria existido sempre (materialismo). Todas essas tentativas dão prova da permanência e da

universalidade da questão das origens. Esta busca é própria do homem.

286)  Sem dúvida, a inteligência humana já pode encontrar uma resposta para a questão das

origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza por meio de suas obras,

graças à luz da razão humana[fca30] , ainda que este conhecimento seja muitas vezes obscurecido e

desfigurado pelo erro.  É por isso que a fé vem confirmar e iluminar a razão na compreensão correta desta

verdade: "Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram formados por uma palavra de Deus. Por

isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas manifestas" (Hb 11,3[a31] ).

287)   A verdade da criação é tão importante para toda a vida humana que Deus, em sua ternura,

quis revelar a seu Povo tudo o que é útil conhecer a este respeito. Para além do conhecimento natural que

todo homem pode ter do Criador, Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da criação. Ele, que

escolheu os patriarcas, que fez Israel sair do Egito e que, ao escolher Israel, o criou e o formou, se revela

como Aquele a quem pertencem todos os povos da terra, e a terra inteira, como o único que "fez o céu e a

terra" (Sl 115,15; 124,8; 134,3).

288) Assim, a revelação da criação é inseparável da revelação e da realização da Aliança de Deus,

o Único, com o seu Povo. A criação é revelada como sendo o primeiro passo rumo a esta Aliança, como o

testemunho primeiro e universal do amor Todo-Poderoso de Deus. Além disso, a verdade da criação se

exprime com um vigor crescente na mensagem dos profetas, na oração dos salmos e da liturgia, na reflexão

da sabedoria do Povo eleito.

289)  Entre todas as palavras da Sagrada Escritura sobre a criação, os três primeiros capítulos do

Gênesis ocupam um lugar único. Do ponto de vista literário, esses textos podem ter diversas fontes. Os

autores inspirados puseram-nos no começo da Escritura, de sorte que eles exprimem, em sua linguagem

solene, as verdades da criação, da origem e do fim desta em Deus, de sua ordem e de sua bondade, da

vocação do homem e finalmente do drama do pecado e da esperança da salvação. Lidas à luz de Cristo, na

unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja, essas palavras são a fonte principal para a

catequese dos Mistérios "princípio": criação, queda, promessa da salvação.

II. A CRIAÇÃO - OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

290)  "No princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1). Três coisas são afirmadas nestas primeiras

palavras da Escritura: o Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo

“criar” - em hebraico, ''bara''  sempre tem como sujeito Deus). Tudo o que existe (expresso pela fórmula "o

céu e a terra") depende daquele que lhe dá o ser.

291) "No princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus... Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi

feito"(Jo 1,1-3). O Novo Testamento revela que Deus criou tudo por meio do Verbo Eterno, seu Filho bemamado. Nele "foram criadas todas coisas, nos céus e na terra... tudo foi criado por Ele e para Ele é antes de

tudo e tudo nele subsiste" (Cl 1,16-17). A fé da Igreja afirma outrossim a ação criadora do Espírito Santo:

Ele é o "doador de vida" "o Espírito Criador" ("Veni, Creator Spiritus"), a "Fonte de todo bem.

292) Insinuada no Antigo Testamento[fca44] , revelada na Nova Aliança, a ação criadora do Filho e

do Espírito, inseparavelmente una com a do Pai, é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: "Só

existe um Deus...: ele é o Pai, é Deus, é o Criador, é o Autor, é o Ordenador. Ele fez todas as coisas por si

mesmo, isto é, pelo seu Verbo e Sabedoria", "pelo Filho e pelo Espírito", que são como "suas mãos". A

criação é a obra comum da Santíssima Trindade.

III. "O MUNDO FOI CRIADO PARA A GLÓRIA DE DEUS"

293) Eis uma verdade fundamental que a Escritura e a Tradição não cessam de ensinar e de

celebrar: "O mundo foi criado para a glória de Deus". Deus criou todas as coisas, explica São Boaventura,

"non propter gloriam augendam, sed propter gloriam manifestandam et propter gloriam suam

communicandam - não para aumentar a [sua] glória, mas para manifestar a glória e para comunicar a sua

glória". Pois Deus não tem outra razão para criar a não ser seu amor e sua bondade: "Aperta manu clave

amoris creaturae prodierunt  - Aberta a mão pela chave do amor, as criaturas surgiram". E o Concílio

Vaticano I explica:Este único e verdadeiro Deus, por sua bondade e por sua "virtude onipotente", não para aumentar

sua felicidade nem para adquirir sua perfeição, mas para manifestar essa perfeição por meio dos bens que

prodigaliza às criaturas, com vontade plenamente livre, criou simultaneamente no início do tempo ambas as

criaturas do nada: a espiritual e a corporal.

294) A glória de Deus consiste em que se realize esta manifesta o e esta comunicação de sua

bondade em vista das quais o mundo foi criado. Fazer de nós "filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o

beneplácito de sua vontade para louvor à glória da sua graça" (Ef 1,5-6): "Pois a glória de Deus é o homem

vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se já a revelação de Deus por meio da criação proporcionou a

vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida

àqueles que vêem a Deus". O fim último da criação é que Deus, "Criador do universo, tornar-se-á “tudo em

todas as coisas' (1Cor 15,28), procurando, ao mesmo tempo, a sua glória e a nossa felicidade".

IV. O mistério da criação

DEUS CRIA POR SABEDORIA E POR AMOR

295) Cremos que Deus criou o mundo segundo sua sabedoria. O mundo não é o produto de uma

necessidade qualquer, de um destino cego ou do acaso. Cremos que o mundo procede da vontade livre de

Deus, que quis fazer as criaturas participarem de seu ser, de sua sabedoria e de sua bondade: "Pois tu

criaste todas as coisas; por tua vontade é que elas existiam e foram criadas”. (Ap 4,11). "Quão numerosas

são as tuas obras, Senhor, e todas fizeste com sabedoria!" (Sl 104,24). "O Senhor é bom para todos,

compassivo com todas as suas obras" (Sl 145,9[a58] ).

DEUS CRIA "DO NADA"

296) Cremos que Deus não precisa de nada preexistente nem de nenhuma ajuda para criar. A

criação também não é uma emanação necessária da substância divina[. Deus cria livremente "do nada":

Que haveria de extraordinário se Deus tivesse tirado o mundo de uma matéria preexistente? Um

artífice humano, quando se lhe dá um material, faz dele tudo o que quiser. Ao passo que o poder de Deus se

mostra precisamente quando parte do nada para fazer tudo o que quer.

297) A fé na criação a partir "do nada" é atestada na Escritura como uma verdade cheia de

promessa e de esperança. Assim a mãe dos sete filhos os encoraja ao martírio:

Não sei como é que viestes a aparecer no meu seio, nem fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem

também fui eu que dispus organicamente os elementos de cada um de vós. Por conseguinte, foi o Criador do

mundo que formou o homem em seu nascimento e deu origem a todas as coisas, quem vos retribuirá, na sua

misericórdia,   o espírito e a vida, uma vez que agora fazeis pouco caso de vós mesmos, por amor às leis

dele... Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que

não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma (2Mc

7,22-23.28).

298)   Uma vez que Deus pôde criar do nada, pode, pelo Espírito Santo, dar a vida da alma a

pecadores, criando neles um coração puro, e a vida do corpo aos falecidos, pela ressurreição, Ele, "que faz

viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem" (Rm 4,17). E uma vez que, pela sua Palavra,

pôde fazer resplandecer a luz a partir das trevas, pode também dar a luz da fé àqueles que a

desconhecem.

DEUS CRIA UM MUNDO ORDENADO E BOM

299) Já que Deus cria com sabedoria, a criação é ordenada: "Tu dispuseste tudo com medida número

e peso" (Sb 11,20). Feita no e por meio do Verbo eterno, "imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), a criação

está destinada, dirigida ao homem, imagem de Deus, chamado a uma relação pessoal com Ele. Nossa

inteligência, que participa da luz do Intelecto divino, pode entender o que Deus nos diz por sua criação, sem

dúvida não sem grande esforço e num espírito de humildade e de respeito diante do Criador e de sua obra. Originada da bondade divina, a criação participa desta bondade: "E Deus viu que isto era bom... muito

bom" (Gn 1,4.10.12.18.21.31). Pois a criação é querida por Deus como um dom dirigido ao homem, como

uma herança que lhe é destinada  e confiada. Repetidas vezes a Igreja teve de defender a bondade da

criação, inclusive do mundo material.

DEUS TRANSCENDE A CRIAÇÃO E ESTÁ PRESENTE NELA

300) Deus é infinitamente maior que todas as suas obras: "Sua majestade é mais alta do que os céus"

(Sl 8,2), "é incalculável a sua grandeza" (S1 145,3). Mas, por ser o Criador soberano e livre, causa primeira

de tudo o que existe, Ele está presente no mais íntimo das suas criaturas: "Nele vivemos, nos movemos e

existimos" (At 17,28). Segundo as palavras de Santo Agostinho, ele é "superior summo meo et interior intimo

meo - maior do que o que há de maior em mim e mais íntimo do que o que há de mais íntimo em mim".

DEUS MANTÉM E SUSTENTA A CRIAÇÃO

301) Com a criação, Deus não abandona sua criatura a ela mesma. Não somente lhe dá o ser e a

existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá-lhe o dom de agir e a conduz a seu  termo.

Reconhecer esta dependência completa em relação ao Criador é uma fonte de sabedoria e liberdade,

alegria e confiança:

Sim, tu amas tudo o que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se alguma coisa tivesses

odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa se não a tivesses querido? Como

conservaria a sua existência se não a tivesses chamado? Mas  a todos perdoas, porque são teus: Senhor,

amigo da vida! (Sb 11,24-26)

V. DEUS REALIZA O SEU PROJETO: A DIVINA PROVIDÊNCIA

302)  A criação tem sua bondade e sua perfeição próprias, mas não saiu completamente acabada

das mãos do Criador. Ela é criada "em estado de caminhada" ("in statu viae") para uma perfeição última a

ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou. Chamamos de divina providência as disposições pelas quais

Deus conduz sua criação para esta perfeição:

Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou; ela se estende "com vigor de um

extremo ao outro e governa o universo com suavidade" (Sb 8,1). Pois "tudo está nu e descoberto aos seus

olhos" (Hb 4,13), mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.

303)  O testemunho da Escritura é unânime: a solicitude da divina providência é concreta e direta,

toma cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história. Com

vigor, os livros sagrados afirmam a soberania absoluta de Deus no curso dos acontecimentos: "O nosso Deus

está no céu e faz tudo o que deseja" (S1 115,3); e de Cristo se diz: "O que abre e ninguém mais fecha, e,

fechando, ninguém mais abre" (Ap 3,7). "Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do

Senhor que permanece firme" (Pr 19,21).

304)  Assim vemos o Espírito Santo, autor principal da Escritura,  atribuir muitas vezes ações a Deus,

sem mencionar causas segundas. Esta não é uma "maneira de falar" primitiva, mas uma forma profunda de

lembrar o primado de Deus e o seu senhorio absoluto sobre a história e o mundo e de assim educar para a

confiança nele. A oração dos Salmos é a grande escola desta confiança.

305) Jesus pede uma entrega filial à providência do Pai Celeste, que cuida das mínimas

necessidades de seus filhos: "Por isso, não andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos

beber?... Vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas. Buscai, em primeiro lugar, o

Reino de Deus sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6,31-33).

A PROVIDÊNCIA E AS CAUSAS SEGUNDAS

306) Deus é o Senhor soberano de seus desígnios. Mas, para a realização dos mesmos, serve-se

também do concurso das criaturas. Isso não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e da bondade do

Deus Todo-Poderoso. Pois Deus não somente dá às suas criaturas o existir, mas também a dignidade de agirem elas mesmas, de serem causas e princípios umas das outras e de assim cooperarem no cumprimento

de seu desígnio.

307) Aos homens, Deus concede até de poderem participar livremente de sua providência, confiandolhes a responsabilidade de "submeter" a terra e de dominá-la. Deus concede assim aos homens serem causas

inteligentes e livres para completar a obra da Criação, aperfeiçoar sua harmonia para o bem deles e de

seus próximos. Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar

deliberadamente no plano divino, por suas ações, por suas orações, mas também por seus sofrimentos.

Tornam-se então plenamente "cooperadores de Deus" (1Cor 3,9) e do seu Reino.

308) Eis uma verdade inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em todo o agir de suas

criaturas. E é a causa primeira que opera nas causas segundas e por meio delas: "Pois é Deus quem opera

em vós o querer e o operar, segundo a sua vontade" (Fl 2,13). Longe de diminuir a dignidade da criatura, 

esta verdade a realça. Tirada do nada pelo poder, sabedoria,  bondade de Deus, a criatura não pode

nada se for cortada de sua origem, pois "a criatura sem o Criador se esvai"; muito menos pode atingir seu

fim último sem a ajuda da graça.

A PROVIDÊNCIA E O ESCÂNDALO DO MAL

309) Se Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, cuida de todas as suas

criaturas, por que então o mal existe? Para esta pergunta tão premente quão inevitável, tão dolorosa

quanto misteriosa, não h uma resposta rápida. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta

pergunta: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que se antecipa ao homem

por suas Alianças, pela Encarnação  redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pelo congraçamento da

Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamado a uma vida bem-aventurada à qual as criaturas livres são

convidadas antecipadamente a assentir, mas da qual podem, por um terrível mistério, abrir mão também

antecipadamente. Não há nenhum elemento da mensagem cristã que não seja, por uma parte, uma resposta

à questão do mal.

310) Mas por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nele não possa existir mal algum?

Segundo seu poder infinito, Deus sempre poderia criar algo melhor. Todavia, em sua sabedoria e bondade

infinitas, Deus quis livremente criar um mundo "em estado de caminhada" para sua perfeição última. Este

devir permite, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de determinados seres, também o

desaparecimento de outros, juntamente com o mais perfeito, também o menos imperfeito, juntamente com as

construções da natureza, também as destruições. Juntamente com o bem físico existe, portanto, o mal físico,

enquanto a criação não houver atingido sua perfeição.

311) Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para seu destino último por

opção livre e amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de fato, pecaram. Foi assim que o mal

moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais grave do que o mal físico. Deus não é de modo algum,

nem direta nem indiretamente, a causa do mal moral. Todavia, permite-o, respeitando a liberdade de sua

criatura e, misteriosamente, sabe auferir dele o bem:

Pois o Deus Todo-Poderoso..., por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em

suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio ma1.

312) Assim, com o passar do tempo, pode-se descobrir que Deus, em sua providência todo-poderosa,

pode extrair um bem das conseqüências de um mal, mesmo moral, causado por suas criaturas: "Não fostes

vós, diz José a seus irmãos, que me enviastes para cá, foi Deus;  - o mal que tínheis a intenção de fazer-me,

o desígnio de Deus o mudou em bem a fim de -  salvar a vida de um povo numeroso" (Gn 45,8; 50,20 Do

maior mal moral jamais cometido, a saber, a rejeição e homicídio do Filho de Deus, causado pelos pecados

de todos os homens, Deus, pela superabundância de sua graça, tirou o maior dos bens: a glorificação de

Cristo e a nossa Redenção. Com isso, porém, o mal não se converte em um bem.

313) "Sabemos que, para os que amam a Deus, tudo concorre para o bem" (Rm 8,28). O testemunho

dos santos não cessa de confirmar esta verdade.

Assim, Sta. Catarina de Sena diz "àqueles que se escandalizam e se revoltam com o que lhes

acontece": "Tudo procede do amor tudo está ordenado à salvação do homem, Deus não faz nada que não

seja para esta finalidade" E Santo Tomás More, pouco antes de seu martírio, consola sua filha: "Não pode

acontecer nada que Deus não tenha querido. Ora, tudo o que ele quer, por pior que possa parecer-nos, é o que há de melhor para nós" E Lady Juliana de Norwich: "Aprendi, portanto, pela graça de Deus, que era

preciso apegar-me com firmeza à fé e crer com não menor firmeza que todas as coisas irão bem.... “Tu

mesmo verás que qualquer tipo de circunstância servirá para o bem”  - Thou shalt see thyself that all

MANNER of thing shall be  well"

314) Cremos firmemente que Deus é o Senhor do  mundo e da história. Mas os caminhos de sua

providência muitas vezes  nos são desconhecidos. Só no final, quando acabar o nosso conhecimento parcial,

quando virmos Deus "face a face" (1 Cor 13,12), teremos pleno conhecimento dos caminhos pelos quais,

mesmo por meio dos dramas do mal e do pecado, Deus terá conduzido sua criação até o descanso desse

Sábado [fca109] definitivo[fca110] , em vista do qual criou o céu e a terra.

RESUMINDO

315) Na criação do mundo e dos homens, Deus colocou o primeiro e universal testemunho de seu amor

Todo-Poderoso e de sua sabedoria, o primeiro anúncio de seu "desígnio benevolente", o qual encontra sua

meta na nova criação em Cristo.

316)  Embora a obra da criação seja particularmente atribuída ao Pai, é igualmente verdade de fé

que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível princípio da criação.

317)  Só Deus criou o universo, livremente, diretamente, sem nenhuma ajuda.

318) Nenhuma criatura tem o poder infinito que é necessário para "criar" no sentido próprio da

palavra, isto é, produzir e dar o ser àquilo que não o tinha de modo algum (chamar à existência "ex nihilo"

"do nada").

319)  Deus criou o mundo para manifestar e para comunicar sua glória. Que suas criaturas participem

de sua verdade, de sua bondade e de sua beleza, é a glória para a qual Deus as criou.

320) Deus, que criou o universo o mantém na existência por seu Verbo, "este Filho que sustenta o

universo com o poder de sua palavra" (Hb 1,3) e pelo seu Espírito Criador que dá a vida.

321) A Divina Providência são as disposições pelas quais Deus conduz com sabedoria e amor todas

as criaturas até seu fim último.

322) Cristo convida-nos à entrega filial à Providência de nosso Pai celeste, e o Apóstolo São Pedro

lembra: "Lançai sobre ele toda a vossa preocupação porque é ele que cuida de vós".

323) A Providência divina age também por meio da ação das criaturas. Aos seres humanos Deus

concede cooperar livremente para seus desígnios.

324) A permissão divina do mal físico e do mal moral é um mistério que Deus  ilumina por seu Filho,

Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé nos dá a certeza de que Deus não permitiria o mal

se do próprio mal não tirasse o bem, por caminhos que só conheceremos plenamente na vida eterna.